Artigo
Permanência na
educação superior: contribuições teóricas e práticas
La retención en la educación superior: aportes
teóricos y práticos
Retention in higher education: theoretical and
practical contributions
Ruth Prado[i]
Instituto Federal de Educação, Ciência e
Tecnologia do Maranhão
São Luís, MA, Brasil
https://orcid.org/0000-0001-9631-8096
Recebido em: 20/06/2022
Aceito em: 29/08/2022
Publicado
em: 05/09/2022
Linhas
Críticas | Periódico científico
da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília, Brasil
ISSN: 1516-4896 |
e-ISSN: 1981-0431
Volume 28, 2022 (jan-dez).
http://periodicos.unb.br/index.php/linhascriticas
Referência
completa (APA):
Prado, R. (2022). Permanência na educação superior: contribuições
teóricas e práticas. Linhas Críticas, 28, e43674. https://doi.org/10.26512/lc28202243674
Link alternativo:
https://periodicos.unb.br/index.php/linhascriticas/article/view/43674
Licença Creative
Commons CC BY 4.0.
Resumo: O presente artigo tem por objetivo contribuir
com o debate sobre permanência na educação superior a partir de uma discussão
conceitual que privilegia os dois principais modelos teóricos que tratam do
tema. Os modelos de Vincent Tinto e Alain Coulon
tratam dos processos de estranhamento do espaço acadêmico, de familiarização e
posterior envolvimento ou integração, os quais são analisados sob perspectivas
diferentes na tentativa de explicar, sociologicamente, como acontece esse
processo. Discutimos sobre as limitações e potencialidades dos modelos citados
de modo a subsidiar reflexões e ações que levem em consideração o papel dos
envolvidos no processo de permanência na educação superior.
Palavras-chave: Permanência. Educação superior. Modelos teóricos. Sociologia da
educação.
Resumen: Este artículo pretende contribuir al debate sobre la
retención en la educación superior a partir de una discusión conceptual que
privilegia los dos principales modelos teóricos que tratan el tema. Los modelos
de Vincent Tinto y Alain Coulon abordan los procesos
de alejamiento del espacio académico, familiarización y posterior implicación o
integración, que se analizan desde diferentes perspectivas en un intento de
explicar sociológicamente cómo se produce este proceso. Discutimos las
limitaciones y potencialidades de los modelos mencionados para sustentar
reflexiones y acciones que tomen en cuenta el rol de los involucrados en el
proceso de retención en la educación superior.
Palabras
clave: Retención. Enseñanza superior. Modelos teóricos. Sociología de la
educación
Abstract: This article aims to contribute to the debate on
retention in higher education from a conceptual discussion that privileges the
two main theoretical models that deal with the subject. Vincent Tinto and Alain
Coulon's models deal with the processes of estrangement from the academic
space, familiarization and subsequent involvement or integration, which are
analyzed from different perspectives in an attempt to explain, sociologically,
how this process happens. We discuss the limitations and potential of the
models mentioned in order to support reflections and actions that take into
account the role of those involved in the process of retention in higher
education.
Keywords: Retention. Higher education. Theoretical models. Sociology of education.
Introdução
As transformações advindas da adoção de políticas de
democratização na educação superior têm colocado, cada vez mais em evidência, as
necessidades de pensar e discutir, de modo mais consistente, o processo de
permanência nessa etapa de ensino. Expansão e democratização são as duas
palavras que descrevem as mudanças pelas quais o ensino superior brasileiro
passou nos últimos anos. No que se refere a esse contexto de expansão, Neves et
al. (2018) afirmam que predominam, nos estudos desenvolvidos atualmente no
Brasil, temas que visam compreender seus efeitos. A perspectiva teórica destes
estudos tem estado direta ou indiretamente atrelada à relação entre
desigualdade educacional e estratificação social. Outros temas, no entanto, têm
sido pautados aos poucos no contexto brasileiro e, dentre eles, as autoras
listaram alguns que ainda carecem de maior aprofundamento teórico, como os temas
do acesso, permanência e evasão no ensino superior.
A necessidade de aprofundamento nessa temática já havia sido
apontada anteriormente, tanto em relação aos processos que os estudantes
percorrem a fim de se tornarem membros competentes da comunidade universitária
(Teixeira, 2011; Carneiro & Sampaio, 2011) quanto em relação ao papel da
instituição nesse processo (Heringer, 2013). Assim, tratar da permanência dos
estudantes no ensino superior, que é uma parte de sua democratização, nos ajuda
a pensar meios de lidar com questões relacionadas à evasão, retenção e
ampliação das taxas de conclusão, bem como com a experiência universitária e a
interação entre alunos e instituição.
A fim de contribuir com o debate sobre permanência na educação
superior é que nos propomos a apresentar as contribuições teóricas da literatura
internacional. A maioria dos modelos explicativos sobre permanência e
desistência na educação superior, conforme veremos, é pensada a partir ou em
contraposição ao modelo proposto por Tinto (1975; 1993). As perspectivas
teóricas de Vincent Tinto e Alain Coulon terão
especial destaque na discussão sobre permanência no ensino superior neste
trabalho. Isto porque o modelo de Tinto tem mantido, ao longo dos anos, um status “quase-paradigmático” (Braxton et
al., 2000, p. 569) nas pesquisas que tratam do tema enquanto o modelo de Coulon tem galgado crescente espaço nas pesquisas
realizadas, nos últimos anos, no contexto brasileiro (Sampaio, 2011; Heringer et
al., 2014; Santos et al., 2017).
