Artigo

A visão de licenciados em química sobre a Prática como Componente Curricular

Visión de los graduados en química de la Práctica como Componente Curricular

View of graduates in chemistry of the Practice as a Curricular Component


Emanuelly Wouters[i]

Universidade Federal da Fronteira Sul

Erechim, RS, Brasil

emanuellywouters@gmail.com

https://orcid.org/0000-0002-0495-1327

Jerônimo Sartori[ii]

Universidade Federal da Fronteira Sul

Erechim, RS, Brasil

jetori55@yahoo.com.br

https://orcid.org/0000-0001-5099-1138

Os autores contribuíram igualmente na elaboração do manuscrito.

Recebido em: 29/04/2022

Aceito em: 20/07/2022

Publicado em: 27/07/2022

Linhas Críticas | Periódico científico da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília, Brasil

ISSN: 1516-4896 | e-ISSN: 1981-0431

Volume 28, 2022 (jan-dez).

http://periodicos.unb.br/index.php/linhascriticas

Referência completa (APA):

Wouters, E., & Sartori, J. (2022). A visão de licenciados em química sobre a Prática como Componente Curricular. Linhas Críticas, 28, e43111. https://doi.org/10.26512/lc28202243111

Link alternativo:

https://periodicos.unb.br/index.php/linhascriticas/article/view/43111

Licença Creative Commons CC BY 4.0. Licença Creative Commons


Resumo: Esta investigação é parte de uma pesquisa de Mestrado em Educação. Considerando os objetivos específicos, pontua-se um recorte da pesquisa indicada, com o objetivo de: entender a perspectiva dos egressos do Curso de Licenciatura em Química sobre a Prática como Componente Curricular (PCC) em sua formação. A metodologia teve abordagem qualitativa e procedimento do Estudo de Caso, tendo, como instrumento de recolha de dados, um questionário. Os resultados da investigação apontaram que a PCC possibilitou: o contato com a prática educativa; o desenvolvimento de atividades de professor; a articulação entre teoria e prática; o compartilhamento de experiências e a reflexão dos processos realizados.

Palavras-chave: Formação inicial. Articulação entre teoria e prática. Prática educativa.

Resumen: Esta investigación es parte de una encuesta de Maestría en Educación. Considerando los objetivos específicos, puntuase un recorte de la investigación indicada, con el objetivo de comprender la perspectiva de los egresados del Curso de Licenciatura en Química sobre la Práctica como Componente Curricular (PCC) en su formación. La metodología teve enfoque cualitativo y procedimiento de Estudio de Caso, teniendo, como instrumento de recolección de datos, un cuestionario. Los resultados de la investigación señalaron que la PCC posibilitó: el contacto con la práctica educativa, el desarrollo de actividades docentes, la articulación entre teoría y práctica, el intercambio de experiencias y la reflexión de los procesos realizados.

Palabras clave: Formación inicial. Articulación entre teoría y práctica. Práctica educativa.

Abstract: This research is part of a research of Master in Education. Considering the specific objectives, it is made a cutout of the indicated research, with the objective of: understanding the perspective of graduates of the Chemistry Degree Course on Practice as a Curricular Component (PCC) in their training. The methodology by qualitative and by the Case Study procedure, having, as a data collection instrument, a questionnaire. The results of the research pointed out that PCC enabled: contact with educational practice; the development of teacher activities; the articulation between theory and practice; the sharing of experiences and the reflection of the processes carried out.

Keywords: Initial training. Articulation between theory and practice. Educational Practice.




Aspectos referenciais do estudo

É recorrente, nas instituições de ensino superior e nos sistemas de ensino, o debate acerca da problemática da formação inicial e continuada de professores. Para abordar a formação de docentes para o exercício profissional na escolarização básica, é essencial ter um olhar atento ao processo histórico sobre como se consolidou a educação no Brasil e a formação de docentes. Na perspectiva de atender as demandas socioeducacionais da/na atualidade, é imprescindível atentar para o momento contemporâneo e considerar as orientações que emanam dos sistemas a respeito daquilo que se espera do docente para exercer a docência na educação básica.

 Os programas de formação docente exigem constante reflexão e análise, especialmente, em relação às suas deficiências, avaliando, além das “[…] clivagens tradicionais (componente científica versus componente pedagógica, disciplinas teóricas versus disciplinas metodológicas, etc.), sugerindo novas maneiras de pensar a problemática da formação de professores” (Nóvoa, 1992, p. 11). O exercício permanente de reflexão é que proporciona novos olhares sobre o conceito de formação de professores, que busca fugir ao modelo tradicional embasado na racionalidade técnica.

A formação docente orientada pelos moldes da racionalidade técnica capacita o professor para agir como técnico, que soluciona os problemas com a aplicação de conhecimentos científicos e pedagógicos. Na racionalidade técnica, de acordo com Schön (2009), a prática representa solução instrumental de problemas, baseada no conhecimento científico, mas vai radicalmente contra ao processo de reflexão na/sobre prática. Por sua vez, a formação orientada pelo viés da racionalidade prática promove um processo de reflexão-na-ação para solucionar os problemas cotidianos enfrentados no processo de ensino e aprendizagem (Silva & Schnetzler, 2008). “Em uma conversação reflexiva, os valores de controle, o distanciamento e objetividade – centrais à racionalidade técnica – assumem novos significados” (Schön, 2009, p. 70). Assim, no horizonte da racionalidade prática, em que o professor reflete sua ação, é necessário que, durante a formação docente, ocorram intervenções no espaço profissional, para que o licenciando conheça situações da prática e reflita sobre elas. Enlaçado a isso, é fundamental saber que não existe teoria e conhecimento prontos para cada problema que surge, visto que cada situação e cada escola são diferentes e requerem posicionamentos e enfrentamentos, também, diferenciados.

