Dossiê | Pesquisa narrativa no fazer ordinário da docência: múltiplas perspectivas

Dimensões coletivas do trabalho biográfico como pesquisa-formação: oficinas biográficas em foco

Dimensiones colectivas del trabajo biográfico como investigación-formación: talleres biográficos en punto de mira

Collective dimensions of biographical work as research-training: biographical workshops under focus

Elsa Lechner


Destaques


Mais do que um método as oficinas biográficas são um instrumento pedagógico, cívico e social.


Trabalho de grupo que se experimenta como um processo formador, transformador e de ação social.


Um duplo movimento autopoiético e de hospitalidade traduz a especificidade teórico-metodológica do trabalho biográfico.


Resumo


O texto debruça-se sobre as oficinas biográficas como espaços e momentos de formação experiencial com relevância coletiva. Baseamo-nos na experiência de dinamização de oficinas com grupos muito diversos em contextos de pesquisa e de formação, nas quais os participantes produzem textos autobiográficos temáticos a serem partilhados em grupo. Apresentamos o protocolo destas oficinas, seus pressupostos teóricos, processo metodológico e resultados, em linha com a corrente das histórias de vida em formação, e no horizonte de uma análise social crítica consciente da relevância cívica e política das experiências privadas de pessoas comuns em grupos de trabalho colaborativo e individualmente.

Resumen | Abstract


Palavras-chave

Métodos biográficos. Narrativas coletivas. Pesquisa-Formação. Pesquisa-Ação.


Recebido: 27.02.2023

Aceito: 22.05.2023

Publicado: 03.07.2023

DOI: https://doi.org/10.26512/lc29202347346


Introdução


O presente texto1 debruça-se sobre as oficinas biográficas como espaços e momentos de formação experiencial com relevância coletiva. Baseamo-nos na nossa já longa experiência de dinamização de oficinas com grupos muito diversos em contextos de pesquisa e de formação2, nas quais os participantes produzem textos autobiográficos sobre temas específicos a serem partilhados em grupo. Apresentamos o protocolo destas oficinas, seus pressupostos teóricos, processo metodológico e resultados, em linha com a corrente das histórias de vida em formação, e no horizonte de uma análise social crítica consciente da relevância cívica e política das experiências privadas de pessoas comuns em grupos de trabalho colaborativo e individualmente.

Esta análise resulta de 20 anos de trabalho de pesquisa e de formação analisando narrativas de experiência e 12 anos dinamizando oficinas biográficas com participantes muito distintos, em diversos contextos nacionais, internacionais e institucionais (em escolas, universidades, on-line, com estudantes, professoras, emigrantes portugueses em França, Estados Unidos da América, Brasil, imigrantes em Portugal, ou a partir de obras autobiográficas de migrantes e refugiados). As oficinas ocuparão aqui lugar de destaque por se tratar de um método de produção de narrativas biográficas em grupo, interessado não só nos relatos autobiográficos entendidos como expressão individual de vivências e referências simbólicas dos participantes, mas também como um espaço-tempo extra quotidiano de ressonância heterobiográfica, logo, de construção de sentidos de comunidade e de partilha de humanidade na diferença e na prática. Nesse sentido é mais do que um método, passando a ser igualmente um instrumento de ação pedagógica, cívica e social, que se experimenta como um processo formador, transformador e de ação social. O argumento defendido é que o trabalho biográfico em oficinas biográficas cria comunidade e potencia relações de alteridade mais respeitosas, hospitaleiras e conscientes da força e vulnerabilidade de cada pessoa, ao mesmo tempo que potencia a formação de cada um.a à descoberta de si próprio.a e dos outros num sadio ambiente de trabalho. Este duplo movimento autopoiético e de alteridade/hospitalidade traduz a especificidade teórica e metodológica do trabalho biográfico que revela nos espaços-tempos da sua realização grande eficácia prática e alcance coletivo, neste artigo particularmente evidenciado pelo contexto da pandemia.

As oficinas biográficas: pressupostos e protocolo


A proposta das oficinas biográficas visa constituir um instrumento metodológico e de ação cívica de expressão e de partilha de experiências biográficas através da produção de narrativas temáticas por parte de participantes voluntários. Pode ser utilizada para desenvolver investigação, ou para pesquisa-ação, formação, ou ainda num sentido cívico ‘para construir comunidade’. Trata-se de um trabalho dedicado a um tema claramente definido à partida, a ser abordado com recurso a relatos de experiência autobiográfica dos participantes com vista ao interconhecimento na diferença, à aprendizagem recíproca e à reflexão conjunta. São grupos reflexivos, na terminologia de alguns autores (Passeggi, 2011), utilizados como grupos focais em certos contextos de pesquisa, grupos de discussão e comunidades de inquérito (Scott-Bauman, 2010), e arbre à palabres, ainda noutros (Leray & Hamey-Warou, 2014). No nosso trabalho utilizamos a expressão ‘oficinas biográficas’ em tradução literal do termo francês ateliers biographiques em que nos formamos com Jeanne-Marie Rugira3, mas também porque situamos a nossa utilização/entendimento deste instrumento numa linha de investigação-formação que se distingue da pesquisa interessada exclusivamente pelo processo de investigação científica ou de formação no sentido estrito. Com efeito, na nossa perspetiva, as oficinas biográficas são pertinentes no domínio das ciências sociais e humanidades também porque traduzem na prática um exercício não unilateral de consciencialização, de empoderamento subjetivo (novo poder de ação dos sujeitos muitas vezes inaudíveis ou marginalizados), e de construção de sentimentos de pertença. No conjunto, todas estas dimensões consubstanciam a vocação cívica ou cidadã das oficinas como atividade científica. As oficinas alargam, ainda, a produção de conhecimento a novos públicos e participantes das pesquisas e formações, que passam assim de meros interlocutores de terreno ou ‘cobaias’ de investigação, a parte integrante de processos de co-autoria e de construção de saberes. Esta dimensão participativa parece-nos particularmente relevante e importante, porque democratiza a pesquisa e formação, processo analisado por poucos.as na literatura científica sobre pesquisa biográfica nas ciências sociais. Talvez o termo e prática mais próxima das nossas oficinas seja o arbre à palabres que, como afirmam Leray e Hamey-Warou na obra citada, religa incessantemente os indivíduos à sociedade inscrevendo-os numa pertença comunitária (Leray & Hamey-Warou, 2014, p. 17). Mas, seja com uma denominação ou outra, em função dos seus contextos de aplicação e objetivos, as oficinas biográficas são, no nosso contexto, modelos de pesquisa inicialmente desenvolvidos na área da formação de adultos, tal como a corrente das histórias de vida em formação os protagonizaram desde os finais dos anos 1980 (autores como Dominicé, Josso, Pineau). E é precisamente porque o recurso ao biográfico e à escrita autobiográfica comporta uma dimensão formadora que as oficinas são tão relevantes para quem – também nas ciências sociais e não só na educação –, busca uma coerência teórico-prática entre os valores da justiça social, justiça cognitiva, e práticas de convivência efetivamente respeitadoras das diferenças entre sujeitos sociais. Podemos acrescentar, ainda, que a adaptação do modelo e espírito do arbre à palabre nas nossas atividades de investigação e de formação, realiza uma articulação contra-hegemônica entre saberes tradicionalmente diferentes e distantes, consubstanciando em si mesma um diálogo intercultural (Lechner, 2015), com possíveis efeitos intergeracionais também (Lechner, Capinha, Keating, 2020).

