Artigo

Estudo sobre evasão e permanência em cursos técnicos profissionalizantes

Estudio sobre la evasión y la permanencia en los cursos técnicos y profesionales

Study on evasion and permanence in vocational technical courses


Adriege Matias Rodrigues[i]

Universidade Federal da Paraíba

João Pessoa, PB, Brasil

adriegerodrigues@gmail.com

https://orcid.org/0000-0002-1617-5580

Ana Cláudia da Silva Rodrigues[ii]

Universidade Federal da Paraíba

João Pessoa, PB, Brasil

anaclaudia@ce.ufpb.br

https://orcid.org/0000-0001-6621-1861

Os autores contribuíram igualmente na elaboração do manuscrito.

Recebido em: 21/06/2022

Aceito em: 18/10/2022

Publicado em: 26/10/2022

Linhas Críticas | Periódico científico da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília, Brasil

ISSN: 1516-4896 | e-ISSN: 1981-0431

Volume 28, 2022 (jan-dez).

http://periodicos.unb.br/index.php/linhascriticas

Referência completa (APA):

Rodrigues, A. M., & Rodrigues, A. C. da S. (2022). Estudo sobre evasão e permanência em cursos técnicos profissionalizantes. Linhas Críticas, 28, e43703. https://doi.org/10.26512/lc28202243703

Link alternativo:

https://periodicos.unb.br/index.php/linhascriticas/article/view/43703

Licença Creative Commons CC BY 4.0.


Resumo: O objetivo deste artigo foi de analisar as causas da permanência e da evasão de educandos(as) dos cursos técnicos profissionalizantes ofertados pelo Colégio Agrícola Vidal de Negreiros (CAVN), localizado no Centro de Ciências Humanas, Sociais e Agrárias, campus III da Universidade Federal da Paraíba. Quanto à metodologia, trata-se de um estudo de natureza qualitativa, cujo instrumento utilizado foi a entrevista semiestruturada. Os resultados indicaram que as causas da evasão e da permanência nos cursos técnicos profissionalizantes do CAVN são: distanciamento familiar; falta de motivação; a não identificação com o curso e estruturação curricular.

Palavras-chave: Educação Profissional. Permanência. Evasão.

Resumen: Este artículo tiene como objetivo analizar las causas de permanencia y abandono de los alumnos de los cursos técnicos profesionales ofrecidos por el Colegio Agrícola Vidal de Negreiros (CAVN), ubicado en el Centro de Ciencias Humanas, Sociales y Agrarias, campus III de la Universidad Federal de Paraíba. La metodología de este estudio es cualitativa y se basó en el instrumento de la entrevista semiestructurada. Tras el análisis de los datos encontrados, evidenciamos que las causas de evasión y permanencia en los cursos técnicos profesionales del CAVN, consisten en: distancia familiar; falta de motivación; no identificarse con el curso.

Palabras clave: Educación profesional. Permanencia. Evasión.

Abstract: This article aims to analyze the causes of permanence and evasion of students of vocational technical courses offered by the Colégio Agrícola Vidal de Negreiros (CAVN), located in the Center of Human, Social and Agrarian Sciences, campus III of the Federal University of Paraíba. The methodology of this study is qualitative based and was based on the semi-structured interview instrument. After the analysis of the data found, we evidenced that the causes of evasion and permanence in the professionalizing technical courses of CAVN consist of: family distance; lack of motivation; not identifying with the course.

Keywords: Professional Education. Permanence. Evasion.




Introdução

O CAVN é uma instituição que oferta educação profissional há 92 anos. Vinculado à Universidade Federal da Paraíba desde 1965, nos últimos anos, vem ampliando a oferta de educação profissional, principalmente para jovens e adultos, por meio do Programa Nacional de Integração da Educação Profissional com a Educação Básica na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos (Proeja).

No documento denominado, oficialmente, de Documento Base do Proeja, apresenta-se uma ideia de construir uma nova sociedade, fundada na igualdade política, econômica e social, em um projeto educacional amplo, que vise a uma escola vinculada ao mundo do trabalho numa perspectiva radicalmente democrática e de justiça social.

