Artigo
Influências do
professor na constituição do aluno leitor: algumas constatações
Las influencias del profesor en la formación del
estudiante lector: algunas constataciones
The teacher influence on the constitution of student
reader: some verifications
Natália Branchi[i]
Instituto Federal de Educação, Ciência e
Tecnologia do Rio Grande do Sul
Feliz, RS, Brasil
https://orcid.org/0000-0002-1679-7400
Izandra Alves[ii]
Instituto Federal de Educação, Ciência e
Tecnologia do Rio Grande do Sul
Feliz, RS, Brasil
Izandra.alves@feliz.ifrs.edu.br
https://orcid.org/0000-0002-6063-3753
Contribuição
na elaboração do texto: autora 1 - elaboração do corpo do texto (seções de
análise), aplicação do questionário, análise dos dados; autora 2 - orientação,
elaboração dos questionários, elaboração da introdução, resumo e conclusão,
revisão e consolidação do manuscrito.
Recebido em: 30/05/2022
Aceito em: 10/11/2022
Publicado
em: 18/11/2022
Linhas
Críticas | Periódico científico
da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília, Brasil
ISSN: 1516-4896 |
e-ISSN: 1981-0431
Volume 28, 2022 (jan-dez).
http://periodicos.unb.br/index.php/linhascriticas
Referência
completa (APA):
Branchi, N., & Alves, I. (2022). Influências do professor na
constituição do aluno leitor: algumas constatações. Linhas Críticas, 28,
e43453. https://doi.org/10.26512/lc28202243453
Link alternativo:
https://periodicos.unb.br/index.php/linhascriticas/article/view/43453
Licença Creative
Commons CC BY 4.0.
Resumo: Este texto traz resultados da pesquisa
quanti-qualitativa sobre o perfil leitor de ingressantes no ensino médio
oriundos de escolas públicas municipais de Feliz/RS e a contribuição de seus
professores para essa construção. Teorias da área da leitura embasam a análise
dos dados coletados nesta pesquisa e são comparados com a anterior, realizada
com docentes da mesma rede. Como descobertas, a maioria dos alunos possui
memórias positivas de leitura e as ações proporcionadas pelos professores
interferem positivamente na formação do leitor.
Palavras-chave: Leitura. Escola. Mediação.
Resumen: Este texto presenta datos de una encuesta que analisa cómo se contituyen los
estudiantes lectores de secundária de esculas públicas de Feliz/RS y de qué manera el trabaljo del profesor hace la diferencia en la formación
lectora del alumno. Las teorias de la lectura contrubuyen con las discusiones. Valiendóse
desta encuesta y de análises,
descripciones y comparaciones con respuestas de los profesores en encuesta
anterior, se nota que la mayoria de los estudiantes
tuvieron experiencias productivas de lectura. El trabajo de los profesores, fué positivo para la formación lectora de sus alumnos.
Palabras
clave: Lectura. Escuela. Mediación.
Abstract: The text presents results from
quantitative-qualitative research on the reader profile of high school students
who came from public schools in Feliz/RS and the
contribution of their teachers to this construction. Theories about reading
collaborated to the analysis of data which were compared with another research
carried out with professors from the same teaching level. As findings, most students have positive
memories of reading and the actions provided by the teachers contributed to the
reader formation of their students.
Keywords: Reading. School. Mediation.
Introdução
Em uma sociedade que valoriza o consumo
voraz, a velocidade das informações e a necessidade da conexão, a escola se vê,
cada vez mais, desafiada a inovar suas ações pedagógicas. Contudo, com o
sucateamento da educação, com as migalhas recebidas do governo, que mal
sustentam os prédios, como, então, cuidar das pessoas e de suas complexidades e
diferenças de aprendizagem? Como aprender/ensinar nesse cenário tão desigual?
Mesmo com muitas barreiras sociais,
econômicas e tecnológicas, os professores fazem verdadeiros milagres e se
reinventam. Criam estratégias e fazem de suas aulas verdadeiros laboratórios
com experimentos os mais inusitados possíveis, em busca de resultados que nem
sempre vêm. Contudo, os estudantes aí estão, à espera das poções mágicas do
saber. Mal sabem eles que são os verdadeiros portadores do conhecimento e que
precisam, apenas, de motivação para deixar fluir e dar a conhecer suas
capacidades.
É, então, neste cenário desafiador para a
educação escolar que a leitura procura cumprir seu necessário papel. Mas qual é
mesmo essa atribuição? O senso comum confere a ela a incumbência de oferecer
informações e conhecimentos úteis, conforme explica Núcio
Ondine (2016), em sua obra A utilidade do inútil. Assim, a educação escolar
deve sempre servir para algo. E, no caso da leitura do texto literário, essa
prática carrega em si “um para quê vai servir?”, e é exatamente isso que
contribui para o afastamento entre livros e leitores.
A escolarização da leitura literária é
necessária, quando adequada. Professores e mediadores culturais precisam estar
atentos aos modos de conduzir a atividade a fim de não afastar os jovens
leitores deste tão importante contato. É, pois, a escola que cumpre a tarefa que
a maioria das famílias não pode, não quer ou não tem condições de fazer, que é
apresentar a literatura tanto canônica quanto a marginal e as inúmeras práticas
culturais aos estudantes. Se não for na escola, muitos dos estudantes não terão
contato com os clássicos, por exemplo. Assim, estar atento à condução das atividades
de mediação de leitura que ocorrem nas escolas é de fundamental importância,
pois uma experiência ruim com o texto pode repelir leitores.
Nesse sentido, enquanto professora e
estudante da área de Letras, julgamos ser importante levantar informações
acerca das experiências de mediação de leitura que os estudantes de primeiros
anos dos cursos técnicos e que são oriundos das escolas municipais de Feliz/RS
tiveram, quando discentes, naquela rede de ensino. Como no ano de 2020
realizou-se pesquisa sobre leitura e mediação com os professores que atuam
nesta mesma rede de ensino, cruzamos, agora, os dados que coletamos com os
estudantes, a fim de perceber em que ponto as informações dialogam ou não, e em
que medida o curso de Licenciatura em Letras Português/Inglês do Instituto
Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul (IFRS), campus Feliz/RS poderá contribuir
positivamente para auxiliar os professores e alunos em suas
demandas/necessidades, através das atividades extensionistas que realizam na
comunidade. Os dados foram analisados à luz das contribuições teóricas de Rildo
Cosson (2009), Annie Rouxel
(2013), Lucia Santaella (2013), Magda Soares (1999) e Zoara Failla
(2020).
