v. 1 n. 1 (2014): Das questões

As pessoas e as palavras se ensinam mutuamente.  Ch. S. Peirce

Editorial

 Apresentamos com alegria o primeiro número da revista Das Questões. Ela é um efeito das nossas conversas sobre as tonalidades insuspeitas e subversivas no pensamento de Edmond Jabès. Com ele partilhamos o gosto pelas questões, partículas de hospitalidade, gatilhos de instabilidades. Quando uma questão perturba, o pensamento experimenta uma proliferação de começos. As questões sobrevivem nas respostas, mas como pensava Deleuze, elas sempre as transcendem. Assim, a demora nas questões nos levou a estes pontos de encontro que são também impasses: Filosofia Tradução Arte (sem hífens, nem vírgulas, nem espaço para respirações ou cesuras) . Era preciso por nossos pés na academia na largada do pensamento, e não mais na sua chegada. Era preciso acolher o pensamento indisciplinado, indisciplinarizado. Ocupado não com uma área, com uma linha, com uma língua ou com uma maneira de dizer ”“ mas com as traduções, translações, entre elas.

 A tradução é o lugar do meio onde alguma coisa é perdida, alguma coisa é recuperada, alguma coisa é ganha. É também diplomacia: um gesto das caras mas também uma coreografia improvisada de mãos, aquilo que escapa das mãos abertas, aquilo que fica preso entre pela força dos dedos. As traduções são sempre cheias de interstícios, mas porque elas mostram o incompleto do que já havia antes. Whitehead distingue entre o que precisa ser atenuado ”“ que ele chama de aversion ”“ e o que precisa ser enfatizado ”“ que ele chama de adversion ”“ para que a tradução entre a percepção física e o conceito possa ter lugar. Aversions e adversions são talvez ingredientes de toda tradução. É um balanço de intensidades. E as fronteiras são melhores quando elas balançam ”“ e são permeáveis.

 Como estamos ligados a dois grupos de investigação, o ANARCHAI e o Grupo de Estudos Blanchotianos e de Pensamento do Fora, a Revista se abre às produções destes grupos. O ANARCHAI pretende revirar o tema da proximidade e da distância entre ontologia e política, que muitas vezes é o espaço entre alguma coisa e nada de um lado, e alguém e ninguém do outro. O Grupo de Estudos Blanchotianos e de Pensamento do Fora se ocupa com o literário e o filosófico nas confluências que Blanchot e seu meandro insinuaram, e as pensa traduzindo. A Revista é uma sede para os temas destes grupos. Porém nosso intento é confabular uma comunidade mais ampla com quem não se apresse em parar de esticar, adensar e sacudir questões. Uma comunidade de quem faz questão do lapso, da deriva, da interferência presentes na experimentação quando ela arregala os ouvidos para captar o não-dito e o ainda-por-dizer.

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 A revista Das Questões é uma revista de Brasília, da Universidade de Brasília e com os pés fincados nela. Mas só os pés. Assim, desde este primeiro número, ela mostra sua polifonia e seu tendência multilíngue. Ordep Serra, helenista e antropólogo, abre a Revista com seus fragmentos de metafísica inextrincavelmente mitológica. Ana Cristina Chiara e Dieter Roos adicionam outros pedaços de textos ilustrados e desenraizados. Vicente de Paulo Siqueira conta de um galo-gato que implica em parecer que explica. Danivir Kent trata da escrita e pensamento no Livre des Ressemblances de Jabès. Juliana Merçon escreve sobre a escola e as ficções de etnicidade inspirada por Balibar. Monica Udler resgata elementos do espírito do judaísmo para contrastá-lo com as práticas correntes em torno de um estado judeu. Há também neste número o Manifesto da Escola de Brasília, trechos da tradução de Jarry feita por Olegário Eudasio Barroso (com transcrição de Eclair Antonio Almeida Filho  e  Odulia Capelo Barroso) e tradução de Samuel Butler feita por Bernardo Tavares dos Santos, que conta ainda com um comentário de ficção científica sobre supremacia maquínica, pensamento e política.

Eclair Antonio Almeida Filho & Hilan Bensusan

 

Publicado: 2018-10-08