Tinto e Coulon trazem, em seus modelos,
os processos de estranhamento do espaço acadêmico, de familiarização e
posterior envolvimento ou integração, os quais são analisados sob perspectivas
diferentes na tentativa de explicar, sociologicamente, como esse processo se
desenvolve. Veremos ainda que a literatura internacional nos ajuda a pensar o
processo de permanência a partir da perspectiva da instituição e, nesse
sentido, usa-se o termo retention, que diz
respeito às ações praticadas por uma determinada instituição de ensino superior
com o objetivo de evitar a saída precoce dos estudantes para que, dessa forma,
consigam concluir seus respectivos cursos.
A seguir apresentaremos o modelo teórico de Vincent Tinto; a
discussão teórica que o antecede, o modelo de Coulon,
bem como as limitações e potencialidades dos modelos citados e, nesse sentido,
como podem subsidiar reflexões e ações que levem em consideração o papel dos
envolvidos no processo de permanência na educação superior no Brasil.
Metodologia
As reflexões
propostas neste trabalho se estruturam a partir da análise de uma literatura
específica que privilegia os dois principais modelos teóricos utilizados para
pensar questões relativas à permanência no ensino superior. A escolha dos dois
autores em detrimento de outros se deu, pois, ao fazermos uma revisão de
literatura das pesquisas que levam em consideração o processo de permanência no
ensino superior, identificamos que as noções de integração social e acadêmica
(Tinto, 1975) e de afiliação estudantil (Coulon,
2008) são recorrentemente utilizadas nos textos que tratam do tema. Por vezes os
referidos conceitos não eram propriamente aprofundados nas pesquisas. No que se
refere às proposições de Tinto, por ainda não haver textos seus traduzidos para
a língua portuguesa, as dificuldades de apropriação dos conceitos se tornam
ainda maiores.
O esforço teórico
de unir, em um mesmo texto, dois autores que pensaram modelos de permanência em
contextos distintos e consideraram públicos diferentes se justifica: [1] pela
relevância de suas proposições teóricas – já discutidas há décadas – para
pensar contextos contemporâneos de permanência no ensino superior no Brasil;
[2] pela proposta de facilitar o acesso aos modelos teóricos dos referidos
autores através de uma exposição sintética, destacando suas principais
limitações e potencialidades.
Entre os
textos escolhidos de Tinto (1975; 1982; 1988; 1993; 1999; 2006; 2017), privilegiamos
os que trazem maiores detalhes sobre as noções de integração social e
acadêmica, a temporalidade do processo de integração, o papel institucional
nesse processo e, mais recentemente, como o autor indica que as ações de retention por parte das universidades precisam levar
em consideração a perspectiva dos estudantes. Em Coulon
(2008; 2017), nos dois textos – sendo o primeiro de maneira mais ampliada e
outro mais sintética – o autor traz a noção de afiliação estudantil, a
temporalidade inerente a esse processo e a defesa de uma pedagogia da
afiliação.
A discussão que antecede o modelo de Tinto
O modelo de evasão de Tinto (1975) faz uma
aplicação da teoria do suicídio de Durkheim com o intuito de explicar as etapas
de integração acadêmica e intelectual que podem ou não levar à desistência do
ensino superior. No entanto, o primeiro pesquisador que fez uso da teoria de
Durkheim para pensar a evasão no ensino superior foi William G. Spady (1970). Para tentar compreender este fenômeno, Spady (1970) parte de algumas revisões de literatura
(Quadro 1) realizadas na década de 1960 e avalia que os estudos realizados até
então careciam de coerência teórica e empírica. O autor se refere às
generalizações a respeito da relação entre evasão e background familiar, habilidade e performance acadêmica como
"confortáveis". Sugere que os trabalhos futuros sejam mais
“ecléticos” em suas abordagens e mais explícitos ao estabelecerem relações
entre os atributos dos estudantes e os do ambiente institucional.
Quadro 1
Revisão de
literatura sobre evasão no ensino superior nos Estados Unidos – década de 1960
Autor |
Observações |
Knoell (1960; 1966) |
Classificou as
pesquisas realizadas até então em 4 categorias: [1] estudos censitários
(registro das taxas de evasão, transferência e retention tanto por instituição
como entre elas); [2] estudos de “autópsia” (levantamento de razões
reportadas pelos próprios estudantes em relação à sua saída da instituição);
[3] estudos de caso (geralmente, estudos longitudinais com estudantes
identificados no momento da admissão como de “risco potencial” para evadir);
[4] estudos preditivos (utilizam uma gama de variáveis de admissão a fim de
gerar equações preditivas para uma variedade de medidas de “sucesso”
acadêmico). |
Marsh (1966) |
Classificou
a mesma literatura em 3 categorias: [1] estudos filosóficos e teóricos
(incluem, geralmente, recomendações para ação, partindo do pressuposto que o
abandono deve ser combatido); [2] estudos descritivos (descrevem
características dos evadidos, como viviam como estudantes e as razões que
deram para sair); [3] estudos preditivos (descrição similar a apresentada por
Knoell). |
Sexton (1965) |
A
variável “motivação” é considerada crucial na explicação da evasão. A
“maturidade” do estudante seria um aspecto crítico, na medida em que esta
representa a habilidade de controlar as “ansiedades irracionais” que impedem
a motivação e, por conseguinte, a conclusão do curso. |
Summerskill (1962) |
Também
deu bastante importância à motivação em sua revisão de literatura. Apontou,
no entanto, para a dificuldade de operacionalização dessa variável nas
análises empreendidas sobre evasão. O autor também considera que aqueles que
desistem são, geralmente, menos “adaptáveis” ao ambiente acadêmico, “não
conformistas”. |
Fonte: Spady (1970). Elaboração própria.