Dessa forma, este artigo se estrutura de
modo a apresentar, primeiramente, a metodologia da pesquisa realizada. Na
sequência, apresenta os estudantes que participaram do estudo e como se
constituem enquanto sujeitos leitores. Como próxima etapa, destaca-se a relação
existente entre os dados coletados em pesquisa anterior com os professores
destes mesmos alunos e o que dizem acerca da experiência que vivenciaram com
eles ter ou não contribuído para sua formação leitora. Como última parte, as
considerações finais trazem a percepção das pesquisadoras acerca das
descobertas desta pesquisa que dialoga com a anterior e em que medida são
importantes para o diálogo acerca da leitura do texto literário na escola e
fora dela.
Primeiros contatos
No ano de 2021, o Instituto Federal de
Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul – campus Feliz,
recebeu, no Ensino Médio, oito alunos oriundos das duas escolas municipais de
Feliz: Cônego Alberto Swhade e Alfredo Spier. No entanto, apenas sete destes alunos aceitaram
participar da pesquisa, três meninas e quatro meninos. Após os trâmites
burocráticos que garantem a ética da pesquisa, deu-se início à investigação. O
questionário elaborado para a coleta dos dados foi composto por 13 perguntas,
tanto de múltipla escolha, quanto de respostas abertas. Com as perguntas,
objetivou-se traçar o perfil leitor desses estudantes no que diz respeito à
quantidade de livros que leem, gênero/autores escolhidos e atividades de
mediação leitora realizadas na escola que mais lhes marcaram e em que medida
essas escolhas e memórias têm a influência de seus professores do Ensino
Fundamental. Com esse questionamento, almejou-se trazer dados que pudessem
servir de comparativo ao que foi descoberto em pesquisa anterior com os
professores que atuavam com estes estudantes.
Quanto à análise dos dados, dividimos em
blocos, de acordo com a temática das questões. O primeiro refere-se ao perfil
inicial dos entrevistados, sendo composto por três questões. A segunda divisão
diz respeito às motivações leitoras dos alunos e contém seis perguntas. Por
fim, a última seção, com cinco questões, discorre acerca do perfil dos
professores-leitores dos estudantes.
Para a identificação de cada participante
nas discussões, escolheu-se codinomes que remetem a personagens de clássicos da
literatura brasileira. Por tratar-se de uma pesquisa na área da educação
literária, julgamos ser pertinente esta escolha, visto que permitiu a
identificação dos entrevistados sem expor suas identidades. Assim, os participantes
foram nominados como: Capitu, Gabriela Silva, Iracema, Macunaíma, Jeca Tatu,
Pedro Terra e Brás Cubas.
Quem são os alunos leitores?
De modo a identificar o perfil dos
estudantes, nesta primeira etapa do questionário, a indagação foi sobre suas
idades, se cursaram os anos finais do Ensino Fundamental na mesma escola e se
possuem a leitura como uma atividade constante. Os entrevistados, aqui
denominados Capitu, Macunaíma, Jeca Tatu e Pedro Terra, possuem todos 16 anos e
finalizaram o Ensino Fundamental na mesma instituição. Já Iracema e Gabriela da
Silva possuem 15 anos e também cursaram os anos finais na mesma instituição.
Brás Cubas, de 15 anos, foi o único estudante que não realizou os últimos anos
de seu Ensino Fundamental na mesma escola.
Acerca do último questionamento desta
primeira etapa, que se refere ao fato de os estudantes considerarem-se leitores
ou não, notou-se que apenas Gabriela da Silva não possui a leitura como uma
prática que realiza frequentemente. Os demais entrevistados: Capitu, Macunaíma,
Jeca Tatu, Pedro Terra, Brás Cubas e Iracema afirmaram ler regularmente, o que
representa 85,7% dos estudantes.
Este dado, para além de animador,
corrobora o que afirmaram os docentes de Língua Portuguesa, das séries finais,
das escolas da rede municipal de Feliz/RS (professores destes estudantes). A
pesquisa anteriormente realizada por Alves e Branchi
(2021) revelou que dois dos três professores que atuam nessas escolas são
leitores, o que corresponde a 67% dos respondentes. Além disso, 100% dos
docentes leem teorias relacionadas ao texto literário e/ou mediação leitora.
Com isso, percebe-se que, possivelmente, a figura do professor-leitor na
formação dos estudantes foi presença positiva em sua constituição enquanto
leitores.
Motivações leitoras
A etapa seguinte do questionário
compreende as questões quatro a nove. Nesta seção buscou-se compreender os aspectos
intrínsecos ao perfil-leitor dos estudantes, a respeito da quantidade de livros
que leem mensalmente e de suas motivações para a leitura. Ademais, almejou-se
entender se os familiares dos entrevistados eram leitores, além de indagar
acerca dos meios que suas famílias realizavam as leituras.
A pergunta de número quatro questionou
sobre a quantidade de livros que os alunos leem, aproximadamente, por mês. A
partir desse questionamento, surgem dados que permitem verificar se os
estudantes são leitores ou não. Quanto a esse ponto, as pesquisas realizadas
pelo Instituto Pró-Livro (IPL), coordenadas por Zoara Failla
(2020), consideram como leitor os sujeitos que leram, por completo ou em
partes, pelo menos um livro nos últimos três meses. Não leitor seriam aqueles
que declararam não terem lido nenhum livro neste mesmo período. Na presente
pesquisa, indo ao encontro do que apresenta o IPL, considera-se como leitor
aquele que declara ter a leitura com uma atividade que realiza frequentemente.