Conforme Silva e Schnetzler (2005), a formação docente tradicional induz a um conceito de atividade docente instrumental e funcional, especialmente, quando utiliza apenas conhecimentos exatos e prévios para organizar os cursos, sem considerar que a atividade profissional tem característica de mutabilidade e imprevisibilidade. As autoras argumentam em prol de uma formação que estimule a criatividade dos futuros professores para enfrentar as situações que emergem no cotidiano profissional. Dessa forma, induzindo que a formação inicial proporcione momentos para que o licenciando participe de atividades em sala de aula; isso auxilia o futuro professor no processo de resolução de problemas em aula de forma criativa e pedagógica. Conforme Schön (1992), o profissional reflexivo constrói-se na prática, quando reflete sobre as ações do aluno, pensa nas situações que aconteceram e nos significados que dará, bem como que medidas adotará, partindo dos problemas observados.

Na perspectiva de desafiar o licenciando em processo de formação docente a estar em contato com a prática de sala de aula, surge a Prática como Componente Curricular (PCC), adotada nos cursos de licenciatura. Assim, a PCC prevê que o licenciando estude a teoria, tanto a específica quanto a pedagógica e, na sequência, planeje atividades embasadas em seus estudos e possa desenvolvê-las em diferentes realidades e modalidades de ensino.

O Parecer Conselho Nacional de Educação/Conselho Pleno (CNE/CP) n.º 21/2001 (Brasil, 2001a), que se refere às Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores da Educação Básica, determina que os cursos de Formação de Professores da Educação Básica destinem 400h ao longo do curso para a Prática de Ensino em forma de PCC. O Parecer CNE/CP n.º 28/2001 (Brasil, 2001b) define que a PCC tenha espaço desde o início do curso “e que haja uma supervisão da instituição formadora como forma de apoio até mesmo à vista de uma avaliação de qualidade” (Brasil, 2001b, p. 9). O Parecer CNE/CP n.º 02/2015 (Brasil, 2015) estruturou a carga horária total das licenciaturas em 3.200 horas, mantendo 400h para a PCC em todo o curso, bem como 400h de Estágio Curricular Supervisionado. Em 2019, a Resolução CNE/CP n.º 02/2019 (Brasil, 2019), que se refere à Base Nacional Comum para a formação de professores (BNC-Formação), visando à formação de professores alinhada à implementação da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) (Brasil, 2018), reforça que a PCC na formação inicial esteja presente em todo o percurso formativo, proporcionando ao licenciando “familiarização inicial com a atividade docente” (Brasil, 2019, p. 9). Esses documentos preveem que, por meio da PCC, os alunos planejem e executem atividades no ambiente escolar, enfrentando os problemas que terão na relação direta com a prática no meio escolar - a gestão, os colegas e os alunos -, tendo, como foco articular, teoria e prática. Desse modo, a PCC assume espaço relevante nos processos de formação inicial de professores.

A PCC é obrigatória nos cursos de licenciatura, por isso, faz acreditar em um impacto positivo na formação de professores. A despeito disso, desenvolveu-se uma pesquisa de Pós-Graduação, em nível Mestrado, com o objetivo geral de compreender de que forma a Prática como Componente Curricular do curso de Licenciatura em Química do Instituto Federal Farroupilha - campus Panambi - contribuiu no processo de formação dos egressos para a articulação de Saberes Docentes. Tendo como base os dados coletados na pesquisa, realizou-se, para produzir este texto, o recorte de um dos objetivos específicos que busca: entender a perspectiva dos egressos do Curso de Licenciatura em Química sobre a Prática como Componente Curricular em sua formação. Partindo do objetivo específico desse recorte, elaborou-se a seguinte questão de pesquisa: qual a perspectiva dos egressos do Curso de Licenciatura em Química sobre a Prática como Componente Curricular em sua formação?

Além desta introdução, o estudo explicita, no primeiro tópico, o destaque dos principais apontamentos encontrados na legislação (diretrizes, pareceres e resoluções) referentes à Prática como Componente Curricular; no segundo, referencia a metodologia utilizada para alcançar o objetivo; no terceiro, aporta os resultados obtidos junto aos pesquisados e, no último, traz algumas ideias que se configuram como síntese do estudo.

 

Focando na Prática como Componente Curricular

Neste tópico, discorre-se sobre a Prática como Componente Curricular, considerando a legislação, a regulamentação e a forma como é implementada nas instituições. Traz-se à reflexão a contribuição da PCC no processo formativo de professores - formação inicial de docentes/licenciaturas. A PCC é regulamentada nos cursos de licenciatura, por meio dos documentos criados após a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) (Brasil, 1996), conforme explicitado no Quadro 1.   