Num artigo anterior já tivemos a oportunidade de apresentar o protocolo das oficinas biográficas que realizamos na nossa prática de investigação e formação (Lechner, 2012). Com vista à prática de uma hermenêutica social (Michel, 2016) concreta junto das populações com quem trabalhamos (sobretudo emigrantes, imigrantes e refugiados), estas oficinas procuraram trazer para o seio de grupos culturalmente muito diversificados, um exercício de expressão de si potencializador de algum empoderamento – no sentido analisado por Martha Nussbaum (2012), como um novo poder de ação –, e de aprendizagens recíprocas entre participantes com histórias de migração muito diferentes. Cada oficina assenta numa estrutura de funcionamento replicável em cada grupo e sessão, com etapas claramente definidas e que devem permitir a produção de relatos individuais de cada participante, a escuta atenta de todos, as ressonâncias dos narratários a oferecer sempre aos narradores, e um balanço conjunto final. Todas e cada uma das oficinas obedecem a um ‘contrato’ verbal que deve ser aceite por cada participante que queira integrar o grupo. Segundo este contrato todos devem sempre preparar os textos autobiográficos a ler no grupo (não vale não o fazer e ficar só como observador.a), é esperado que se respeitem mutuamente e não transformem a troca de ideias e de visões num qualquer campo de batalha ou competição mais ou menos audível. Um dos objetivos específicos das oficinas é, justamente, criar uma comunidade acolhedora e dialogante, tal como nas práticas psicossociais desenvolvidas por Jeanne-Marie Rugira (2016).

O protocolo das oficinas assenta na tomada da palavra e na escuta atentas de todos e de cada um.a dos participantes, às quais se seguem as ressonâncias, ou seja, comentários de quem ouviu sobre o que acabou de ouvir (o que sentiu, pensou, lembrou, etc.). Este momento de verbalização após a escuta é tão importante quanto os momentos de narração e de leitura dos textos autobiográficos, uma vez que traz para o grupo a diversidade na escuta, e não só na narração. Permite conhecer e reconhecer a posicionalidade da escuta individual e começar a desenhar uma identidade sensível do grupo, como uma comunidade auscultante de si própria e dos seus problemas sociais, políticos, históricos concretos. Desta forma, a diversidade produzida nas oficinas reside não só nos diversos relatos biográficos, nos estilos e formas de escrita de si, mas também nos comentários sempre oferecidos por cada narratário a cada narrador. Assim como no arbre à palabres, cada participante traz para o grupo a sua perspectiva, a sua posicionalidade, escuta, sensibilidade, referenciais culturais, linguísticos e simbólicos, experiência e escrita singulares. Fazemos um exercício vigilante de suspensão in situ do julgamento (moral, político, etc.), a substituir pelo eco diferencial de cada narratário. nas ressonâncias. Sempre numa postura de adaptabilidade e de diálogo. É, por isso mesmo, um exercício sempre renovado que não pretende tornar-se em prescrição comportamental, mas praticar situacionalmente uma escuta e palavra permeáveis aos outros. Um desafio, claramente.

As oficinas biográficas realizam-se num formato circular de comunicação, dispondo os corpos em roda quando estamos em presença dos e das participantes, ou seguindo uma ronda de testemunhos caso sejam feitas on-line. Iniciam com uma breve apresentação dos participantes, e partem logo para a partilha de relatos autobiográficos. Os relatos podem ser somente orais caso alguns elementos não saibam escrever. Mas, neste texto, tratamos especificamente das oficinas realizadas em torno da produção de textos escritos por comportarem ainda o caráter formador da escrita autobiográfica ou a escrita de si como prática de formação entendida num sentido lato e existencialista, diferente dos saberes formais institucionalizados (Pineau & Michelle, 1983; Honoré, 2016), e é uma técnica de si conhecida e praticada desde a antiguidade clássica (Foucault, 1988). Perante o tema específico de cada oficina, todos os participantes produzem um texto de uma página a ser lido em voz alta no grupo em cada sessão. O tamanho do grupo deverá ser decidido em função do tempo disponível para o trabalho, sabendo-se por experiência reiterada que 6 participantes ocupam 3 horas de oficina para cada ronda de textos. Ou seja, se forem 12 participantes, terá de ser organizada uma oficina de seis horas de forma a que todos tenham tempo de partilhar o seu texto, lendo em voz alta, bem como haver tempo para receberem as ressonâncias dos demais participantes.

Originalmente, as oficinas biográficas ou ateliers biográficos na Europa, foram concebidas e aplicadas a partir dos anos 1980 pela equipe Suíça de Pierre Dominicé (1982) e Marie-Christine Josso (1991) no Grupo de investigação aplicada sobre formação de adultos do departamento de educação de adultos da Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação (FAPSE) da Universidade de Genève. Também o grupo francês da Association nationale pour la formation professionnelle des adultes (AFPA), dirigido por Bernadette Courtois, desenvolveu na mesma altura o interesse e prática pela formação experiencial e trabalho biográfico, nomeadamente no âmbito da adaptação a contextos laborais e da formação ao longo da vida4, e no domínio da formação de adultos.

Este grupo francófono em França, na Suíça e também na Bélgica com Guy de Villers, dedicou-se às questões de autoformação, tendo em conjunto pensado as dimensões institucionais, profissionais e pessoais da formação ao longo da vida. Em 1998, Courtois e Prévost publicaram o livro ‘Autonomie et formation au cours de la vie’ (Courtois & Prévost, 1998), centrado justamente no desenvolvimento de uma cultura pedagógica e cívica de formação experiencial interessada na educação permanente assentada nas experiências e relatos biográficos. Gaston Pineau fez parte deste grupo desde o início, tendo publicado com Bernadette Courtois obras seminais sobre a formação experiencial de adultos (Courtois & Pineau, 1991) e co-criado a Association des Histoires de Vie en Formation (ASIHVIF), em 1991. Foi Courtois quem forjou o conceito de autobiografia-projeto, com o colega Guy Bonvalot, debruçando-se sobre o efeito formador do trabalho autobiográfico e seus impactos nos projetos de vida. Com efeito, a ‘autobiografia-projeto’ permite aos sujeitos entrarem em contato com as suas competências independentemente do seu prestígio ou reconhecimento social. Também permite retraçar os seus trajetos percorridos através das diferentes estruturas, coletividades de pertença, grupos e redes de sociabilidade, dando relevo à dimensão social das suas trajetórias de vida e tomando consciência do sentido social e relevância coletiva das suas experiências biográficas (Bonvalot & Courtois, 1984). Este foco na autobiografia-projeto – que se traduz em projetos de vida nascidos da formação experiencial revisitada-, difere de um outro termo que interessa sobretudo a sociologia, o ‘curso de vida’ ou lebenslauf (Kohli, 1978). Aqui o objetivo é programático e analisa o sistema bio-temporal das sequências socialmente definidas de acontecimentos vividos. Uma sociologia do curso de vida foca-se em dados objetivos, enquanto o trabalho autobiográfico se traduz numa ação subjetiva de experiências e ações (Alheit & Dausien, 1990). Desta forma, o que interessa no trabalho biográfico entendido como sendo formativo, é sobretudo o processo de ressignificação das vivências, de partilha de experiências, e consequente co-construção de saberes úteis à coletividade e aos próprios narradores.as. Na apresentação da sua ética e concepção da formação, a associação das histórias de vida em formação deixa justamente muito claro como os trabalhos desenvolvidos na interface da biografia e formação se situam no campo da antropo-formação, servindo para apoiar e desenvolver o contributo das histórias de vida no campo da formação. E é importante notar como esta concepção e prática de pesquisa e formação mostra como as histórias de vida e relatos autobiográficos permitem questionar aspectos coletivos e institucionais de regulação e concepção das cidadanias e das identidades. No mesmo site da associação internacional das histórias de vida em formação (ASIHVIF) é explicito o contributo específico desta articulação antropoformativa: o trabalho biográfico implica os sujeitos com os quais se desenvolve a pesquisa na construção de novos saberes, e associa praticantes e pesquisadores de forma a articular saberes teóricos, com saberes de experiência e existenciais.

