Chamada para artigos para o dossiê temático: A comida e a fome - reflexões sobre transformações e diversidade dos sistemas alimentares contemporâneos

2024-07-12

Proposta

O presente dossiê tem como objetivo reunir artigos que abordem a alimentação sob diferentes perspectivas, privilegiando reflexões culturalmente sensíveis e críticas sobre as dinâmicas, transformações, assimetrias de poder e implicações para a soberania e segurança alimentar e nutricional de populações da América Latina. Propõe-se uma abordagem interdisciplinar dos sistemas alimentares, explorando suas múltiplas dimensões, diversidades e contradições.

A alimentação é uma questão crucial e multidimensional nas sociedades contemporâneas. A persistência da fome e a piora nos padrões alimentares de populações vulneráveis somam-se ao desperdício e a insustentabilidade de muitos sistemas produtivos (Esteve, 2017). Torna-se fundamental compreender as dinâmicas e contradições que permeiam os sistemas alimentares, desde os modos de produção até os hábitos de consumo, passando pelas redes de comercialização e pelas políticas públicas. Tal abordagem requer um olhar interdisciplinar e sensível às diversidades socioculturais, étnicas e territoriais na América Latina.

As redes de produção de alimentos envolvem uma multiplicidade de atores, desde agricultores familiares e comunidades tradicionais até empresas agroalimentares transnacionais, cooperativas, organizações da sociedade civil e movimentos sociais (Gonçalves & Mascarenhas, 2017), moldando cadeias produtivas, relações de trabalho e modelos de produção predominantes, impactando diretamente a sustentabilidade e a equidade dos sistemas alimentares (Schneider & Gazolla, 2017).

As disputas territoriais nos espaços rurais refletem os embates entre a expansão do agronegócio e a luta pela permanência de comunidades camponesas, indígenas e quilombolas, detentoras de saberes e práticas alimentares ancestrais (Santos & Glass, 2018). Enquanto o avanço da fronteira agrícola ameaça esses modos de vida, emergem iniciativas de resistência, como os movimentos agroecológicos e as redes de comercialização direta, que buscam fortalecer as economias locais e valorizar os patrimônios alimentares regionais (Darolt et al., 2016; Prado et al., 2021). Essas tensões relacionam-se à soberania alimentar e ao direito humano à alimentação adequada e diferenciada, envolvendo não apenas o acesso físico e econômico a alimentos seguros e nutritivos, mas também a possibilidade de escolher alimentos culturalmente aceitáveis, produzidos de forma sustentável e respeitando diversidades e particularidades de diferentes grupos (Valente, 2002; Burity et al., 2010).

Nesse sentido, faz-se necessário compreender as identidades alimentares como construções socioculturais dinâmicas, manifestadas nas práticas alimentares, nos saberes culinários, nos rituais e celebrações gastronômicas, configurando verdadeiros patrimônios imateriais (Contreras & Gracia, 2011; Prado et al., 2021). Essas identidades estão intrinsecamente ligadas às concepções de saúde e bem-estar dos diferentes grupos étnicos e culturais, refletindo as desigualdades estruturais que permeiam os sistemas alimentares (Contreras & Gracia, 2011).

Tais sistemas enfrentam crises multidimensionais decorrentes de fatores como mudanças climáticas, degradação ambiental, conflitos geopolíticos, crises econômicas e desigualdades sociais (Sage, 2013), exigindo respostas urgentes, adaptações nos modos de produção e distribuição, além de transformações nos padrões de consumo.

Diante desse cenário complexo, coexistem processos aparentemente contraditórios: a tendência à industrialização e padronização da produção alimentar, visando eficiência e produtividade (Kearney, 2010), e movimentos de resistência e valorização de práticas alimentares locais, tradicionais e sustentáveis, como a agroecologia e a agricultura familiar, materializados em iniciativas como circuitos curtos de comercialização, feiras de produtores e políticas públicas voltadas para a segurança alimentar e nutricional (Darolt et al., 2016; Schneider & Gazolla, 2017).

A compreensão dos sistemas alimentares nas Américas requer, portanto, uma abordagem interdisciplinar, comparativa e sensível às diversidades culturais, étnicas e territoriais, explorando suas múltiplas dimensões, contradições e possibilidades de transformação. Convidamos a submissão de artigos busquem contribuir para estas reflexões.

As regras de publicação podem ser acessadas em: https://periodicos.unb.br/index.php/repam/about/submissions#authorGuidelines

Cronograma

Recebimento dos artigos para compor o dossiê: 15 de novembro de 2024.

Pré-avaliação dos artigos recebidos: 30 de novembro de 2024.