Quadro 1

Documentos que regulamentam a Prática como Componente Curricular

Tipo de documento

Ano

Ementa

Parecer CNE/CP N.º 115/99 (Brasil, 1999)

1999

Diretrizes Gerais para os Institutos Superiores de Educação

Parecer CNE/CP N.º 28/2001 (Brasil, 2001b)

2001

Dá nova redação ao Parecer CNE/CP n.º 21/2001, que estabelece a duração e a carga horária dos cursos de Formação de Professores da Educação Básica, em nível superior, curso de licenciatura, de graduação plena

Resolução CNE/CP N.º 02/2015 (Brasil, 2015)

2015

Define as Diretrizes Curriculares Nacionais para a formação inicial em nível superior (cursos de licenciatura, cursos de formação pedagógica para graduados e cursos de segunda licenciatura) e para a formação continuada

Resolução CNE/CP N.º 02/2019 (Brasil, 2019)

2019

Define as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação Inicial de Professores para a Educação Básica e institui a Base Nacional Comum para a Formação Inicial de Professores da Educação Básica (BNC-Formação)

Fonte: Silva (2021).

Os documentos que compõem o Quadro 2 regulamentam e orientam o funcionamento da PCC, indicando os principais aspectos envolvidos na formação de professores, principalmente, a articulação entre teoria e prática e o contato do licenciando em formação inicial com a prática profissional.

As diretrizes gerais, de acordo com o Parecer CNE/CP n.º 115/99 (Brasil, 1999), orientam que: “a prática de ensino seja concomitante à formação profissional, tendo como referência básica tanto a proposta pedagógica da escola na qual o futuro aluno é supervisionado e os conteúdos a serem ensinados […]” (Brasil, 1999 p. 4). Nisso, está demonstrada a preocupação de que o licenciando faça-se presente nos espaços da Educação Básica, resolvendo problemas e enfrentando situações cotidianas da gestão e da docência, especialmente, “[…] relacionamento com alunos, entre pares, com a comunidade e com a família, e com o debate social mais amplo sobre educação” (Brasil, 1999, p. 5). Nesse documento, a prática de ensino é chamada de prática de formação com carga horária de 800h, distribuídas entre o Estágio Supervisionado e a PCC.

O Parecer CNE/CP n.º 28/2001 (Brasil, 2001b) especifica as práticas, enfatizando que: “[…], há que se distinguir, de um lado, a prática como componente curricular e, de outro, a prática de ensino e o estágio obrigatório definidos em lei” (Brasil, 2001b, p. 9). Tal documento estabelece que a PCC ocorra desde o início do curso e que a instituição de formação inicial supervisione para que seja realizada com qualidade. Também deixa a cargo da instituição que oferta o curso definir a forma de funcionamento, respeitando a carga horária prescrita de 400h.

Em 2015, foi elaborado o Parecer CNE/CP n.º 02/2015 (Brasil, 2015), que destinou carga horária de 400h para a PCC no decorrer do curso. Esse Parecer considera “a formação para o exercício integrado e indissociável da docência na educação básica, incluindo o ensino e a gestão dos processos educativos escolares e não escolares” (Brasil, 2015, p. 31). Nessa perspectiva, anuncia a importância das práticas à formação de professores para a Educação Básica, proporcionada “ao longo do processo, efetiva e concomitante relação entre teoria e prática, ambas fornecendo elementos básicos para o desenvolvimento dos conhecimentos e habilidades necessários à docência” (Brasil, 2015, pp. 31-32).

Em 2019, com a implementação da BNCC (Brasil, 2018), anunciou-se uma reestruturação aos documentos que orientam a formação de professores, criando-se a Resolução CNE/CP n.º 02/2019 (Brasil, 2019). Nessa Resolução, a Prática como Componente Curricular continua tendo duração de 400h ofertada ao longo dos cursos de formação inicial, tendo, entre seus objetivos, o de proporcionar que o licenciando tenha o contato com a prática “em todo o percurso formativo […]” (Brasil, 2019, p. 9).

Ao analisar os documentos aqui referidos, conclui-se que a PCC deve ocorrer em todos os cursos de licenciatura, percorrendo toda sua extensão, sendo-lhe destinadas 400h de carga horária total. Além disso, sua forma de funcionamento é definida por cada instituição, objetivando-se, entre outros, que o licenciando conheça e desenvolva práticas no ambiente escolar, articulando teoria e prática.

Assim, a oferta das PCC’s, ao longo do curso, facilita a aproximação entre as disciplinas específicas, pedagógicas e as práticas da docência, geralmente, trabalhadas separadamente. A desarticulação entre a teoria e a prática fragiliza o processo reflexivo, pois, no caso da licenciatura em Química, “as disciplinas de conteúdo químico específico seguem seu curso independente e isolado das disciplinas pedagógicas e vice-versa” (Silva & Schnetzler, 2008, p. 2). Em razão disso, a PCC torna-se o espaço concreto para articular dentro da formação o conhecimento específico e o pedagógico, ambos imprescindíveis à ação docente.

Nessa perspectiva, é fundamental considerar que as PCC’s aproximam os licenciandos da escola de educação básica em seus diferentes aspectos, o que evidencia avanços em relação à inserção da prática pedagógica desde a formação inicial, pois, “trata-se de uma concepção de prática ampliada, constituindo um componente curricular que está presente ao longo do processo formativo” (Da Costa et al., 2012, p. 1).

 

Caminhos metodológicos

O itinerário da pesquisa desenvolveu-se ancorado na abordagem qualitativa (Ludke & André, 1986), apoiada em visões e perspectivas de um grupo de sujeitos licenciados, que contribuíram com o estudo de um objeto permeado por singularidades - a Prática como Componente Curricular. Os procedimentos da metodologia do estudo de caso foram adotados no desenvolvimento da investigação, tendo, como foco, o curso de Licenciatura em Química em uma Instituição Pública do Rio Grande do Sul. De acordo com Yin (2001), o estudo de caso, ao investigar um fenômeno contemporâneo e contextualizado, traz consigo a possibilidade de compreender os objetivos que estão focados no como e no porquê de certas situações e/ou problemas. Os sujeitos da pesquisa selecionados foram todos os egressos do curso até o ano de 2019, contudo, apenas seis (6) participaram. O instrumento utilizado para coleta de dados foi um questionário.