Spady (1970) aponta
que, em geral, há duas definições operacionais sobre evasão que são aceitas:
[1] é considerado desistente todo aquele que deixou a instituição na qual
estava matriculado; [2] é considerado desistente todo aquele que não recebeu um
diploma de ensino superior de qualquer instituição. A primeira definição,
limitada ao nível da instituição, identifica pontualmente o que acontece a
nível local e não permite pensar como essa desistência ocorre no sistema. Já a
segunda definição requer que um grande número de dados seja coletado, de modo
que é mais aplicável a pesquisas longitudinais que "seguem" o
percurso do indivíduo por um dado tempo a fim de identificar por quais
instituições porventura passou e se conseguiu concluir seu curso em algum
momento.
No modelo de Spady
(1970), além de fatores referentes à origem social dos estudantes
(socioeconômicos e experiências acadêmicas anteriores), o autor leva em conta
outros fatores na explicação do fenômeno da evasão no ensino superior, tais
como: a influência do sexo do estudante na definição de objetivos e interesses
educacionais, a relação entre disposições pessoais e “maturidade” do estudante
para levar adiante o curso e a natureza das relações interpessoais
desenvolvidas no ambiente acadêmico.
As interações que este estudante vivencia
ocorrem dentro de dois sistemas que o autor nomeia como acadêmico e social. Há
dois elementos importantes em cada um destes sistemas que podem influenciar na
decisão de permanecer ou não no ensino superior. No sistema acadêmico estão as
notas e o desenvolvimento intelectual. No sistema social, o primeiro elemento é
uma condição chamada congruência normativa, já o segundo, apoio entre os pares.
No sistema acadêmico, as notas são uma
referência prática e de mais fácil apreciação quanto ao desempenho do
estudante. A percepção quanto ao desenvolvimento intelectual, no entanto, pode
variar a depender dos objetivos educacionais de cada um, variando, também, os
sentidos atribuídos, a exemplo daqueles que encaram o ensino superior como uma
parte importante de seu desenvolvimento pessoal e os que não o veem como algo
tão central.
Quanto ao sistema social, a congruência
normativa tem a ver com uma noção de “sucesso” em que as disposições
individuais do estudante (atitudes, interesse e características pessoais) são
compatíveis com os atributos e influências do ambiente acadêmico. O apoio entre
os pares é, na verdade, o estabelecimento de relacionamentos próximos com
outras pessoas que também fazem parte desse sistema. Estes dois elementos do
sistema social universitário são apontados por Spady
(1970) como semelhantes aos componentes de integração social presentes na
teoria do suicídio em Durkheim.
Ainda que o desligamento do ensino
superior seja, claramente, uma maneira menos drástica de rejeitar a interação
social, Spady (1970) acredita que as condições
sociais que induzem a evasão são similares, isto é, falta de interação íntima e
consistente com os outros, manutenção de valores e orientações diferentes dos
pares e falta de senso de compatibilidade com um sistema social imediato.
O modelo teórico de Vincent Tinto
As contribuições de Spady
(1970) foram de grande influência para o desenvolvimento do modelo teórico de
evasão proposto por Tinto e Cullen (1973). No início
da década de 1970, o Gabinete de Planejamento, Orçamento e Avaliação do Gabinete
de Educação dos EUA solicitou a Vincent Tinto e John Cullen
a elaboração de um relatório que constasse uma revisão e síntese teórica das
pesquisas sobre evasão no ensino superior.
Dentre os objetivos do trabalho realizado
pelos autores, eles deveriam desenvolver um modelo teórico sobre evasão que
permitisse, ao mesmo tempo, realizar uma síntese da pesquisa que estavam
fazendo e explicar, em termos longitudinais, o processo de evasão no ensino
superior. No que se
refere a esse relatório, extraímos dele apenas a discussão que os autores fazem
do modelo teórico de evasão proposto.
Tinto e Cullen
(1973) partem da mesma definição operacional apresentada por Spady (1970) em que evasão se refere [1] a pessoas que
deixam a instituição em que estavam matriculados e [2] somente às pessoas que
nunca receberam nenhum grau/diploma de nenhuma instituição de ensino superior.
Para o desenvolvimento do seu próprio modelo teórico, os autores escolhem o
primeiro conceito – mesmo sabendo de suas limitações – o qual considera mais a
perspectiva da instituição e não a do aluno. Os autores pretendem desenvolver
uma definição mais apropriada de evasão. Eles afirmam que essas concepções de
evasão têm duas principais limitações: a tendência em se colocar o foco na
eficiência da instituição (utilização dos recursos), ao invés de se preocupar
mais com a eficácia (obtenção do resultado desejado), e o fato destas
desconsiderarem a perspectiva do estudante.
Ao ignorar a perspectiva do estudante,
negligenciam-se dois pontos: o fato de que os indivíduos que entram nas
instituições possuem uma variedade de habilidades, interesses, motivações e
níveis de comprometimento quanto ao objetivo de concluir o curso e que o ensino
superior, de qualquer natureza, pode ser inadequado às necessidades, desejos
e/ou interesses de um certo número de indivíduos que, ainda assim, vão à
faculdade. Ignorar a perspectiva do indivíduo nesse processo implica em uma
ideia de inferioridade daqueles que não prosseguem. Outro ponto, mais amplo,
diz respeito à discussão que deve ser feita quanto à noção de educação superior
como o único espaço para treinamento de alto nível após o ensino médio e que,
portanto, reforça a tendência de expansão da educação superior ao invés de
reconsiderar esse status (Tinto &
Cullen, 1973).
O modelo apresentado por Tinto e Cullen (1973) baseia-se na teoria do suicídio de Durkheim e
na perspectiva teórica que considera a análise dos custos e benefícios no
desenvolvimento da ação. Os autores estão interessados em explicar e entender
como características individuais, sociais e institucionais estão conectadas com
o processo de desistência do ensino superior. Quanto à teoria do suicídio,
Tinto e Cullen usam, analogamente, a perspectiva de
Durkheim sobre integração social, ou melhor, à falta dela como fator importante
para compreender esse processo de desligamento social. Para Durkheim as chances
de suicídio se tornam maiores quando há insuficiência tanto na integração moral
quanto na afiliação coletiva – a primeira referente ao compartilhamento de
valores sociais e a última à interação com os outros.