Acerca das respostas obtidas com o
questionamento, Gabriela da Silva foi a única estudante que afirmou não ser
leitora. Já os demais entrevistados (Capitu, Macunaíma, Jeca Tatu, Pedro Terra,
Brás Cubas e Iracema) relataram ler frequentemente. No que diz respeito à quantidade
de obras, Macunaíma e Jeca Tatu declararam que leem em torno de dois livros ou
mais mensalmente; enquanto Pedro Terra e Brás realizam a leitura de uma obra
durante o mês.
Em suma, 66,7% dos entrevistados leem
duas obras e 33,3% leem um livro mensalmente. Este dado tão positivo chamou-nos
a atenção, pois contraria o senso comum acerca da relação entre os jovens e a
leitura do texto literário. Muitos analistas de plantão afirmam que o vínculo
entre a literatura e os adolescentes é extremamente frágil, em decorrência do
advento das tecnologias em suas vidas e cotidiano. Nesse ínterim, grande parte
da sociedade acredita que os jovens somente têm preferência por atividades midiáticas,
como vídeos do Youtube ou filmes, que
podem ser facilmente assistidos em plataformas de streaming, e, por
vezes, mais atrativos do que um livro. Assim, sobre os jovens, por estarem mais
próximos dessa cultura informatizada, principalmente nos meios de comunicação:
[…] se ouvem queixas sobre o tema:
"os jovens não leem mais", "é preciso ler", até mesmo
"deve -se amar a leitura", o que faz, evidentemente, com que todos
fujam dela. Lamentam, sobretudo, que se deixe de ler os grandes textos
supostamente edificantes, desse "patrimônio comum", como dizem,
espécie de totem unificador em torno do qual seria sensato que nos uníssemos.
(Petit, 2008, p. 19)
De acordo com as ideias sensacionalistas,
propagadas sobretudo nos meios de comunicação, principalmente pelas mídias
digitais, os jovens não são leitores. Ademais, também lamentam a não leitura de
textos clássicos, que seriam os únicos capazes de unificá-los e
universalizá-los enquanto seres humanos. Porém, o que mostra esta pesquisa e os
estudos de Michèle Petit (2008) vai de encontro a
esta ideia. Diz a pesquisadora que se a proporção geral de leitores assíduos
diminuiu, a juventude continua sendo o período da vida em que a atividade de
leitura é mais intensa.
Em suma, as tecnologias afetaram as
maneiras de se ler e produzir literatura. A qualidade e a imersão têm ficado em
segundo plano, privilegiando-se a quantidade e textos mais rápidos de serem
lidos, conforme cita Leyla Perrone-Moisés (2016). Porém, os jovens ainda são os
que mais leem. Por isso, aqui especificamente, entra o importante papel do
professor de Língua Portuguesa e mediador de leitura do texto literário, que
deve oferecer obras diversificadas aos jovens, a fim de despontar o potencial
leitor dos adolescentes, além de permitir o acesso à literariedade através da
imersão no texto. Dessa forma, mesmo em uma realidade cada vez mais acelerada, eles
podem silenciar seus interiores e dialogar com as leituras realizadas.
Ao encontro dessas ideias, cabe trazer à
discussão os estudos na área da tecnologia, de Lucia Santaella (2013), acerca
da ubiquidade do leitor contemporâneo. A autora frisa que, sendo fruto de uma
pós-modernidade dominada pelo bombardeamento incessante de novidades, as
informações podem ser acessadas com dispositivos móveis a todo instante, em
qualquer lugar. Os chamados leitores ubíquos trouxeram, assim, novas maneiras de
ler os textos e o mundo. Eles possuem um perfil cognitivo que responde ao mesmo
tempo distintos focos sem demorar-se reflexivamente em nenhum deles.
Dessa forma, os leitores ubíquos são
aqueles que leem enquanto estão no ônibus, pelo celular, ou durante os minutos
em que aguardam ser chamados para uma consulta médica que está atrasada; mas
não enquanto descansam em uma rede ou em uma poltrona confortável, com um tempo
destinado exclusivamente para isso. Assim, conforme Santaella (2013), os
leitores ubíquos – os leitores da pós-modernidade – são aqueles que transitam
por inúmeros textos ao mesmo tempo, que podem estar em diferentes lugares. São
leitores bem informados, conhecedores das letras e das artes, consumidores de
múltiplos textos. Assim, cabe questionar: como a escola se prepara para receber
esta geração de leitores?
Quando se analisa a rapidez com que os
adolescentes mantêm contato com os diferentes textos no dia a dia, bem como o
modo e os lugares que ocorre esta interação, surgem os questionamentos acerca
do quanto estas leituras são, realmente, proveitosas/exitosas/experienciadas de
fato. Visto que não se debruçam por muito tempo em um único texto, talvez, a
experiência da leitura, a que se refere Jorge Larrosa (2003), seja prejudicada.
Pois segundo o autor, é preciso silenciamento e pausa para que a experiência
realmente aconteça; para que algo nos passe.
Por isso, torna-se importante a correta escolarização
do texto literário, para que os momentos de contato com a leitura tornem-se
verdadeiras experiências para os estudantes. Nesse sentido, o que percebemos
com a pesquisa realizada com os professores, por Alves e Branchi,
2021, é que, de modo geral, esses profissionais empenham-se na realização de
atividades que possam mover os estudantes de seu lugar comum.
Como descrevem Alves e Branchi (2021), cada professor em particular utiliza
diferentes métodos para atender a diversidade de seus alunos, desde os mais
tradicionais modos de trabalhar um texto até as mais provocadoras interações.
Criam estratégias interessantes, testando-as, refazendo-as, buscando sempre
interpelar seus estudantes para a leitura. No entanto, o método empregado por
uma das participantes daquela investigação pode parecer ou deixar entrever um
certo descaso para com a leitura do texto literário na escola, devido à falta
de uma pré-seleção de obras. A metodologia empregada por ela deixava o aluno
escolher aleatoriamente, sem orientação e/ou mediação alguma. Deixar a aula de
leitura cair no trivial pode ser um caminho para o afastamento do leitor dos
livros.
