Dossiê | Escuta e participação nas pesquisas com (sobre) crianças
Análise metodológica da participação e escuta das crianças nas pesquisas com/sobre elas
Análisis metodológico de la participación y escucha de los niños en investigaciones con/sobre ellos
Methodological analysis of listening to and participation of children in research with/about them
Bethânia Alves Costa Zandomínegue, Fernando Donizete Alves, Luana Zanotto
Destaques
Análise da produção da pós-graduação em Educação e em Educação Física sobre pesquisa com crianças.
Evidência de instrumentos e de estratégias para a escuta e a participação das crianças nas pesquisas.
Avanço indicado pela Educação Física nos modos de pesquisar com crianças e de promover sua participação.
Resumo
Analisa instrumentos e estratégias de produção de dados nas pesquisas com crianças, nos campos da Educação e da Educação Física. Trata-se de revisão integrativa das produções da pós-graduação do Brasil, com análise fundamentada pela Sociologia da Infância. Resultados apontam o uso de diário de campo, observação, rodas de conversa e outros nas pesquisas. Embora os estudos indiquem a criança como sujeito, nem todo procedimento promove sua escuta e participação. Há, ainda, uma apropriação instrumental das suas formas de comunicar, com pouco espaço para que tenham suas agências evidenciadas. O estudo apontou importante contribuição da Educação Física nos modos de pesquisar com crianças.
Palavras-chave
Pesquisa com criança. Protagonismo infantil. Educação Física.
Recebido: 31.08.2023
Aceito: 15.12.2023
Publicado: 31.12.2023
DOI: https://doi.org/10.26512/lc29202350641
Introdução
A emergência das perspectivas teóricas orientadoras dos Novos Estudos Sociais da Infância, que afirmam a criança como sujeito de direitos (Corsaro, 2011; Qvortrup, 2010; Sarmento, 2011) e valorizam a sua ação social enquanto prática significativa (Tomás & Fernandes, 2013), edificam condições para que elas sejam reconhecidas como sujeitos pelos/com os quais se pode construir conhecimento científico relevante (Fernandes, 2016).
Conforme apontado por diversos campos (Pedagogias ativas, estudos freireanos, Antropologia), mas sobretudo, pela Sociologia da Infância (SI), o presente estudo concebe a infância como categoria social, do tipo geracional, e a criança como sujeito produtor de conhecimento e cultura. Os referidos campos, guardadas as suas particularidades, apresentam a criança como parte estruturante da sociedade, ator social de direitos e deveres, dotada de entendimentos dos contextos onde habita.
A Convenção sobre os Direitos da Criança legitima formalmente a criança como sujeito ativo de direitos, “[...] em que é fundamental considerar sua voz e participação, bem como salvaguardar o seu interesse superior” (Fernandes, 2016, p. 763). O pensamento por esta lógica rompe com perspectivas hegemônicas de pesquisas, especialmente, a estrutura positivista, assentada no modelo de investigação que separa o sujeito do objeto, em busca da padronização dos resultados. No campo da SI, as pesquisas que transgridem esses paradigmas e anunciam a criança como participante, enunciam uma reorientação epistemológica distinta ao conhecimento hegemônico (Mello et al., 2015). Tal movimento convida para a elaboração de pesquisas pautadas na escuta ativa e paciente dos pesquisadores, aos muitos modos de observar, falar e ouvir crianças, evidenciando a condição de escuta ora assumida e, de participação com/entre elas (Rocha, 2012).
Adotamos as questões metodológicas como eixo deste estudo para provocar reflexões sobre a criança e sobre como os seus modos e saberes são validados, em atenção à sua racionalidade e singularidade. Em específico, importa conhecer como os pesquisadores dos campos da Educação e da Educação Física (EF) vêm produzindo conhecimentos a partir da participação e escuta das crianças nas pesquisas. Centramos atenção nesses campos por considerar as interfaces do conhecimento entre eles, no trato desses temas e, visando a compreensão de um espaço social investigativo mais amplo. Quais instrumentos e estratégias têm sido mobilizados nas suas dimensões metodológicas? Quais os limites e alcances dos procedimentos? Face às problematizações, este artigo objetiva analisar os instrumentos/estratégias1 de produção de dados com crianças, mobilizados pelos pesquisadores da Educação e da EF.
Método
Realizamos uma Revisão Integrativa em publicações depositadas no Catálogo de Teses e Dissertações da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CTD/Capes) e análise descritivo-interpretativa com base na SI, para examinar dados provenientes das pesquisas, do campo da Educação e da EF, que anunciaram a criança como sujeito do estudo.
Segundo Botelho et al. (2011, p. 122), a revisão integrativa “[...] permite ao pesquisador aproximar-se da problemática que deseja apreciar, traçando um panorama sobre a sua produção científica, de forma que possa conhecer a evolução do tema ao longo do tempo”. O termo “integrativa” tem origem na integração de opiniões, conceitos ou ideias oriundas das pesquisas selecionadas. Esta abordagem permite a inclusão de trabalhos com diversas metodologias, experimental ou não, com o propósito de revisar métodos, teorias e/ou estudos empíricos sobre um tópico particular.
O processo de revisão integrativa seguiu uma sucessão de etapas bem definidas, a partir da seguinte questão: quais foram os instrumentos/estratégias adotados nas pesquisas que anunciam a criança como sujeito, produzidas pela pós-graduação em Educação e EF, publicadas no CTD/Capes, no período de 2012 a 2022? Esta escolha se justifica por ser a principal fonte de divulgação das produções acadêmicas brasileiras, sobretudo por permitir o acesso aos trabalhos dos programas de pós-graduação do país. Já, a delimitação temporal, 2012 a 2022, estabeleceu-se com base no indicador bibliométrico de atualização do conhecimento nos últimos cinco anos para teses e dissertações (Job, 2006) e, no contexto de inserção deste estudo, como possibilidade de compreender o estado atual e tendências de pesquisas no escopo desse temário nos referidos campos do conhecimento.