Consta, nesse documento, que o Brasil contemporâneo ainda conserva como marca um grande número de jovens e adultos desprovidos de um nível mais alto de escolaridade e que se constituem, presentemente, como público da Educação de Jovens e Adultos (EJA) (Brunel, 2004), devido a problemas de insucesso no ensino fundamental regular (Dias, 2008). Por isso, é necessário instaurar políticas perenes e ações para atender às necessidades concretas desse ensino e do seu público, composto de pessoas social, cultural e economicamente excluídas (Brasil, 2007, p. 11).

O texto argumenta, ainda, que o estado precisa interceder para que essas pessoas sejam incluídas no sistema escolar por meio de uma política pública estável e que contemple a elevação da escolaridade com profissionalização, na perspectiva de promover a integração sociolaboral desses sujeitos cujos diretos foram cerceados ao longo da história.

O CAVN oferta ensino regular e Proeja, no entanto, não temos dados avaliativos sobre a execução das ações nessa instituição, porque ela não dispõe dessa informação. E embora o número de matrículas e de profissionais envolvidos seja elevado, os números apresentados não indicam se os objetivos dos cursos estão sendo atingidos. Por isso, questiona-se: Quais ações são desenvolvidas para minimizar a evasão?

Em uma pesquisa realizada sobre a educação profissional no Brasil, Machado e Moreira (2008) concluíram que a falta de estudos sobre o CAVN e, consequentemente, a evasão dos educandos dessa modalidade de ensino se devem ao fato de que, no Brasil, o processo de democratização da escola técnica de nível médio apenas se iniciou, considerando que as primeiras iniciativas oficiais datam de 1902, com a criação das Escolas de Aprendizagens Artífices no Governo Nilo Peçanha. Portanto, a evasão se materializa nos fatores que contribuem para o educando não permanecer nos estudos. Por isso, investigar os motivos pelos quais os educandos iniciam uma formação profissional e, em seguida, abandonam é fundamental para compreender as ações educativas estabelecidas no projeto pedagógico que contribuem para que isso aconteça. Essas informações serão essenciais para melhorar a proposta pedagógica dos cursos e aumentar os índices de qualificação dos jovens para o trabalho, o que poderá maximizar os investimentos governamentais na educação técnica.

Para esclarecer essas dúvidas, objetivamos analisar as causas da permanência e/ou da evasão de educandos(as) dos cursos profissionalizantes ofertados pelo CAVN, localizada no Centro de Ciências Humanas, Sociais e Agrárias, campus III da Universidade Federal da Paraíba.

Em virtude da necessidade de compreender as ações do CAVN, como uma possibilidade de formação profissional para jovens e adultos, e de não termos como afirmar se essa instituição está atendendo aos objetivos estabelecidos, consideramos que os cursos ofertados pelo CAVN oportunizam a jovens e adultos a formação inicial para adentrarem o mercado de trabalho formal e informal, e permitir que os educandos se evadam é uma forma de contribuir para a precarização do trabalhado e para a exclusão social.

 

Aspectos metodológicos

O percurso metodológico parte da escolha de procedimentos sistemáticos para descrever o fenômeno em estudo que, nesta pesquisa, é a permanência e a evasão de estudantes dos cursos profissionalizantes do CAVN. A perspectiva do fenômeno estudado nos levou a escolher a abordagem qualitativa, porquanto “se preocupa com aspectos da realidade que não podem ser quantificados, centrando-se na compreensão e na explicação da dinâmica das relações sociais” (Gerhardt e Silveira, 2009, p.24).

Os sujeitos da pesquisa são três membros da Coordenação Pedagógica (CP), quatro coordenadores de curso (CC), três membros do Núcleo de Assistência ao Estudante (NAE) e a Direção de Ensino (DE).

Para coletar as informações qualitativas, optamos pela entrevista semiestruturada, organizada a partir de tópicos-guias, com questões norteadoras para aprofundar o tema pesquisado. Rosa e Arnoldi (2006) asseveram que esse tipo de instrumento é um processo comunicativo de extração de informações por parte do entrevistador.

Com base nas narrativas advindas das entrevistas, a análise foi disposta em três fases: a de pré-análise, que visou operacionalizar e sistematizar as ideias iniciais, levando em consideração as escolhas dos documentos que atendessem à regra da exaustividade e à da pertinência; a da exploração do material, que consistiu em codificá-lo e categorizá-lo. A codificação é o processo por meio do qual os dados brutos são transformados sistematicamente e agregados em unidade, as quais possibilitam uma descrição exata das características pertinentes ao conteúdo (Bardin, 2011); e a de tratamento dos resultados, da inferência e da interpretação.