Apesar disso, o que destacam Alves e Branchi (2021), de modo bastante otimista, é que os
professores entrevistados na pesquisa anterior são, em sua maioria, leitores de
literatura e de teorias que a explicam, analisam e debatem, sendo esse um
aspecto muito relevante para a construção docente de um profissional da área da
literatura, pois, como ensinar literatura sem lê-la, conhecê-la e
compreendê-la? Além disso, são profissionais que participam de projetos de
leitura, que buscam formar novos leitores. Por isso, o perfil docente dos
entrevistados alinha-se com a procura constante pela melhoria de práticas
pedagógicas, que visam o correto trabalho com a leitura. São, portanto,
professores leitores e que almejam sempre um aprimoramento profissional.
Ao analisar o posicionamento da estudante
Gabriela da Silva, que não considera ter a leitura como uma atividade que
realiza frequentemente, ao ser perguntada sobre as possíveis motivações para
não ler, relatou que o motivo para isso é a falta de acesso a livros de seu
interesse. Assim, percebe-se que a estudante não é uma leitora, não por não ter
gosto pela leitura, mas sim por não poder acessar os materiais que gosta.
Acerca dessa questão, a pesquisadora Maria do Rosário Mortatti
Magnani (2001) afirma que, “para ser leitor é preciso, além de ser
alfabetizado, ter tempo para ler, dinheiro para comprar livros ou bibliotecas
de fácil acesso e com acervo que interesse e goste de ler” (Magnani, 2001, p.
65). Portanto, para a formação de um leitor, obras que lhe sejam atrativas
tornam-se indispensáveis.
Assim, professores-mediadores precisam
estar atentos, tanto ao gosto dos estudantes como às obras pertencentes ao
cânone ou àquelas que, por suas características estéticas e potencialmente
humanizadoras, precisam ser abordadas em sala de aula. O interesse do estudante
não pode ser desconsiderado, pois além de fazer parte de sua subjetividade, pode
servir como uma ponte aos livros que o docente deseja trabalhar em suas aulas.
Porém, a linha entre a permissividade e a obrigatoriedade é muito tênue; faz-se
necessária a flexibilidade, ou seja, o professor não deve seguir apenas um ou
outro caminho e postura, mas deve, sim, ser maleável em suas escolhas que
afetam os estudantes.
Ao serem questionados sobre como é a
atividade da leitura em suas casas, as respostas foram bem equilibradas.
Capitu, Macunaíma, Iracema e Brás Cubas convivem com leitores em suas
residências - o que representa 57,1% dos entrevistados. Em contraponto, 42,9%
dos estudantes - Jeca Tatu, Gabriela da Silva e Pedro Terra não possuem
leitores em seus lares.
De acordo com o professor e pesquisador
Rildo Cosson (2009), a escola, ao lado da família, é
a responsável por promover o letramento literário dos estudantes, através da
escolarização da literatura. Dessa forma, a família constitui-se como um grande
pilar na formação leitora, pois é a esfera primária de convivência das
crianças, que, muitas vezes, aprendem pelo exemplo de leitores em suas casas. No
caso da pesquisa que descrevemos aqui, a maioria convive com pessoas que leem -
o que é positivo, pois
O processo de formação do leitor está
vinculado, num primeiro momento, às características físicas (dimensões
materiais) e sociais (interações humanas) do contexto familiar, isto é,
presença de livros, de leitores e situações de leitura, que configura um quadro
específico de estimulação sócio-cultural. (Silva,
1983, p. 56)
A convivência com livros e leitores na
família é importante para o amadurecimento e formação do leitor. Além de esta
ser a primeira esfera social da criança/adolescente e, portanto, a base para a
criação da sua subjetividade, pode andar lado-a-lado com o papel do professor-mediador
de leitura, fortalecendo o vínculo dos estudantes com os livros.
A questão seguinte diz respeito aos meios
de leitura utilizados pela família. Assim, 100% dos alunos que possuem leitores
em suas residências (Capitu, Macunaíma, Iracema e Brás Cubas) afirmaram que
eles leem apenas através de meios impressos. Este dado corrobora a realidade
nacional, que aponta 92% de preferência por leituras em meios físicos em
detrimento das plataformas digitais (Failla, 2020, p.
88).
Na questão sobre os tipos de leituras
realizadas, as respostas foram amplas. Na família de Capitu, textos literários,
informativos, jornalísticos e teóricos/técnicos relacionados a estudos
acadêmicos são os mais comuns. Já nas famílias de Macunaíma e Iracema são
contempladas as leituras de textos literários. Brás Cubas menciona ocorrer
leituras do texto literário, informativas e teóricas/técnicas, relacionadas a
seus estudos acadêmicos. Destaca-se, então, que todos os familiares dos
estudantes mencionados leem livros de literatura. Este dado pode ser
considerado favorável no que diz respeito à formação do letramento literário
dos adolescentes, já que o diálogo sobre livro pode ser estabelecido nos lares.
Corroborando essa mesma ideia, Costa et
al. (2016), em uma pesquisa acerca do papel do suporte familiar no desempenho
em leitura e escrita de crianças do Ensino Fundamental, afirmam que a família é
um grupo que dispõe de dinâmicas e características particulares, que tem como
principal função a socialização de seus membros por meio da transmissão de
cultura e educação, tornando-se, assim, agente da manutenção da continuidade
cultural. Por isso, essa esfera primária de convivência pode auxiliar no
processo de leitura da criança/adolescente, dando suporte e motivação para a
aquisição e desenvolvimento de habilidade de leitura e, também, de escrita.
Os professores-leitores
dos estudantes
A última etapa do questionário refere-se
à descrição feita pelos estudantes acerca de seus professores e compreende as
questões de número nove a treze. Estes dados permitem a comparação com os já
coletados no ano anterior (com os professores) de modo a observar se,
realmente, os estudantes foram tocados de forma positiva pelos métodos de seus
docentes.
A primeira pergunta desta etapa diz respeito
à maneira utilizada pelos professores para abordar a leitura. Para respondê-la,
os estudantes poderiam assinalar (um ou mais) tópicos. Também solicitamos que,
ao assinarem, contassem alguma experiência leitora que tiveram com os
professores.
