v. 29 n. 52 (2020): Dossiê: Realismo e atualidade: horizontes da criação artística em tempos hostis
Conforme Lukács sublinhou em sua Estética (1963), a obra de arte é uma totalidade intensiva e, não, extensiva. Porém, se na sociedade capitalista a totalidade de objetos (ou a apresentação de um estado de mundo) não é mais possível, que possibilidades se fecham e também se abrem para a arte frente à realidade atual? Apresenta-se, assim, a questão do realismo como inseparável da luta contra a reificação e as formas de opressão dela resultantes. Em tempos hostis à arte e à sociabilidade humanizada, configurar a totalidade artisticamente será, então, uma forma de combate contra o mundo reificado, conduzido por forças autoritárias? A obra de arte será, desse modo, capaz de iluminar as contradições que o capitalismo impõe no início deste século XXI? No mundo do capitalismo com dimensão planetária, pode a arte configurar a totalidade, e não apenas configurar, mas também vislumbrar horizontes de superação? Tais questionamentos permanecem válidos neste momento em que a teoria e a crítica literária voltam a falar em “impulso realista” (Ulka Anjaria: “The Realist Impulse and the Future of Poscoloniality”) ou “Worlding Realism” (Lauren M. E. Goodlad: introdução a “Worlding Realism Now”. Novel: A Forum on Fiction 49:2, 2016) ou ainda “Peripheral Realisms” (Jed Esty and Coleen Lye: “Peripheral Realisms Now”. Modern Language Quarterly 73:3, 2012). A retomada, hoje, na Europa, na Ásia e na América, dessas discussões, desde há muito centrais para a crítica estética dialética, indica a sua importância na atualidade e a necessidade de aprofundá-las, assumindo também a sua clara dimensão humana e social, sem a qual elas são meramente retóricas. Levando-se em conta a grandeza e a profundidade que a arte proporciona à inteligibilidade da história e da ação humana, principalmente em momentos em que a realidade impõe limites ao seu entendimento, torna-se imprescindível aprofundar a discussão acerca das contradições pretéritas ainda não resolvidas, dos desafios do presente e das perspectivas futuras, por meio de uma das maiores riquezas da produção humana: a arte, memória viva da humanidade, crítica da vida e modo de descobrir o núcleo da vida entre os mecanismos crescentes de alienação e opressão do ser humano.
Neste número da Cerrados, “Realismo e atualidade: horizontes da criação artística em tempos hostis”, reunimos artigos que dedicados à discussão dos limites e das possibilidades das formas artísticas, especialmente as literárias, no interior da sociedade capitalista e seus mecanismos de estreitamento opressivo e alienante, bem como vislumbrar perspectivas de superação, a partir da problematização e da figuração das contradições aprofundadas em conjuntura de rearranjo autoritário. Encontram-se, também, no espectro da reflexão proposta por este volume da Cerrados, artigos que abordam os seguintes problemas: 1) as relações contraditórias entre a literatura e as velhas e novas formas de autoritarismo; 2) as especificidades dos gêneros literários e artísticos em sua conexão com a vida social; 3) o estudo da particularidade estética em contextos de opressão; 4) as formas da poesia, da novela, do conto e do romance, considerando-se as formulações de tradição estética ocidental frente à atualidade; 5) o estudo do realismo na dimensão da dialética hegemonia e marginalidade; centro e periferia.
Ao menos um dos autores da contribuição enviada deverá ter a titulação de doutor.