As heranças deste trabalho necessariamente interdisciplinar, no contexto ocidental, encontram-se nas ciências do espírito de Dilthey, na perspetiva de Dewey sobre educação e experiência, na pedagogia crítica de Paulo Freire, bem como no existencialismo de Sartre e na fenomenologia de Merleau-Ponty. Mas é igualmente importante na definição e ancoragem da pesquisa biográfica antropoformativa, a chamada ‘viragem biográfica’ nas ciências sociais e humanas, que passaram a acompanhar nos seus olhares analíticos e conceituais, as experiências subjetivas dos sujeitos. Os conceitos de experiência, de autoformação, transição biográfica, educação popular, transformação social, mobilidade, seguiram as mudanças históricas e sociológicas das relações entre indivíduo e sociedade, levando a um desenvolvimento da pesquisa biográfica no século XX. Perante este novo contexto social, o projeto da pesquisa biográfica é o de compreender, segundo Martucelli (2002), ‘como os indivíduos se tornam indivíduos’. Este é um vasto e complexo programa, como se vê, que nos interpela no recurso a oficinas biográficas para estudo das trajetórias biográficas de sujeitos concretos, mas também para o exercício de uma forma de investigação e formação mais coerente, entre os valores da democratização da produção de conhecimento e o estudo da diversidade cultural entre sujeitos.

A viragem cultural, linguística e narrativa ocorrida nas ciências sociais nos anos 1980/90, permitiu aprofundar os estudos biográficos neste sentido da valorização dos conteúdos subjetivos e dos significados atribuídos pelos sujeitos a suas experiências. E este movimento conduziu não só a uma validação das expressões culturais das identidades individuais e grupais, mas também da dimensão política e cívica das mesmas. Operou-se uma secularização das manifestações do “Eu” e do “nós” no espaço público, que transformou as técnicas de si e a auto-reflexão e reflexão sobre as experiências de vida numa manifestação cultural da nossa era (Porter, 2000, p. 278, como citado em Roberts, 2002). O resultado desta viragem cultural nas ciências sociais, foi a ênfase colocada nas questões de linguagem e de representação (a lógica ideográfica), a análise de ‘textos’, entendidos no sentido lato, e o uso do ‘discurso’. Os processos de investigação associados a estas análises, consequentemente, passaram a incluir análise narrativa, de discurso, imprevisibilidade (uma postura fenomenológica), análise conjunta de sentidos e significações, pesquisa-ação atenta a adaptações, entrecruzamentos, encontros e desencontros de perceções na vida social, identidade narrativa (Ricoeur, 1988). As sombras das vozes e das versões europeias das experiências do mundo passaram a ser apercebidas. Os silêncios e traumas dos subjugados e subjugadas da história hegemônica puderam ser vistos à escala local [ver, por exemplo, o trabalho de Veena Das sobre as mulheres na India (Das, 2000), ou o trabalho de Dipesh Chakrabarty (2000) “Provincializing Europe”, sobre pensamento colonial e diferença histórica]. Cultura, história e política mundial são dimensões do trabalho biográfico e narrativo, implicando sempre a necessidade de manter uma vigilância metodológica atenta às posições de sujeito no terreno, às reciprocidades assimétricas no trabalho de pesquisa e formação, à possível ou impossível co-construção de conhecimento situado e generalizado. Outra necessária vigilância deve ser exercida sobre a função escolhida para cada estudo biográfico, pois só tendo claro o objetivo analítico se pode evitar a espetacularização da intimidade revelada. E sendo claro o propósito de cada estudo biográfico, fica clara a sua articulação com a dimensão social e coletiva dos dados pessoais analisados.

A escrita autobiográfica e a formação no/para o coletivo


Propusemos no início deste texto analisar em particular a dimensão formativa das oficinas biográficas pela via do recurso à escrita autobiográfica. Se no vasto conjunto de oficinas por nós dinamizadas em contextos de pesquisa e de formação5 não recorremos sempre à produção de textos por parte dos.as participantes, durante a pandemia realizamos sobretudo oficinas de formação experiencial baseadas na escrita autobiográfica das participantes6. Talvez não por acaso, todas as inscritas nestas oficinas online foram mulheres. A iniciativa partiu da ideia de pensar em conjunto a pandemia, propondo oficinas temáticas sobre as experiências privadas dos.as potenciais participantes neste novo normal imposto pela Coronavirus Disease 2019 à escala planetária. Iniciamos em janeiro de 2022 e participaram sobretudo colegas e alunas do meio universitário, oriundas de Portugal, Brasil, Angola, e ainda residentes na Alemanha e Reino Unido. Cada oficina durou um mês, perfazendo quatro sessões semanais de cerca de 3 horas pela plataforma digital zoom. Este é o tempo necessário para que seis participantes possam ler os próprios textos e comentar os das colegas nas ressonâncias pedidas após cada leitura. Assim, em cada encontro semanal foram lidos e comentados seis textos autobiográficos, escritos especificamente para cada sessão. Durante cada uma destas oficinas (a primeira foi efetivamente dedicada ao tema da pandemia, mas como algumas das participantes quiseram continuar, propuseram novos temas que foram trabalhados em fevereiro, março e abril), foram produzidos 6x4 textos pelo grupo, ou seja, cada uma das seis participantes escreveu quatro textos, um por semana, focando um aspecto específico relevado pelo efeito de grupo. Os temas centrais foram: em janeiro – a pandemia; fevereiro – a confiança; em março – a liberdade; em abril – o medo. Reunimos, assim, várias dezenas de textos autobiográficos escritos pelas participantes destas oficinas, ao longo das semanas que cada uma delas durou.

