V. 8 N. 3 (2020): Dossiê "O Governo dos Algoritmos: A Morte da Política?"
É inegável que a internet, os dispositivos móveis e as plataformas digitais provocaram uma verdadeira revolução no modo como produzimos, fazemos circular e recebemos informações. As mudanças são de tal ordem que é comum se falar em revolução, em uma nova realidade e em um modo de vida inédito no seio de uma nascente sociedade da informação. Essas transformações trazem, contudo, novos problemas e desafios, sendo preciso avaliar criticamente o mundo que se avizinha, que está longe de ser simplesmente uma utopia enfim realizada. Nesse contexto, convém refletir também sobre o futuro da política em diversas de suas dimensões, tocando em temas como a deformação da esfera pública, a crise institucional, os retrocessos sociais e o desmoronamento das democracias liberais.
O que podemos entender por um “governo dos algoritmos”? Em seu sentido mais próprio, de acordo com Michel Foucault, governar envolve dirigir a si mesmo ou a outrem de uma maneira mais ou menos racional e sistemática, visando fins específicos. Trata-se de uma atividade que afeta, guia e formata nossa ação. O foco do governo reside assim em “conduzir condutas” e “ordenar a probabilidade”, ou seja, no direcionamento dos comportamentos por meio de incitação, indução, sedução ou constrangimento e proibição, de modo a tornar mais ou menos provável um determinado curso de ação. Nesse sentido, podemos dizer que uma nova estratégia de governo é colocada em funcionamento por meio de complexos algoritmos, que cada vez mais direcionam nossas condutas e influenciam decisivamente nossas práticas de consumo, nossas escolhas políticas e a formação de nossas opiniões. Esse novo governo baseia-se fundamentalmente na vigilância e extração automatizada de dados (dataveillance) que são processados, filtrados e correlacionados (datamining) de modo a permitir a elaboração algorítmica de perfis (profiling), capazes de antecipar comportamentos e agir sobre as ações futuras.