Para a identificação das publicações no CTD/Capes, procedemos com as ferramentas da plataforma. Utilizamos operador de frase exata com aspas duplas e operador booleano AND para unir as palavras-chave e ampliar a busca. O operador AND, em letra maiúscula tem por objetivo unir os dois termos. Utilizamos: educacao fisica AND educacao infantil. Nesta ação, em abril de 2023, encontramos 350 estudos.
Na sequência, foram estabelecidos os critérios de inclusão: a) trabalhos produzidos entre 2012 a 2022; b) disponíveis no CTD/Capes ou nas respectivas bibliotecas dos programas; c) desenvolvidos na pós-graduação em Educação ou EF; e) que anunciam a criança (de até 6 anos) como sujeito da pesquisa. O refinamento dos resultados considerou os seguintes critérios de exclusão: estudos não disponíveis on-line; não correspondentes à etapa da Educação Infantil (EI); produzidos em outros programas ou sem a titulação de mestre/doutor em Educação ou EF; ou não evidenciassem a participação da criança como fontes da produção dos dados.
Dos 350 trabalhos identificados, 81 não corresponderam ao marco temporal; 35 eram provenientes de outros programas de pós-graduação e 15 não estavam disponíveis no CTD/Capes ou nas bibliotecas dos programas. Em outros 190 estudos eliminados, reunimos os que não contemplavam crianças de até 6 anos como sujeito e os que não ocorreram na etapa da EI. Permaneceram 29 trabalhos pré-selecionados, nos quais realizamos a leitura dos resumos, da descrição metodológica e dos capítulos que indicavam dados com/sobre as crianças. Após a análise, descartamos 11 textos que não evidenciaram instrumentos/estratégias de escuta e participação da criança. Desse modo, o corpus é composto por 18 trabalhos, sendo 6 teses (4 na EF e 2 na Educação) e 12 dissertações (11 na EF e 1 na Educação), conforme o Quadro 1 que relaciona, apenas, os trabalhos que atenderam aos critérios de inclusão estabelecidos por este estudo.
Quadro 1
Matriz de Síntese dos estudos da pós-graduação em Educação e Educação Física (2012-2022)
Autor/ano |
Título |
Grau/Área |
Método |
Instrumento/estratégia com crianças |
Klippel (2013) |
O jogo na Educação Física da Educação Infantil: usos e apropriações em um CMEI de Vitória/ES |
M/EF |
Estudos com o Cotidiano |
OP, DC, registros iconográficos e desenho |
Rosa (2014) |
Educação Física com crianças de seis meses a dois anos de idade: práticas produzidas no cotidiano de um CMEI de Vitória/ES |
M/EF |
Estudos com o Cotidiano |
Registros iconográficos, narrativas, OP e DC |
Alessi (2017) |
As linguagens dos bebês na Educação Infantil: diálogos do círculo de Bakhtin com Henri Wallon |
D/Ed |
Não identificado |
Observações, filmagens e notas de campo |
Guimarães (2018) |
Dinâmica Curricular no cotidiano da Educação Infantil: um olhar a partir da prática pedagógica com a Educação Física |
M/EF |
Pesquisa-Ação Colaborativa |
OP, DC, enunciações, narrativas, fotos, vídeos, gravação de voz e desenhos |
Barbosa (2018) |
O hibridismo brincante: um estudo sobre as brincadeiras lúdico-agressivas na Educação Infantil |
D/EF |
Etnografia |
OP, DC, filmagens, áudios, narrativas e enunciações |
Zandomínegue (2018) |
As produções culturais das crianças como eixo de articulação curricular da Educação Física com a Educação Infantil |
D/EF |
Etnografia com crianças |
OP, DC, narrativas, áudio, imagens iconográficas, vídeos, desenhos e rodas de conversas |
Lano (2019) |
Usos da avaliação indiciária na Educação Física com a Educação Infantil |
D/EF |
Etnografia e Pesquisa-ação Existencial |
Narrativas imagéticas (desenhos, fotos e vídeos), narrativas orais e DC |
Ramirez (2019) |
A Educação Física na Educação Infantil: ambientes e materiais como recursos pedagógicos para bebês |
M/EF |
Pesquisa-Ação |
Observação, observação em equipe, DC, fotografias e filmagens |
Ceratti (2020) |
Corpos, gêneros e diferenças: a literatura brasileira enquanto recurso didático-pedagógico nas aulas de Educação Física infantil |
M/EF |
Pesquisa aplicada, de abordagem colaborativa |
Diário de bordo |
Guimarães (2020) |
Cultura da infância e Educação Física: um estudo a partir das práticas corporais de aventura |
M/EF |
Pesquisa-ação |
Matriz de observação, DC, fotografias e vídeos |
Valentim (2020) |
Educação Física na Educação Infantil: a organização da prática educativa com bebês em um Centro Municipal de Educação Infantil de Vitória-ES |
M/EF |
Pesquisa-ação |
Observação sistemática, fotografias e DC |
Ota (2020) |
Histórias vivenciadas: ações interdisciplinares da Educação Física na Educação Infantil |
M/EF |
Estudo de Caso |
Observação sistemática, fotografias e DC |
Ewald (2021) |
A prática pedagógica da Educação Física com a Educação Infantil: diálogos entre a Sociologia da Infância e o Comportamento Motor |
M/EF |
Pesquisa-ação existencial |
OP, DC, desenhos e fotografias |
Duarte (2021) |
Educação Física cultural na Educação Infantil: imagens narrativas produzidas com professoras e crianças nos/dos/com os cotidianos de uma EMEI paulistana |
D/Ed |
Pesquisa-ação colaborativo-crítica e Pesquisa nos/dos/com os cotidianos |
Interações, observações, DC, foto, vídeo, áudio, desenho e imagens narrativas |
Silva (2021) |
Educação Física escolar como ferramenta de promoção da autorregulação da aprendizagem na infância |
M/Ed |
Pesquisa interventiva quase-experimental |
Observações, entrevista semiestruturada, DC e intervenções |
Farias (2021) |
Por uma Educação Física escolar "com" a Educação Infantil: um autoestudo |
D/EF |
Autoestudo |
Narrativas, notas de campo, rodas de diálogos, brincadeiras de entrevista, desenhos, fotos e vídeos |
Franco (2022) |
As brincadeiras historiadas nas mediações pedagógicas da Educação Física com a Educação Infantil |
M/EF |
Pesquisa- ação existencial |
OP, DC, fotografias, vídeos, narrativas e desenhos |
Fávero (2022) |
Desafios e possibilidades para a mediação pedagógica com as danças populares no contexto da Educação Infantil |
M/EF |
Pesquisa- ação existencial |
Foto, DC, portfólio e desenho |
*M = Mestrado; D = Doutorado; Ed = Educação; EF = Educação Física; OP = Observação Participante; DC = Diário de Campo.