Solicitamos a cada participante uma reflexão final sobre a experiência de participação nas oficinas e sobre o potencial das oficinas tendo recebido textos em modo testemunhal que têm um valor heurístico e sociológico indiscutível. Queremos agradecer publicamente a todas a generosidade e dedicação ao trabalho efetuado e relatado. Adequando os testemunhos ao formato deste artigo científico, selecionamos algumas partes dos mesmos, de modo a articular os efeitos concretos descritos das oficinas às questões teóricas e metodológicas acima sublinhadas. De acordo com a proposta analítica deste artigo, os relatos de experiência das oficineiras são mais do que ‘resultados’, até porque as oficinas foram realizadas, neste caso específico, como cursos de formação experiencial e não como projeto de investigação. Portanto, os testemunhos das participantes são aqui entendidos como um exercício prático de subjetivação e intersubjetivação, no sentido da hipótese Sartreana segundo a qual “O indivíduo é o resultado de uma história da qual procura tornar-se o sujeito.” (Sartre, 1952, p. 63). Do lado da sociologia clínica, por sua vez, a subjetividade e a fala dos sujeitos, é “uma bênção, e não uma maldição [...]. Donde o interesse do método biográfico e de grupos de implicação e de pesquisa [...]” (De Gaulejac, 2016, p. 11). Uma visão verdadeiramente colaborativa do trabalho biográfico não põe de fora os testemunhos dos.as participantes, nem faz um uso extrativista desses ‘dados’. Integra-os na reflexão mais vasta, como foi sempre o nosso intuito.

As reflexões das participantes colocam em relevo os efeitos individuais, grupais e coletivos das oficinas biográficas, em simultâneo. Por respeito às autoras dos testemunhos, analisamosaqui excertos pela ordem de chegada dos textos à nossa caixa do correio. Os organizamos por temas de forma sistematizada, identificando as questões teóricas em pauta. Selecionamos três grandes temas sublinhados pelas participantes em relação a esses efeitos colocados em relevo: a alteridade em ação nas oficinas, a escrita autobiográfica e a escuta heterobiográfica.

A experiência concreta e situacional da alteridade e seus efeitos no sentido de pertença e de hospitalidade são identificados por várias oficineiras. Maria Jorge Ferro diz ao se referir a experiência de deslocamento de si, que lhe permitiu refletir-se de outra maneira, sentindo um acolhimento vital por parte do grupo:

[…] A participação nas Oficinas [...] foi uma possibilidade concreta de me deslocar de mim para assumir o lugar "do outro" além ou fora de mim mesma, ao mesmo tempo que era convidada a escrever-me, a refletir sobre quem sou, pela minha própria formação e prática profissional, foram sessões onde a experiência de me ouvir refletida nas vozes das colegas participantes, devolvia um senso de acolhimento que toda a pessoa, todo o humano necessita para ser e se desenvolver. [...] Foi especialmente reconfortante porque quase garantia a humanidade coletiva que tínhamos (temos!) de fazer reacender. (Maria Jorge Ferro, Professora Universitária, Coimbra, Portugal, 16 de junho 2022)

Por seu lado, Cibele Fabichak, fala de respeito, de diversidade e das reverberações dos exercícios efetuados mesmo no tempo pós-oficina:

É surpreendente, pois o exercício da troca, reflexão, respeito e do compartilhar multicultural sincero entre falas e escutas, passam a reverberar, para além do término da oficina biográfica. Constatei que um dos mais marcantes, benéficos e inquietantes “efeitos colaterais” é de que o eco das narrativas continua a me impactar (na extensão do cotidiano da vida) e a me mostrar que apesar de cada história de vida ser singular, ela carrega inúmeros pontos de conexão, afinidade e congruência para além do tempo e do espaço.” (Cibele Fabichak, Médica e historiadora, São Paulo, Brasil, 17 de junho 2022)

Marianne Kolb, sublinha a solidariedade, companhia e bem-estar proporcionado pela oficina:

Fazer parte destas oficinas é fazer a vivência da escuta sensível, exercitar sentimentos generosos e solidários, permitindo que aconteça o milagre de nos sentirmos bem-vindas e acolhidas no grupo. É experimentar o aconchego da roda e o acalento das nossas dores. Faz-nos crescer e nos ajuda a superar um sentimento de solidão que carregamos conosco durante toda a nossa vida. (Marianne Kolb, Doutoranda em Educação, Heidelberg, 18 de junho 2022)

Rosa Melo, a este propósito, menciona a força edificante da experiência de troca de narrativas e ressonâncias:

Saber que alguém de tão perto e, ao mesmo tempo, de tão longe está ali, à escuta, navegando e procurando sentido em cada palavra dita ou frase construída com o timbre da minha voz e pincelada da minha arte; ouvir o impacto das palavras reveladas ou dos momentos descritos e situações trazidas, nos mais diversos estilos, e, sobretudo, os novos sentidos dados a isso por cada um dos participantes é impressionante. (Rosa Melo, Investigadora Sênior, Luanda/Londres, 19 de junho de 2022)

Karlla Araújo sublinha o efeito de co construção imediata e diferida ao longo das quatro sessões mensais da oficina, bem como o seu caráter humanizante:

No início eu estava em busca de uma experiência formadora no âmbito acadêmico, à procura de aprofundar um método de pesquisa no campo da biografia e da (auto)biografia. Mas logo fui confrontada com a dimensão humanizadora das oficinas como uma espiral que me levava a perder-me de vista e misturar-me nos relatos de vida que se confundem, elidem e irrompem em narrativas outras, diversas das iniciais. (Karlla Araújo, Professora Universitária, Natal, 20 de junho 2022)

Também a participante mais jovem se refere ao efeito coletivo da experiência da oficina. Maria José Costa diz:

[…] O interesse e participação nas oficinas num momento inicial ancorou-se na aprendizagem da metodologia através da experienciação. Logo se transformou num processo de relação profundo com as experiências do coletivo, tornando-se, assim, um espaço/tempo que transcendeu a aprendizagem do método assumindo como vivencial e transformador. (Maria José Costa, Mestranda em Psiquiatria Social e Cultural, Coimbra, 21 de junho de 2022)

Esta dimensão vivencial e transformadora, note-se, é a que acrescenta de forma mais evidente o nível cívico e social-participativo ao método formativo e de pesquisa das oficinas biográficas. Daí o fato de as análises proporcionadas pelas oficinas como método de formação ou de investigação requererem sempre um meta-análise dos efeitos transformadores das mesmas nas suas escalas micro (individual), meso (grupal) e macro (social).

A participante que mais oficinas frequentou ao longo desta série on-line, via plataforma digital zoom, de 2022, foi Maria Clara Melo que mostra no seu testemunho como o efeito coletivo aqui em análise é, também na meta-análise, um movimento grupal de crescimento da consciência na/da ação biográfica:

Esta oficina ofereceu-nos momentos de autenticidade, confiança muito belos em que íamos tecendo fios de união e cumplicidades polifônicas. O desvelar, “desnovelar” das histórias de pessoas desconhecidas, em geografias diferentes, profissões diferentes que se foram tornando próximas, cúmplices e amigas foi o fruto mais precioso que colhi nestes últimos tempos embaciados. (Maria Clara Melo, Professora e Mestre em Psicopedagogia Perceptiva, Carcavelos, 21 de junho de 2022)

Desenvolvendo a mesma ideia, Clara Moura Lourenço associa ainda a esta polifonia autêntica e de confiança o exercício de uma forma democrática de dialogar e conviver:

