Chamada - Dossiê Temático: Identidades afirmativas e transformativas nos estudos da linguagem: reivindicação, afirmação e transformação em pesquisas em práticas identitárias em linguística aplicada

2025-09-22

Organizadores/as: 

Prof. Dr. Gabriel Nascimento

Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB)

http://lattes.cnpq.br/6926147100348906 

gabriel.santos@csc.ufsb.edu.br

 

Prof.ª Dr.ª Joana Plaza Pinto

Universidade Federal de Goiás (UFG)

http://lattes.cnpq.br/8100370294969259

joplazapinto@ufg.br  

 

Grupo de Trabalho em Práticas Identitárias em Linguística Aplicada da Anpoll

Network Group on Identity Practices in Applied Linguistics -  Anpoll

 

 

VERSÃO EM PORTUGUÊS

Pensar em identidades nos obriga a pensar na forma como as políticas de reconhecimento e redistribuição foram conduzidas pelo colonialismo/ capitalismo desde sempre. Não se trata de cair na armadilha da esquerda libertária branca contra pretos, mulheres, e gays, os reduzindo a um suposto identitarismo, em nome da afirmação de classe como identidade universal, o que encobre o próprio branco libertário como uma categoria identitária particular entre as demais.

No passado, Fraser (1995), relendo sua própria obra, propôs repensar o próprio multiculturalismo liberal americano em torno de defender uma redistribuição como complementar ao reconhecimento, reafirmando que só o reconhecimento seria algo limitado. Haider (2018) vai na mesma direção ao instituir os dilemas trazidos pelo neoliberalismo a partir da apropriação das culturas oprimidas e transformação delas em parte do seu maquinário de guerra neocolonial. Hall (1993) e Mbembe (2017) já chamaram a atenção de como o mundo negro e a cultura popular negra sofrem com o pesadelo de como essas identidades são essencializadas por uma cultura brancocêntrica.

Assim, tanto a cultura de massas mainstream quanto a cultura popular sofrem das políticas de abandono neoliberal (ver Povinelli, 2011), que fragmentam as bases, trucidam os caminhos de agentividade e instituem uma mercantilização das possibilidades de emancipação.

Duas escolas estão em jogo na disputa teórica em trabalhos sobre identidades quando tratamos de estudos linguísticos, contrapondo, assim, afirmação e transformação (Fraser, 1995): direitos linguísticos e cidadania linguística. A primeira é representada de maneira abundante em campos como a pedagogia da variação (também compreendida como sociolinguística variacionista no Brasil), que engloba ideais como a democratização da cultura letrada, letramentos como um construto neutro. Essas concepções têm servido para a proposta de democratizar um suposto acesso à cultura letrada no âmbito do ensino de língua portuguesa como forma de ampliação da democracia no Brasil. Além disso, ideários de déficit linguístico e competência linguística estão muito presentes em planejamento de cursos de ensino de língua estrangeira/ segunda língua, entre outros.

Nesse diapasão, este dossiê se propõe a uma radicalidade: repensar identidades em linguística aplicada contra o essencialismo branco ocidental, mas a favor do movimento desde as margens, de um pensar fronteiriço crítico (Mignolo e Tlostanova, 2006; Mignolo, 2017), em que a geopolítica do conhecimento excludente, isto é, a geopolítica de uma genealogia e epistemologia do ponto-zero cedam lugar para uma corpo-política do conhecimento. Das emergências do corpo surgem respostas possíveis, ontologias ante epistemologias sem corpo, movimentos, inclusive linguísticos, contra políticas afirmativas de cima para baixo.

Assim, dois paradigmas são aqui colocados: o da afirmação e o da transformação. O primeiro, oriundo dos programas dos governos democráticos oriundos de uma democracia burguesa, se constitui em maneiras de concessão, mas não necessariamente em uma existência plena e digna, ou melhor, distributiva de identidades marginalizadas. Com isso, o paradigma da transformação é necessário, não como um modelo, mas como um arquétipo das próprias vozes marginalizadas e do que elas emerge em resposta às identidades impostas a priori pelo colonizador, mas continuamente ressignificadas pela luta política, pelo corpo como luta política, pelo corpo-política (Mignolo e Tlostanova, 2006; Mignolo, 2017). Assim, o que chamamos de geopolítica colonial emerge de uma geopolítica do conhecimento que apaga sistematicamente conhecimentos de povos colonizados como não válidos. De forma interessante, compreendemos as ações afirmativas, tal como elas foram introduzidas por uma agenda dos movimentos negros, como ações transformativas, sendo esse nome afirmativo insuficiente para o tamanho dessas políticas que foram e seguem sendo ressignificadas por pessoas negras.