Por questões éticas, os nomes verdadeiros dos sujeitos que se dispuserem a participar desta investigação foram trocados por fictícios. Ressaltamos que a identificação dos cargos não identifica os participantes, porque foram vários cursos investigados. As entrevistas foram transcritas pelos pesquisadores e analisadas apoiando-se na revisão dos teóricos discutida ao longo do trabalho.

 

Políticas públicas para cursos profissionalizantes

No final dos anos 1980, o mundo sofreu transformações políticas, com a emergência de políticas neoliberais; e socioeconômicas, com a afirmação de uma nova base científico-técnica do processo produtivo. Nesse contexto, a mundialização do capital (Chesnais, 1996) almejou romper sua vinculação com as relações que promovessem ações sociais e buscou a propagação de interesse econômicos ampliando o processo de transformações globalizadas. Nessas mudanças, que influenciaram o mundo do trabalho, as tecnologias de base rígida foram substituídas, fundamentadas na eletromecânica, pelas de base flexível, apoiadas no desenvolvimento da microeletrônica e das novas formas de organização e de gestão que vão alterando em todo o mundo, particularmente no Brasil, onde as formas tradicionais de educação profissional, baseadas no paradigma taylorista/fordista (Kuenzer, 2000, p. 32), possibilitaram um novo modo de organizar a produção, agora baseada em uma resposta imediata às variações de demanda. Em virtude dessas novas demandas, surgiu um novo modelo organizacional, de natureza mais flexível e integrada do trabalho, conhecido como toyotismo (Gounet, 1999, p. 22).

Segundo Antunes e Alves (2004), com a reestruturação produtiva do capital, os trabalhadores tradicionais da era taylorista/fordista foram diminuindo e dando lugar a um tipo de trabalhador mais adequado às formas mais flexíveis de relação com o trabalho. Corroborando o pensamento dos autores citados anteriormente, Souza (2006) argumenta que o trabalhador, de forma geral, devido a essas novas transformações, foi obrigado a se qualificar ou a se requalificar, para manter o seu trabalho, ingressar ou reingressar de forma multifuncional e atender às exigências do toyotismo.

As mudanças impostas pela dinâmica do capital mundializado alteraram significativamente o tipo de trabalho e de trabalhador em todos os segmentos de negócios. Segundo Mehedff (1997, p. 2):

[…] a fábrica não é mais aquela, nem o armazém, a farmácia, a loja da esquina, a quitanda, o botequim, o sítio ou a fazenda. No lugar destes, o hipermercado, a drogaria, o shopping, o “fast-food”, a empresa agrícola. No lugar do torno, o controle numérico; da caixa registradora, o computador – até na padaria da cidadezinha; do facão e da enxada, o trator e a colheitadeira.

No caso brasileiro, foram implementadas políticas educacionais que levaram o sistema educativo a, mais uma vez, modificar suas formas de atender, adequando os currículos escolares a essa nova demanda de mercado e, simultaneamente, às necessidades sociais de forma geral.

Até a promulgação da Lei 9.394, de 20 de dezembro de 1996 (Brasil, 1996), e a edição do Decreto 2.208/97 (Brasil, 1997), que, respectivamente, estabelecem a separação conceitual e operacional entre o ensino médio e a educação profissional, os cursos técnicos de nível médio continuavam sendo oferecidos nos moldes das Leis 5.692/71 (Brasil, 1971) e 7.044/82 (Brasil, 1982) e de pareceres relacionados às habilitações profissionais. Em 1997, foi promulgado o Decreto 2.208/97 (Brasil, 1997), cujo objetivo prioritário era de melhorar oferta da educação profissional e sua adequação às novas demandas econômicas e sociais da sociedade globalizada. Nessa concepção proposta, o ensino médio teria uma única trajetória: articular conhecimentos e competências para a cidadania e para o trabalho sem ser profissionalizante. Nesse contexto, a educação profissional tinha o objetivo prioritário de melhorar a oferta da educação complementar, conduzindo o aluno ao permanente desenvolvimento das aptidões para a vida produtiva (Manfredi, 2002).