A reflexão individual, por escrito, solicitada a cada uma das participantes, como ponto prévio para as sessões de trabalho, era simultaneamente elemento de motivação para a escuta atenta à pessoa do outro e princípio ativo da constituição de uma teia afetiva que se ia adensando de uma sessão para outra, fazendo com que cada uma das participantes se sentisse, cada vez mais, parte integrante de uma comunidade, que o seu testemunho e as ressonâncias que provocava nas outras participantes, ajudava a construir. Ser parte de algo pressupõe a participação em condições de igualdade e daí a importância do método intercambiando sistematicamente os papéis de quem dá e quem recebe, na medida em que cada participante é verdadeiramente interlocutora, assumindo ora o papel de locutora, ora o papel de receptora, isto é, sendo uma real interveniente no discurso, com direito à palavra e à escuta atenta das outras, ao reconhecimento. As oficinas biográficas são, deste modo, um método democrático do uso da palavra que permite alcançar um verdadeiro diálogo baseado na atenção a si e aos outros no exercício sempre renovado do respeito. (Clara Moura Lourenço, Professora aposentada e fotógrafa, Coimbra, 25 de junho de 2022)

Este efeito de diálogo parece particularmente relevante quando pensamos que a experiência da pandemia nos isolou à escala global e glocal, fazendo com que as pessoas e as comunidades se experimentassem de uma nova forma no quotidiano. Forma essa que pôs a nu a necessidade de maior democracia nas relações interpessoais, de acolhimento das diferenças e de reconhecimento. Uma das outras facetas desse acolhimento vivenciado nas oficinas é referida por Ana Botelho, participante que não conhecia a maioria do grupo:

Logo na primeira sessão, sem me aperceber, confiei, criei uma empatia com todas. Ao ouvir os relatos de confinamento, as emoções foram muitas, só, na verdade, só o tema era o mesmo, as vivências tão diferentes, uma mesma experiência. A pandemia estava presente em nós. Porque duvidar do que ouvia? (Ana Botelho, fotógrafa, Coimbra, 28 de junho de 2022)

Esta confiança espontânea é um dos efeitos relevantes das oficinas que, como método e nos seus pressupostos teóricos, realmente aproxima pessoas e mundos diferentes, no respeito, na escuta atenta, na confiança.

No que diz respeito à questão da escrita autobiográfica – segundo tema colocado em evidência nesta nossa análise dos testemunhos das participantes -, as reflexões denotam igualmente uma consciência individual e coletiva sobre os seus efeitos:

A escrita autobiográfica, especialmente quando se trabalha no meio acadêmico, é, no formato exigido pelas Oficinas, uma outra aventura: é recontarmo-nos. É reconhecer o espaço a ser escutada e questionada enquanto pessoa. É exigente e gratificante a um tempo só. Escrever assente na impressão pessoal é dar voz às palavras que, na escrita acadêmica quando muito, apenas se poderá intuir, mas de modo algum fazer sobressair. Para estas sessões, e em tempo de distância física de outras pessoas, de todas as pessoas, como modo de vida ou necessidade de garantia de minimização de riscos sanitários, foi especialmente reconfortante porque quase garantia a humanidade coletiva que tínhamos (temos!) de fazer reacender.” (Maria Jorge Ferro, Professora Universitária, Coimbra, Portugal, 16 de junho 2022)

Também Marianne Kolb se refere a partilha da intimidade nesse duplo sentido individual e coletivo:

Compartilhar a nossa escrita na roda destas oficinas é dividirmos o que há de mais profundo em nós. É fazer a experiência de nos percebermos frágeis e vulneráveis. Porém, e quase que ao mesmo tempo, experimentarmos a certeza de que, a cada partilha e a cada escuta vivenciada, ecoarão ressonâncias sinceras e profundas vindas de outros girassóis, possibilitando desta maneira, refletirmos e ressignificarmos as nossas experiências de vida realizadas, a fim de trazermos o sol e a esperança num mundo mais humano para perto de nossos corações. (Marianne Kolb, Doutoranda em Educação, Heidelberg, 18 de junho 2022)

Rosa Melo revela o forte impacto da escrita sobre si mesma, mas potenciado ainda pelos olhares das colegas sobre o que havia escrito:

A escrita autobiográfica foi deveras impactante, em mim. Levou-me a uma experiência incrível! Àquela em que fui desafiada a mergulhar nas minhas memórias, e trazê-las cativas no papel; a escutar-me, através de outrem; a permitir ser tocada, na alma, com cada uma das incríveis ressonâncias que ao serem verbalizadas me fizeram soar, algumas vezes, e, outras, a aprender mais de mim. (Rosa Melo, Investigadora Sênior, Luanda/Londres, 19 de junho de 2022)

Karlla Araújo, por seu lado, sublinha o potencial desta escrita como método e projeto formativo em sentido lato:

O exercício da escrita aliada a uma escuta respeitosa e não-discriminatória é um método de alteridade. Quando trilhamos os passos dados por meio das palavras, é possível contar uma história de si que seja coerente entre o real vivido e o idealizado. Notamos que já haviam marcas que nos indicavam os caminhos. Havia algo em nós a prelecionar, desvendar os cursos dessas escolhas, este fazer é muito mais que instrumento de trabalho, é potência de vida. (Karlla Araújo, Professora Universitária, Natal, 20 de junho 2022)

No mesmo sentido da escrita como instrumento do ‘sujeito-projeto’, Maria José Costa, se refere: “[...] A escrita que surpreende e segue para a reconstrução de experiências ou novos sonhos/caminhos numa espiral de partilhas gratificantes.” (Maria José Costa, Mestranda em Psiquiatria Social e Cultural, Coimbra, 21 de junho de 2022).

Maria Clara Melo acrescenta, na mesma direção, a dimensão de autodescoberta e de apropriação da própria história:

[...] E foi surpreendente seguir o movimento da escrita e permitir que jorrassem informações por vezes insuspeitas e confrontantes para mim que as escrevia. Nestas oficinas senti-me cada vez mais atora da minha história num processo de reapropriação cada vez maior do sentido da minha vida. (Maria Clara Melo, Professora e Mestre em Psicopedagogia Perceptiva, Carcavelos, 21 de junho de 2022)

Finalmente, quanto à escuta – terceiro elemento chave evidenciado neste trabalho em grupo -, as participantes se referem a potência formadora, transformadora e de ação cívica deste escutar coletivo, que é exponencial e multi-referenciado:

A escuta das narrativas das outras vozes nas sessões impõe um respeito profundo pela humanidade em cada outra pessoa na "sala". A experiência da humanidade tão próxima, apesar dos muitos milhares de quilômetros que nos separavam ou as poucas dezenas dessa distância, devolvia-nos o reconhecimento da importância dos múltiplos olhares para a compreensão e o manejo das impressões das coisas todas da vida, desde os afetos às considerações mais pragmáticas dos dias. Cada uma pensa e sente como é, e cada voz que nos reconduz ao partilhado pode devolver-nos o conforto antes abandonado ou a consideração que faltaria para reconduzirmos o nosso próprio caminho. [...] (Maria Jorge Ferro, Professora Universitária, Coimbra, Portugal, 16 de junho 2022)

Cibele Fabichak reflete sobre as condições de possibilidade dessa escuta na oficina:

[...] mais do que receptiva, [a escuta] se faz mediante o binômio indissociável da emoção-atenção plena do(a)s participantes. Percebi que nos trajetos individuais de cada relato, as ressonâncias, ecos, empatias e até aversões nascem espontaneamente e se traduzem pela construção de uma rede única e peculiar de confiança e tolerância. [...] Enfim, creio sinceramente que a vivência em oficinas biográficas deveria estar presente em diversos âmbitos, tais como em espaços educativos, profissionais, interculturais, e, finalmente, até na ampla área da saúde. (Cibele Fabichak, Médica e historiadora, São Paulo, Brasil, 17 de junho 2022)