Para os autores, o desligamento do ensino
superior seria resultado tanto da falta de interação “consistente e
recompensadora” com os demais pares quanto da manutenção de valores
incompatíveis com os compartilhados com a maioria da comunidade acadêmica. A
partir desse entendimento, assume-se que a falta de integração social na
faculdade resultaria em baixo comprometimento com a instituição e, por
conseguinte, aumentaria a probabilidade de desistência.
No âmbito institucional, é importante
diferenciar a dimensão social e a dimensão acadêmica a fim de entender os tipos
de desligamentos institucionais possíveis – em que o aluno decide sair ou
quando a instituição desliga o aluno – e os diversos tipos de interações e
demandas sociais e intelectuais a que os estudantes estão expostos, pois podem
ser bem-sucedidos em uma dimensão e apresentar dificuldades na outra.
A aplicação da teoria do suicídio de
Durkheim ao fenômeno do abandono escolar não produz, por si só, uma teoria que
ajuda a explicar como indivíduos variados adotam várias formas de comportamento
de abandono escolar. Pelo contrário, trata-se de um modelo descritivo que
especifica um processo longitudinal de interações que pode produzir diferentes
formas de persistência e comportamentos de abandono (Tinto, 1975).
A perspectiva de análise do
custo-benefício aplicada à discussão da evasão no ensino superior adiciona, à
teoria de Tinto e Cullen (1973), a influência de
“eventos externos” ao ambiente acadêmico. É através desse ponto que os autores
reconhecem que a decisão de abandonar a faculdade pode não ter relação direta
com as interações que ocorrem na instituição universitária. Nessa perspectiva,
tem-se como central a percepção do indivíduo a respeito da
"realidade" que o cerca, a forma que a interpreta como mais ou menos
benéfica, como mais ou menos compatível ao seu percurso no ensino superior. A
percepção do indivíduo, entretanto, varia de acordo com características do
próprio indivíduo e características do ambiente acadêmico que frequenta. Na
interação do indivíduo com a instituição é que este avalia suas possibilidades
de continuar ou não.
Assim, os autores propõem um modelo
teórico de evasão multidimensional que resulta da interação entre indivíduo e
instituição e é influenciado pelas características de ambos. Leva-se em conta,
nesse modelo, as características individuais dos estudantes, seus antecedentes
familiares e experiências educacionais anteriores e como estes influenciam
expectativas e motivações em relação à experiência universitária. Um ponto
considerado central na decisão do estudante de abandonar a faculdade é o
“compromisso com a meta” [de se formar] em que, se julga, quanto maior o nível
de comprometimento de um indivíduo com a meta de conclusão da faculdade, menor
a probabilidade de abandoná-la. Esse compromisso com a conclusão do curso está
integrado com o comprometimento com a instituição (Tinto & Cullen, 1973).
A forma como se trata do fenômeno da
evasão no ensino superior pode variar a depender de quem seja a parte
interessada no tema. Tinto (1982) aponta os três principais interessados nesse
processo: os alunos, a instituição e o Estado. O ato de abandonar o ensino
superior pode, nesse sentido, ser interpretado de diversas formas, a depender
do perfil do aluno, de quem será afetado e de como alunos e instituição serão
afetados após o ocorrido.
Esse desligamento, porém, pode ser
interpretado de diversas formas. Os sentidos atribuídos à evasão por alunos e
instituição podem divergir e ir além da noção de “fracasso”. Os objetivos e
intenções do aluno ao ingressar no ensino superior devem ser levados em
consideração. A depender dos objetivos, os estudantes poderão apresentar
padrões diferentes de interação com a instituição. As diferenças se estendem,
também, aos processos de evasão vivenciados por diferentes grupos de estudantes
e nas diferentes áreas de conhecimento nas universidades (Tinto, 1982).
A evasão no início e no final do curso
também podem apresentar características e motivações diferentes. É preciso
saber se ela está atrelada a dificuldades no processo de transição do ensino
médio para o ensino superior ou a “problemas de percurso” que se originaram
dentro ou fora do espaço acadêmico. Tinto (1982) diz que a transição para o
ensino superior é difícil para todos os estudantes, sejam eles considerados
"típicos" – com dedicação exclusiva aos estudos –, sejam eles
considerados "estrangeiros" ou "não típicos", isto é, os
que não possuem dedicação exclusiva para os estudos, que precisam trabalhar e
que fazem parte de grupos sociais em desvantagem.
No que se refere à perspectiva
institucional em relação à evasão, em termos práticos, é muito mais simples
reportar o desligamento institucional como abandono. Porém, para saber como a
instituição interpreta suas “perdas”, é necessário ter conhecimento dos seus
objetivos educacionais, qual perfil de aluno é “valorizado” pela instituição e,
nesse sentido, o quanto lhe “interessa” sua permanência e conclusão do curso.
Tinto (1982) afirma que não se tem clareza
se todos os desligamentos do ensino superior exigem igual atenção ou requerem
formas semelhantes de ação por parte da instituição. A dificuldade em definir o
que seria abandono passa por discernir quais tipos de desligamento – dentre
todos os que podem ocorrer – devem ser considerados como tais no sentido
estrito e quais tipos devem ser considerados o resultado normal do
funcionamento da instituição.
