Editorial / Dossiê Temático - Diálogos, Encontros e Agenciamentos da Direção Vocal com as Artes Cênicas
DOI:
https://doi.org/10.26512/vozcen.v6i01.58776Palavras-chave:
Editorial, Dossiê Temático, Diálogos, Encontros e Agenciamentos da Direção Vocal com as Artes CênicasResumo
Editorial / Dossiê Temático
Diálogo, Encontro e Agenciamento da Direção Vocal nas Artes Cênicas
por João Henriques, Eugênio Tadeu Pereira, Janaína Träsel Martins, Letícia Carvalho, Lúcia Gayotto e Vagner de Souza Vargas
No teatro contemporâneo, a direção vocal transita entre o treinamento, a escuta, a mediação e a criação, sustentando um processo colaborativo que constrói, abraça e afirma a visão artística do espetáculo. Busca ampliar a consciência do ator sobre a vocalidade poética - falada ou cantada - por meio de práticas criativas integradas ao processo de criação cênica. Assim entendida, a direção vocal expande-se da preparação vocal, integrando-a e articulando-a com o conhecimento e a sensibilidade ligadas ao fazer teatral.
Com o intuito de dar visibilidade às diversas práticas da direção vocal, neste dossiê tématico da Revista Voz e Cena propusemos explorar três modelos relacionais fundamentais - o diálogo, o encontro e o agenciamento - como eixos ético-estéticos na construção da vocalidade em contextos de criação. Esses modelos, que se tocam e cruzam entre si, não se esgotam na interação com o ator e o elenco, mas atravessam as relações com a direção e as equipes técnicas e de produção. São formas de relação que implicam presença, atenção e corresponsabilidade, em linha com uma visão da voz enquanto acontecimento performativo e intersubjetivo.
O diálogo se apresenta como um processo fundamental de troca e escuta ativa, que alicerça o processo de criação e composição da vocalidade em cena: entre diretor vocal e intérprete, entre voz e corpo, entre texto e espaço, entre prática e poética. O diálogo sugere copresença e co-agência: uma direção vocal que não impõe, mas propõe; que não só conduz de fora, mas participa desde dentro, abrindo espaço à alteridade da voz do outro, ao seu modo próprio de dizer-se no mundo. Dialogar, neste contexto, implica reconhecer que a direção vocal também é afetada e transformada pelo encontro com os processos criativos que acompanha.
O encontro revela-se como o momento sensível e ético onde as vozes se entrelaçam. É nessa zona de abertura que muitas práticas de direção vocal contemporânea procuram se situar: como escuta do corpo vibrátil, como ativação de memórias sonoras, como partilha de volições. O encontro, nesta perspectiva, almeja a criação de um espaço de suspensão egóica que, sensibilizado pela escuta, transforma o acontecimento relacional num campo de emergência criativa. Nesta perspectiva, a direção vocal entende-se como uma prática que cultiva a singularidade de cada relação, tanto em cena quanto entre os integrantes da equipe criativa e de produção, num espaço de atenção e cuidado.
Na noção de agenciamento, propôs-se pensar a direção vocal como um campo de forças em movimento. O termo, oriundo da filosofia da diferença de Deleuze e Guattari, permite imaginar formas de organização não hierárquicas e colaborativas. Falar de agenciamento é deslocar a ideia de direção como verticalidade e pensar em redes, contaminações, fluxos: direção vocal como prática intersticial, que cruza dramaturgias, pedagogias, tecnologias e práticas somáticas. O agenciamento vocal pode, assim, ocorrer quando diferentes vozes, humanas e não humanas, textuais e corporais, técnicas e intuitivas, se encontram para produzir algo que nenhuma delas, isoladamente, poderia ter previsto.
Este dossiê temático da Revista Voz e Cena foi dedicado a reunir reflexões de artistas e pesquisadores, por meio de artigos e relatos de experiência, sobre como a direção vocal se inscreve nos processos de criação teatral contemporânea, tendo como base os três modelos relacionais propostos.
No artigo “Criação em Diálogo: Interpretação e Direção Vocal em Turismo Infinito”, encontramos uma reflexão dialógica entre um ator e um diretor vocal no processo de criação do espetáculo Turismo Infinito (2007). Favorecendo a imersão do leitor no contexto prático, revelam-se os bastidores do processo de criação vocal para a cena teatral, desenvolvida a partir da noção de encontro, entendido como um território fértil de investigação, criação e transformação mútua, e articulado com reflexões teóricas que estabelecem um outro diálogo entre a experiência artística e o pensamento crítico.
Explorando igualmente a reflexão sobre a prática da preparação vocal com o ator, o artigo “Corpo que pesa, voz que falha, alma que grita: a construção vocal, corporal e de linguagem de Charlie em A Baleia” aborda, a partir de uma experiência interdisciplinar, o trabalho no qual a autora integrou conhecimentos da medicina, fonoaudiologia, preparação corporal e psicologia, com a intenção de refletir sobre as possibilidades de escuta e conexão entre arte e cuidados no tocante às questões de obesidade no trabalho cênico.
O artigo “Saberes cantados: africanidades brasileiras como potência de produção vocal para a cena” é um relato reflexivo de práticas, denominadas de africanidades brasileiras, inspiradas em manifestações culturais negras como jongo, samba e afoxé como referência nos processos de criação e de agenciamento vocal.
Nestes domínios de intercâmbio entre a direção vocal e a pedagogia da voz se inscreve o artigo, em forma de ensaio, “Princípios para uma poética da vocalidade cênica”. Nele, o autor questiona a abordagem dicotômica entre os dois processos e sustenta a existência de um jogo dialético entre o pedagógico e o criativo.
Como relatos de experiência, contamos com o texto intitulado “Corpos Biográficos de uma cantora popular”, que mostra a experiência de uma artista/pesquisadora que se coloca no papel de objeto da própria pesquisa, e nos deixa ver a narrativa autobiográfica de formação de uma cantora de música popular.
Contamos também com a contribuição “Me dá sua voz” que nos faz adentrar nas percepções de uma atriz e em como a voz pode ser um vetor essencial em sua presença cênica. A voz materializada enquanto ferramenta dramatúrgica, expressiva, e, portanto, pilar nos processos teatrais. O artigo nos traz um alerta em como a falta de acompanhamento técnico, no teatro, vulnerabiliza o ator e sua saúde, destacando a importância da direção vocal nos processos criativos, como formadora, criadora e mediadora.
Por fim, temos o texto intitulado “Quem ainda for vivo, não diga ‘nunca’” que traz a experiência pedagógica do autor ao trabalhar, por duas vezes, sobre a obra A Mãe, de Bertolt Brecht com as músicas de José Mário Branco, em montagens do curso de Teatro da Escola Superior de Teatro e Cinema, em Lisboa.
Estas contribuições, que contaram com a presença de artistas-pesquisadores brasileiros e portugueses, revelam, indelevelmente, algumas práticas e poéticas da função da Direção Vocal na Cena, que, apesar de seu papel importante nos processos de criação, ainda permanece, de certo modo, convocada de forma ocasional. Esperamos que este número contribua para fortalecer o diálogo na comunidade das artes cênicas lusófonas, ampliando conexões, construindo pontes de encontro e expandindo as relações colaborativas, ao mesmo tempo em que amplie os horizontes das práticas e das reflexões sobre a presença da direção vocal na criação teatral.
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