Sexo, dinheiro e escravidão contemporânea: tráfico de travestis e mulheres trans do Brasil para a Europa com fins de exploração sexual

Autores

DOI:

https://doi.org/10.26512/revistainsurgncia.v10i1.50069

Palavras-chave:

Escravidão contemporânea, Prostituição, Tráfico de pessoas, Mulheres trans, Travestis

Resumo

Se bem é certo que sexo e dinheiro podem aparecer como noções subversivas que atraem facilmente muita atenção, também é nítido que as questões levantadas neste artigo – que partem do nexo entre esses termos – são, paradoxalmente, vastamente invisibilizadas. Esta invisibilidade parece ser contraproducente, tendo em vista a importância dos fenômenos descritos neste trabalho, e justifica-o por si mesma. Ao debruçar-se sobre os vários mecanismos que levam à imigração, voluntária ou não, de travestis e mulheres trans brasileiras para a Europa, este artigo pretende enfatizar as realidades sociais e concretas suportadas, nesse contexto, pelas vítimas de exploração sexual. Como veremos neste estudo, essa migração particular é explicada e impulsionada por um forte desejo desses sujeitos de se realizarem com mais liberdade e dignidade no contexto europeu e escaparem, assim, de realidades sociais permeadas por discriminações e ataques que se dão no cotidiano brasileiro. No entanto, evidencia-se que, quando chegam à Europa, essas vítimas se deparam com uma amarga realidade, em que os seus direitos são violados e o regresso ao passado parece, por vezes, impossível. Seguindo uma perspectiva socioantropológica e jurídica, o objetivo deste trabalho é analisar as características desse tipo de tráfico sexual que, como veremos, pode ser identificado como uma forma de escravidão contemporânea. Assim, discutiremos as principais noções e conceitos relacionados a essa questão, antes de analisarmos as manifestações concretas dessa forma de escravidão contemporânea, no intuito de explicá-las mais detidamente.

Biografia do Autor

Leonam Lucas Nogueira Cunha, Universidade de Salamanca, Salamanca, Espanha

Professor colaborador na Universidade de Salamanca. Doutor em Estado de Direito e Governança Global e Mestre em Estudos de Gênero pela Universidade de Salamanca, Espanha – USAL. Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Brasil – UFRN.

Jules Ponthieu, Universidade de Salamanca, Salamanca, Espanha

Doutorando na Universidade de Salamanca. Licenciado em Ciência Política pela escola francesa Sciences Po Lille e pela Universidade de Salamanca. Especialista em políticas públicas.

Lucas Isaac Soares Mesquita, Universidade de Salamanca, Salamanca, Espanha

Doutor em Direito do Trabalho pela Universidade de Salamanca, Espanha - USAL. Mestre em Direito Público e graduado em Direito pela Universidade Federal de Alagoas, Brasil - UFAL. É advogado e pedagogo.

Referências

ALONSO, Esteban J. P. Tratamiento jurídico-penal de las formas contemporáneas de esclavitud. In: ALONSO, Esteban J. P. Alonso (dir.). El derecho ante las formas contemporáneas de esclavitud. Valência: Tirant lo Blanch, 2017.

AIZURA, Aren Z. Trans feminine value, racialized others and the limits of necropolitics. In: HARITAWORN, Jin; KUNTSMAN, Adi; POSOCCO, Silvia (ed.). Queer necropolitics. Nova Iorque-Abingdon: Routledge, 2014.

ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE LÉSBICAS, GAYS, BISSEXUAIS, TRAVESTIS, TRANSEXUAIS E INTERSEXOS. Do luto à luta: violência contra defensores de direitos humanos LGBTI+ no Brasil, 2021.

BENJAMIN, Harry. The transsexual phenomenon. Nova Iorque: Inc. Publishers, 1966.

BENTO, Berenice. O que é transexualidade. São Paulo: Brasiliense, 2008.

BRONSTEIN, Arturo. Erradicación del trabajo forzoso: perspectivas desde Ginebra, Estrasburgo y San José. Revista de Derecho Aplicado LLM UC, Santiago do Chile, n. 4, ago.-dez. 2019.

BUTLER, Judith. El género en disputa: el feminismo y la subversión de la identidad. Barcelona: Paidós, 2007.

CARVALHO, Henrique R. de. Operação Cinderela: trabalho escravo contemporâneo e diversidade de gênero no Brasil. In: FIGUEIRA, Ricardo R., A. A. PRADO, Adonia A.; MOTA, Murilo P. da. Escravidão ilegal: migração, gênero e novas tecnologias em debate. Rio de Janeiro: Mauad X, 2022.

CUNHA, Leonam L. N. La dictadura binaria del género y la patologización de las trans-identidades: un análisis foucaultiano y algunas cuestiones conceptuales. In: IBÁÑEZ, María L. M.; PÉREZ, Marta del P. (ed.). Estudios interdisciplinares de género. Valência: Tirant lo Blanch, 2020.

