(DES)PATOLOGIZAÇÃO DA TRANSEXUALIDADE NO BRASIL: ENTRE AUTODETERMINAÇÃO IDENTITÁRIA E DIREITO À SAÚDE

between identity self-determination and the right to health

Autores

Palavras-chave:

Transexualidade, despatologização, CID 11 – HA6Z, processo transexualizador, políticas públicas de saúde

Resumo

 o artigo problematiza a patologização da transgeneridade, entendida enquanto processos socioculturais, justificados por subsídios morais dos discursos jurídicos, médicos e religiosos, que corroboraram não só para o controle e marginalização das corporalidades trans, mas, também, a sua inclusão nos “transtornos da identidade sexual”, conforme a subcategoria F64.0, listada na 10ª Classificação Internacional de Doenças (CID), da Organização Mundial da Saúde (OMS). Porém, as constantes reivindicações dos movimentos sociais pelos direitos à dignidade, identidade, privacidade, liberdade, integridade física e moral, e que reconhecem os direitos da personalidade para essa população, resultou na despatologização da transexualidade na 11ª revisão da CID, em 2019, sendo agora classificada como “incongruência de gênero” (CID 11 – HA6Z). Essa alteração possui diversas repercussões, dentre as quais destacamos as novas interpretações sobre o processo transexualizador, ou seja, ações ambulatoriais e hospitalares para acolher pessoas que desejam realizar os procedimentos de afirmação de gênero. No Brasil, o custeio público para essas ações são justificadas pela perspectiva do direito à identidade ou à saúde? Eis o problema de pesquisa, que será conduzido pelo método hipotético-dedutivo e revisão bibliográfica, objetivando investigar, entre outras coisas, os pressupostos normativos e deontológicos para assegurar as políticas públicas necessárias ao bem-estar físico, psíquico e moral da população transexual.

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Biografia do Autor

Maria Claudia Crespo Brauner, Universidade Federal do Rio Grande (FURG )

Doutora em Direito pela Université de Rennes I - França (1993); Pós-Doutorado na Universidade de Montreal 1 - Canadá (2004). Professora Associada da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio Grande - FURG - RS. É membro do Réseau Universitaire International de Bioéthique (RUIB) criado na França; pesquisadora do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq.

Mateus Miguel Oliveira, Universidade Federal Fluminense (UFF)

Doutorando em ciências jurídicas e sociais pelo Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Direito, da Universidade Federal Fluminense (UFF), na linha de pesquisa “Conflitos Socioambientais, Rurais e Urbanos”. Mestre em Direito pelo Programa de Pós-Graduação em Direito e Justiça Social, da Universidade Federal do Rio Grande (FURG), na Linha de Pesquisa “Direitos Humanos, Diversidade e Sociedade Digital” (2023).

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Revista Direito.UnB | Maio – Agosto, 2024, V. 08, N.2 | ISSN 2357-8009 |

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Publicado

2024-08-31

Como Citar

CRESPO BRAUNER, Maria Claudia; MIGUEL OLIVEIRA, Mateus. (DES)PATOLOGIZAÇÃO DA TRANSEXUALIDADE NO BRASIL: ENTRE AUTODETERMINAÇÃO IDENTITÁRIA E DIREITO À SAÚDE: between identity self-determination and the right to health. Direito.UnB - Revista de Direito da Universidade de Brasília, [S. l.], v. 8, n. 2, p. 151–172, 2024. Disponível em: https://periodicos.unb.br/index.php/revistadedireitounb/article/view/51838. Acesso em: 3 out. 2024.

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