v. 10 n. 19 (2021): Dossiê Protagonismo indígena e museu: abordagens e metodologias / Dossiê Museus, Museologia e Literatura: representações de mundo e técnicas narrativas
Dossiê O Protagonismo Indígena e Museu: abordagens e metodologias
O dossiê tem como objetivo reunir artigos nos quais o protagonismo indígena no museu seja o ponto essencial a ser difundido, podemos dizer, a participação de grupos ou comunidades acontece, tendo os indígenas como atores ativos do processo de curadoria.
A proposta gira em torno das relações entre povos indígenas e museus, considerando abordagens pós-colonialistas revisionistas e descoloniais, posicionando o protagonismo indígena nos processos museais contemporâneos como um direito à musealização.
É do interesse do dossiê conhecer e disseminar amplamente ações de curadoria promovidas por profissionais de museus e indígenas conjuntamente, favorecendo a autorrepresentação e a participação desses atores na elaboração dos discursos museais e nas elaborações reflexivas.
Para melhor entendimento, curadoria é considerada como todas as ações em torno do objeto museológico - formação de coleções, pesquisa, conservação, documentação, exposição e educação. Dessa forma, serão bem recebidas contribuições das(os) mais diversas(os) curadoras(es), ou seja, profissionais que compõe ou se integram ao processo curatorial em museus, a saber: pesquisadoras(es) de diversos campos, conservadoras(es), documentalistas, museólogas(os), educadoras(es), arquitetas(os), designers etc.
Igualmente, são esperadas contribuições de diversas áreas (museologia, antropologia, artes, arqueologia, psicologia, educação, arquitetura, comunicação social e outras) e tipologias de museus (antropológicos/etnológicos/etnográficos, artísticos, arqueológicos, históricos, ciência & tecnologia, de cultura popular e folclore, de cidade, comunitários etc.).
Outro aspecto a ser considerado são as metodologias adotadas na curadoria com indígenas, a considerar: a colaboração, pesquisa-ação, curadoria compartilhada, requalificação de coleção, etnomuseologia, etnoarqueologia e outras que nos tragam elementos para discussão sobre interações entre agentes indígenas e não indígenas nos procedimentos curatoriais, as relações de poder e na tomada de decisão, considerando disputas e conflitos, como também as negociações e acordos estabelecidos para se chegar a resultados, o que esperamos conhecer nos textos apresentados.
Tornando a ideia mais original, a proposta do dossiê abrange textos indígenas elaborados pelos mesmos sobre suas realidades, experiências, visões, curadorias e gestões museais. Temos como inspiração o depoimento:
“Meu nome é Inã que significa mãe. Sou Kujã [pajé], sou Kaingang. O que significa pra nós, o livro [lançado com artigos dela], é nós contando a nossa história, nóis mesmos contando a nossa história, do jeito que a gente fala, e o livro vai ser escrito do jeito que a gente fala da nossa cultura, do nosso povo, porque isso é muito importante pra nóis que fala da nossa cultura, não é outras pessoa, o que tá escrito no livro é do mesmo jeito, a mesma linguagem que a gente fala, não é a voz do não índio, é a voz do índio, é a voz nossa, nóis indígena, isso pra nóis é muito importante, porque não é outras pessoa que tá contando a história indígena, é nóis mesmo que tamo contando a nossa história, isso é muito importante pra mim, não só pra mim mas para o nosso povo isso é muito importante e nóis temos muito orgulho de falar de nós mesmo. Isso é muito orgulho!”
Dirce Jorge Lipu Pereira, Kaingang, TI Vanuíre, SP, 18 de maio de 2020.