A partir desta primeira questão, o que se
esperava dos estudantes - se levarmos em consideração os dados coletados no ano
anterior, com os professores - é que as respostas fossem animadoras no que
tange a mediação de leitura, visto que os docentes disseram abordar estratégias
bastante diversificadas em suas aulas. Nossa hipótese inicial confirma-se, pois
verificamos a partir do que os jovens responderam que parte dos docentes leem
com os seus alunos em sala de aula, realizam debates, socialização de
interpretações, selecionam materiais diversificados como textos em diferentes
plataformas, obras de arte, etc. e buscam, posteriormente, relacionar os textos
com outros objetos semióticos, como filmes, pinturas, ou até mesmo outras
obras.
Corroborando a defesa dessa diversidade
no trabalho com a literatura, Magnani (2001) sustenta que ao valer-se de
diferentes textos, abordagens, métodos e gêneros em sala de aula o professor
contribui para que o aluno encontre diferentes significados e a posterior
ampliação do seu horizonte de compreensão de leitura. Por isso, nessa mesma
perspectiva, é válido ressaltar que entre o 6º e 8º anos, o estudante atinge o
estágio de desenvolvimento que Jean Piaget (1983) denomina como operações
intelectuais abstratas; formação da personalidade e da inserção afetiva e
intelectual na sociedade dos adultos.
No que diz respeito à forma que os
docentes conduziam as aulas de leitura, Jeca Tatu e Pedro Terra declararam que
os professores apenas indicavam-lhe leituras para, posteriormente, cobrá-las em
provas, não havendo, assim, mediação alguma. Acerca do que pensavam sobre os
métodos empregados, curiosamente, Pedro Terra relatou gostar, dizendo que “a
experiência foi muito boa”, apesar de apenas ter sido exposto a aulas mais
tradicionais. Já Jeca Tatu, diferentemente, afirmou que as experiências que
teve com seus docentes e a respectiva forma de mediação literária por eles
utilizada “foram chatas, pois os livros que eles mandavam a gente ler não eram
interessantes”. Nesse sentido, a fala do estudante demonstra que o professor se
colocar no papel de cumpridor de exigência pedagógica e não de mediador de
leitura.
A partir disso, nota-se que os métodos
empregados pelos docentes, assim como a afirmação de Jeca Tatu tornam-se não
muito agradáveis aos estudantes. Isso porque ler apenas para ser cobrado em
provas não contempla as múltiplas interpretações que um texto literário pode
oferecer. Ademais, a utilização de apenas uma forma de se abordar/trabalhar a
leitura pode transformar as aulas em experiências “chatas”, como afirmou Jeca
Tatu. Pela descrição, as aulas aparentavam ser monótonas e o professor parecia
não encantar os estudantes com o texto literário, pois realizava uma seleção de
obras que não levava em conta o gosto dos estudantes.
Por meio da fala do estudante,
questiona-se: deve o professor realizar avaliações a partir de textos lidos em
aula? Acredita-se que não se trata de proibi-la ou bani-la da sala de aula. No
entanto, quando a prova se torna o único método de abordagem do texto literário
em sala de aula e há uma seleção não variada e não adequada de obras, corre-se
o perigo de tornar os momentos de contato com o texto como algo penoso ou
pavoroso aos estudantes, afastando-os dos livros, como bem assinalou o
estudante Jeca Tatu.
Sobre os efeitos negativos de uma seleção
limitada de autores e obras, Magda Soares (1999) afirma que isso pode fazer com
que os estudantes pensem que livros literários são apenas aqueles canonizados,
que a escola tende a priorizar. Isso torna a escolarização da literatura
inadequada além de afastar os estudantes dos livros, pois não privilegia o
gosto pela literatura - que deveria ser, para a pesquisadora, preconizado em
sala de aula.
Já Capitu e Macunaíma, por sua vez,
afirmaram que os professores realizavam diferentes abordagens, assinalando
todas as opções disponíveis. Capitu reforçou a resposta relatando acerca de uma
experiência em um “Café Literário”. Nesta aula, ela e seus colegas conversaram
sobre um livro previamente lido. Relata que esta foi “uma das melhores experiências
que eu tive, pois pude perceber várias coisas sobre o livro, algumas novas, e
também outros pontos de vista”. Macunaíma comentou que “foram experiências
muito proveitosas, com exceção de quando havia pouco tempo para realizar a
leitura individual de certo texto”.
O que se vê, então, é que os estudantes
entrevistados gostavam das aulas daquele professor. Capitu salienta a
importância da troca de interpretações acerca das obras literárias - materiais
ricos em polissemia. Acerca deste modo de abordagem dos textos mencionados pela
estudante, é relevante destacar que vai ao encontro do que Victor Heringer,
docente participante da pesquisa anterior menciona, quando ele diz que
“solicita a participação dos discentes com opiniões e interpretações e realiza
a ligação da leitura com outros textos, filmes, obras e contextos culturais e
sociais”. Nesse sentido, conclui-se que as abordagens utilizadas pelo professor
para mediar o texto literário foram realmente significativas para a estudante,
pois permaneceram em sua memória.
Na perspectiva de mediar o texto
literário visando a formação do letramento, tornam-se pertinentes as pesquisas
de Cosson (2009) acerca do letramento literário, que
se configura como um processo contínuo de apropriação da linguagem literária, e
que se dá na medida em que leva em conta os três processos de leitura citados
por ele como sendo a antecipação, a decifração e a interpretação. Assim, ler
para atingir o letramento literário significa ler, compreender e refletir
acerca do lido. Diante dessa perspectiva, o que percebemos é uma tentativa
constante do docente Victor Heringer em estimular/formar a educação literária
dos estudantes, por meio de aulas participativas e metodologicamente
pensadas/elaboradas. Ademais, o professor buscava seguir os três processos de
leitura continuamente, tornando suas aulas inesquecíveis aos alunos.
A respeito do que afirmou Macunaíma,
sobre a falta de tempo para realizar as leituras propostas em sala de aula, é
válido destacar que a professora O Dom da Infância também citou que possuía um
curto tempo para o desenvolvimento das atividades que planejava - uma das
problemáticas já identificadas por muitos pesquisadores da área da leitura.