Defendemos a ideia de cidadania linguística, não como um construto acabado ou bem delineado, mas como a própria possibilidade de ouvir desde a rasura. González (1984), ao se dizer “o lixo vai falar, e numa boa” (González, 1984, p. 225), ela possibilita a ideia de como a cidadania fala, reconfigurando, reconstituindo e ressignificando a ideia de “lixo”, mostrando como se pode falar a partir da vulnerabilidade. É também nesse lugar que se enuncia a escrevivência como uma tecnologia de escravas pretas africanas que, obrigadas a cuidar das crianças brancas enquanto os pais ignoravam as suas capacidades intelectuais, passaram a disseminar os saberes linguísticos que este país tem (Evaristo, 2020). Não por acaso, o que temos chamado de Pretuguês se origina como uma forma de cidadania linguística de mulheres e homens pretos que se traduziram na língua portuguesa, africanizando-a.

Com este dossiê queremos receber trabalhos que abordem as relações entre reivindicação e movimento, de forma que possamos estabelecer uma crítica à maneira como reivindicação se estabeleceu como instrumento neoliberal e colonial. Não se trata de não se reivindicar, mas entender como o corpo-política anticolonial é fundamental para repensarmos o ato de reivindicação política. Para isso, esperamos que os trabalhos tragam ontologicamente como as identidades insurgentes fornecem subsídios para entendermos a mudança linguística como alicerçada na mudança social. Temas recorrentes, mas não restritos, podem ser cidadania linguística, performatividade linguística, corpo-objeto, corpo-política da linguagem, linguagem e suas relações com o antropoceno, racismo linguístico, colonialidade da linguagem, entre outros.

 

Referências:

Diop, C. A. (1974). The African origin of civilization: myth or reality. New York :L. Hill.

Evaristo, C. A (2020), Escrevivência e seus subtextos. In Constância Lima Duarte Isabella Rosado Nunes (Orgs.). Escrevivência: a escrita de nós Reflexões sobre a obra de Conceição Evaristo. Rio de Janeiro : Mina Comunicação e Arte.

Fanon, F. (2008), Pele Negra Máscaras Brancas. Salvador: EdUfba.

Fraser, N. (1995,) From redistribution to recognition? Dilemmas of justice in a ‘post-socialist’ age. New Left Review, n. 212.

González, L. (1984), Racismo e sexismo na cultura brasileira. Revista Ciências Sociais Hoje, Anpocs, p. 223-244.

Haider, Asad. (2018), Armadilha da identidade: raça e classe nos dias de hoje. Tradução por Léo Vinicius Liberato. São Paulo: Editora Veneta.

Hall, S. (1993), What Is This “Black” in Black Popular Culture? Social Justice, n. 20, v. 1. 

Heugh, K. (2019), Multilingualism and Education in Africa. In: Wolff HE, ed. The Cambridge Handbook of African Linguistics. Cambridge Handbooks in Language and Linguistics. Cambridge University Press.

Ki-Zerbo, J. (2005), African Intellectuals, nationalism and pan-Africanism: a testimony. In Thandika Mkandawire (Org.), African Intellectuals: Rethinking Politics, Language, Gender and Development. Dakar and London: CODESRIA & Zed. 

Makoni, S.; Mashiri, P. (2006), Chapter 3. Critical Historiography: Does Language Planning in Africa Need a Construct of Language as Part of its Theoretical Apparatus?.  In Sinfree Makoni and Alastair Pennycook. (Orgs.) Disinventing and Reconstituting Languages.Bristol: Multilingual Matters, 2006, pp. 62-89.