Com essa nova orientação, a educação profissional deveria ser desenvolvida “em articulação com o ensino regular ou em modalidades que contemplem estratégias de educação continuada, podendo ser realizada em escolas do ensino regular, em instituições especializadas ou nos ambientes de trabalho” (Brasil, 1997).

Aparentemente, a proposta do Decreto 2.208/97 (Brasil, 1997) possibilitava várias formas de ingresso e de saída dos educandos da Educação Profissional, democratizando o acesso escolar. Entretanto, com um olhar mais atento, percebe-se que essa reforma proporcionou, mais uma vez, a separação do Ensino Médio da Educação Profissional, e a dicotomia entre formação geral x formação profissional continuou e prejudicou a formação geral do trabalhador, como afirma Kuenzer (2000). Além do mais, o Decreto 2.208/97 (Brasil, 1997) também contribuiu para que o ensino técnico assumisse a configuração dualista ao se substituir o conceito de universalidade pelo de equidade. Com essas novas orientações, materializadas no Parecer CEB-CNE 16/99 e na Resolução CEB-CNE 04/99 (Brasil, 1999ª; 1999b), os cursos técnicos tiveram uma nova organização curricular, novas cargas horárias e uma nova estrutura modular e formação baseada em um conceito educacional emergente: as competências[3].

Com essas novas regulamentações, a Educação Profissional sofreu modificações substanciais que se refletiram nas atividades do Colégio Agrícola Vidal de Negreiros, instituição educativa onde desenvolvemos nossa pesquisa. Acompanhando a regulação nacional (leis, decretos e portarias), o CAVN modificou o currículo dos seus cursos e tornou o ensino profissional e a formação geral obrigatórios, organizados em uma única matriz curricular e ofertados integralmente para todos os que buscassem os cursos técnicos da instituição.

Em 2004, o Decreto 2.208/97 (Brasil, 1997) foi revogado e substituído pelo de número 5.154/2004 (Brasil, 2004), que normatizou um novo modelo de educação tecnológica integrada à Educação Profissional, possibilitando a articulação desta modalidade com a educação básica.

Devido a isso, o governo federal lançou o Decreto 7.589, de 26 de outubro de 2011 (Brasil, 2011), que institui, no âmbito do Ministério da Educação, a Rede e-Tec Brasil, com a finalidade de desenvolver a educação profissional e tecnológica na modalidade de educação a distância, ampliando e democratizando a oferta e o acesso à educação profissional pública e gratuita no País.

Ao longo dos anos, o estado vem alterando a legislação educacional para permitir o desenvolvimento de diversos programas que visam ofertar vagas para a Educação Profissional em cursos de curta e longa duração para adolescentes, jovens e adultos, buscando, principalmente, a inclusão na escola. Paralelamente a essa ação, desenvolve políticas públicas para ampliar as oportunidades profissionais dos cidadãos e contribuir para o desenvolvimento do país. No entanto, esses investimentos ainda não são suficientes para minimizar os índices de evasão apresentados nas escolas que, a cada ano, vêm aumentando assustadoramente, uma vez que, segundo o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), a partir dos dados de 2012, apresentados em relatório, o Brasil tem a terceira maior taxa de abandono escolar entre os 100 países com maior Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) com a taxa de 24,3%, só atrás da Bósnia Herzegovina (26,8%) e das ilhas de São Cristovam e Névis, no Caribe (26,5%).

Embora existam estudos a respeito da evasão escolar, este estudo é importante, por tratar de um tema polêmico que continua dividindo opiniões, principalmente no que se refere aos fatores que interferem na evasão escolar e na busca de soluções. Ao trazer dados da realidade, a pesquisa poderá contribuir para aprofundar processos que continuam se reproduzindo na atualidade.

 

Reflexão sobre evasão e permanência

A evasão escolar, de forma ampla, é uma interrupção no ciclo de estudos e que se traduz de diferentes maneiras, incluindo, por exemplo, a transferência de curso/instituição; estudante que, em idade escolar, nunca se matriculou na educação básica etc., que não é “apenas visto como um problema de ordem educacional, mas também como um verdadeiro desperdício de recursos econômicos, social e cultural” (Branco, 2020, p. 3).