Esse ponto colocado pelo autor indica o
quão relevante é, para a compreensão do fenômeno da evasão, ter conhecimento
dos valores e concepções institucionais mais gerais, uma vez que estes informam
os padrões de interação entre alunos e professores, bem como entre estes, seus
próprios pares e o restante da comunidade acadêmica. Além disso, avaliam se
esse tipo de interação e ambiente – construído e compartilhado – é favorável
para permanência e para que tipo de aluno.
Vê-se também que a seletividade de uma
instituição não se encerra no processo de admissão e, nesse sentido, deve-se
considerar que o planejamento e execução de ações de permanência tenham em
vista os padrões e valores de seletividade – que variam não só por instituição,
mas também por área de conhecimento.
Assim, pode-se dizer que a seletividade
interna da instituição está diluída no percurso acadêmico através de critérios
de concessão de auxílios financeiros e/ou bolsas de iniciação científica; critérios
de participação em ligas e organizações acadêmicas ou outras atividades
extracurriculares, organização curricular e de rotinas acadêmicas – leia-se,
tempo demandado para dedicação aos estudos e/ou para investir em
relacionamentos ou outras atividades –, dentre outras possibilidades de
interação que possam gerar integração acadêmica e desenvolvimento intelectual
para o estudante.
Tinto (1988) provê maior detalhamento do seu
modelo teórico recorrendo à antropologia, mais especificamente à perspectiva
dos ritos de passagem – tornar-se membro – em sociedades tribais proposta por
Van Gennep (1960). Com isso, ele pretende destacar o
que chama de dimensão temporal do processo de desligamento institucional, o
qual se desdobraria em diferentes estágios nos anos iniciais do curso. Esses
estágios dizem respeito às três subdivisões que Van Gennep
faz da categoria “ritos de passagem”: separação, transição e incorporação.
Esses três estágios representam as fases pelas quais o ingressante passa até se
tornar um membro competente da comunidade universitária e devidamente
comprometido com a conclusão do curso.
A fase da separação implica em uma
dissociação, em vários graus, das comunidades com que o estudante mantinha
algum vínculo antes da faculdade, tipicamente a sua escola de ensino médio ou
local de residência. Geralmente, esse processo requer algum tipo de
transformação que pode implicar na rejeição dos conhecimentos e normas aos
quais estava ligado anteriormente. Essa fase também pode ser caracterizada como
uma fase de desorientação. Esse processo será tão mais difícil quanto mais
distante forem o ambiente e as demandas da faculdade em relação às
características sociais e intelectuais da sua socialização anterior.
A fase da transição é caracterizada pela
passagem do velho para o novo, das antigas associações com o passado para as
esperadas associações com as comunidades do presente. É, na verdade, um estágio
de fragilidade, pois os vínculos com a socialização passada estão frouxos e os
vínculos com a comunidade atual ainda não estão consolidados. Os estudantes
irão reagir de maneira diferente a esse período de estresse na sua trajetória.
Tinto (1988) indica que há um “fato
inevitável” nesse ponto da trajetória: alguns estudantes não estarão dispostos
a lidar com esse estresse da transição por não estarem suficientemente
comprometidos nem com objetivos de ordem educacional, nem com a instituição que
ingressaram. Outros, entretanto, estarão tão comprometidos que serão capazes de
fazer qualquer coisa para permanecer. O autor aponta ainda que a instituição
deveria se mobilizar para ajudar os estudantes a lidarem com essa etapa.
Após essas duas fases, vem a da
incorporação, em que o estudante precisa reconhecer e adotar as normas apropriadas
dessa nova comunidade. Por isso, deve estabelecer contato ativo com outros
membros, sejam eles alunos ou professores, a fim de evitar o isolamento. Novos
padrões de interação com os membros da comunidade acadêmica passam a ser
estabelecidos e valorizados. Ainda que o estudante continue a manter contato
com sua “antiga socialização”, isso ocorrerá a partir das lentes do seu novo
grupo. Nessa perspectiva, o processo de desligamento institucional e de
persistência institucional são duas faces da mesma moeda, na medida em que
apontam para a passagem bem-sucedida (ou não) de uma fase para outra do “ritual
de passagem”.
Apesar de se fazer uso desses três
estágios típicos – ritos de passagem – para ilustrar a trajetória de
persistência e permanência dos estudantes no ensino superior, deve-se observar
que, ao contrário do que acontece em sociedades tradicionais (tribais), não há
rituais formais, estabelecidos a princípio, para marcar a transição de uma fase
para a outra. No contexto do ensino superior, a orientação acadêmica pode ser
uma ferramenta importante nesse processo de ensinar percepções e posturas que,
muitas vezes, não são óbvias aos estudantes, os quais, na maioria dos casos,
costumam trilhar o seu caminho no “labirinto institucional” de forma individualizada,
por sua conta e risco (Tinto, 1988).
O autor frisa que as ações institucionais
que visam a permanência dos alunos no ensino superior devem se concentrar no
primeiro ano, bem no início de suas trajetórias. Os estudantes continuarão
tendo necessidades a serem supridas após o primeiro ano, no entanto, esse
período tem se mostrado crítico no quesito permanência.
Tinto (1988) adiciona essa perspectiva dos
ritos de passagem à sua teoria a fim de ampliar as possibilidades de análise.
Reconhece, no entanto, que a visão anteriormente trabalhada, baseada na teoria
do suicídio de Durkheim, tem sido muito mais recorrente nas pesquisas da área.
A visão que deriva de Durkheim – presente em Spady
(1970) e Tinto (1975) – se trata de um mapeamento de uma teoria geral da evasão
que se propõe a explicar como as forças institucionais, em suas dimensões
social e intelectual (acadêmica), dão forma ao processo de incorporação, isto
é, integração do indivíduo na vida acadêmica. A intenção com o acréscimo da
visão de Van Gennep (1960) é prover uma dimensão
temporal, descrevendo os estágios longitudinais do processo de integração
acadêmica.