Por que o uso do questionário? Porque é um instrumento de investigação que consiste na elaboração de perguntas, geralmente, transcritas em papel, entregue aos participantes, tendo, como base, os objetivos da pesquisa, para obter respostas apoiadas na experiência pessoal dos respondentes, bem como de suas crenças e valores. De acordo com Gil (2008, p. 121): “Construir um questionário consiste basicamente em traduzir objetivos da pesquisa em questões específicas”. O questionário foi elaborado e enviado via e-mail para doze egressos do curso de Licenciatura em Química da instituição anunciada, mas apenas seis retornaram o instrumento respondido. As questões indicadas referem-se ao objetivo específico apresentado e estão localizadas no Quadro 2.

É preciso ressaltar que, na instituição pesquisada, a Prática como Componente Curricular é denominada Prática enquanto Componente Curricular, por isso, no questionário e nos resultados, a nomenclatura passa a ser PeCC ao invés de PCC.

Quadro 2

Questões do questionário

Número da questão

Questão

1

O que as PeCC’s representaram para você e qual sua percepção sobre elas?

2

De que forma as PeCC’s contribuíram no seu processo formativo?

3

Na sua concepção, qual a importância das PeCC’s no curso de Licenciatura em Química no IFFar?

4

Escreva sobre alguma(s) prática(s) desenvolvida(s) no decorrer das PeCC’s que você considera terem contribuído para o seu processo formativo.

Fonte: Silva (2021).

Realça-se aqui que as respostas (material empírico) dadas às perguntas expostas constituem a base das discussões crítico-reflexivas apresentadas.

A etapa da análise de dados, no senso comum, representa o fim da pesquisa. Entretanto, deve ser considerada como parte integrante do processo de investigação, visto que “a tentativa de identificar especificidades pode significar melhores condições para o desenvolvimento de novos estudos, com base num melhor e maior entendimento conceitual do processo, alinhado aos respectivos paradigmas” (Teixeira, 2003, p. 178). Essa etapa depende diretamente dos dados coletados (Minayo & Deslandes, 2002), por isso, foi organizada tendo total atenção durante o processo de investigação.

O volume de dados nas pesquisas qualitativas, geralmente, é vasto e imprevisível, “requerendo assim um processo continuado em que se procura identificar dimensões, categorias, tendências, padrões, relações, desvendando-lhes o significado” (Teixeira, 2003, p. 194). Além disso, é nessa fase que os dados são teorizados, gerando novas teorias no campo da pesquisa científica, ficando disponíveis à utilização por outros pesquisadores (Teixeira, 2003). Para organizar os dados coletados, com vistas a não serem um amontoado de informações, estes foram categorizados observando o que os une, expressões parecidas acerca de um conceito ou ideias semelhantes, que permitem o agrupamento em uma mesma categoria (Minayo & Deslandes, 2002). Segundo as autoras, as categorias definidas antes da coleta de dados têm característica abstrata e as definidas durante a coleta são mais concretas. Por isso, é recomendado que sejam feitas categorias antes do trabalho de campo e outras feitas durante o processo. Com base nisso, as categorias foram criadas antes da recolha de dados e reelaboradas durante o processo de investigação, contudo, apresenta-se apenas as que foram elaboradas durante o processo no Quadro 3.

Quadro 3

Categorias de análise dos questionários

Número da Categoria

Conteúdo

1

Prática docente concreta com alunos

2

Contato com a realidade escolar

3

Desenvolvimento de atividades de professor

4

Articulação entre teoria e prática

5

Compartilhamento de experiências

6

Produção de conhecimentos

Fonte: os autores.

 

Os caminhos e seus direcionamentos: resultados e discussões

Destaca-se, inicialmente, que foram enviados doze questionários aos egressos do curso, dos quais se conseguiu o contato. Destes, apenas seis (cinco egressas e um egresso) concordaram em participar da pesquisa, para os quais foi enviado o instrumento de coleta de dados via e-mail, contendo quatro questões referentes à PeCC. Com vistas a manter o anonimato dos participantes e preservar a sua identidade, aqui são denominados pelas notas musicais: Dó, Ré, Mi, Fá, Sol e Lá.

Cabe dizer que as respostas dos egressos não foram muito extensas, pois, o fato de opinar e expressar-se de forma escrita representa um processo mais sintético do que o ato de comunicar-se pela fala. No entanto, as respostas foram absolutamente contributivas para a pesquisa, visto que foi possível compreender a visão dos egressos que cursaram as PeCC’s no curso de licenciatura em Química. A despeito disso, refere-se que as discussões realizadas sobre as respostas levaram em consideração o objetivo de conhecer a perspectiva dos egressos do Curso de Licenciatura em Química sobre a Prática como Componente Curricular em sua formação.

Com base nas respostas obtidas, elenca-se, como principais contribuições: prática docente concreta com alunos; contato com a realidade escolar; desenvolvimento de atividades de professor; articulação entre teoria e prática; compartilhamento de experiências e produção de conhecimentos. Ademais, permite conhecer as experiências individuais marcantes proporcionadas pela disciplina no curso. De acordo com Gatti (2014, p. 7): “seria desejável que o campo de trabalho real de profissionais professores fosse referência para sua formação, não como constrição, mas como foco de inspiração concreta”. Neste sentido, como escopo da formação inicial, precisa estar o local de trabalho, o espaço escolar como referência para a estruturação do currículo e do projeto pedagógico que norteia o curso de licenciatura.