Fonte: Elaborado pelos autores.
Após a análise, extraímos os principais instrumentos/estratégias evidenciados na produção de dados com crianças e reunimos por aproximações temáticas, conforme o Quadro 2, reconhecendo a possibilidade de um dado transitar por diferentes grupos.
Quadro 2
Grupos de análises dos instrumentos/estratégias apontados pelos estudos
Grupos de análises |
Instrumentos/estratégias |
Descrição |
Diário de Campo |
DC/notas de campo/diário de bordo/portfólio |
Registros teóricos e percepções do pesquisador |
Observação Participante |
Observação/matriz de observação/observação sistemática/OP/interações |
Observação do pesquisador com ou sem interação |
Fotos e Vídeos |
Registros iconográficos/ fotografias/imagens/ vídeos/filmagens/narrativas imagéticas |
Registro de imagens paradas ou em movimento |
Roda de conversa e entrevista |
Entrevista semiestruturada/rodas de conversas/rodas de diálogos/brincadeiras de entrevista |
Registros de falas das crianças |
Produtos das ações com as crianças |
Desenhos/narrativas/enunciações/narrativas orais e textuais/áudios/imagem narrativa |
Produção de dados com as crianças nas ações/interações realizadas com elas |
*DC = Diário de Campo; OP = Observação Participante.
Fonte: Elaborado pelos autores.
A análise descritivo-interpretativa problematiza os instrumentos/estratégias a partir dos apontamentos feitos pelos próprios autores em suas dissertações e teses, que, em linhas gerais, indicam os alcances e os limites desses recursos.
Diário de campo
Neste grupo de análise, reunimos instrumentos/estratégias a partir do que foi produzido no cotidiano das investigações. Os 18 estudos analisados fazem menção ao uso de Diário de Campo (DC) ou termos afins, denotando o reconhecimento do potencial desse recurso para a realização do processo interpretativo e analítico da investigação. Para Lopes et al. (2002), o DC é um instrumento de reflexão do pesquisador que o permite ampliar a compreensão sobre os dados objetivos. Contudo, está circunscrito ao pesquisador e à sua capacidade de ler a realidade. “[...]. Atua aí, além da questão teórico-metodológica, a subjetividade. [...] Assim, o pesquisador capta do real, aquilo que seus esquemas mentais assimilam” (Lopes et al., 2002, p. 132). Os usos e as maneiras de produzir o DC, no entanto, não obedecem a uma ordem linear. Dependem da habilidade de o pesquisador captar dados da realidade, na relação com o seu objeto de estudo.
Buscamos identificar o quanto os pesquisadores deram visibilidade à participação e à escuta da criança por meio desse instrumento. Nos estudos de Duarte (2021) e Zandomínegue (2018), o DC se constituiu em objeto de atenção das crianças ao despertar-lhes curiosidades sobre o que era anotado no caderno. Como exemplo, tem-se o seguinte excerto:
[...] Algumas crianças vieram interagir comigo, uma delas perguntou se eu era professor, disse não, então perguntou por que estava ali. E logo pediu para ver meu diário, “caderninho” e para escrever seu nome, outras três crianças ficaram próximas e entraram na conversa e na brincadeira de escrever no meu diário [...] (Trecho de DC – Duarte, 2021, p. 142, grifo nosso)
No âmbito dos estudos com as infâncias, o processo por meio do qual o pesquisador estabelece aproximação às crianças como sujeitos do estudo e a entrada no campo exigem atenção e cuidado na metodologia de pesquisa com elas, especialmente, pela necessidade de uma convergência do adulto ao universo infantil. Nessa perspectiva, o intuito é superar relações assimétricas de poder historicamente construídas, segundo as quais a criança é quem penetra no mundo adulto ou que está sempre à mercê dos seus ensinamentos.
Consideramos, com base no conceito de entrada reativa (Corsaro, 2011), no qual o pesquisador é percebido pelo grupo antes mesmo de se fazer perceber, que o DC como instrumento de registro amplia as possibilidades de aproximação ao grupo investigado. Contudo, há limites no registro teórico de uma experiência vivida, bem como na maneira de dimensionar a realidade. Para Freitas e Pereira (2018, p. 239), “[...] a forma como a experiência é descrita remete à dificuldade de expressar o vivido, mas na medida em que se escreve sobre essa vivência, é possível produzir novos sentidos ao momento”.