Neide Luzia de Rezende (2013), por exemplo, afirma que “talvez um dos maiores
problemas da leitura do texto literário na escola - que vejo, insisto como
possibilidade - não se encontre na resistência dos alunos à leitura, mas na
falta de espaço-tempo na escola para esse conteúdo que insere fruição, reflexão
e elaboração […]” (Rezende, 2013, p. 111).
Sobre a forma que as aulas ocorriam,
Iracema e Brás Cubas assinalaram que seus professores encaminhavam leituras
para avaliá-las em provas, além de ler oralmente para/com os alunos. Além
disso, Iracema frisou que estas avaliações saiam da monotonia das demais
matérias que estudava, o que contribuía para seu gosto pela leitura. Brás
Cubas, por sua vez, enfatizou em sua fala uma experiência para a qual seu
professor solicitou a retirada de um livro da biblioteca. Ele escolheu Um Estudo
em Vermelho, de Sir Arthur Connan Doyle, o qual foi
lido e comentado com a turma, o que parece ter lhe agradado bastante.
Os alunos aludem a atividades marcantes,
e trazem dados relevantes. Iracema relata sobre uma atividade simples: a
leitura de um texto e uma posterior avaliação que a fez sair da inércia das
demais disciplinas escolares. Assim, trabalhar com a leitura do texto literário
em sala de aula não exige planejamentos exaustivos ou impossíveis. Muitas
vezes, apenas a execução de uma metodologia que coloque o texto no centro
poderá (co) mover os estudantes a ponto de tirá-los
de seus lugares comuns de modo a fazê-los interagir entre si e consigo mesmos.
Brás Cubas destaca a importância dos
momentos de leitura individual na escola e do uso da biblioteca. Essa afirmação
aponta para a percepção de que nessas situações, o leitor é provocado a pensar
a respeito do seu gosto por determinados gêneros e tipologias textuais, além de
selecionar/escolher livros - o que reforça a sua formação enquanto leitor do
texto literário. Nesse sentido, Teresa Colomer (2007)
destaca que o incentivo à leitura individual é um dos pontos fundamentais para
o desenvolvimento das principais competências do leitor do texto literário.
Além de garantir que todos os estudantes tenham acesso aos livros, a leitura
silenciosa na escola também permite que o aluno se perceba como um leitor,
auxiliando-o a encontrar o seu próprio gosto por determinadas obras literárias.
Nesse sentido, a fala de Brás Cubas ratifica o quanto suas competências
leitoras puderam ser desenvolvidas com essa atividade, pois ele já possui um
gosto formado (livros de investigação) e aprecia as idas à biblioteca e suas
respectivas atividades.
Por fim, Gabriela da Silva relatou que,
assim como os demais estudantes, seus professores orientavam leituras para
cobrá-las em provas. Porém, a aluna afirmou que participava da “Hora da
Leitura”, um projeto que visava propiciar alguns momentos de fruição literária
para os estudantes. A aluna também destacou momentos em que ia para a
biblioteca ler ou retirar livros para serem lidos em casa. Além disso, as
atividades de resenha e apresentação de leituras realizadas para seus colegas lhe
marcaram positivamente.
Indo ao encontro do que disse a aluna, o
docente O Dom da Infância, na pesquisa realizada no último ano, mencionou a
implementação da “Hora da Leitura” em sua escola, na tentativa de proporcionar
mais contato com o texto literário e incentivar a leitura através de vinte
minutos semanais, com um cronograma pré-estabelecido. No entanto, o docente
afirma que a “intenção é muito boa, porém o material oferecido traz livros, na
sacola de leitura, que não são possíveis de serem lidos em 20 minutos, além de
não ter uma proposta clara, com intenção pedagógica, para melhor aproveitamento
do tempo” (Alves & Branchi, 2021).
As ideias que o docente e a estudante
trazem são bastante pertinentes para que se pense a proposta de “leitura livre”
na escola. De um lado, a aluna afirmou gostar da maneira que a atividade “Hora
da Leitura” é realizada na escola, pois possibilita alguns momentos (mesmo que
poucos) de fruição do literário. De outro lado, há o professor que vê a falta
de direcionamento na atividade, além de livros inadequados, devido ao pouco
tempo destinado à leitura. Apesar de essa forma de trabalho ter agradado à
estudante, não se pode esquecer que atividades leitoras necessitam de um
direcionamento/objetivo para terem maior êxito e desenvolver a competência
literária do estudante, que é impulsionada, segundo Pedro Cerrillo
(2016), pelo processo de construção de sentidos em que se constitui a leitura
compreensiva e a consequente leitura interpretativa do texto.
Nessa mesma perspectiva, Teresa Colomer (2007) reforça que a leitura na escola nunca é livre
por completo, pois sempre exige seguir um roteiro, uma metodologia e um
planejamento, mesmo em atividades nas quais a leitura livre é promovida. A
movimentação em torno dos livros nunca é ingênua e exige do professor a
utilização de determinados instrumentos para que a evolução dos alunos possa
ser acompanhada. Assim, sobre as práticas docentes relatadas pelos estudantes,
todos apontaram a leitura ou atividades que envolviam o texto literário como
sendo suas favoritas, mesmo que a pergunta permitisse o apontamento de outro
exercício realizado durante as aulas de Língua Portuguesa, como estudar tópicos
de gramática, por exemplo.
A primeira entrevistada, Capitu, relatou
que gostava de saber o ponto de vista dos demais colegas/professores a respeito
de leituras. Macunaíma, por sua vez, gostava de criar redações e textos
literários. Nessa mesma perspectiva, Iracema informou que apreciava os momentos
de leitura de textos de caráter literário, assim como Gabriela da Silva, que
destaca positivamente “A Hora da Leitura” e Brás Cubas, que gostava de ler
contos e diferentes histórias. Diferentemente de seus colegas, o entrevistado
Jeca Tatu apreciava mais o ato de comentar sobre os textos que lia. Pedro
Terra, por sua vez, expôs que as aulas de Português/leitura que teve foram
complicadas, porém, vivenciou experiências consideradas, por ele, como
“legais”, sem explicitar melhor o sentido do termo.