As discussões sobre evasão e permanência são muito importantes no que se refere à ampliação das políticas de expansão e acesso à educação. Porém é necessário acompanhar sistematicamente os sujeitos que ingressam, para otimizar a implementação dessas políticas. Por isso, é necessário criar estratégias que contemplem a permanência dos estudantes na escola.

É importante salientar que essas estratégias de permanência devem considerar as dificuldades de adaptação do educando, pois existem diversas questões que estão interligadas, como a adaptação à nova instituição, os próprios desafios que são exigidos nos cursos técnicos profissionalizantes e a decisão precoce por uma profissão e mais tempo de dedicação aos estudos, considerando que essa etapa constitui o currículo que integra componentes curriculares da base com a base técnica.

Esses são elementos relevantes para se discutir sobre as estratégias propicias para evitar a evasão dos cursos. Afinal, o ingresso nos cursos técnicos profissionalizantes gera muita tensão e expectativa, porquanto é uma etapa importante na formação do sujeito, em que é preciso fazer escolhas profissionais.

O termo evasão vem do latim evasione, de evadere, ‘fugir, escapar’, ‘fora’, mas vedere, ‘ir, caminhar’, desistência, ação de abandonar algo, escapar, fugir. No entanto, quando se refere ao contexto escolar, é mais complexo, pois requer um olhar direcionado às especificidades, o que, muitas vezes, pode se configurar como questões distintas e variadas de acordo com os sujeitos em tempos/espaços distintos. A evasão escolar, em diferentes níveis de ensino, “é, historicamente, uma realidade do sistema educacional brasileiro, sendo necessário conhecer de forma mais detalhada e fidedigna suas origens e seu impacto na vida de milhares de estudantes” (Sacramento et al., 2021, p. 78). Com base nisso, indagou-se aos entrevistados o que entendiam sobre o termo. As respostas mostraram uma divergência teórica, conforme pode constatar nestas falas:

[…] A saída do curso, inclusive teve até um documento esse ano de 2015, trabalhar a evasão aqui do colégio e aí tem algumas definições, esse documento é do MEC, mas é justamente a saída do curso um tempo antes de concluir. (Guilherme, 40 anos, coordenador educacional)

Bem, o afastamento dos alunos nas atividades por vários motivos. Eles se matriculam e por motivo qualquer eles se afastam. A gente procura o motivo deles terem ido embora e muitas vezes a gente não consegue porque eles já foram embora e a gente não tem. (Maria, 54 anos, coordenadora de curso)

Diante, dos discursos de muito professores é que não existe muito interesse, é uma falta irregular dos alunos, mas eu vejo que tem uma questão de estrutura escolar, administrativa que precisa ser revista, que precisa ser pensada. O que seria interessante fazer pra que eles permaneçam no curso. Não apenas pensar no técnico que estou formando, mas como está se dando essa formação. (Regina), 32 anos, psicóloga estudantil)

Para Machado (2009, p. 38), “o termo evasão refere-se ao ato de se escapar de algo, implicando fuga, desvio para se evitar aquilo que não se deseja e que, portanto, foi rejeitado”. Esse fato só é percebido quando o aluno desiste de estudar e abandona a escola. Porém, os motivos que os levam a desistir variam, como ficou evidenciado nas narrativas dos entrevistados. No entanto, é necessário atentar para a narrativa da entrevistada Regina, que sinaliza que, embora os professores compreendam essa evasão como falta de interesse dos educandos, ela observa que é uma questão de estrutura dos cursos, razão por que é necessário se pensar e direcionar as ações para os sujeitos que estamos formando e como essa formação tem se materializado.

Em um estudo sobre os motivos da evasão, Neri (2009) referiu que existem três questões básicas: dificuldade de acesso à escola; necessidade de trabalho e de gerar renda e falta de interesse. Esses motivos apresentados pelo autor divergem das narrativas dos entrevistados, uma vez que para eles as causas da evasão seriam:

Bom, aqui no CAVN o que a gente pode caracterizar são N fatores, mas os quais posso lhe informar são a ausência da família, esse é um ponto muito forte, a questão da adaptação dos alunos, a questão de quando eles chegam aqui pensa que o curso, aquelas expectativas em relação ao curso que eles vem acham que é algo, que eles que assim vai encantá-los, ai eles tem tipo “decepção”, porque quando a gente conversa eles dizem eu estou aqui porque meu pai mandou, eu estou aqui porque meu tio estudou aqui , então não é uma coisa que eu quero, mas muitas das vezes a imposição da família. Outra questão é a questão econômica, questão que a gente observa e questão até de RU, alojamento pra eles, é uma questão muito difícil do que eles normalmente teriam em casa. (Beto, 44 anos, coordenador pedagógico)