Nesse alinhamento, Brandt e Hobold (2019) afirmam que a preparação para a prática docente necessita ocorrer durante todo o percurso formativo inicial, não apenas ao final, por meio dos estágios. Para as autoras, é durante a formação que o licenciando reflete sobre a prática profissional, “ou seja, é de suma importância superar a ideia de que o estágio é reservado à prática, enquanto a sala de aula é reservada à teoria” (Brandt & Hobold, 2019, p. 153).

Entre as contribuições, estão as respostas que apontam a PeCC como oportunidade de desenvolver a prática docente dentro da formação inicial, o que inclui as experiências de professor, ainda, enquanto licenciando. Brandt e Hobold (2019, p. 151) afirmam que “a PCC assume um papel de suma importância na formação de professores, pois, por meio dessa prática pedagógica, os(as) licenciandos(as) podem vivenciar os desafios e possibilidades de serem professores(as)”. Isso encontra-se sublinhado na resposta de Lá (egresso): “As PeCC’s proporcionaram-me diferentes sensações ao longo do período acadêmico. Como toda atividade, foram de grande importância para meu desenvolvimento pessoal e profissional”, e de Sol (egresso):

As PeCC’s são nosso primeiro contato como docentes […], faz com que saiamos da zona de conforto. Resumindo, a PeCC representa superação, elas foram o ponto final de cada etapa no meu aprendizado ao longo de cada semestre. […] algo que tem tanto valor quanto às disciplinas específicas, nós só sabemos se vamos conseguir ensinar se praticarmos, uma coisa é entender para fazer uma prova, onde se enche de teoria, outra é compartilhar com alguém a teoria, saber passar para outra pessoa.

Conforme expresso nos excertos, a PeCC representa o contato com a escola como docente, oportunidade para experienciar, na prática, a teoria estudada e compartilhar a teoria específica da área com o alunado. A PCC proporciona a inter-relação entre conhecimentos teóricos e práticos, além da “pesquisa como princípio educativo que lhe são características, percebe-se uma preocupação com a inserção dos licenciandos na realidade social da Educação Básica e do campo educacional” (Brandt & Hobold, 2019, p. 151). Tais práticas representam uma forma de sair da zona de conforto, de ir a campo e enfrentar os desafios da prática docente. Nessa perspectiva, Oliveira et al. (2009, p. 3) destacam: “que a formação do docente deve conter ingredientes que sustentem o perfil de um profissional criativo e responsável pelo exercício de sua função”. Diante disso, a PeCC é uma das maneiras para viabilizar a criatividade e exercer a responsabilidade em realizar a prática, pois auxilia o licenciando a ter esse contato e ser responsável enquanto docente.

Esses fatores, que fazem parte da PeCC, propiciam que o licenciando aproprie-se de “um conhecimento mais abrangente sobre os aspectos que envolvem a prática docente” (Brandt & Hobold, 2019, p. 151). Segundo as mesmas autoras, a PeCC fornece possibilidades que aproximam licenciando da realidade da escola e da prática docente, “o que lhe proporcionará uma oportunidade de refletir acerca dos fundamentos de sua prática, a fim de desenvolver experiências mais significativas em seu estágio supervisionado” (Brandt & Hobold, 2019, p. 151).

Alinhadas com essa ideia, afirma que: “As PeCC’s têm papel fundamental ao longo da graduação, pois, elas permitem o primeiro contato do acadêmico com a prática docente”, Lá e Dó corroboram, assegurando que as ações desenvolvidas nas PeCC’s representam uma forma de ter contato com a prática docente e experienciar o ser professor:

[…] elas (PeCC’s) nos fizeram ter uma percepção do que é ser professor, além de nos apresentar as diversas formas de ensinar e aprender, e que esse processo não ocorre apenas em sala de aula, mas, em toda a nossa evolução como ser humano. (Lá, egresso)

As PeCC’s foram uma forma de ter contato com o que seria a prática docente ainda no início do curso, porém, como participei da primeira tentativa de realizar essa prática, enquanto disciplina, acredito que, por algumas vezes, houve falta de orientação de como realizá-las. (Dó, egresso)

Barbosa e Cassiani (2015, p. 2) assinalam que: “A PCC foi introduzida nos currículos dos cursos de licenciatura com o intuito de romper com uma formação de professores em que a teoria e a prática são trabalhadas de forma dicotômica”. Assim, a reflexão acerca dos excertos aponta para a relevância da articulação entre teoria e prática, durante a licenciatura por intermédio das PeCC’s. O contato com a escola e com a prática docente durante a licenciatura amplia a visão sobre o aluno, a escola e o processo de ensino e aprendizagem. Na perspectiva de Moreira (2012, p. 6), na formação docente: “Não podemos continuar separando conteúdo e ensino na formação do professor, uma vez que na prática docente esses elementos não são separáveis. Se os separamos no processo de formação, não estamos preparando o profissional para a sua prática real”.