Em uma crítica acerca dos modos de operar nas pesquisas dessa natureza que contemplem o sujeito criador, Redin (2009) afirma que há ainda uma carência de elementos que ajudem a dimensionar o caráter de criação possível nas culturas infantis. Ou seja, nem toda pesquisa que se anuncia com crianças evidencia a escuta de suas culturas de pares2 (Corsaro, 2011). Parte dessa problemática pode estar associada ao instrumento ou ao seu modo de uso no processo de coleta/produção de dados com as crianças.
Os trabalhos de Franco (2022) e de Klippel (2013) demarcam falas de crianças expressas por meio de narrativas e de enunciações e que são evidenciadas pelas formas de registros do pesquisador no DC. As demarcações das falas das crianças nos trechos dos DC são apresentadas conforme decisão do próprio pesquisador (itálico). Para nós, são pistas (Ginzburg, 1989) de uma atitude sensível de escuta da criança e valorização da sua fala. Tal ponto é observável nos trechos que seguem: 1) “Ao ver o mapa, a Mariana [criança] fez um comentário: ô tia, meu pai me falou que quando o sol vai embora daqui ele tá indo pra outra cidade” (Trecho do DC – Franco, 2022, p. 138, grifos da autora); 2) “[...] a maioria das crianças perdeu o interesse pelo filme [...] e pediam: Tio, deixa a gente brincar! Não quero ver filme, não! [...]” (Trecho do DC – Klippel, 2013, p. 97, grifos do autor).
Reconhecemos que o DC e outros instrumentos por si mesmos não garantem a efetiva participação das crianças. Isso vai depender, entre outras razões, de como as decisões são tomadas ao longo do estudo. Nesse sentido, Fernandes e Marchi (2020) destacam o papel do investigador no esforço de aproximar as metodologias de pesquisa à criança, respeitando suas alteridades, tempos, agendas e linguagens. Para Ennew (2011), as vozes das crianças são por vezes excluídas devido à incapacidade dos adultos em promover a participação delas.
Nesse sentido, destacamos o potencial do DC para dar visibilidade às vozes das crianças, além de impulsionar uma aproximação a elas. Esse entendimento pressupõe o esforço do pesquisador, que se dedica a investigar com elas e promover a sua escuta. Constatações como essa convergem com um aumento perceptível da preocupação pelas condições de vida da infância, expressa pela publicação da Convenção sobre os Direitos da Criança pela Organização das Nações Unidas (ONU, 1989). Esta convenção reconhece, em seus 54 artigos, as crianças (seres humanos menores de 18 anos) como indivíduos com direito a um desenvolvimento físico, mental e social completo, assim como a expressar livremente suas opiniões (Fundo das Nações Unidas para a Infância [Unicef], 2006). Ao permitir que a participação e a escuta sejam evidenciadas pelos métodos de pesquisa, contribui-se para o reconhecimento da criança como agente ativo nos seus processos de socialização e de desenvolvimento.
Observação participante
Este subitem reúne os instrumentos/estratégias com proximidade aos preceitos da Observação Participante (OP), conforme mostrado no Quadro 2. A observação assume caráter de procedimento científico à medida que está a favor de um objeto de pesquisa definido (Gil, 2022). Pode ser sistematicamente planejada, especificamente sobre o que se quer observar. Partindo desse pressuposto, na totalidade dos estudos, as observações foram regulares sobre o cotidiano das crianças. Suas diversas formas demonstram ser requisito para a produção do DC e, por vezes, estão atreladas às gravações audiovisuais e registros iconográficos.
Chama-nos a atenção o fato de, em 13 estudos que anunciaram a OP, apenas quatro se ocuparem com a descrição dos princípios teórico-metodológicos e técnicos em relação aos instrumentos adotados pela pesquisa. Alessi (2017) pondera os alcances e as limitações das notas das observações de campo e evidencia a forte relação desse instrumento com os demais utilizados:
Durante as observações, eu realizava pequenas notas para auxiliar nas anotações mais densas que eram produzidas após a saída da instituição. Alguns momentos vivenciados pelas crianças, em que percebi um maior entrosamento e comunicação entre elas e que seriam potencialmente ricos para elucidar a pesquisa, foram gravados com uma máquina fotográfica. (Alessi, 2017, p. 64)
A organização precisa no uso da OP, conforme verificado em Guimarães (2020, p. 34), a partir de uma matriz de observação composta por eixos específicos, permitiu conclusões mais objetivas, tal como: “a observação levou o autor a perceber que o excesso de negativas à ação da criança tinha como pano de fundo o engano na interpretação da palavra cuidado”. Similarmente ocorre em Ramirez (2019), na adaptação de um roteiro já validado pela literatura em pesquisas com bebês, almejando padronizar a observação das vivências pedagógicas. Barbosa (2018, p. 38) anuncia a observação e o registro dos espaçostempos sistematizados em roteiro de observação e reconhece que:
[...] desenvolver um contato e uma observação participativa com as crianças no cotidiano escolar é um dos primeiros desafios para quem almeja realizar uma pesquisa etnográfica [...], devido aos adultos serem [...] fisicamente maiores do que as crianças, mais poderosos e, muitas vezes, vistos como tendo o controle sobre o comportamento infantil.
A decisão metodológica de observar e participar pode suavizar as relações de submissão ou de opressão frequentemente presentes nas pesquisas, na convivência adulto/criança, postas as condições geracionais. No campo da SI, os estudos de Corsaro (2005) evidenciam essa questão, ao apresentar o pesquisador como um adulto atípico no modo de estabelecer contato e interagir com as crianças de forma mais igualitária. Contudo, essa evidência não exime o pesquisador do desafio de suspender o olhar adulto e deixar-se mergulhar no universo das crianças, ainda que, em atitude de interação com elas.