Pois é. É. Esse documento, inclusive a gente fez esse trabalho o ano passado e terminamos esse ano, a gente traça três grandes eixos, neh, que seriam problemas internos da instituição, problemas pessoais da pessoa, do aluno que evade e problemas externo da instituição, externo ao aluno, neh, e ai a gente procurou trabalhar esses três eixos pra identificar dentro desses três eixos os que mais acontece aqui e agente fez pesquisa com os meninos e eles anotavam, inclusive os que estão aqui sabem as vezes muito mais do que a gente, então a gente procurou identificar os pontos mais frágeis, o que provoca a evasão o que precisa melhorar, enfim, mas a gente trabalhou mais ou menos esses três eixos. (Guilherme, 40 anos, coordenador educacional)

A motivação ela pode ser também consequência, claro que a motivação tem um valor ai que é intrínseco e tem os fatores externos, mas o olhar ele não ta só nesse intrínseco, mas se é o curso de interesse do estudante, mas também tem o papel da instituição em ver esse tipo de coisa. (Regina), 32 anos, psicóloga estudantil)

[…] muitas vezes é da família e pode ser da escola mesmo ou dele no sentido de não ter se adaptado à algumas condições ou até mesmo, do ponto de vista vocacional. Não é aquilo que ele queria ou achava que fosse. A gente considera a evasão, é… Aquele aluno que por algum motivo qualquer deixou de vir à escola sem muitas vezes a gente sem. É… Um motivo justificado. (Maria, 54 anos, coordenadora de curso)

As narrativas apresentam causas da evasão do CAVN que divergem dos motivos encontrados também por Johann (2012), que, ao pesquisar os motivos da evasão em cursos técnicos em uma escola técnica de Passo Fundo/RS, constatou que o maior percentual encontrado nas falas dos entrevistados foi relativo ao fato de não conciliarem os estudos com o trabalho. Assim, tendo em vista o que foi referido pelos entrevistados, por Neri e por Johann, podemos afirmar o que já havia sido salientado anteriormente, que as causas da evasão são subjetivas e, ao mesmo tempo, variáveis, de acordo com o espaço/tempo em que esses sujeitos estão inseridos. Esse é um fenômeno é tão complexo que, só no documento que traz orientações para se superar a evasão na rede federal, foram mencionados 110 fatores. Então, é perfeitamente aceitável essa divergência.

Quando perguntados sobre se a instituição promovia ações para minimizar esse fenômeno educacional e promover a permanência dos alunos na escola, os entrevistados disseram que algumas estratégias já foram realizadas:

[…] a gente tem várias estratégias junto com os professores, com a equipe pedagógica, com o NAE, juntamente também com a direção de ensino e coordenação, a gente tem um trabalho individual com ele, de trabalhar a importância dele ta aqui, a credibilidade que os pais dão, tem várias palestras, os próprios professores chegam na coordenação e dão vários depoimentos que motiva, de mostrar exemplos de vários professores que da própria instituição que conseguiram êxito que eles também deveriam ter essa oportunidade, palestras, ele tem várias ferramentas aqui nas redes sociais, mas muitas vezes, eu não sei se é a questão da idade, da razão, da importância de se está aqui, mas a gente faz um trabalho de muitas palestras, mas eu fico pensando nessa cultura que foi criada que você só participa de uma coisa pra receber uma nota, que você vai participar de alguma coisa, porque você tem um certificado, mas a essência do conhecimento compreender e ter o senso crítico eu acho que ta muito a desejar, é um trabalho que tem que ser feito, ser persistente, é conhecer por que eu to aqui? Por que eu quero conhecer? Que conhecimento eu vou ter? Que importância tem isso daqui? E não porque eu estou aqui porque meu pai quer, porque minha vó quer, porque meu tio quer, porque meu vizinho quer, não porque é uma escola federal, então focar nessa questão o conhecimento a essência de conhecer e compreender a importância de se está aqui. (Beto, 44 anos, coordenador pedagógico)