Tinto (1988) afirma que não tem intenção
de simplificar o complexo e fluido processo de desligamento institucional. Para
o autor, esses estágios são “abstrações” utilizadas para facilitar o processo
de análise desse fenômeno que varia de acordo com cada grupo de estudante[s] e
área de conhecimento. Pode acontecer, ainda, que alguns estudantes não estejam
apercebidos da transição necessária para se integrar à vida acadêmica. Outros
podem vivenciar esses estágios de maneira isolada ou simultânea. De toda forma,
fornecer informações de estágios ou eventos comuns à experiência universitária
pode ser benéfico aos estudantes inseridos nesse processo e é nesse sentido que
a noção de ritos de passagem é empregada.
Outro ponto que merece ser observado – e é
também apontado pelo autor – é que essa teoria é pensada considerando um perfil
de alunos jovens, recém-saídos do ensino médio. Não menciona adultos ou
estudantes transferidos com alguma experiência prévia no ensino superior. No
entanto, acredita que esses grupos estão sujeitos às mesmas fases, podendo,
apenas, vivenciá-las de maneiras diferentes em virtude de suas características.
O envolvimento, tanto social quanto
acadêmico, é considerado fundamental para a permanência, porém, segundo Tinto
(2006), o que ainda não é tão claro é como promover essa integração em
diferentes contextos e com estudantes diferentes a fim de promover a
permanência, pois a estratégia mais recorrente para promover integração dos
estudantes com a universidade, ou para suprir eventuais demandas de formação, é
a dos “cursos adicionais”, os quais são criados conforme as demandas emergentes
(Tinto, 1999).
Tinto (1999) aponta também que algumas
instituições precisam encarar o problema da permanência mais seriamente em
virtude das pequenas alterações (estruturais) e falta de mobilização na
condução das ações e políticas institucionais nesse sentido. Ele aponta para
quatro condições institucionais que se mostram importantes para promover
permanência: [1] informação/orientação; [2] apoio acadêmico; [3] envolvimento e
[4] aprendizado.
Por isso, quanto mais claras e
consistentes as informações em relação às demandas institucionais, maior a
probabilidade de os estudantes persistirem e se graduarem. Isso se dá pois os
estudantes precisam entender o “roteiro para a conclusão” e saber como usar
essas instruções a fim de decidir e atingir objetivos pessoais. O apoio
acadêmico deve estar ao alcance dos estudantes e integrado aos demais espaços
de interação que estes possuem com a instituição. Quanto ao envolvimento ou o
“tornar-se membro”, este ponto está relacionado com a frequência e qualidade
das interações com os professores, outros alunos e demais integrantes da
comunidade acadêmica, o que tem se mostrado um importante preditor de
persistência. O último ponto se refere ao aprendizado, pois, de acordo com o
autor, estudantes que aprendem são estudantes que permanecem (Tinto, 1999).
O “envolvimento ativo” é colocado como a
chave nesse processo, o qual seria capaz de promover aprendizagem, principalmente
quando essa experiência ocorre através da interação com os pares, o que parece
ser pouco comum para a maioria dos estudantes de primeiro ano, os quais costumam
ter suas experiências de aprendizagem – sociais ou acadêmicas – de maneira
isolada dos demais (Tinto, 1999).
Não há dúvida que muitos desafios se
colocam para que as instituições promovam essas condições de permanência,
principalmente se considerarmos que muitos estudantes precisam conjugar estudos
e trabalho. Para estes, a sala de aula pode ser o único lugar onde encontram
seus professores, seus colegas de curso e se envolvem com o currículo.
Por essa razão, Tinto (1999; 2006) diz que
as ações de permanência devem não só incluir, como precisam começar pela sala
de aula. Nesse contexto, instituição e corpo docente se tornam fundamentais na
execução dessas ações, ainda que, conforme Tinto (2006), haja um desafio de
outra ordem, pois os professores das universidades e do ensino superior, de um
modo geral, são os únicos que não possuem formação específica para ensinar seus
alunos.
O modelo teórico de Alain Coulon
A pesquisa realizada por Alain Coulon se deu na França com estudantes da Universidade
Paris 8, com os quais realizou processos de escuta, conversas e observação em
seus primeiros meses na instituição. Além disso, orientou os estudantes do
primeiro ano, matriculados em seu curso, que escrevessem um diário durante os
três primeiros meses do seu percurso universitário.
Coulon (2008, p. 31)
considera que, após o ingresso na universidade, “aprender o ofício de
estudante” é a tarefa mais importante, isto é, a relação que os novos
estudantes estabelecem com as regras e os saberes universitários. Para explicar
como isso ocorre, o autor descreve o processo de afiliação, baseando-se –
também – na formulação de Van Gennep (1960). Coulon (2017) justifica que o trabalho de Van Gennep o ajudou a pensar e classificar a grande quantidade
de dados que havia obtido através da investigação feita com estudantes de Paris
8. Segundo ele, as vivências destes poderiam ser interpretadas à luz dos ritos
de passagem.
Coulon (2008) diz
que o processo de afiliação se inicia a partir da entrada na universidade, quando
ocorre a passagem do status de aluno
para estudante, uma vez que, para o autor, uma pessoa que chega à universidade
não adquire automaticamente o status
de estudante – esse estágio inicial seria de demandante ao ensino superior.
Para ele, há uma clara distinção entre o “ser aluno” e a condição de estudante.
O aluno é aquele da educação básica, já o estudante seria o jovem que ingressa
no nível superior. A entrada na vida universitária seria, nesse caso, uma
passagem de um estado para o outro. A competência de ser estudante se adquire
através de um ritual de iniciação a esse novo universo.