Autores como Sarmento e Pinto (1997) afirmam o descentramento do olhar do adulto como condição para a percepção das crianças e a inteligibilidade da infância. Para Marchi (2010), os estudos da infância devem dar voz e vez às crianças e suas ações como dotadas de sentido com lógica própria, a das culturas ou mundos infantis. Nesse sentido, destacam-se as metodologias interpretativas e etnográficas como recursos que convocam os adultos a desafiarem as barreiras do adultocentrismo.
Entretanto, é preciso considerar que a infância é uma condição social determinada por uma construção cultural e histórica, caracterizada por relações de poder. Portanto, não há como estudá-la de forma isolada das relações sociais que a constitui. Para Freire (1981), os participantes da pesquisa são sujeitos que produzem cultura e conhecimentos em suas relações com os outros. Nesse sentido, a relação estabelecida entre adultos e crianças deve ser a de horizontalidade. Uma das potencialidades da OP é viabilizar essa questão. Além disso, na OP os fatos são percebidos e transcritos, por vezes, diretamente pelo pesquisador, ou seja, na sua própria inteireza, dinamismo e pertença ao locus do estudo.
Poucos estudos apontaram para as limitações da OP. A pesquisa com bebês, desenvolvida por Valentim (2020, p. 95), nos forneceu algumas pistas ao destacar que as ações de olhar, ouvir e escrever não são neutras, pois esse exercício influencia a maneira do pesquisador perceber o real, com base nas suas subjetividades: “[...] num ambiente relacional, dinâmico e de processos sensoriais, emocionais e cognitivos, a observação é também um processo complexo por não conseguir abarcar todos os acontecimentos e pelas múltiplas dimensões humanas que a atravessam e que por ela transitam”.
A análise da OP mostrou a associação de mais de um instrumento em diferentes contextos investigativos. Este instrumento/estratégia esteve atrelado a outras fontes de evidência, sobretudo nos estudos de natureza etnográfica e de caso, como observa-se em Ota (2020), Barbosa (2018) e Zandomínegue (2018). Ademais, a OP apontou influência na descrição dos contextos, sujeitos, ambientes, ou seja, na própria redação/narrativa do autor e na tarefa de explicar o fenômeno estudado com detalhes.
Fotos e vídeos
Este tópico reúne registros de imagens, conforme descrito no Quadro 2. Dos 18 estudos analisados, 16 indicaram utilizar um ou mais elementos, sendo predominante a indicação de fotografias.
As imagens em fotos aparecem como suporte para a caracterização do locus do estudo (instituição, sala de aula, biblioteca, refeitório, pátio etc.) e, por vezes, para captar as atividades das crianças (Fávero, 2022) ou produzidas por elas (Rosa, 2014). Ramirez (2019) adotou o registro fotográfico e de videogravação para ilustrar os resultados por meio da linguagem não verbal e para oportunizar revisitar a captação real dos dados, quantas vezes fossem necessárias, suprindo as lacunas deixadas por outras formas de registros. Por meio dos registros iconográficos, Ewald (2021) apresenta as multifaces dos desenhos infantis. Da mesma forma, Franco (2022) estabelece mosaicos de fotografias para demonstrar o protagonismo das crianças em brincadeiras.
Contudo, os estudos que se dispuseram ao uso de foto/vídeo abordaram brandamente as questões conceituais e as justificativas para a adoção desses recursos. Em geral, os autores parecem compreender que desenhos, fotos, vídeos e similares compõem um arsenal das múltiplas linguagens infantis. Assim, quando associados a outras formas de as crianças se comunicarem, os registros iconográficos podem qualificar a compreensão dos significados que elas, em suas racionalidades e alteridades, atribuem aos contextos dos quais participam. Farias (2021), concebe o desenho e, em específico, as artes em pesquisas com crianças, como potencializadores de análises interpretativas sobre suas formas distintas de compreender o mundo.
Duarte (2021) evidencia imagensnarrativas como aquela advinda dos narradores (participantes da pesquisa), que não descreve algo que já esteja dado, mas a partir deles atribui sentidos aos acontecimentos vividos e registrados a priori. Lano (2019), na etnografia com crianças, adota narrativas imagéticas (desenhos, fotos e vídeos), alcançando os sentidos atribuídos às aprendizagens pela ótica das crianças. Seu trabalho demonstra a utilização desses registros associada às narrativas orais para ampliar a compreensão do objeto estudado. Klippel (2013, p. 74), articula diferentes instrumentos para ampliar seus campos de análise/produção de dados: “[...] analisamos os dados sistematizados no diário de campo, relacionando-os com o material produzido nos registros iconográficos (filmagens e fotografias)”.
Nesse ínterim, a articulação de diferentes instrumentos/estratégias de coleta/produção de dados com as crianças aparece como condição/necessidade do pesquisador, dada a complexidade que envolve estudos que se dedicam à participação/escuta da criança. Ainda que, por vezes, os métodos eleitos não tenham sido densamente contextualizados para fins da investigação com elas, a discussão dos dados ocorreu, em grande parte, pela articulação de diferentes fontes.
Cumpre destacar que a análise desta categoria, pela sua exposição imagética, aguça a exigência dos cuidados éticos no trato de imagens e preservação das identidades. Apenas seis estudos demarcaram o uso do Termo de Assentimento Livre e Esclarecido (TALE). Em quatro deles (Ceratti, 2020; Ewald, 2021; Farias, 2021; Franco, 2022), o termo foi aplicado pelo pesquisador em sessão junto às crianças, mediante estratégias lúdicas e linguagem acessível. Outros dois estudos (Alessi, 2017; Ramirez, 2019) anunciaram o uso do TALE por meio da escuta atenta para perceber a sutileza do assentimento dos bebês.
