Do centro à margem
meninas vítimas de violência sexual e o aborto legal no Brasil
Palavras-chave:
Estado, Violência sexual, Proteção à infância, Direitos reprodutivos, Políticas públicasResumo
Objetiva-se, neste artigo, analisar criticamente as formas e práticas pelas quais o Estado é continuamente experienciado e performado na (i)legibilidade de suas próprias ações, documentos e discursos voltados à proteção de meninas vítimas de violência sexual. O artigo adota uma abordagem qualitativa, inspirada na etnografia de documentos oficiais de políticas públicas de proteção à infância (meninas) e na política pública de acesso ao aborto legal em casos de violência sexual. O estudo centra-se no caso emblemático da menina de 11 anos, do Piauí, impedida de acessar o aborto legal. Os resultados evidenciam que o Estado oscila entre o papel de garantidor de direitos normatizados e a negação prática destes, revelando um cenário de desproteção e descontinuidade institucional, em que o biopoder se manifesta no controle dos corpos, de modo que a opacidade do Estado dificulta o acesso à justiça reprodutiva. Conclui-se que o Estado flutua em meio ao seu compromisso formal com a proteção integral, revelando não ser uma entidade homogênea e neutra, mas uma construção permeada por disputas morais, relações de poder e ideologias, nas quais meninas vítimas de violência sexual ocupam um lugar instável e frequentemente marginalizado, sofrendo as incidências do dano interseccional devido ao entrecruzamento de marcadores sociais como gênero, idade, raça e classe, oscilando ora no centro, ora à margem das ações estatais.
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