Marianne Kolb classifica esta escuta como sendo sensível, permeando as interações entre participantes de sentimentos positivos e construtivos:

Fazer parte destas oficinas é fazer a vivência da escuta sensível, exercitar sentimentos generosos e solidários, permitindo que aconteça o milagre de nos sentirmos bem-vindas e acolhidas no grupo. É experimentar o aconchego da roda e o acalanto das nossas dores. Faz-nos crescer e nos ajuda a superar um sentimento de solidão que carregamos conosco durante toda a nossa vida. (Marianne Kolb, Doutoranda em Educação, Heidelberg, 18 de junho 2022)

Rosa Melo se refere ao mesmo efeito solidário conotando-o com a formação de laços afetivos:

[...] Mais do que a escrita autobiográfica são as ressonâncias; uma e outra completam-se, estimulam-se e enriquecem-se. Tudo isso à parte, na roda das ressonâncias cruzam-se entidades, costuram-se novos laços, forma-se, porque não, uma nova família; algo terapêutico; tudo quanto precisamos, em épocas de pandemia! (Rosa Melo, Investigadora Sênior, Luanda/Londres, 19 de junho de 2022)

Tal escuta sensível e acolhedora é entendida por Karlla Araújo como uma aprovação com sentido coletivo:

Não era aplauso que ansiava, apenas a confirmação de que tudo que é humano é possível de tocar outra alma humana. A mudança de perspectiva conceitual de um texto para outro, de uma ressonância para outra, torna evidente o potencial desse instrumento de trabalho científico. (Karlla Araújo, Professora Universitária, Natal, 20 de junho 2022).

É importante sublinhar esta característica compósita do trabalho em oficina biográfica que apresenta, em simultâneo, os seus potenciais de pesquisa e de bom ambiente de trabalho. Não é porque permitem um bem-estar resultante da implícita socialização do poder no grupo, que as oficinas biográficas deixam de ser científicas. Pelo contrário, em si mesmas representam uma mudança de paradigma que incorpora as dimensões subjetivas do trabalho de investigação no próprio processo de produção de conhecimento, como já identificado na pesquisa qualitativa em ciências sociais (Denzin, 2009). Maria José Costa vê nesse movimento intersubjetivo um acolhimento interpessoal que coloca justamente o corpo no centro da experiência das partilhas:

A escuta em espiral, ou seja, a auto-escuta (partilha oral da escrita), a escuta através do coletivo da oficina (a partilha oral e individual das ressonâncias) e o enquadramento ou uma nova ressonância sobre si, sobre a(s) experiência(s) ou a sua escrita, que pode não terminar ali. A tarefa da escuta de cada participante desse coletivo fá-lo seguro, confiável e afetuoso em cada oficina. Esta é a tarefa nobre do/a participante. A escuta acolhedora de cada palavra, silêncio ou expressão no ecrã. A tarefa da escuta do outro e do coletivo é per si uma densa experiência. É, assim, experiência do e no corpo que permite acolher o outro, ser humano, semelhante (torna-se cada vez mais humano, nessa aproximação e reconhecimento da humanidade que os une), a partir da integridade, do afeto e da devolução e/ou ressoar genuíno e benigno. A participação nas oficinas de fevereiro e abril de 2022 permitiram-me compreender e continuar a acreditar no poder da escuta no coletivo, podendo este começar pela escrita que surpreende e segue para a reconstrução de experiências ou novos sonhos/caminhos numa espiral de partilhas gratificantes. (Maria José Costa, Mestranda em Psiquiatria Social e Cultural, Coimbra, 21 de junho de 2022)

Também Maria Clara Melo dá especial relevo a esta escuta, como sendo uma experiência especial que faz falta na sociedade:

[…] Porém os aspetos que mais me interpelaram foram: sentir-me escutada e acolhida pelas companheiras desta oficina. Nos feedbacks oferecidos embarquei ainda numa viagem mais ampla e profunda qual Alice no País das Maravilhas que se encolhe para aprofundar e se expande para conhecer. Escutar os textos das companheiras conteve, de igual modo, esta magia como um jogo de espelho refletindo experiências diferentes, mas em que todas estávamos incluídas cada uma a partir de um ângulo diferente. Esta oficina ofereceu-nos momentos de autenticidade, confiança muito belos em que íamos tecendo fios de união e cumplicidades polifônicas. O desvelar, “desnovelar” das histórias de pessoas desconhecidas, em geografias diferentes, profissões diferentes que se foram tornando próximas, cúmplices e amigas foi o fruto mais precioso que colhi nestes últimos tempos embaciados. (Maria Clara Melo, Professora e Mestre em Psicopedagogia Perceptiva, Carcavelos, 21 de junho de 2022)

Clara Moura Lourenço, no mesmo sentido, reflete sobre a escuta atenta como um direito e um reconhecimento:

[...] com direito à palavra e à escuta atenta dos outros, ao reconhecimento. As oficinas biográficas são, deste modo, um método democrático do uso da palavra que permite alcançar um verdadeiro diálogo baseado na atenção a si e aos outros no exercício sempre renovado do respeito.” (Clara Moura Lourenço, Professora aposentada e fotógrafa, Coimbra, 25 de junho de 2022)

Ana Botelho sublinha o ambiente de confiança num grupo de desconhecidas e tão diverso:

Logo na primeira sessão, sem me aperceber, confiei, criei uma empatia com todas. Ao ouvir os relatos de confinamento, as emoções foram muitas, só, na verdade, só o tema era o mesmo, as vivências tão diferentes, uma mesma experiência. A pandemia estava presente em nós. Porque duvidar do que ouvia? […] Que bom para mim conhecer este grupo de mulheres em lugares e experiências tão diferentes, devo confessar que pensei em cada uma de vós, várias vezes, nos vossos textos com a vossa cara, fui ver-vos mais no Facebook. Ganhei bastante em estar aqui, consegui falar de mim, expor sentimento, coisa que raramente faço. […] Obrigada a todas pelas palavras sobre os meus textos. (Ana Botelho, fotógrafa, Coimbra, 28 de junho de 2022)

Como se vê, as participantes destas oficinas se referem sempre simultaneamente os efeitos individuais e grupais ou coletivos desta experiência e qualificam-na como sendo ‘humanizante’, ‘gratificante’, ‘transformadora’, ‘criativa’, ‘profunda’. Sublinhamos a importância encontrada na escuta que é vivida nestas rodas como sendo uma escuta de si, sensível, auto-escuta, escuta das outras colegas e do grupo. Uma ‘escuta em espiral’ que constrói pontes entre pessoas diferentes, distantes fisicamente, mas que assim encontram união, cumplicidade, laços, partilha sincera, confiança, respeito mútuo, tolerância, ressonância, um compartilhar multicultural, liberdade de se abrir, solidariedade, profundidade, esperança, amizade. Estas são todas palavras escritas pelas participantes das oficinas on-line, mulheres que experimentaram também no espaço-tempo dos encontros uma forma prática de humanidade coletiva, de agregação, que consubstancia uma alteridade significativa, que transforma e devolve ao grupo e a cada uma, as suas densas experiências de vida assim ressignificadas e dadas a conhecer.