A emergência de perspectivas teóricas acerca da infância, que defendem a criança como ator social, sujeito de direitos (Corsaro, 2011; Fernandes, 2016), tem colaborado para que as crianças sejam reconhecidas como participantes ativos de seus processos de desenvolvimento, logo, devem ser ouvidas nas pesquisas com/sobre elas. Segundo Fernandes (2016, p. 766), as discussões sobre os modos como esses e outros aspectos éticos estão sendo (ou não) respeitados têm sempre como denominador comum “a defesa de que a salvaguarda é fundamental na edificação de uma relação de respeito com a criança, na qual seja defendido, em qualquer momento, o seu interesse superior”. Certos de que um dos papéis da pesquisa é a divulgação de seus resultados, consideramos que essas tensões precisam ser discutidas para a construção de uma ética. É necessário evidenciar a participação das crianças nas pesquisas, sendo imprescindível assegurar possibilidades de autoria e de proteção a elas.
Entrevista e roda de conversa
Este subitem reúne os registros de falas das crianças (Quadro 2). Dos 18 estudos, apenas um apontou o uso de entrevista semiestruturada com crianças (Silva, 2021). Nas conclusões, o próprio autor considerou a limitação do uso desse instrumento com crianças pequenas, especialmente pela dificuldade de elas verbalizarem sobre os processos vivenciados. Além disso, ele reconheceu que houve maior engajamento e participação delas nos procedimentos com brincadeiras. Rocha (2012, p. 45) considera a entrevista semiestruturada como “inadequada às crianças, pois gera respostas de desejabilidade social, isto é, o sujeito da pesquisa responde aquilo que percebe ser a expectativa dominante”, além de exigir domínio das capacidades de fala, leitura ou escrita.
Farias (2021) reconheceu o potencial das brincadeiras para a comunicação com as crianças. O autor adotou a brincadeira de entrevista, entendida como um momento lúdico em que elas brincam de responder a uma entrevista. Destacou ainda a utilização dos desenhos na relação com as linguagens oral e corporal como dimensão artística que potencializa análises, “uma vez que trazem possibilidades interpretativas de formas distintas de compreender o mundo pela lente do/da pesquisador/a e dos/das participantes da pesquisa” (Farias, 2021, p. 93).
Vale reforçar a brincadeira como linguagem da criança. É por meio do brincar que ela se comunica, expressa, relaciona, inventa e fala de modo não convencional. As brincadeiras e as interações com os pares são potenciais recursos para a escuta e a participação delas. Além de promover a valorização dos seus processos lúdicos e imaginativos, favorecem a sua relação com elementos que compõem a sua cultura. Destarte, é preciso considerar que, quando o outro é a criança, a linguagem oral não é a central e nem a única, visto que seu modo de comunicar está acompanhado de outras expressões corporais, gestuais, expressivas, rítmicas (Friedman, 2020).
Outros estudos se apropriaram das rodas de conversa/diálogo como estratégia para a captação das vozes das crianças. O estudo de Guimarães (2020) anunciou a entrevista para a captação das experiências lúdico-corporais, no entanto, enfatizou a sua adaptação no formato de rodas de conversa. Destaca-se que, no referido estudo, as rodas são elencadas como instrumento sistemático de produção dos dados com as crianças. Já em Klippel (2013), Franco (2022) e Fávero (2022), as rodas de conversa constituíram estratégia pedagógica de mediação com as crianças, promovendo a sua participação e escuta pelas vias do protagonismo infantil e valorização da cultura do círculo com as crianças (Fávero, 2022).
Os trechos captados, em contexto de mediação com as crianças, aparentam ter importantes contribuições às análises/discussões, sendo as informações geralmente registradas no DC. É possível observar em Guimarães (2018, p. 134): “Essas nossas rodas de conversa com as crianças nos serviram de pontapé para as nossas produções com elas”. Igualmente, em Franco (2022, p. 157): “Em roda de conversa, os infantis verbalizaram o quanto gostaram de ter participado e apontaram os pontos mais relevantes para cada um. Esses episódios ratificam a necessidade de deslocar o olhar do adulto e de valorizar as criações infantis”.
Zandomínegue (2018) reconhece as rodinhas como importantes espaços de estímulo à oralidade e à percepção das expressividades das crianças. Pelo fato de as rodas serem desenvolvidas junto às crianças em um clima de informalidade e como etapa das atividades propostas, podem-se criar elaborações mais concisas a partir das indagações propositivas do professor-pesquisador.
Conforme Zanotto (2016), a roda como instrumento metodológico pode evidenciar a experiência com os vínculos constituídos na história individual das crianças e conduzir a discussão do tema em questão também para o seu aspecto geral e conceitual. Além disso, pode ser considerada como elemento propulsor das vozes das crianças.
Consideramos que a reduzida incidência do uso de entrevistas com crianças denota o não reconhecimento, por parte dos pesquisadores, desse recurso para a escuta/participação das crianças. A análise desses estudos aponta para uma tendência de consumo produtivo (Certeau, 2011) dos recursos tradicionais de coleta/produção de dados com crianças, além da articulação com diferentes linguagens (desenho, brincadeiras e outras formas de expressões).
Produtos das ações com as crianças
Compõem este grupo dados das ações/interações com as crianças. Chamou-nos a atenção Guimarães (2018), Barbosa (2018), Zandomínegue (2018), Duarte (2021), Farias (2021) e Franco (2022), pela diversidade de instrumentos adotados para a produção de dados. Alguns autores apontam que o uso de diferentes fontes para a coleta/produção amplia as possibilidades de aproximação a esse grupo (Redin, 2009) e potencializa condições de análise, com maior precisão dos resultados – nomeadamente em se tratando de criança e suas cem linguagens (Malaguzzi, 1999).
