As lições do mel e as transformações entre modos de vida
DOI:
https://doi.org/10.26512/rbla.v15i1.51950Palavras-chave:
Anti-neolítico, Regressão agrícola, Perda vantajosa, Agricultura, Povos indígenas isolados, tupiResumo
Partindo das conotações e agências atribuídas ao mel, nas Mitológicas de Lévi-Strauss, tentamos conectar alguns pontos que propiciam a transformação na imagem conceito, amplamente consolidado na etnologia, de “regressão agrícola”. Sugerimos a contra imagem da “perda vantajosa” para ressignificar aquele movimento entre os modos de subsistência historicamente adotados pelas sociedades ameríndias, do mais agricultor ao mais forrageador. Chamamos atenção, em primeiro lugar, para a natureza não categórica da diferença entre tais modos e, em segundo lugar, mobilizamos argumentos que reivindicam a perspectiva nativa da história, para deslocar qualquer tipo de determinismo sobre a cultura ou a sociedade indígena. Seguimos Lévi-Strauss, quando ele afirma que o mel proporciona ocasião para especular sobre uma notável reviravolta: ele é o motivo de uma rotação de perspectiva segundo a qual os humanos passam a advogar em favor de uma economia de coleta, atribuindo-lhe as virtudes de variedade, abundância e longa preservação, que a perspectiva inversa atribuía à adoção da agricultura. Sugerimos que o mel faz papel de avatar da coleta ou do modo de vida forrageiro, corporificando os valores nativos. Tendo isso em mente, comparamos situações entre coletivos tupi-guarani, alguns deles descritos como “objetos” daquela “regressão agrícola”, para melhor compreender a rotação e testamos alguma generalidade.
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