Alcance coletivo do trabalho autobiográfico


Podemos agrupar em três principais domínios as potencialidades da pesquisa biográfica, adotando uma classificação proposta por Gaston Pineau no final dos anos 1990, que se refere os seus efeitos formadores, transformadores e de ação social (Pineau, 1996). Julgamos fundamental contextualizar a dimensão formativa do trabalho biográfico nessas outras dimensões de transformação e de ação.

A pesquisa biográfica produz efeitos formadores, desde logo, pelo fato de colocar em contato sujeitos sociais que à partida poderiam ser encontros improváveis. Também estabelece esse contato a partir de um interesse pela vida de alguém, pelas suas histórias e experiencias, interesse esse que se traduz numa escuta atenta e respeitosa de narrativas biográficas, tal como são produzidas e sem julgamentos. Muito frequentemente, tal escuta permite uma enunciação dos sujeitos sobre si e sobre as suas vidas que é verdadeiramente inaugural. Este fato é muito relevante para pessoas comuns que não costumam dar valor às suas experiências, nem confiar nas suas capacidades linguísticas ou de comunicação. Para além disso, a enunciação permite uma produção de sentidos que ressignifica as experiências narradas, ajudando ao diálogo com o outro, e à expressão de uma voz quase sempre inaudível e ausente do espaço público. No contexto dos projetos de investigação que realizamos junto de migrantes e de refugiados (emigrantes portugueses, imigrantes em Portugal e refugiados), foi notória esta dimensão formativa da pesquisa com e sobre as suas trajetórias de vida, nomeadamente na tomada de consciência dos seus direitos, das injustiças, do racismo e discriminação institucionalizados que afetam as suas vidas no quotidiano e horizonte de futuro.

A nível grupal e mesmo comunitário, por outro lado, este trabalho biográfico também é formador através da construção de sentidos partilhados sobre uma história comum de migração, mesmo que os itinerários e condições dessas migrações tenham sido diferentes. Os grupos podem inclusivamente ser muito heterogêneos, como foi o caso dos grupos de imigrantes em Portugal que reunimos num projeto financiado pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia, já citado (Lechner, 2015), com pessoas de 12 países diferentes, participantes de oficinas biográficas que então realizamos. Ao produzirem relatos orais e escritos sobre as suas experiencias de migração no grupo, todos e todas puderam ouvir as histórias de cada um, assim aprendendo sobre o quadro mais vasto das migrações no mundo, da imigração em Portugal, e das suas condições de vida na cidade de Coimbra especificamente neste caso. Aprenderam sobre direitos, sobre história, geografia, cultura, línguas, religiões diferentes, no decorrer das oficinas biográficas. Mas mais do que novos conteúdos e informações aprendidas, o próprio trabalho em grupo nas oficinas e rodas de histórias, permite fazer a experiência de participação num verdadeiro fórum de cidadania. Este pode ser entendido como uma ‘comunidade de inquérito ou de questionamentos’ (Shields, 2003; Scott-Bauman, 2010), ou como uma família de afinidades práticas, que muito reforçam o sentimento de participação e de reconhecimento social, tão importante para grupos e pessoas que se podem sentir marginalizadas, ou ostracizadas e discriminadas pela sua condição social, estatuto legal, grupo étnico, religião e cultura. Portanto, a dimensão formativa da pesquisa biográfica tem um alcance não só individual como também coletivo, podendo contribuir igualmente para recomendações às políticas públicas e instituições com poder de decisão sobre as vidas dos migrantes e refugiados (no caso destes projetos específicos). Em função dos instrumentos metodológicos específicos utilizados em cada pesquisa biográfica (por exemplo, escrita autobiográfica, foto elicitação, performances teatrais improvisadas a partir de histórias de vida, relatos de experiência, etc.), novas competências também são aprendidas, uma vez que a aceitação dos termos de participação nas pesquisas biográficas cria condições de possibilidade de expressão dessas mesmas competências (escrita, performance, interpretação de imagens, etc.).

No que diz respeito aos efeitos transformadores da pesquisa biográfica, estes também são observáveis nas diferentes escalas individual, grupal e social. É bem conhecido o potencial de mudança que a produção narrativa oferece à compreensão das histórias narradas (Chaput et al., 1995). O tecer de uma narrativa oral ou escrita transforma, com efeito, os enquadramentos e significações atribuídos à partida às experiências de vida. A tradução das experiências por palavras, promove um efeito bem estudado, por exemplo, pela linguística, pela psicanálise e pela clínica narrativa. E a própria escolha das palavras utilizadas, o exercício de recurso à materialidade das línguas e das linguagens, também impacta sobre as perceções e consciências dos temas abordados, tanto para quem narra como para quem ouve ou lê. Não se trata somente, como é claro, de meras trocas comunicacionais ou de informações. Trata-se de narrativas de experiências que dão corpo vivido às palavras utilizadas. Logo, que também tocam – de uma forma ou de outra – a fibra humana e sensível dos narratários da história contada.

Para além do poder das palavras e da produção narrativa (que apresentam muitas outras dimensões relevantes a serem analisadas com mais tempo), é ainda transformador o fato de nas pesquisas biográficas poder ser potencialmente qualquer pessoa a produzir tais narrativas. Isto representa um certo empoderamento de cidadãos comuns e uma espécie de cidadania insurgente necessária à saúde das democracias. É claro que existem condições de possibilidade e de impossibilidade narrativa (históricas, sociológicas, culturais, etc.), mas em potencial a produção narrativa de uma história de vida pode ilustrar, informar e ajudar a compreender, por exemplo, uma dada época ou movimento social. Um bom exemplo é o impressionante relato publicado em português por um jovem refugiado iraquiano “De Mosul a Alfeizerão em 6000 palavras” (Al Anazy, 2016) que, com a ajuda de uma professora de português, escreveu a sua história de sobrevivência ao naufrágio ocorrido durante a travessia do mar Egeu, no dia 28 de outubro de 2015. Escrevem no prólogo: “Escrever uma história é sempre um exercício difícil. Escrever uma história que é a nossa mais difícil ainda. Quando é feita a quatro mão, com a barreira da língua a querer travar o processo, parece uma tarefa impossível. Mas, só há impossíveis se não os derrubarmos. Há sempre uma passagem para chegar ao outro, para deixar o outro chegar a nós. Só nos podemos encontrar na alteridade. Só assim nos podemos compreender, aceitar. A vida revela-se, plenamente, nas situações limite. É aí que encontramos, ou não, a nossa humanidade. Esta história pretende ser um relato que podia ser feito por qualquer um de nós, em diversas circunstâncias, tempo e lugares. O nosso único desejo é que ela vos faça parar e pensar um pouco. Todos nós não passamos, a maior parte das vezes, de um dado lançado pela sorte. Não pretendemos uma exposição gratuita da intimidade, mas dar um testemunho do que pode ser uma vida diversa daquelas que habitamos normalmente. […]” (Al Anazy, 2016, p. 7). E, no epílogo, “[…] A realidade do acolhimento de refugiados, em Portugal, necessita de ser abordada com cuidado, detalhe e muita precisão para que nos possa dar um retrato o mais fiel possível do que fazemos, ou não fazemos, nesse acolhimento. Deixemos, pois, esta parte da história para depois […]” (Al Anazy, 2016, p. 79).