Este dado aponta que, apesar das
dificuldades, os alunos participaram aulas de leitura que lhes foram
significativas. Neste ponto, a criação textual e a discussão sobre textos
também foram citadas, para além da leitura. Essas atividades podem auxiliar na
expansão do arcabouço literário do estudante, pois permitem uma reflexão acerca
do lido, visto que a leitura pressupõe a participação ativa do leitor na
constituição dos sentidos linguísticos. Isso ocorre, principalmente, em
atividades nas quais essas significações são discutidas e os alunos são convidados
a pensar e externar suas ideias sobre o lido, já que podem compartilhar seus
pensamentos de maneira escrita/falada.
Sobre o que os entrevistados dizem acerca
das atividades que menos gostavam nas aulas de leitura/ Português, as respostas
foram curiosas. Capitu, Gabriela da Silva e Iracema mencionaram a dificuldade
em apresentar trabalhos ou explicar conteúdos estudados. Macunaíma, por sua
vez, citou que não gostava de estudar sobre as classes de palavras. Já Jeca
Tatu e Brás Cubas mencionaram questões relacionadas à leitura, como “ler sobre
assuntos que não provocavam uma reflexão, ou ler apenas por ler'' e “eu não
gosto de ler quando o único objetivo é tirar uma boa nota na prova”,
respectivamente. Destacam-se, ainda, as respostas de Jeca Tatu e Brás Cubas que
afirmaram não gostar de atividades leitoras desprovidas de significados. Nas
práticas que descreveram, os estudantes eram apenas orientados a ler sem serem
interpelados a desvendarem a plurissignificação dos textos literários, o que dizem
tornar as situações de leitura meramente formais e desinteressantes.
Consideramos que as atividades de leitura
não podem (ou não deveriam) estar desvinculadas da polissemia literária,
justamente pela existência de infinitas possibilidades de significações em um
único texto. Ao excluir esse caráter da educação literária, as aulas são transformadas
em situações meramente formais e triviais. Ao encontro da ideia de abordagem
plurissignificativa do texto está Cerrillo (2007),
que destaca a necessidade de o leitor perceber a leitura como um ato de prazer
e criatividade, como uma prática de vida e também um ato de liberdade que pode
contribuir para o seu desenvolvimento pessoal.
Quando questionados se percebiam a
existência de um leitor em seus professores; ou seja, se liam ou apenas
mandavam ler, 85,7% dos estudantes (Capitu, Macunaíma, Iracema, Jeca Tatu,
Gabriela da Silva e Brás Cubas) afirmaram que seus docentes liam. Somente 14,3%
(Pedro Terra) não possuía professores leitores. Como a maior parte dos
estudantes percebeu a existência de um leitor em seus docentes, destaca-se que
esse dado corrobora com o que responderam os professores na outra pesquisa,
pois aproximadamente 67% dos entrevistados afirmava ser leitor, sendo eles
Úrsula e Victor. Apenas O Dom da Infância se considerava pouco leitor,
justificando esse fato pela falta de tempo para dedicar-se à fruição literária.
Na perspectiva da formação do professor
leitor, Tania Rösing e Regina Zilberman
(2009) afirmam que, para que um docente seja capaz de mediar o texto literário
de uma maneira significativa, ele precisa estar em constante atualização e ter
prazer pela leitura. Assim, dizem as pesquisadoras que para ser um bom
professor de Literatura e mediador de leitura do texto literário é necessário
que este docente seja um leitor, além de dominar os conteúdos necessário para a
sua prática, buscando constante atualização - o que pode ser feito através de leituras
teóricas sobre a formação de leitores e da participação em cursos e
capacitações, por exemplo. Felizmente, apesar de não possuir tanto tempo para
isso, por causa de sua extensa jornada de trabalho, O Dom de Infância procura,
sempre que possível, estudar sobre as maneiras mais adequadas de trabalhar com
a educação literária e buscar criar aulas lúdicas para seus alunos, além de
gostar de literatura. Por isso, o docente demonstra que, possivelmente, é um
professor capaz de fascinar seus estudantes com a magia do literário de que
fala Cerrillo (2007).
Na questão final da entrevista, os
estudantes responderam sobre a motivação recebida (ou não) de seus professores
para realizar práticas de leitura. Capitu e Macunaíma afirmaram sentirem-se
motivados, porém, não justificaram suas afirmações. Iracema, por sua vez, além
de assegurar que era encorajada a ler por seu professor de Português dos anos
finais do Ensino Fundamental, reiterou que ele organizava momentos de trocas,
como o “Café literário”, que ela gostava muito. Assim, fica explícito o quão envolvida
com o seu próprio processo de formação leitora ela estava, em virtude do
projeto de leitura desenvolvido pelo professor. Isso acontece porque, quando
são metodologicamente planejados, os projetos de leitura podem ampliar o
horizonte de expectativas dos leitores. Nesse sentido, eles são convidados a
repensarem as significações do texto de forma conjunta formando, assim, uma
comunidade interpretativa que fortalece a constituição leitora de cada
participante.
Gabriela da Silva e Pedro Terra também
percebiam que seus professores os estimulavam para a leitura. Os dois
estudantes mencionam que a perspectiva de formação humana e subjetiva era
realçada pelos docentes, que buscavam explicitar que a leitura poderia auxiliar
no seu desenvolvimento como seres humanos, além de demonstrar que auxiliava no
aprimoramento da escrita, da criatividade e na interpretação de seus próprios
mundos. Assim, esses docentes mostram-se interessados em não apenas propiciar
aos estudantes a capacidade de realizarem leituras mecânicas dos textos, mas
sim, queriam que realizassem leituras críticas do mundo, explicitando a relação
entre os livros lidos e a realidade por eles vivida.
Por fim, indo de encontro ao relato dos
demais entrevistados, Jeca Tatu afirmou não se sentir motivado a ler por seu(s)
docente(s) dos anos finais do Ensino Fundamental, pois somente “mandava lermos
livros que ele achava interessante”. De acordo com a mesma ideia, Brás Cubas
também confirmou não sentir que seu professor o instigava à leitura, pois o
aluno informou que gosta de ter interpretações próprias das histórias, e nas
entendê-las/interpretá-las s somente de acordo com a visão do professor.