Aprender o ofício de estudante, mesmo se
tratando de um status provisório, é
uma tarefa essencial para a permanência deste na universidade. A afiliação, ou
seja, a aquisição de um novo status
social é um processo que ocorre em três tempos: (i) o tempo do estranhamento, (ii) o tempo da aprendizagem e (iii)
o tempo da afiliação propriamente dita.
O primeiro ano é aquele para aprender a
instituição e, nesse ano, Coulon (2008) defende –
através da utilização de um artifício pedagógico – que os demandantes ao ensino
superior devem unir seus esforços em torno de um objetivo: tornar-se estudante
profissional. Esses esforços, no entanto, só fariam sentido mediante a
existência de um projeto cuja perspectiva de futuro justificasse um emprego
significativo de tempo e, somado a isso, a instituição proporcionasse condições
que favorecessem a permanência.
Os estudantes passariam, basicamente, por
três fases, que correspondem aos três tempos do processo de afiliação. A
primeira é a fase da separação com o passado escolar ou tempo do estranhamento,
em que o estudante ainda vê a universidade como um ambiente pouco familiar e
precisa ser iniciado o processo de articulação entre a universidade e o futuro
do estudante. A segunda é a fase da margem ou o tempo da aprendizagem. Nesse
segundo momento, o percurso do estudante ainda é instável, pois ele não tem
mais passado e ainda não tem futuro: trata-se de um período de atribuição de
sentidos, da aprendizagem de uma (nova) perspectiva de futuro. Por último,
temos a fase da admissão ou o tempo da afiliação. A duração dessa fase varia de
acordo com a assimilação das regras e, a partir daqui, o
risco de abandono vai se tornando cada vez mais distante.
A afiliação é tida como um processo de
aprendizagem da autonomia que ocorre pela participação ativa do estudante em
uma tarefa coletiva. Embora não sendo um processo plenamente acabado, é
possível falar em afiliação quando em um dado momento a apreensão de
determinadas disposições é suficiente para que haja um reconhecimento mútuo
entre os sujeitos que fazem parte de um mesmo grupo ou da mesma instituição. No
percurso em que o sujeito forja para si um habitus
de estudante, ele vivencia um processo de familiarização progressiva, de
elaboração de estratégias até, finalmente, conseguir instalar rotinas que são
os primeiros sinais de afiliação.
A incorporação do habitus
de estudante é, dessa forma, um processo de construção individualizada e
coletiva, pois, por um lado, o estudante precisa decidir a medida do esforço
que será empregado nesse processo e, por outro, precisa saber – em alguma
medida – seguir instruções, ou seja, contar com a ajuda de outros na vivência e
interpretação das regras mais fundamentais.
A hipótese de sucesso acadêmico está
atrelada à medida da afiliação do estudante, ao saber operar com as regras
propriamente administrativas e com o trabalho intelectual demandado pela
universidade. Em relação ao aspecto intelectual do processo de afiliação, Coulon destaca três operações consideradas fundamentais
para a realização deste: ler, escrever e pensar. Nessa perspectiva, “um
estudante competente, do ponto de vista intelectual, sabe identificar os
conteúdos do trabalho intelectual e, ao mesmo tempo, os códigos implícitos que
os organizam, ouve o que não é dito e vê o que não está designado” (Coulon, 2008, p. 256).
Afiliar-se intelectualmente é, também,
estabelecer vínculos entre a vivência privada e a vivência universitária, de
modo a construir um laço dentro-fora. Existe um processo de afiliação
intelectual em curso quando as percepções, práticas e hábitos até então
valorizados pelo e no ambiente universitário deixam de ser exteriores ao
estudante e vão sendo incorporados, deixando de ser um esforço e passando a ser
algo “natural”.
Coulon (2017, p.
1247) concebe e propõe uma “pedagogia da afiliação” baseada em duas atividades:
a escrita e a aprendizagem da metodologia documental. A escrita cotidiana ou o
“diário de afiliação” é tido como um exercício importante para a apropriação da
dimensão simbólica da experiência acadêmica, da relação do estudante com o
saber. Construir o hábito da escrita promoveria afiliação, na medida em que as
reflexões registradas no diário trariam clareza sobre as trajetórias
individuais dos estudantes. Já a metodologia documental seria um meio – um
curso – para os alunos aprenderem a utilizar os recursos da biblioteca, bem
como melhorar suas habilidades de leitura, memória e organização com os
estudos.
Potencialidades e limitações dos modelos de Tinto e Coulon
Os modelos teóricos de Tinto (1975; 1993) e Coulon
(2008) tentam explicar sociologicamente como ocorre o processo de
integração/afiliação universitária. Nos dois modelos, a dimensão temporal tem
um espaço importante uma vez que ambos destacam que se tornar membro da
comunidade universitária acontece de forma gradual e que aquele que ingressa no
ensino superior precisa saber utilizar bem o tempo que dispõe para vivenciar
esse novo ambiente. Essa dimensão temporal está ancorada na noção de ritos de
passagem de Van Gennep (1960), em que ambos os
autores a subdividem em três etapas que vão do estranhamento e passam pela
familiarização até chegar em um “ponto ótimo”, no qual o risco de abandono se
torna algo mais improvável.
Vemos na literatura que muitos autores (Astin, 1999; Bean, 1982; Braxton et al., 2000; Milem
& Berger, 1997; Pascarella, 1980; Pascarella & Terenzini, 1979;
Terenzini & Pascarella,
1980; Terenzini, 1982) que se propõem a discutir
sobre permanência no ensino superior estabelecem um diálogo – direta ou
indiretamente – com a teoria de Tinto. De maneira geral, esses autores expõem
modelos de evasão/persistência estudantil. Em seus constructos, a interação
aluno e instituição (experiência institucional) e os processos de integração
acadêmica ganham diversos enfoques. São apresentadas diversas proposições a
respeito de quais fatores (institucionais ou externos à instituição),
características (do estudante ou da instituição) ou ações (institucionais ou
dos estudantes) seriam mais ou menos relevantes tanto na explicação da evasão
quanto para aumentar as probabilidades de persistência estudantil.