Outro exemplo paradigmático que nos ajuda a analisar o potencial transformador de relatos autobiográficos, é o livro de Behrouz Boochani (2018) “No friend but the mountains” escrito em língua Farsi através do telefone celular a partir da prisão de Manus Island, na Papua Nova Guiné. Boochani escreve sobre a sua experiência limite de kurdo preso pelo governo australiano. Mas, como sabemos, esta é uma realidade vivida por muitos migrantes, deslocados e refugiados da nossa era. Ou seja, não é única, muito menos rara, apesar de absolutamente excepcional na sua atrocidade e desumanidade. Boochani foi capaz de produzir esta narrativa em condições extremas, sob perigo de morte caso fosse apanhado, mas fê-lo mesmo assim. O seu livro é uma voz de testemunho, um ato de sobrevivência. Um relato poético. Grito de resistência. Um retrato vívido de cinco anos de encarceramento e solidão. Escrever este livro foi para Behrouz uma libertação, mesmo que entre quatro paredes. Um exercício de liberdade numa condição de privação de liberdade. De injustiça. Para o autor serviu como boia de salvação, mas para os seus leitores serviu para uma causa pública, política e ética.

A escrita é certamente uma competência que muitas pessoas podem não sentir ter. E a escrita de si também é uma expressão cultural com usos e significados muito diferentes em função dos contextos e sujeitos. Para além de uma competência, mostram Fabre et al. (2010), é preciso uma ‘autoridade’ para poder escrever e dar a conhecer a sua história. Portanto, ao se referir ao potencial transformador das narrativas biográficas, não estamos a esquecer estas grandes desigualdades sociais entre pessoas diferentes. Mas uma vez aceito o desafio por parte de alguém para participar numa pesquisa sobre e com narrativas, vemos bem como esta é uma plataforma de produção, expressão e análise das várias dimensões analíticas do biográfico (a macro, meso e micro). Foi o que aconteceu nas nossas oficinas biográficas com emigrantes portugueses em vários países, nas quais, ao aceitarem produzir relatos sobre as suas vidas e experiências, permitiram em conjunto produzir conhecimento sobre a emigração portuguesa (França, EUA, Brasil) e serem parte ativa dessa mesma produção. A pesquisa biográfica não toma os seus interlocutores como ‘informantes profissionais’ ou cobaias de estudo, mas como parte do processo de pesquisa. Essa participação é, ela própria, uma das transformações propiciadas pois criam-se grupos de trabalho mistos que aproximam sujeitos sociais diferentes e quase sempre distantes na vida quotidiana. Há ainda uma nuance importante ao se referir aos efeitos transformadores da pesquisa biográfica, que é o fato do exercício narrativo sobre um determinado tema conduzir quem escreve a mudanças sobre si próprio.a. Podemos afirmar que não é só a escrita que transforma, mas também o efeito do grupo e a atenção prestada aos acontecimentos à nossa volta.

Produzir narrativas de experiência, trabalhar em oficinas e rodas de histórias, implementar metodologias participativas e biográficas, cria novos ingredientes de uma pedagogia crítica e participação cidadã. Então, está longe de ser uma atitude diletante e aparentemente estéril centrada em egos, para estar próxima de e constituir uma ação coletiva de melhoria das condições de vida social como um todo. Para que o conhecimento produzido através destes métodos e ações tenha ainda maior impacto construtivo nas sociedades, é preciso aproximar pessoas, grupos, instituições que não só se interessem pelos outros diferentes de si, como pela própria experiência de olhar para si como um outro. Ou seja, incorporar a relação de alteridade numa nova forma de habitarmos a vida e o planeta. A escrita autobiográfica e a escuta dos relatos biográficos são chaves de ouro para tal efeito.

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Sobre a autora


Elsa Lechner


Universidade de Coimbra, Coimbra, Portugal

https://orcid.org/0000-0002-5029-1243


Doutorada em Antropologia Social pela École des Hautes Études en Sciences Sociales, Paris (2003). Investigadora associada do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra. E-mail: elsalechner@ces.uc.pt



Resumen


El texto se centra en los talleres biográficos como espacios y momentos de formación vivencial con pertinencia colectiva. Nos basamos en nuestra experiencia de promoción de talleres con grupos muy diversos en contextos de investigación y formación, en los que los participantes elaboran textos autobiográficos para ser compartidos en grupos. Presentamos el protocolo de estos talleres, sus presupuestos teóricos, proceso metodológico y resultados, en consonancia con la corriente de relatos de vida en formación, y en el horizonte de un análisis social crítico consciente de la relevancia cívica y política de las experiencias privadas en grupos de trabajo colaborativo e individual.


Palabras clave: Métodos biográficos. Narrativas colectivas. Investigación-Formación. Investigación-Acción.



Abstract


The text focuses on biographical workshops as spaces and moments of experiential training with collective relevance. It draws from our experience promoting workshops among groups in different contexts of research and training, in which participants produce autobiographical texts to be shared. We present the protocol of these workshops, their theoretical assumptions, methodological process and results, in line with the current of life stories in Education in dialogue with a critical social analysis as a way to analyze the civic and political relevance of the private experiences of ordinary people in groups of collaborative and individual work.


Keywords: Biographical methods. Collective accounts. Research-Training. Action research.



Linhas Críticas | Periódico científico da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília, BrasilISSN eletrônico: 1981-0431 | ISSN: 1516-4896

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Referência completa (APA): Lechner, E. (2023). Dimensões coletivas do trabalho biográfico como pesquisa-formação: oficinas biográficas em foco. Linhas Críticas, 29, e47346. https://doi.org/10.26512/lc29202347346

Referência completa (ABNT): LECHNER, E. Dimensões coletivas do trabalho biográfico como pesquisa-formação: oficinas biográficas em foco. Linhas Críticas, 29, e47346, 2023. DOI: https://doi.org/10.26512/lc29202347346

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1A presente publicação resulta de trabalho desenvolvido com o apoio da Fundação para a Ciência e a Tecnologia, ao abrigo do Financiamento Plurianual de Unidade I&D (UIDP/50012/2020).

2Oficinas Biográficas com migrantes: construindo um trabalho em colaboração no contexto português (PTDC/CS-ANT/111721/2009); Participatory media research among the Portuguese in New Jersey (Fulbright, 2014); Histórias e memórias da emigração (Gulbenkian PGLCP 065/209467, 2018); e Oficinas online (2020/21/22).

3JM Rugira (Séminaire de recherche-formation Oralité et pratiques dialogiques et approches biographique en formation d’adultes), Universidade de Paris 8, junho 2004.

4Ver nota de Hervé Prévost et Gaston Pineau no site da ASIHVIF « Bernadette Courtois (1941 – 2022), une femme de combats pour la formation professionnelle et existentielle des adultes tout au long de la vie », www.asihvif.com

5Temos igualmente a já longa experiência de dinamização de rodas de conversa com crianças e jovens em contextos escolares, no âmbito da atividade de extensão Nós e os outros: Oficinas sobre alteridade e reconhecimento, https://www.ces.uc.pt/extensao/cesvaiaescola). Desde 2016.

6Oficinas de Formação Experiencial, www.quintadosgirassoisfz.com/Eventos. 2021, 2022.