Recebimento das avaliações dos artigos: 30 de janeiro de 2025.

Eixos temáticos

1. Redes, Territórios e Conflitos no campo Agroalimentar

Abriga artigos que abordem as complexas redes de atores e relações que estruturam os sistemas alimentares, com ênfase nas dinâmicas territoriais e nos conflitos decorrentes da expansão do agronegócio e da luta por territórios por comunidades tradicionais. Contempla resultados de pesquisas empíricas sobre movimentos sociais, organizações coletivas, disputas fundiárias e resistências às lógicas hegemônicas de produção e comercialização de alimentos.

2. Modelos de Produção e Sustentabilidade dos Sistemas Agroalimentares

Contempla estudos sobre diferentes modelos de produção agrícola e suas implicações para a sustentabilidade ambiental, social e econômica dos sistemas alimentares. Serão bem-vindas análises comparativas entre os modelos agroecológicos, a agricultura familiar e camponesa, e o agronegócio industrial, explorando suas lógicas, impactos e contradições. Também serão contemplados estudos sobre agrobiodiversidade, soberania alimentar e resiliência frente a crises ambientais e climáticas.

3. Identidades, Patrimônios e Culturas Alimentares

Abrange pesquisas sobre as diversas identidades, patrimônios e culturas alimentares presentes no Brasil e demais países da América Latina, com ênfase nas manifestações étnicas, territoriais e de gênero. Serão valorizados trabalhos que explorem as práticas, saberes, rituais e representações simbólicas em torno da alimentação, bem como os processos de ressignificação e valorização dos patrimônios gastronômicos.

4. Circuitos de Comercialização, Consumo e Segurança Alimentar e Nutricional

Abriga reflexões sobre os diversos circuitos de comercialização e consumo de alimentos, incluindo canais curtos, feiras, mercados locais e redes alternativas. Serão bem-vindos estudos sobre padrões de consumo, acesso a alimentos saudáveis, insegurança alimentar e nutricional, bem como análises de políticas públicas voltadas para a promoção da segurança alimentar e do direito humano à alimentação adequada.

5. Alimentação, Saúde e Bem-Estar: Desigualdades e Perspectivas Interculturais

Comtempla estudos que analisem as relações entre alimentação, saúde e bem-estar a partir de perspectivas interculturais e interdisciplinares. Serão bem-vindas pesquisas sobre desigualdades no acesso a alimentos saudáveis, impactos da alimentação na saúde física e mental e concepções de bem-estar alimentar em diferentes grupos socioculturais.

Referências

BURITY, V. et al. Direito humano à alimentação adequada no contexto da segurança alimentar e nutricional. Brasília: ABRANDH, 2010.

CONTRERAS, J.; GRACIA, M. Alimentação, sociedade e cultura. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2011.

DAROLT, M. R. et al. Práticas alimentares da agricultura familiar: um patrimônio cultural a ser valorizado. In: PRADO, S. D. et al. (org.). Estudos socioculturais em alimentação e saúde: saberes em diálogo. Rio de Janeiro: EdUERJ, 2016. p. 145-172.

ESTEVE, E. V. O negócio da comida: quem controla nossa alimentação? 1. ed. Expressão Popular, São Paulo, 2017. 269 p.

GONÇALVES, J.; MASCARENHAS, T. As várias faces do sistema alimentar e a experiência da rede brasileira de grupos de consumo responsável. In: GONÇALVES, J.; MASCARENHAS, T. (org.). Consumo Responsável em ação: Tecendo relações solidárias entre o campo e a cidade. 1. ed. Instituto Kairós, São Paulo, 2017. 218 p.

KEARNEY, J. Food consumption trends and drivers. Philosophical Transactions of the Royal Society B: Biological Sciences, v. 365, n. 1554, p. 2793-2807, 2010.

PRADO, S. D. et al. (org.). Estudos socioculturais em alimentação e saúde: saberes em diálogo. Rio de Janeiro: EdUERJ, 2021.

SAGE, C. The transition movement and food sovereignty: From local resilience to global engagement in food system transformation. Journal of Consumer Culture, v. 14, n. 2, p. 254-275, 2013.

SANTOS M.; GLASS, V. (org.). Altas do agronegócio: fatos e números sobre as corporações que controlam o que comemos. Fundação Heinrich Böll. Rio de Janeiro, 2018. 60 p.

SCHNEIDER, S.; GAZOLLA, M. (org.). Cadeias curtas e redes alimentares alternativas: negócios e mercados da agricultura familiar. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2017.

VALENTE, F. L. S. Direito humano à alimentação: desafios e conquistas. São Paulo: Cortez, 2002.