CUNHA, Leonam L. N. Queerizar el derecho: una estrategia para analizar el reconocimiento de derechos trans en España y Brasil bajo el paradigma de los derechos humanos. Salamanca: Programa de Doctorado en Estado de Derecho y Gobernanza Global, Facultad de Derecho, Universidad de Salamanca, 2021.

CUNHA, Leonam L. N. Queer Methodologies in the Study of Law: Notes about Queering Methods. Australian Feminist Law Journal, Londres, v. 49, n. 1, p. 159-184, 11. abr. 2023.

DOAN, Petra. You’ve come a long way, baby: unpacking the metaphor of transgender mobility. In: BROWN, Gavin; BROWNE, Kath (ed.). The Routledge Research Companion to Geographies of Sex and Sexualities. Nova Iorque-Abingdon: Routledge, 2016.

DUQUE, Tiago. Montagens e Desmontagens: desejo, estigma e vergonha entre travestis adolescentes. São Paulo: Annablume, 2011.

EDMONDS, Alexander. “The poor have the right to be beautiful”: cosmetic surgery in neoliberal Brazil. Journal of the Royal Anthropological Institute, Londres, v. 13, n. 2, p. 363-381, 15. maio 2007.

ESCRITÓRIO DAS NAÇÕES UNIDAS SOBRE DROGAS E CRIME (UNODC). Relatório nacional sobre tráfico de pessoas: dados 2017 a 2020, 2021. Disponível em: https://www.gov.br/mj/pt-br/assuntos/sua-protecao/trafico-de-pessoas/publicacoes/relatorio-nacional-trafico-de-pessoas_2017-2020.pdf

G1 RIBEIRÃO PRETO E FRANCA. Operação Cinderela: 6 são presos por suspeita de exploração de transexuais em Ribeirão Preto. G1, Ribeirão e Franca, 13 mar. 2019. Disponível em: https://g1.globo.com/sp/ribeirao-preto-franca/noticia/2019/03/13/operacao-cinderela-investiga-exploracao-de-transexuais-em-ribeirao-preto.ghtml.

GOLDMAN, Dalia. Esclavos siglo XXI: maquiladoras, explotación sexual y otras formas de servidumbre. Cidade do México: L. D. Books, 2014.

GOMES, Nilma L. Sem perder a raiz: corpo e cabelo como símbolos da identidade negra. Belo Horizonte: Autêntica, 2006.

HIRSCHFELD, Magnus. Transvestites: the erotic drive to cross dress. Buffalo: Prometheus Books, 1992 [1910].

HUTTA, Jan S.; BALZER, Carsten. Identities and citizenship under construction: historicising the ‘T’ in LGBT anti-violence politics in Brazil. In: TAYLOR, Yvette; M. ADDISON, Michelle (eds.). Queer Presences and Absences. Basingstoke: Palgrave Macmillan, 2013.

INTERNATION LABOUR ORGANIZATION, WALK FREE FOUNDATION; INTERNATIONAL ORGANIZATION FOR MIGRATION. Global Estimates of Modern Slavery. Genebra, 2017. Disponível em: https://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public/---dgreports/---dcomm/documents/publication/wcms_575479.pdf

INTERNATIONAL SOCIETY OF AESTHETIC PLATIC SURGERY. International Survey on Aesthetic/Cosmetic, 2016. Disponível em: https://www.isaps.org/medical-professionals/isaps-global-statistics/

JARRÍN, Alvaro. Towards a biopolitics of beauty: eugenics, aesthetic hierarchies and plastic surgery in Brazil. Journal of Latin American Cultural Studies, v. 24, n. 4, p. 535-552, 2015.

JARRÍN, Alvaro. Untranslatable subjects: travesti access to Public Health Care in Brazil. Transgender Studies Quarterly, v. 3, n. 3-4, p. 357-375, 2016.

JARRÍN, Alvaro. The biopolitics of beauty: cosmetic citizenship and affective capital in Brazil. Berkeley: University of California Press, 2017.

JESUS, Jaqueline G. de. (2012). Orientações sobre identidade de gênero: conceitos e termos. Brasília.

KOMETANI, Pâmela. Transexuais enfrentam barreiras para conseguir aceitação no mercado de trabalho. G1, São Paulo, 12 set. 2017. Disponível em: https://g1.globo.com/economia/concursos-e-emprego/noticia/transexuais-enfrentam-barreiras-para-conseguir-aceitacao-no-mercado-de-trabalho.ghtml

KULICK, Don. Travesti: prostituição, sexo e cultura no Brasil. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2008.

LEWIS, Holly. La política de todes: feminismo, teoría queer y marxismo en la intersección. Barcelona: Bellaterra, 2020.

LINS JÚNIOR, George S.; MESQUITA, Lucas I. S. Neoconstitucionalismo ou supremocracia? Uma análise do ativismo judicial no reconhecimento do nome social de pessoas trans na ação direta de constitucionalidade nº 4.275. Revista Direitos Fundamentais & Democracia, Curitiba, v. 4, n. 1, p. 161-190, 2019. Disponível em: https://revistaeletronicardfd.unibrasil.com.br/index.php/rdfd/article/view/1442/574

MARILAC, Luísa; QUEIROZ, Nana. Eu, travesti: memórias de Luísa Marilac. Rio de Janeiro: Record, 2019.