Dossiê Museus, Museologia e Literatura: representações de mundo e técnicas narrativas
Museus, Museologia e Literatura entrecruzam-se por diversas vias. As conexões remontam à raiz etimológica da palavra museu, referente ao Templo das Musas – muitas delas diretamente ligadas à Literatura. Remetem também, o que é menos conhecido, à raiz mitológica de Museu, filho do poeta Orfeu, como lembra Marília Xavier Cury (1999). Uma das explicações possíveis para essa faceta poética (e, nesse aspecto, também política) dos museus está ancorada no mundo mitológico. Calíope, musa da poesia épica, filha de Zeus e Mnemósine, uniu-se a Apolo e gerou Orfeu. A epopeia de Calíope, a lírica de Apolo e os cantares de Orfeu preenchiam, assim, o mundo da poesia. De acordo com a narrativa mitológica, Orfeu se uniu a Selene (a Lua), gerando o poeta Museu “personagem semimitológico, herdeiro de divindades, comprometido com a instituição dos mistérios órficos, autor de poemas sacros e oráculos. Esta tradição mitológica sugere a ideia de que o museu é um canto onde a poesia sobrevive” (CHAGAS, 2002: 5). Canto, aqui, pode ser tanto lugar como música de exaltação. E a poesia a que se refere Chagas pode ser compreendida em uma acepção ampla, despretensiosa. Entender o museu como canto – lugar e louvor – propício à sobrevivência da poesia, está, sob esse aspecto, relacionado às operações simbólicas realizadas nas instituições museológicas.
Apesar dessas conexões possíveis, a literatura nem sempre é significativamente mobilizada nos acervos e práticas museológicas. Por um lado, musealizar a literatura é difícil, inclusive nos museus em que se pressupõe o literário como elemento central. Ela também não está entre os assuntos mais frequentes quando se discute Museologia e suas disciplinas fronteiriças. Por outro lado, seria falso afirmar a completa exclusão da literatura dos cenários museal e museológico. Isto porque, entre outras razões, há associações dedicadas a estudos sobre museus literários, rotas literárias e/ou casas de escritores em diversos países, além de um Comitê Internacional de Museus Literários [e de Compositores] no Conselho Internacional de Museus (ICLCM – ICOM), criado em 1977, e que congrega especialmente casas de escritores e de escritoras (além de outros tipos de museus literários e de casas de compositoras e de compositores).
Ao passar da presença da literatura nos museus aos museus em obras literárias, cabe refletir sobre os questionamentos a seguir. Como foram representados os museus na tradição literária? O que a Museologia pode aprender por meio das obras literárias em que os museus são representados e das análises literárias feitas a respeito delas? São perguntas que possibilitam articular análises literárias, comparações entre museus e suas respectivas representações na ficção, análises de expografia, entre outros tipos de estudos. É possível pensar ainda nas contribuições cruzadas que escritores e estudiosos da literatura, bem como museólogos e profissionais de museus, podem oferecer para os campos dos Estudos Literários, da criação literária, da Museologia e da prática profissional nos museus.
Um ponto delicado no contato entre Museologia e Estudos Literários é o emprego recorrente, em referência a museus, do termo “narrativa”. Quando nos referimos a narrativas museológicas, será o mesmo conceito a que se referem os estudiosos da Literatura quando abordam narrativas literárias? Pesquisas que contribuam para a consolidação de uma teoria da narrativa museológica, que pode abarcar desde as políticas de aquisição e descarte até estratégias mais concretas de comunicação museológica, com destaque para as chamadas narrativas expositivas, consistem em um caminho a ser trilhado. A análise de exposições em que a narrativa por meio de objetos seja considerada ponto central e seus procedimentos de composição em diferentes contextos culturais ainda consiste em um tímido movimento no campo da Museologia.
Por meio dos artigos e entrevistas nós nos propomos a contribuir para uma construção interdisciplinar e coletiva de respostas às várias perguntas levantadas ao longo deste texto. Mais do que isso, nosso objetivo é abrir espaço para a geração de novos questionamentos e reflexões que amparem pesquisadores e profissionais técnicos da Museologia e dos Estudos Literários e fomentem o crescimento de ambas as áreas e do campo interdisciplinar que as conecta.