As expressões das culturas das crianças reveladas em suas redes de relações são algo difícil de verbalizar em palavras, pois se estabelecem por meio de ritmo, movimento, expressão, gestos, falas, entre outros elementos. A ação de pesquisar com elas exige o combate às estratégias de controle da ciência cartesiana, que visa capturar a complexidade (como a de um cotidiano de EI) eliminando outras formas de saberes produzidos (aqui se incluem os saberes das crianças). Sobre isso, valorizamos a atenção que alguns estudos se propuseram a dar ao considerar como fonte os produtos das ações empreendidas com as crianças, dada as especificidades e os desafios teórico-metodológicos de cada um.
Os autores que anunciaram o uso de narrativas e/ou enunciações o fizeram a partir de Certeau (2011). Para esse estudioso, existe uma fala em ato, aquela que se dá pela enunciação, que precisa ser considerada nos estudos que se propõem a falar de práticas, de criações, de artes de fazer. As interlocuções com o autor possibilitam compreender a pesquisa como processo histórico, dinâmico, polifônico e de caça permanente, assim como se sugerem àquelas que se propõem a ouvir crianças.
Certeau (2011, p. 140) valoriza as narrativas e as diferencia do discurso, sendo este último uma observação à distância, que permite apenas “[...] dizer sobre aquilo que o outro diz de sua arte”. Para nós, o fato de os pesquisadores da infância mobilizarem esse referencial teórico indica um movimento concreto das pesquisas com crianças, que buscam superar o olhar de fora, muitas vezes expresso pelos discursos dos pesquisadores sobre as práticas. Pelo contrário, uma investigação baseada em Certeau (2011) valoriza as práticas e as narrativas como artes de fazer e artes de dizer. Ao transcrever as falas em suas ações contextualizadas e/ou considerar seus desenhos como artes de dizer, expressas pela linguagem artística, os pesquisadores asseguram uma autoridade de fala da criança, promovendo a participação e escuta nas pesquisas com/sobre/para elas.
Em relação ao desenho, nove estudos apontaram-no como forma de produção de dados. Os desenhos denotam discursos, contam histórias, expressam sentimentos das crianças, tal qual um texto visual que deve ser captado e valorizado pelos pesquisadores. Fávero (2022) e Guimarães (2018) adotaram o desenho como estratégia de escuta, o que, associado a outras ações, como momentos de conversas e brincadeiras, forneceu pistas de como proceder com a mediação/pesquisa com elas. Apesar de indicar o desenho como fonte de dados, não identificamos essa produção em Franco (2022). Klippel (2013), por outro lado, valorizou o desenho na construção do conhecimento a partir da criança e para a criança.
Farias (2021) adotou o desenho como uma das etapas da brincadeira de entrevista para coletar mais informações sobre as aprendizagens das crianças. Ewald (2021) utilizou o desenho como estratégia de inserção no campo da pesquisa e diagnóstico dos interesses do grupo pesquisado. Duarte (2021) valorizou o desenho das crianças em seu DC, deixando evidentes as marcas das relações e as significações que elas produziram com o pesquisador.
Lano (2019) problematizou o desenho como prática avaliativa na EI, apontando os limites e as potencialidades desse recurso metodológico. O autor, também, evidencia o uso utilitarista do desenho quando esse elemento é colocado como suporte das ações pedagógicas desenvolvidas com as crianças, com finalidade ilustrativa, sem atenção ao que a criança quer comunicar.
Como instrumento/estratégia elencado para promover a participação das crianças, o desenho permite captar aquilo que o mundo social do adulto por vezes não possibilita, dado que ele não se orienta pelo modo como as crianças fazem, pensam, veem e sentem. Apesar de reconhecermos essa e outras linguagens infantis como fontes de dados, que já indicam um avanço do campo, consideramos que houve pouca exploração, do ponto de vista da análise desse recurso, por parte dos pesquisadores. Construir práticas de pesquisas que alarguem oportunidades de acesso às produções culturais das crianças requer considerar a ontologia ética das suas práticas, perspectivas e autorias nos processos de construção de conhecimentos acerca de si.
Considerações finais
O presente estudo analisou instrumentos/estratégias adotados nas pesquisas com crianças produzidas pela pós-graduação em Educação e EF. Dentre os instrumentos mobilizados pelos pesquisadores, o DC assumiu a predominância, visto que todos o adotaram. Esse instrumento revelou atrair a atenção da criança no contexto da investigação, favorecendo a aproximação e a entrada do pesquisador no grupo. Contudo, a maneira de realizar o registro está diretamente relacionada às escolhas do pesquisador, com suas subjetividades e condições de ler os fatos. Nem toda forma de registro no DC demarcou a fala das crianças. Houve casos de predominância do discurso do pesquisador sobre as suas narrativas. Aponta-se o limite expresso pela linguagem escrita: o de evidenciar a criança, sujeito criador, e suas culturas em ação.
A observação da realidade é condição essencial para a escrita dos DC. No entanto, dos 18 estudos, apenas 13 apontaram-no, especificamente, como instrumento de pesquisa. O caráter da participação circunscrito ao método permitiu maior interação do pesquisador e o fomento da atuação das crianças. A OP ampliou os modos de obtenção de informação, além de favorecer o cruzamento dos dados. Como desafio, põe-se a necessidade de o pesquisador suspender o olhar adultocêntrico sobre as crianças e suas práticas no âmbito da investigação. Imagens em fotos e vídeos revelaram-se instrumentos que qualificam as análises do pesquisador em relação às outras formas de registros. Destacam-se as imagensnarrativas e narrativas imagéticas adotadas como disparadoras de conversas com as crianças e como promoção de aprendizados para o pesquisador. O limite se situa no âmbito dos cuidados éticos necessários ao uso de imagens, na necessidade de autorização, na preservação da identidade e na confiabilidade do dado, que, muitas vezes, estabelecem-se como obstáculos à sua divulgação.
