v. 1 n. 4 (2017): Insubmissas no século XIX

MOSSA, Gustav-Adolf, 1905, Elle, óleo sobre tela, 80 x 63 cm. A tela se encontra no Musée des Beaux-Arts Jules Chéret, em Paris, França, que gentilmente cedeu sua reprodução.

Se no século XX as mulheres partem para a confrontação em busca de sua autonomia, no século XIX elas se veem obrigadas a contornar o poder masculino instituído. Como seguir uma carreira intelectual nos diferentes domínios, seja nas letras, nas artes ou nas ciências que se institucionalizavam?

Como lidar com o peso da religião, quando esta afirmava o poder patriarcal e impunha a infalibilidade pontifical? Para a grande maioria, como se profissionalizar nos mais variados setores e ofícios, se estavam confinadas ao lar e destinadas às funções maritais e à maternidade? Como agir na sociedade quando o movimento dos trabalhadores e sindical não priorizava a preocupação com as mulheres?

Como superar os efeitos de uma educação não mista, que afastava a mulher da vida pública e do cenário social sob o pretexto de protegê-la? Como podia sobreviver uma mulher solitária cercada pelo desprezo face à sua condição: viúvas, órfãs, mães solteiras, empregadas ou prostitutas?

À época, a figura masculina continuava a despontar como símbolo de energia, atividade e criação, enquanto a figura feminina encarnava a fraqueza, a passividade e a procriação. O gênio certamente não tem gênero, mas as mulheres do século XIX, nas mais diversas sociedades, foram em sua maioria relegadas ao ostracismo e ao diletantismo.

Contornar os obstáculos e as muitas práticas discriminatórias para se fazerem ‘ouvir’ foi seu combate ao longo do século. Mulheres desviantes de sua condição, mulheres de exceção nos mais diferentes domínios, mulheres da vida simplesmente se destacaram, integraram movimentos, reivindicaram de diferentes formas os seus direitos e o seu lugar.

O teatro, a poesia, a pintura eram vias mais acessíveis que as carreiras científicas anteriores a Marie Curie. Mary Shelley ou George Sand beneficiaram-se de um reconhecimento excepcional, tal como Florence Nightingale e Chiquinha Gonzaga; mas Louise Michel não fará a merecida carreira política, assim como Camille Claudel veria sua genialidade rejeitada, entre tantos outros exemplos.

Este número da Revista XIX é dedicado às estratégias femininas para contornar os tantos obstáculos impostos pelas sociedades do período. Interessam igualmente os perfis femininos singulares e de exceção, nos mais diferentes domínios. Não se entende o século XIX como iniciando e findando, forçosamente, pelo zero/zero, mas distendendo-o entre os dois grandes acontecimentos que marcaram o período - a Revolução Francesa e a 1ª Guerra Mundial.

Publicado: 26-08-2017

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