May, S. (2001), Language and Minority Rights: Ethnicity, Nationalism and the Politics of Language. London: Longman.

Mbembe, A. (2017), Crítica da Razão Negra. Lisboa: Antígona.

Mignolo, W. D., & Tlostanova, M. V. (2006), Theorizing from the Borders. European Journal of Social Theory, 9(2), 205–221.

Mignolo, W. D. (2017), Colonialidade: o lado mais escuro da modernidade. Revista Brasileira De Ciências Sociais, 32(94).

Povinelli, E.A. (2011), Economies of AbandonmentSocial Belonging and Endurance in Late Liberalism. (1 ed.). Durham: Duke University Press.

Stroud, C. (2001), African Mother-tongue Programmes and the Politics of Language: Linguistic Citizenship Versus Linguistic Human Rights. Journal of Multilingual and Multicultural Development, 22(4), 339–355.

 

Cronograma/prazos:

- Envio do resumo para os e-mails gabriel.santos@csc.ufsb.edu.br e joplazapinto@ufg.br: cerca de 300 palavras (excluindo referências): até 20/01/2026

- Envio do aceite dos resumos por e-mail: até 10/02/2026

- Submissão dos artigos (seguindo as normas da revista) que tiveram os resumos aprovados: até 31/03/2026

- Encaminhamento dos pareceres para os/as autores/as: até 31/05/2026

- Submissão da versão final (em caso de aceite): até 30/06/2026

- Previsão para publicação: julho/2026

 

VERSÃO EM INGLÊS

Thinking of identities makes us thinking about the way in which policies of recognition and redistribution have always been conducted by colonialism/capitalism. This is not about taking the white libertarian leftists against blacks for granted,  as well ways of confronting women, and gays, relegating them to a supposed identitarianism (particular identity with no social impact), on behalf of the affirmation of social class as a universal identity, which certainly hides the libertarian white himself/herself as a particular identity category among the others. A time ago, Fraser (1995), rereading her own work, proposed rethinking American liberal multiculturalism itself so to support redistribution as an alternative to recognition, assuming that recognition itself would be somehow limited. Haider (2018) goes on in the same direction by questioning the dilemmas in neoliberalism based on how it approaches oppressed cultures to its neocolonial war machinery. Hall (1993) and Mbembe (2017) have already drawn attention to how the black world and black popular culture suffer from the nightmare of how these identities are essentialized by a white-centric culture.

Thus, both mainstream mass culture and popular culture are affected by neoliberal abandonment policies (see Povinelli, 2011), which fragment the roots, underpins the paths of agency and institute a commodification of the possibilities of emancipation. Key scholarship here refers to works on identities in language studies, opposing or juxtaposing affirmation and transformation (Fraser, 1995): linguistic rights and linguistic citizenship. The first is abundantly represented in fields such as the pedagogy of variation (also understood as variationist sociolinguistics in Brazil), which encompasses ideas such as the democratization of a literacy culture, leading literacies as neutral tenets.

These concepts have served to propose the democratization of supposed access to the literacy culture as the big picture of Portuguese language teaching as a way to expand democracy in Brazil. In addition, ideas of linguistic deficit and linguistic competence are very present in language planning courses, among others. In this vein, this call proposes a radical approach: rethinking identities in applied linguistics against white Western essentialism, but in favor of the movement from the margins, endorsing a critical border thinking (Mignolo and Tlostanova, 2006; Mignolo, 2017), in which the geopolitics of knowledge, that is, the geopolitics of a genealogy and epistemology of zero-point hybris, give rise to a body-politics of knowledge.

From the body emergence possible responses come in, like ontologies against disembodied epistemologies, or settings against top-down affirmative policies. Thus, two paradigms are presented here: (i) affirmation- originating from top-down programs by which democratic governments follow presuppositions of a bourgeois democracy, where it takes to mere upside-down concessions by liberal programmes, but not necessarily toward a full and dignified existence, or rather, distribution among marginalized identities; (ii) Transformation- not as a standard example, but as an archetype of the marginalized voices themselves and of what emerges in response to identities imposed a priori by the colonizer, but continually re-signified by political struggles, by the (em) body (ment) as political struggle, by body-politics (Mignolo and Tlostanova, 2006; Mignolo, 2017). Thus, what we call colonial geopolitics emerges from geopolitics of knowledge that systematically erases knowledge of colonized peoples as worthless.