A roda de conversa foi, notadamente, o instrumento mais adotado (ou reconhecido) como potencial para o diálogo com as crianças. Apenas um estudo acusou o uso de entrevista semiestruturada, indicando as limitações desse método com crianças. A exceção se dá pela brincadeira de entrevista, que aparece como estratégia de adaptação do instrumento. Em relação ao desenho, houve pouca inserção e exploração como lugar de fala da criança. Entendemos que é o pesquisador quem interpreta, analisa e discute o dado e, por mais que o investigador se proponha a ouvir a criança, a questão é: como ele faz isso a partir de desenhos e demais manifestações estéticas das crianças? Consideramos, assim, haver uma limitação dos pesquisadores no que tange à análise do desenho como dado nas pesquisas.
No panorama geral das análises, evidenciamos que a EF tem expressado importante contribuição no avanço dessa temática, sobretudo nos modos de fazer pesquisa com crianças, de promover a sua participação e de evidenciar suas agências e culturas. Reforçamos nosso entendimento de que instrumentos isolados não dão conta da totalidade do objeto. Outrossim, a situação limite do uso de determinado recurso não está propriamente no instrumento em si, mas na forma como ele é utilizado/empregado pelo pesquisador, considerando a especificidade do estudo/método.
Por fim, reconhecemos que operar com os recursos do CTD/Capes para a identificação dos trabalhos se constituiu o grande desafio deste levantamento, dada a variação do quantitativo apontado pela plataforma, bem como, a indisponibilidade de alguns textos. Sinalizamos a possível ampliação deste estudo, a partir da pesquisa de outras fontes e bases de dados.
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Bethânia Alves Costa Zandomínegue
Universidade Federal de Goiás, Goiânia, GO, Brasil
https://orcid.org/0000-0002-1106-3563
Doutora em educação física pela Universidade Federal do Espírito Santo (2018). Professora adjunta da Faculdade de Educação Física e Dança da Universidade Federal de Goiás. Membro do grupo de pesquisa Núcleo de Aprendizagens com as Infâncias e seus Fazeres (NAIF/UFES). E-mail: bethania.costa@ufg.br
Fernando Donizete Alves
Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, SP, Brasil
https://orcid.org/0000-0002-9354-7851
Doutor em educação escolar pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (2008). Professor associado do Departamento de Educação Física e Motricidade Humana da Universidade Federal de São Carlos. Coordenador do Centro de Pesquisa da Criança e de Formação de Educadores da Infância (Cfei/UFSCar). E-mail: alves.sommer@gmail.com
Luana Zanotto
Universidade Federal de Goiás, Goiânia, GO, Brasil
https://orcid.org/0000-0003-1877-4170
Doutora em educação pela Universidade Federal de São Carlos (2019). Professora adjunta da Faculdade de Educação Física e Dança da Universidade Federal de Goiás. Membro do Centro de Pesquisa da Criança e de Formação de Educadores da Infância (Cfei/UFSCar). E-mail: luanazanotto@ufg.br
Contribuição na elaboração do texto: os autores contribuíram igualmente na elaboração do manuscrito.
Analiza instrumentos y estrategias de producción de datos en investigaciones con niños, en los campos de la Educación y la Educación Física. Se trata de una revisión integradora de las producciones de posgrado en Brasil, con un análisis basado en la Sociología de la Infancia. Los resultados apuntan al uso del diario de campo, observación, círculos de conversación, entre otros, en la investigación. Si bien los estudios señalan al niño como sujeto, no todos los procedimientos promueven su escucha y participación. También hay una apropiación instrumental de sus formas de comunicarse, con poco espacio para que se evidencien sus agencias. El estudio señaló una importante contribución de la Educación Física en las formas de investigar con los niños.
Palabras clave: Investigación infantil. Protagonismo infantil. Educación Física.
It analyzes instruments and data production strategies in research with children, in the educational areas of Education and Physical Education. This is an integrative review of postgraduate productions in Brazil, with an analysis based on the Sociology of Childhood. Results point to the use of a field diary, observation, conversation circles, among others, in research. Although studies indicate the child as a subject, not every procedure promotes their listening and participation. There is also an instrumental appropriation of their ways of communicating, with little space for their creations to be evidenced. The study pointed out an important contribution of Physical Education in the ways of researching with children.
Keywords: Child research. Child protagonism. Physical Education.
Linhas Críticas | Periódico científico da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília, BrasilISSN eletrônico: 1981-0431 | ISSN: 1516-4896
http://periodicos.unb.br/index.php/linhascriticas
Referência completa (APA): Zandomínegue, B. A. C., Alves, F. D., & Zanotto, L. (2023). Análise metodológica da participação e escuta das crianças nas pesquisas com/sobre elas. Linhas Críticas, 29, e50641. https://doi.org/10.26512/lc29202350641
Referência completa (ABNT): ZANDOMÍNEGUE, B. A. C.; ALVES, F. D.; ZANOTTO, L. Análise metodológica da participação e escuta das crianças nas pesquisas com/sobre elas. Linhas Críticas, 29, e50641. 2023. DOI: https://doi.org/10.26512/lc29202350641
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1Adotamos a escrita de instrumento/estratégia não como sinônimos, mas considerando cada qual como procedimentos que farão parte do processo de coleta ou produção de dados.
2Para Corsaro (2011), as culturas de pares são um conjunto de atividades ou rotinas, artefatos, valores e interesses produzidos e compartilhados pelas crianças, como brincadeiras, falas e comportamentos que denotam suas produções de culturas.