Há trabalhos que consideram a centralidade do processo de
aprendizagem na promoção de envolvimento estudantil (Astin, 1999), outros
privilegiam aspectos da interação entre aluno-professor e como esta influencia nas decisões de permanecer ou abandonar o ensino
superior (Terenzini & Pascarella,
1980). Outros, ainda, tentam considerar o maior número de variáveis possíveis (Bean, 1982), levando em conta aspectos organizacionais
(referentes à instituição), variáveis ambientais (fatores externos e de
contexto social), variáveis atitudinais e de resultado. Cada modelo se propõe o
mais compreensivo possível e aponta as variáveis que considera mais relevantes
na explicação do fenômeno.
A hipótese da integração acadêmica e social proposta pelo modelo
de Tinto – amplamente citado e aceito no meio acadêmico – tem sido testada,
discutida e contraposta por diversos autores. Há, nesse sentido, os que buscam
identificar quais variáveis seriam mais ou menos significativas nesse processo
de integração e os que se contrapõem a esta perspectiva.
Braxton et al. (2000; 2008),
além dos autores anteriormente citados, também dialogam com Tinto e corroboram
com sua proposição integracionista, mais especificamente quanto à importância
do ambiente de sala de aula e, por consequência, da interação aluno-professor
nas ações de permanência e na construção de processos significativos para os
estudantes.
Há também críticas ao uso da noção de “ritos de passagem” para
pensar o processo de permanência dos estudantes. Tierney (1992) diz que há uma
inadequação conceitual no modelo de Tinto e que a referida noção não é mais
apropriada, principalmente em se tratando de perfis de alunos sub-representados no ensino superior, os quais, em certa
medida, devem abandonar sua cultura e se apropriar de outra, dominante. O autor
se opõe à ideia de integração e propõe um modelo alternativo em que as
universidades seriam entidades multiculturais e, assim, promoveriam a diferença
e não a conformidade.
Em linhas gerais, ambos os modelos trazem consigo uma noção de
ajuste e conformação do estudante-ingressante ao ambiente universitário. Os
autores tentam explicar o processo e acabam por não problematizar devidamente
aspectos institucionais que não agregam nas trajetórias estudantis e, nesse
sentido, não corroboram com os esforços de determinados grupos em permanecer e
concluir seus cursos.
Outro ponto importante em ambos os modelos é a questão do tempo
que deve ser dedicado às vivências universitárias. Tinto afirma que seu modelo
foi pensado para estudantes “típicos”, ou seja, não trabalhadores e, por consequência,
com tempo para se dedicarem aos estudos. Os estudantes que participaram da
pesquisa de Coulon, por sua vez, podem ser
considerados “atípicos”. Todavia, em nenhum dos modelos vemos a devida
problematização do que significa “ter tempo” para se dedicar aos estudos e para
apreender novos esquemas cognitivos e comportamentais inerentes à vida
universitária.
Considerações finais
Afiliar-se ou integrar-se aos grupos que compõem o espaço
universitário, mais que uma expectativa pessoal e institucional, é sinônimo de
uma trajetória bem-sucedida. Coulon (2008, p. 261) é
categórico ao afirmar que “tem sucesso o estudante que se afiliou”, isto é,
aquele que entendeu as regras, soube interpretá-las e acioná-las conforme as
demandas do cotidiano. A ideia de sucesso acadêmico está associada, de maneira
ampla, a um processo de aprendizagem. Aprende-se a instituição, aprende-se o
conteúdo e saberes específicos de uma área de conhecimento, aprende-se uma nova
maneira de se relacionar com os pares e com a comunidade acadêmica e aprende-se
uma nova perspectiva de mundo, a ter novas lentes.
O processo de permanência é, nesse sentido, e sob vários aspectos,
um processo de aprendizagem. Nesse contexto, o apoio acadêmico ou apoio
pedagógico ganha novos contornos e se coloca, à instituição universitária, um
espaço privilegiado de ação junto aos estudantes a fim de que estes possam ter
uma trajetória acadêmica repleta de oportunidades e condições efetivas de
aprendizagem.
Tanto o processo de aprendizagem no ensino superior quanto o
processo de permanência são uma construção coletiva que demanda ajustes tanto
por parte dos estudantes quanto da instituição na consecução de um objetivo
comum, a conclusão do curso. O apoio pedagógico, como ação de permanência,
longe de ser a única resposta para o problema, configura-se como um recurso
potente na construção de uma universidade que não deve perder de vista a sua
responsabilidade no processo de ensino e aprendizagem dos seus estudantes.
Tinto (2017), mais recentemente, aponta que as ações de
permanência não podem prescindir da perspectiva que os estudantes têm sobre o
processo, a qual a literatura trata em termos de persistência (persistence). Destaca que é preciso ter atenção a alguns
aspectos que podem influenciar na motivação dos estudantes – principalmente
daqueles historicamente sub-representados no ensino
superior – como as noções de auto-eficácia, senso de
pertencimento e valor percebido do currículo[2].
Não se trata de desconsiderar a perspectiva institucional no
processo de permanência. Pelo contrário, é o caso de agregar à perspectiva
institucional a visão do estudante. Nesse sentido, à instituição, está posto o
desafio de ajustar as suas lentes levando em consideração os alunos que recebe.
Assim, não só ao estudante cabe assimilar a instituição, mas também a esta
última cabe perceber os seus estudantes.
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