Interestingly, we understand affirmative actions, as they were conceived of by black activists historically, as transformative actions, rendering affirmative as a sign insufficient for how the landscape of these policies continue to be re-signified by black people.

In sum, we push for the idea of ​​linguistic citizenship, not as a finished or well-defined construct, but as the very possibility of listening from the border of language. We conclude by referring to González (1984), when she says “the trash will speak, and we will be doing good” (González, 1984, p. 225), where she makes possible the idea of ​​how citizenship speaks, reconfiguring, reconstituting and resignifying the idea of ​​“trash”, showing how one can speak from vulnerability pathways.

 

Referências:

Diop, C. A. (1974). The African origin of civilization: myth or reality. New York :L. Hill.

Evaristo, C. A (2020), Escrevivência e seus subtextos. In Constância Lima Duarte Isabella Rosado Nunes (Orgs.). Escrevivência: a escrita de nós Reflexões sobre a obra de Conceição Evaristo. Rio de Janeiro : Mina Comunicação e Arte.

Fanon, F. (2008), Pele Negra Máscaras Brancas. Salvador: EdUfba.

Fraser, N. (1995,) From redistribution to recognition? Dilemmas of justice in a ‘post-socialist’ age. New Left Review, n. 212.

González, L. (1984), Racismo e sexismo na cultura brasileira. Revista Ciências Sociais Hoje, Anpocs, p. 223-244.

Haider, Asad. (2018), Armadilha da identidade: raça e classe nos dias de hoje. Tradução por Léo Vinicius Liberato. São Paulo: Editora Veneta.

Hall, S. (1993), What Is This “Black” in Black Popular Culture? Social Justice, n. 20, v. 1. 

Heugh, K. (2019), Multilingualism and Education in Africa. In: Wolff HE, ed. The Cambridge Handbook of African Linguistics. Cambridge Handbooks in Language and Linguistics. Cambridge University Press.

Ki-Zerbo, J. (2005), African Intellectuals, nationalism and pan-Africanism: a testimony. In Thandika Mkandawire (Org.), African Intellectuals: Rethinking Politics, Language, Gender and Development. Dakar and London: CODESRIA & Zed. 

Makoni, S.; Mashiri, P. (2006), Chapter 3. Critical Historiography: Does Language Planning in Africa Need a Construct of Language as Part of its Theoretical Apparatus?.  In Sinfree Makoni and Alastair Pennycook. (Orgs.) Disinventing and Reconstituting Languages.Bristol: Multilingual Matters, 2006, pp. 62-89.

May, S. (2001), Language and Minority Rights: Ethnicity, Nationalism and the Politics of Language. London: Longman.

Mbembe, A. (2017), Crítica da Razão Negra. Lisboa: Antígona.

Mignolo, W. D., & Tlostanova, M. V. (2006), Theorizing from the Borders. European Journal of Social Theory, 9(2), 205–221.

Mignolo, W. D. (2017), Colonialidade: o lado mais escuro da modernidade. Revista Brasileira De Ciências Sociais, 32(94).

Povinelli, E.A. (2011), Economies of AbandonmentSocial Belonging and Endurance in Late Liberalism. (1 ed.). Durham: Duke University Press.

Stroud, C. (2001), African Mother-tongue Programmes and the Politics of Language: Linguistic Citizenship Versus Linguistic Human Rights. Journal of Multilingual and Multicultural Development, 22(4), 339–355.

 

Schedule/Deadlines: 

- Submission of abstract to the emails gabriel.santos@csc.ufsb.edu.br and joplazapinto@ufg.br: approximately 300 words (excluding references): January 20, 2026

- Notification of abstract acceptance via email: February 10, 2026

- Submission of full papers (following the journal’s guidelines) for approved abstracts: March 31, 2026

- Reviewer feedback sent to authors: May 31, 2026

- Submission of final version (in case of acceptance): June 30, 2026

- Expected publication date: July 2026