Vol. 6 Núm. 1 (2018): Dossiê "O Homem e seus Mundos - Perspectivas Filosóficas e Científicas"
Depois de três décadas de contribuição ao ensino, à pesquisa, à orientação e à coordenação de grupos de pesquisa, particularmente em Filosofia da Biologia, nosso colega Paulo Abrantes aposentou-se do cargo de professor titular da Universidade de Brasília, no Departamento de Filosofia e no Instituto de Biologia. Pesquisador amplamente reconhecido em sua área de trabalho, bolsista de produtividade do CNPq, nível I, a aposentaria do professor Abrantes não poderia ficar indiferente aos que tiveram e têm o privilégio de trabalhar com ele. Assim, com o apoio do Departamento de Filosofia, do Programa de Pós-Graduação em Filosofia (PPG-FIL), do Projeto Douta Ignorância e do Instituto de Biologia, foi organizado um colóquio em sua homenagem, e coube a nós a grata tarefa de organizá-lo. Convidamos colegas que trabalham nas áreas de pesquisa do professor Abrantes ”“ História e Filosofia da Ciência, Filosofa da Biologia e Filosofia da Mente ”“ para apresentarem trabalhos nesses temas. Dessa maneira, entre os dias 28 e 30 de junho de 2017 ocorreu o Colóquio O Homem e seus Mundos ”“ Perspectivas filosóficas e científicas: Encontro em torno do Percurso Acadêmico do Professor Paulo C. Abrantes. Quinze professores de universidades do Brasil e do exterior participaram do Colóquio, com apresentações de suas pesquisas. Os debates que se seguiram às palestras também não poderiam ter sido mais proveitosos.
Os trabalhos resultantes do Colóquio, que compõem essa edição da Revista de Filosofia Moderna e Contemporânea, são parte do que foi apresentado no auditório do Instituto de Biologia e na Biblioteca Central da UnB, naqueles dias do agradável inverno brasiliense. Os temas refletiram as áreas que o professor Abrantes tem estudado nessas três décadas de atividade científica e foram bem representativos de suas pesquisas. Os títulos das palestras e mesas-redondas foram os seguintes: As relações entre História da Ciência e Filosofia da Ciência; Por que o pluralismo interessa à epistemologia?; Estruturas linguísticas, paradigmas e holismo; Uma definição integradora do conceito de informação: aproximações deaconianas; Una Biología, muchas Biologías: ¿estamos frente a un proceso de fragmentación em la Biología?; Sistemas de herança: as múltiplas dimensões da Evolução; A trajetória evolutiva humana contada pelos fósseis; Mutações no estilo de pensamento: Ludwik Fleck e o modelo biológico na historiografia da ciência; Filosofia, Biologia e Ciências Sociais; Causação na biologia e na psicologia; La atribución mental y La segunda persona; La epistemología evolucionista y el debate sobre el realismo; Paulo C. Abrantes e Alvin Plantinga em torno do naturalismo: pelo menos dois modos de fazer filosofia da ciência. Após o Colóquio, alguns autores alteraram os títulos ou fizeram acréscimos, como pode ser visto nos artigos a seguir, mas sempre dentro da temática original.
O leitor dos artigos deste número certamente encontrará textos de altíssimo interesse para a filosofia atual. É possível, porém, que alguns desses trabalhos sejam considerados pouco filosóficos por alguns pesquisadores mais acostumados com a ênfase costumeiramente dada à história da filosofia no universo acadêmico brasileiro. O estranhamento maior vai se dar provavelmente na leitura de textos de autores originalmente da Biologia. A Filosofia da Ciência, da qual a Filosofia da Biologia é uma subárea, se dedica a refletir sobre os fundamentos conceituais e metodológicos das ciências empíricas modernas; e, principalmente desde os trabalhos de Thomas Kuhn nos anos 1960, ela é tida pela maioria dos seus especialistas como indissociável da História da Ciência. Alguns dos trabalhos aqui que mais fogem ao padrão de história da filosofia que temos no Brasil se dedicam a esses temas e problemas em história e filosofia das ciências modernas. O pressuposto por trás dessa ligação estreita entre a reflexão filosófica e o conhecimento científico é o de que o estudo das grandes questões que sempre interessaram à filosofia (o ser, o conhecer, o agir) se enriquece enormemente com o diálogo com as ciências. Para se responder a questão antropológica, por exemplo, (o que é o homem? ”“ a quarta pergunta central da filosofia para Kant e a qual Abrantes se dedicou mais nos últimos anos), não há como deixar de lado o que dizem as ciências empíricas sobre as origens da espécie humana e a relação entre natureza e cultura. E essa é uma atitude assumida de forma central pela filosofia moderna e contemporânea; não nos esqueçamos que Descartes era matemático, que o título da principal obra de Isaac Newton (um marco fundamental da ciência moderna) se chamava Princípios Matemáticos da Filosofia Natural, que Kant era geógrafo e astrônomo e que Marx deu importantes contribuições a ciências como Economia ou História. Assim, além de trazer artigos que têm valor por si mesmos, o presente volume pretende fazer pensar sobre a filosofia em nosso tempo e seu diálogo imprescindível com as ciências.