Luto impossível e melancolia na tradução de Memórias do Cárcere
DOI :
https://doi.org/10.26512/belasinfieis.v10.n3.2021.31988Mots-clés :
Tradução literária. Mémoires de Prison. Escrita testemunhal. Graciliano Ramos. Jacques Derrida.Résumé
Propomos urdir um paralelo entre o trabalho de luto e a cena tradutória ”“ que compreende o instante da escrita tradutória, os tradutores e o texto a traduzir ”“ partindo da leitura de Memórias do Cárcere, de Graciliano Ramos (1954), e da sua tradução em Mémoires de Prison, elaborada por Antoine Seel e Jorge Coli (1988). Seguindo o rastro do pensamento de Jacques Derrida, argumentamos que a tradução mobiliza um processo perdurável de luto pela necessária introjeção do texto “original” e, paradoxalmente, pela impossibilidade de realizar tal intento, uma vez que o outro e sua escrita não estão disponíveis em um presente resgatável. Diante da assimilação interrompida, o luto permanece aberto, prolongando-se na sua indecidibilidade e, por conseguinte, abrindo-se à condição melancólica na “ânsia desejante” pela “inexistente completude” (PERES, 2011) de uma escrita original. Na investigação da tradução da narrativa testemunhal de Graciliano Ramos para o francês, atestamos a performance enlutada dos tradutores que, no esforço de repetirem as feridas do outro encarcerado, operam a transformação da sua escrita, deixando entrever as marcas de um luto pelo original que não é presente em si. Desse modo, os tradutores buscam se apropriar sem se apropriar completamente do outro, falar com ele sem silenciá-lo, rasurar sua escrita, sem destruí-la, contra-assinando o texto e um resto secreto e inapropriável da sua alteridade. Apreendemos vestígios dessa busca de apropriação por meio das palavras não traduzidas, das notas explicativas que acompanham essas transcrições, dos signos que, transformados no processo tradutório, compõem a trama melancólica da escrita de Graciliano e dos tradutores; e, por fim, vemos traços dessa busca interrompida de introjeção da escrita do outro na mutação que os tradutores operam no movimento antagônico da melancolia e na linguagem elíptica e “seca” do testemunho original. Nesses gestos, os rastros de uma ferida aberta em Memórias do cárcere são relevados por Seel e Coli em Mémoires de Prison, no sentido que Derrida (2000) enreda à ação de “relevar”: suprimir e elevar, num mesmo movimento de iterabilidade (repetição e diferimento) que guarda o luto pelo outro não-presente e pela sua assinatura não-apropriável. Os dados aqui apresentados partem da análise da tradução do primeiro volume das Memórias, intitulado “Viagens”.
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