MESQUITA, Lucas I. S. Escravidão contemporânea: definições, evolução hermenêutica e sua reprodução. In: Temas de crítica ao direito, vol. 2. Maceió: EDUFAL, 2022.

MORALES, Ricardo M. Las nuevas formas de esclavitud en los textos constitucionales y declaraciones internacionales de derechos. In: ALONSO, Esteban J. P. et al. (dir.). El derecho ante las formas contemporáneas de esclavitud. Valência: Tirant lo Blanch, 2017.

NERY, João W. Velhice transviada. Rio de Janeiro: Objetiva, 2019.

OLIVEIRA, Jôyara M. S. de; ANJOS, Hildete P. dos. Trabalho escravo contemporâneo: a disputa ideológica na produção de um conceito. In: FIGUEIRA, Ricardo R.; PRADO, Adonia A.; GALVÃO, Edna M. (org.). Escravidão: moinho de gentes no século XXI. Rio de Janeiro: Ed. Mauad X, 2019.

PATRÍCIO, Maria C. No truque: transnacionalidade e distinção entre travestis brasileiras. Recife: Programa de Pós-Graduação (Mestrado) em Antropologia da Universidade Federal de Pernambuco, 2008.

PEREIRA, Marcela R. Trabalho escravo contemporâneo: onde se encontram as mulheres? Belo Horizonte: Editora Conhecimento, 2020.

PISCITELLI, Adriana. Entre as ‘máfias’ e a ‘ajuda’: a construção de conhecimento sobre tráfico de pessoas. Cadernos Pagu, v. 31, 2008.

PLASSAT, Xavier. Ciclo de debates: Entre a escravidão e a busca pela dignidade do trabalho. Trabalho escravo contemporâneo: história e denúncia. Rio de Janeiro, 2020. Vídeo 148 minutos. Transmitido ao vivo em 19 out. 2020 via YouTube. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=0fosgCmbfRw

REPÓRTER BRASIL. Trabalho escravo contemporâneo: 20 anos de combate (1995-2015), 2015. Disponível em: https://reporterbrasil.org.br/wp-content/uploads/2015/02/folder20anos_versaoWEB.pdf

ROJAS CASTRO, Daniela; ZARO ROSADO, Iván; NAVAZO FERNÁNDEZ, Teresa. Trabajadoras transexuales del sexo: el doble estigma. Madri: Fundación Triángulo, 2009.

SUZUKI, Natália. (org.). Trabalho escravo e gênero: quem são as mulheres escravizadas no Brasil? São Paulo: Repórter Brasil, 2020. Disponível em: http://escravonempensar.org.br/wp-content/uploads/2020/09/GENERO_EscravoNemPensar_WEB.pdf

TAMPEP. Sex work in Europe: a mapping of the prostitution scene in 25 European Countries, 2009. Disponível em: https://tampep.eu/resources/

TAVARES, Bruno. Operação Fada Madrinha prende 5 por suspeita de tráfico internacional de transexuais brasileiras. G1, Ribeirão e Franca, 9 out. 2018. Disponível em: https://g1.globo.com/sp/ribeirao-preto-franca/noticia/2018/08/09/operacao-fada-madrinha-apura-suspeita-de-trafico-internacional-de-transexuais-e-trabalho-escravo.ghtml.

TEIXEIRA, Flávia do B. L’Italia dei Divieti: entre o sonho de ser européia e o babado da prostituição. Cadernos Pagu, n. 31, 2008.

UNITED NATIONS. Protocol to prevent, suppress and punish trafficking in persons especially women and children, supplementing the United Nations Convention against Transnational Organized Crime, 2000. Disponível em: https://www.ohchr.org/en/instruments-mechanisms/instruments/protocol-prevent-suppress-and-punish-trafficking-persons

VARTABEDIAN, Julieta. Brazilian travesti migrations: gender, sexualities and embodiment experiences. Cambridge: Palgrave Macmillan, 2018.

Downloads

Publicado

31.01.2024

Como Citar

NOGUEIRA CUNHA, Leonam Lucas; PONTHIEU, Jules; MESQUITA, Lucas Isaac Soares. Sexo, dinheiro e escravidão contemporânea: tráfico de travestis e mulheres trans do Brasil para a Europa com fins de exploração sexual. InSURgência: revista de direitos e movimentos sociais, Brasília, v. 10, n. 1, p. 611–639, 2024. DOI: 10.26512/revistainsurgncia.v10i1.50069. Disponível em: https://periodicos.unb.br/index.php/insurgencia/article/view/50069. Acesso em: 27 abr. 2024.

Artigos Semelhantes

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 > >> 

Você também pode iniciar uma pesquisa avançada por similaridade para este artigo.