Observa-se pelos argumentos trazidos pelos investigados a relevância das experiências proporcionadas pela PeCC em conviver com a realidade escolar, desenvolvendo atividades que são inerentes a esse meio. Para Silva et al. (2012), o tempo que o licenciando passa na escola contribui para múltiplos aspectos em sua formação. Pimenta e Lima (2005, p. 5) observam que ao possibilitar que o licenciando conheça e participe de situações experimentais em campo, a formação inicial “estará dando conta do aspecto prático da profissão”. Assim sendo, momentos de prática possibilitam experiências docentes que contribuem na formação dos licenciandos. Em relação aos aspectos elencados, ilustra-se com alguns excertos das respostas:

As PeCC’s contribuem para o crescimento do acadêmico de licenciatura, pois o acadêmico atua diretamente nas escolas, fazendo atividades diferentes com os alunos, instigando-os a pensar de diferentes formas. Estamos acostumados com o método tradicional de ensino, mas as PeCC’s mostram que podemos e devemos ensinar nossos alunos de diferentes maneiras. (Mi, egresso)

As PeCC’s foram disciplinas valiosas para a minha trajetória acadêmica. Foi a partir das experiências proporcionadas pelas PeCC’s que pude ter maior contato com a realidade escolar, com os desafios encontrados no meio educacional e quais as estratégias utilizadas para enfrentar as dificuldades. É uma disciplina que oferece ao aluno um amparo em relação às várias questões, uma vez que ela nos coloca a prova de situações que, muitas vezes, não enxergamos, por estarmos do outro lado. (Fá, egresso)

A PeCC é importante no processo de formação docente, principalmente, por apresentar diferentes situações que podem ser encontradas em sala de aula, ensinando como lidar com elas e que estratégias podem ser utilizadas para que a aprendizagem seja algo leve e prazeroso. Além de mostrar as situações escolares, as PeCC’s fazem com que você pense não só nos alunos que se encontram na faixa etária correta para cada ano, mas, também, naqueles que estão retornando aos estudos, ou mesmo em como trabalhar a ciência com pessoas que não se encontram em um ambiente escolar, como é o caso da PeCC II, que se trabalha em meios não formais de ensino, proporcionando ao aluno de licenciatura uma aprendizagem completa e relevante. (Lá, egresso)

Conforme Brandt e Hobold (2019), a formação inicial necessita construir com os licenciandos conhecimentos e habilidades, que possibilitem seu desenvolvimento enquanto professores reflexivos e investigativos. Neste sentido, os mesmos autores indicam que: “o eixo fundamental do currículo de formação de professor é o desenvolvimento da capacidade de refletir sobre a própria prática docente, como objetivo de aprender a interpretar, compreender e refletir sobre a realidade social e sobre o exercício da docência” (Brandt & Hobold, 2019, p. 153). Em seus registros, os participantes consideram as experiências proporcionadas pela PeCC uma possibilidade de aproximação do futuro professor com a realidade escolar - a sala de aula. Para Sartori (2009, p. 39):

[…] o processo de formação ocorre a partir da negociação de significados, tanto os do professor como os do aluno, o que permite questionar se no processo formativo do professor é suficientemente debatida a percepção da sala de aula como espaço, por excelência, para ensinar a pensar, a refletir criticamente, a questionar, a investigar.

Alinhados a isso, Silva et al. (2012) referem que o fato de lidar com os imprevistos no cotidiano escolar e de enfrentar situações inerentes à profissão docente representam possibilidades formativas. Para Tardif (2003), o trabalho docente situado no tempo e no espaço considera relevante o saber da experiência, ou seja, a prática docente na aquisição de competências para desenvolver rotinas de trabalho no contexto da sala de aula. As experiências concretizadas na PeCC também podem ser associadas aos movimentos formativos, que conectam a formação inicial com a formação continuada, num movimento permanente de revisitar modelos de ser e estar na profissão docente.

Ressalta-se, também, que, entre as experiências proporcionadas aos futuros docentes pelas PeCC’s estão os desafios para enfrentar as dificuldades encontradas na escola, as quais demandam a utilização de diferentes estratégias. Brandt e Hobold (2019) asseguram que as Instituições de Ensino Superior precisam permitir “o desenvolvimento de um conhecimento didático do conteúdo de ensino adquirido, à medida que a prática e a teoria são aprendidas e aplicadas no contexto escolar”. Desse modo, ao desenvolver ações diferenciadas no transcorrer das PeCC’s, sem dúvida, emergem novos métodos, que fogem aos que normalmente são utilizados no ensino tradicional. Sobre esses diferentes métodos, uma participante da pesquisa comenta:

[…] cada PeCC trabalhava um tema específico, isso fazia com que eu pensasse sobre as diferentes formas de trabalhar cada assunto que, muitas vezes, acabavam por se complementarem. Essa percepção foi importante, pois, me fez entender que não existe uma única forma de ensinar e como é importante pensar de que modo cada conteúdo está presente na vida dos alunos. Não pensar em conteúdos como algo fragmentado, mas buscar formas de relacionar o que está sendo ensinado com o cotidiano e, também, como se relaciona com outras disciplinas, demonstrando a interação entre as áreas do conhecimento. O fato de trabalhar com diversos temas e abordagens em PeCC fez com que eu enxergasse a docência de outra forma e isso se refletiu em meu estágio, ou seja, na minha constituição docente e no tipo de profissional que eu gostaria de ser. As PeCC’s fizeram-me compreender que a prioridade é o aluno e como este se relaciona com o mundo a sua volta; entender as necessidades, as motivações, os anseios dos alunos, fizeram com que me tornasse uma docente melhor, proporcionando aos alunos uma aprendizagem significativa que instigava e fazia pensar fora da caixa. (Lá, egresso)