Hoje que a gente tinha mais foco para o CAVN era mas a questão de palestras, a gente tinha a estimativa de associar alguns eventos, as palestras, a algumas datas comemorativas, acontece que isso foi meio que desmotivado pela própria equipe porque as vezes que a gente se planejou não teve público, o que acontece é que hoje a gente planeja uma determinada ação, mas os alunos eles estão em aula, então ele teria que faltar aula pra poder participar de alguma ação, e ai é bem complicado porque o que eles tinham dado de devolução pra gente é que é complicado dar esse espaço já que o cronograma de aula está bem restrito também por conta das greves e que não tinha mais espaço, então ficou uma situação que a gente não tem sentido planejar pra que a comunidade não vai acolher, então ao meu ver é algo que precisa ser planejado não só pelo NAE, mas juntamente com a coordenação de ensino, com a coordenação pedagógica, porque se isso não entra no calendário escolar aqui, como atividade de fato escolar, não vejo sentido disso acontecer. (Regina, 32 anos, psicóloga do Atendimento Estudantil)

São. A gente procura desde a entrada dos alunos aqui, a gente procura o período de adaptação. A gente faz toda uma questão motivacional pra que eles conheçam os laboratórios, eles interajam entre si, depois disso a gente faz juntamente com o grêmio, uma série de ações pra que eles é… consigam rapidamente se integrar a toda comunidade né, do CAVN. (Maria, 54 anos, coordenadora de curso)

Observa-se que a instituição se preocupa com a evasão, e isso se justifica ao verificarmos os dados de matrícula e de abandono apresentados pela secretaria do CAVN que, nos anos de 2011, 2014 e 2015.1, foram, respectivamente, de 30,4%, 33,0% e 63% dos matriculados, e o Curso Técnico em Aquicultura foi o que apresentou o maior índice – de 80% - no ano de 2014. Para os entrevistados, esse crescimento no número de evadidos no ano de 2015 se justifica devido ao longo período de greve de servidores docentes e técnicos administrativos que perdurou, aproximadamente, quatro meses e, após o interstício, os alunos só retornavam à instituição para solicitar transferência.

 

Considerações finais

De acordo com as falas dos sujeitos entrevistados, as causas de evasão nos cursos técnicos profissionalizantes do CAVN são: distanciamento familiar; falta de motivação; a não identificação com o curso e a estruturação curricular dos cursos. Portanto, sugere-se que os gestores direcionem ações específicas para minimizar a evasão e garantir a permanência dos alunos no curso, que aproveitem bem mais os recursos que são gastos atualmente, e que a escola contribua para melhorar a vida na região, por meio da formação técnica profissional.

Sob o ponto de vista dos entrevistados, como as estratégias estabelecidas para minimizar a evasão, até o momento, não têm surtido o efeito desejado, são necessárias novas ações. Além disso, existe uma interferência externa, mas a instituição ainda tem muito a fazer, principalmente observar a carga horária destinada ao ensino, que não permite a participação dos discentes em atividades propostas pela equipe pedagógica da instituição e que poderiam contribuir para que eles permanecessem na referida instituição.

Apesar das limitações das análises aqui apresentadas e por se tratar de um estudo de caso que aborda o posicionamento de uma instituição educacional em específico e não representa, necessariamente, um pronunciamento universal de instituições, ressaltamos a importância de promover essas reflexões e problematizações a partir dessas situações concretas, a fim de intensificar os debates sobre a formação de professores, de estabelecer fissuras e de colocar em xeque a falta de discussão e de aprofundamento teórico e prático no que se refere às discussões acerca da evasão e da permanência de estudantes em cursos profissionalizantes.

Considerando o que foi exposto, acreditamos que as questões aqui suscitadas podem servir para outras discussões mais profundas a respeito do tema abordado.

 

Referências

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[i] Mestra em Educação pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB) (2020). Doutoranda em Educação pela UFPB.

[ii] Doutora em Educação pela UFPB (2012). Professora da UFPB.

[3] A Pedagogia das Competências pode ser entendida como um tipo de compreensão sobre a formação, o homem e a sociedade, associada ao processo de reestruturação capitalista, que quer se tornar hegemônico (Araujo, 2001).