A fala de Jeca Tatu corrobora com o
grande dilema que os mediadores de leitura enfrentam, diariamente, quando o assunto
é a seleção de obras para serem lidas e estudadas em sala de aula. Qual caminho
seguir? Deixar que o aluno leia apenas aquilo que gosta? Permitir, apenas, as
leituras consideradas mais adequadas? Escolher por eles? Há uma tendência
totalizadora que, ou permite a escolha livre de livros sem nenhum critério de
seleção e deixa a aula cair no trivial, ou determina quais os livros a serem
lidos, excluindo a voz do estudante. O docente pode utilizar do gosto do
estudante como um ponto de partida para chegar a obras com grande qualidade
estética. Tratando da abordagem dos clássicos, por exemplo, o professor pode
estabelecer uma
Relação da obra com outros objetos
semióticos da mesma época-um poema, um quadro, uma música; uma confrontação da
obra com adaptações contemporâneas, que funcionam também como “texto de
leitores […]; vai e vem entre uma obra do passado e sua reescrita
contemporânea; leitura de um clássico em comparação com uma obra do presente
que aborde a mesma problemática. (Rouxel, 2013, p.
27)
Ao abrir-se às perspectivas dos
adolescentes, pode ser criada uma aula de literatura que vise formar um sujeito
leitor livre, responsável e crítico, com uma personalidade sensível e
inteligente, aberta aos outros e ao mundo. As relações com os livros que fazem
parte da cultura jovem, como Harry Potter, de J. K. Rowling, podem ser ótimas
maneiras de instigar os alunos pela leitura das obras clássicas, pois partem de
um contexto por eles conhecido.
Brás Cubas destaca que seu professor
impunha sua visão acerca da leitura, algo comum a muitos docentes que, na
tentativa de instigarem o aluno por determinada história, acabam por inculcar
suas próprias interpretações sobre o entendimento dos discentes, o que para
além de aborrecê-los ou entristecê-los é, ainda, uma forma de menosprezar sua
capacidade interpretativa. O que se percebe, ainda, no depoimento do estudante
é o desejo de ser o protagonista de suas próprias leituras e interpretações.
Essa fala revela a maturidade leitora do jovem que não se vê satisfeito com a
direção interpretativa dada pelo mediador e quer ter o direito de pensar à sua
maneira. Desse modo, evidencia-se que esse estudante tem a capacidade crítica
que se espera de um leitor proficiente, que não aceita passivamente o que lhe
dizem, mas que questiona, que duvida, que transgride
em nome da liberdade de pensamento.
Considerações finais
Diante do que aqui se discutiu, há uma
constatação: os estudantes participantes dessa pesquisa são leitores de
literatura. Representando quase 70% dos entrevistados, esses alunos possuem a
leitura como uma atividade que realizam frequentemente. Ademais, para além de
serem leitores, leem dois livros ou mais mensalmente, sendo que apenas uma
estudante afirma não ler por falta de acesso a livros de seu interesse. Também
são sujeitos que possuem familiares que leem, o que indica uma possível relação
entre estes dados.
Tais descobertas ratificam o já
constatado com os professores destes alunos, na pesquisa realizada em 2020, por
Alves e Branchi (2021), pois eles mostraram-se, em
sua maioria, bastante engajados em promover atividades de leitura
significativas. Nessa mesma perspectiva, o que se constata é que a maioria dos
alunos afirmam ter tido experiências positivas de leitura no ensino
fundamental, com ressalva a um entrevistado, que relatou não ter gostado desses
momentos por ter que ler apenas materiais selecionados pelo professor. Assim,
apesar de os resultados gerais terem sido positivos, esta última constatação
gera um certo desconforto, pois os mediadores precisam abrir-se aos gostos dos
estudantes para, aos poucos, adentrar nas complexidades e no cânone. Ações
pontuais de leitura com esses estudantes são necessárias para que percebam na
Literatura um espaço de deleite e divertimento, para além de apenas
obrigatório.
Outra descoberta que merece destaque é
que os estudantes realmente possuem gosto pela leitura. Ao serem questionados
sobre o que mais gostavam nas aulas de Português, todos os alunos responderam
que apreciavam momentos de contato com textos, fossem esses ler, comentar sobre
leituras ou, até mesmo, realizar produções textuais. Essa situação indica que
os professores dos entrevistados conseguiram cativar os estudantes pela leitura,
firmando-lhes o gosto, um dos pilares básicos para a formação de um leitor.
É de relevância que se retome o debate de
que as pesquisas na área da leitura trabalham com o imponderável, ou seja, com
aquilo que possui um valor inestimável, sendo impossível medir precisamente em
resultados numéricos. No entanto, isso não invalida ou torna essas análises
menos valiosas para o cenário científico, pois trazem inúmeras descobertas
acerca de leitores em específico, dando-nos coordenadas para o planejamento de
ações futuras. E é nessa mesma perspectiva que caminham as constatações dessa
pesquisa, pois, com ela pode-se analisar a constituição dos alunos leitores de
maneira detalhada, além de permitir a comparação dos dados coletados com os
resultados do estudo realizado em 2020, com os professores desses mesmos estudantes.
Assim, é possível pensar/repensar estratégias, juntamente com as escolas
públicas municipais de Feliz e o setor de ensino do IFRS - campus Feliz, para atingir esse público em específico, seja através
de projetos extensionistas que levem ações de mediação de leitura para os
espaços escolares e/ou de formação continuada de professores.
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& Branchi, N. (2021). O perfil do
professor-leitor de Língua Portuguesa, das séries finais, da rede municipal de
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A escolarização da leitura literária: o jogo do livro infantil e juvenil
(pp. 18-43). Autêntica Editora.
[i] Acadêmica do Curso de
Licenciatura em Letras – Português e Inglês do Instituto Federal de Educação,
Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul (IFRS), Campus Feliz.
[ii] Doutora em Letras pela
Universidade de Passo Fundo (2018). Professora de Língua Portuguesa, Língua
Espanhola e Literatura do IFRS, Campus Feliz