São manifestações como a de Lá que fomentam a discussão sobre a importância que a PeCC tem na formação de um professor reflexivo, que pensa sobre o aluno, que pensa sobre a prática docente, que procura formas de contribuir para a aprendizagem significativa do aluno. Nessa fala, nota-se que a PeCC auxiliou a licencianda a perceber a relevância das diferentes formas de ensinar; da articulação de conteúdos e áreas do conhecimento; da relação do ensino com o cotidiano; do aluno como prioridade no processo de ensino, considerando suas necessidades, seus anseios e suas motivações. Barbosa e Cassiani (2015, p. 5) afirmam ser imprescindível que os licenciandos tenham contato com situações reais, em que sejam propostas “observações e/ou ações diretas dessa realidade, sem uma preparação prévia, tem sido um dos equívocos mais praticados na formação inicial de professores. Enfatizamos que a prática desenvolvida nas escolas, dessa forma, não passa de um mero ativismo inconsequente”. Neste sentido, concebe-se que as práticas desenvolvidas ao longo do curso não só contribuem para a formação de um professor reflexivo, como podem mudar a direção dessa formação, auxiliando em diversos temas, reduzindo o abismo entre o modelo de formação tradicional à proposição que se tem na PeCC. Sobre a PeCC, uma investigada reforça que:

É uma disciplina importante porque dá a possibilidade de aproximar os alunos com a realidade escolar antes mesmo de eles realizarem os estágios supervisionados. […], as trocas de experiências discutidas podem promover ao aluno o desenvolvimento do seu senso crítico. (Fá, egressa)

Com base nessa manifestação, concebe-se que a PeCC aproxima o licenciando da realidade escolar e possibilita experiências que auxiliam na constituição de um profissional crítico-reflexivo. A prática auxilia o licenciando na constituição do saber experiencial e contribui de igual modo para a reflexão das ações (Silva et al., 2012). Neste sentido, também indica a importância das experiências que a PeCC propicia para a articulação entre teoria e prática:

As PeCC’s nos apresentaram um momento especial em que era necessário conciliar a teoria e a prática, relacionando com outras áreas e temas […] que são vivenciados constantemente pelo docente. Acredito que a PeCC contribuiu na construção da professora que me tornei. Especialmente, para mim, as teorias devem sair do papel, se não saem não faz sentido para minha compreensão, a PeCC proporciona essa oportunidade (Lá, egresso).

Na visão de Oliveira et al. (2009, p. 3), para ser docente, são necessárias: “habilidades e competências que vão além do conhecimento específico previsto na disciplina ministrada, denotando maior interação entre a teoria e a prática do exercício profissional”. Nessa perspectiva, segundo Sol: “[…] é onde utilizamos as teorias que aprendemos em cada semestre, onde envolvemos disciplinas “distintas”, mas que conversam entre si, utilizando-as para preparar cada PeCC”, ficando explícito que a PeCC contribui para a articulação dos conhecimentos teóricos e os da prática docente:

A PeCC é de suma importância para colocar em prática o que foi aprendido em sala de aula, para conhecer o que acontece dentro das escolas, situações que podem acontecer durante uma aula ou a realização de experimento e/ou atividade diferenciada. (Ré, egresso)

Dessas ponderações, fica evidente a colaboração da PeCC para a articulação entre teoria e prática, ou seja, essa experiência consiste em colocar em prática as teorias aprendidas na graduação. A menção sobre envolver disciplinas distintas, referindo-se à participação de docentes de outras disciplinas nas PeCC’s, sem dúvida, auxilia no planejamento e no desenvolvimento de ações específicas no campo das respectivas disciplinas. Para Brandt e Hobold (2019, p. 156), é mister que a formação inicial proporcione momentos em que se possibilite vincular “teoria e prática, com consciência crítica para o avanço dos processos educativos e da formação docente, de tal sorte que o próprio profissional da educação consiga encontrar alternativas para os problemas do ensino”.

Barbosa e Cassiani (2015, p. 8) afirmam que a PCC viabiliza diferentes experiências, dentre as quais destacam, “visitas em algumas escolas, fazer maquetes, ministrar aula, feira de ciência, ler um arquivo científico, ver e discutir filmes relacionados a determinado conteúdo, elaborar um plano de aula, estudar as modalidades didáticas, elaboração e execução de projetos […]”. Sobre as experiências marcantes durante as PeCC’s, os egressos pesquisados exemplificam através de algumas práticas desenvolvidas.

Nenhuma em particular teve um destaque maior que a outra, mas […] como foram elaboradas em diferentes realidades de ensino (EJA, ensino médio, ensino fundamental etc.) permitiram a compreensão de que não existe um modelo de ensino único, que a prática docente deve ser baseada na adaptação com a realidade do aluno, não da imposição do método sobre esse. (Dó, egresso)

Uma das mais importantes, para mim, foi a PeCC de inclusão, nos ensinou olhar e desenvolver atividades que atendam todos em sala de aula, buscando incluir e ter a participação de todos. A PeCC de interdisciplinaridade desafiou-me a pensar em determinado conteúdo com outros olhos, interagindo e destacando a importância dele em outras disciplinas. (Ré, egresso)

Recordo da segunda PeCC, quando desenvolvemos um trabalho em uma casa de passagem, que atendia crianças e adolescentes até os 18 anos. Ali que tive o primeiro contato com uma realidade fora do habitual, lá desenvolvi meu senso crítico acerca das diferenças de privilégios, que cada criança carrega consigo e como isso é primordial no processo formativo. Foi possível observar que a realidade daquelas crianças e adolescentes é totalmente diferente da realidade de crianças que crescem com uma família estruturada, isso pode interferir no seu rendimento escolar. (Fá, egresso)

[…] acredito que a PeCC II teve grande importância em meu processo formativo, principalmente, por trabalhar com um meio não formal de ensino, com pessoas de diferentes faixas etárias e com diferentes níveis de conhecimento. Essa prática teve grande impacto em minha vida, me fez pensar nas suas condições, propondo uma forma diferenciada de ensino […]. Essa PeCC me instigou a querer ser uma profissional diferente, que busca meios comuns para ensinar os conteúdos, entretanto, de forma prazerosa. (Lá, egresso)

Os discursos dos egressos denotam a relevância das PCC's, sendo que o confronto com diferentes realidades e contextos auxilia na produção de estratégias para lidar em espaços com alunos de idades variadas e com a diversidade. A despeito disso, Sartori (2009, p. 26) considera fundamental “estabelecer na prática da sala de aula uma atitude dialógica, uma relação respeitosa de fala e de escuta, pela qual professor e aluno discutam os procedimentos considerados mais adequados a cada situação de ensino e aprendizagem”. Frente a isso, compreende-se que, ao comunicar-se com o estudante, o docente tem a possibilidade de escutá-lo, auxiliando-o no processo de ensino e aprendizagem, pois, a partir do momento que o professor ouve as demandas dos alunos, pode pensar novas estratégias para desenvolver a sua prática - o ato de ensinar e aprender.

 

Deixando latentes outras direções possíveis

Ao entrelaçar algumas considerações, é preciso destacar que são sempre provisórias, pois outros olhares certamente tornarão latentes outros aspectos, atribuindo-lhes outros significados. A provisoriedade e os limites desta análise trazem à reflexão concepções que tornam as PeCC’s relevantes no processo de formação inicial de professores. Nota-se, pelo diálogo com os registros dos egressos pesquisados, que as experiências realizadas nas PeCC’s colocaram o licenciando em contato com a realidade escolar, possibilitando-lhes desenvolver atividades planejadas em articulação com os conhecimentos específicos do curso e a realidade da escola.

 Com o olhar atento ao objetivo do estudo, mobilizou-se para entender a perspectiva dos egressos do Curso de Licenciatura em Química sobre a Prática como Componente Curricular em sua formação. Para isso, buscou-se, por meio do questionário, conhecer as perspectivas dos egressos acerca das contribuições das PeCC’s. O material empírico elencado dá conta de que a Prática enquanto Componente Curricular contribuiu para: experiências de prática docente; o contato com a realidade escolar; auxílio ao licenciando para desenvolver atividades de professor; a articulação entre teoria e prática durante a formação inicial e compartilhamento de experiências e produção de conhecimentos.

O futuro professor, ao ir a campo, vislumbra algumas formas de articulação de diferentes conhecimentos, pois o contato com a prática educativa oportuniza o desenvolvimento de atividades de professor. É no espaço das PeCC’s, durante o curso, que o licenciando é desafiado a articular teoria e prática, elaborar projetos, compartilhar experiências e refletir sobre os processos experimentados e vivenciados. Assim, conhecer a escola, planejar as atividades, estudar o conteúdo e desenvolver a prática representam contribuições ao licenciando, no que tange à sua formação a partir de conhecimentos construídos na interação com os estudantes - na prática pedagógica real.

Se é na prática docente, na interação professor-aluno que o professor reflete, não é mais possível continuar ensinando embasado no tripé transmissão-memorização-reprodução, em que os conhecimentos são passados como algo pronto e acabado. A proposição das ações nas PeCC’s tem, em seu horizonte, a busca, o questionamento, a problematização, a troca de saberes e o estabelecimento de relações entre o conhecimento curricular e as experiências trazidas pelos estudantes.

Considerando as possibilidades de releituras sobre aquilo que foi verbalizado nos registros pelos licenciandos em Química, acredita-se que a PeCC, de acordo com os encaminhamentos dados no curso, constituiu-se em uma modalidade concreta de efetivar a articulação entre teoria e prática. Essa articulação implica uma relação dialética entre teoria e prática que permite destacar que educar/ensinar não é uma tarefa fácil, pois requer de seus protagonistas (professores) compromisso humanizado e ético em relação aos alunos. Com isso, finaliza-se este escrito ressaltando que o curso de Química por meio de seu currículo e do formato como é encaminhada e realizada a PeCC evidencia um sentido político-pedagógico comprometido, não somente com a cognição, mas com a mudança das práticas e rituais conservadores e tradicionais, que, historicamente, estão entranhados na educação escolar.

 

Referências

Barbosa, A. T., & Cassiani, S. (2015). A prática como componente curricular no curso de formação de professores de Biologia: Algumas possibilidades. Atas do X Encontro Nacional de Pesquisa e Educação em Ciências. Águas de Lindoia, São Paulo, Brasil. http://www.abrapecnet.org.br/enpec/x-enpec/anais2015/resumos/R1522-1.PDF

Brandt, A. G., & Hobold, M. (2019). A prática como componente curricular na disciplina pesquisa e processos educativos do curso de pedagogia: um diferencial na relação entre pesquisa, teoria e prática. Educação e Formação, 4(11), 142-160. https://doi.org/10.25053/redufor.v4i11.319

Brasil. (1996). Lei 9.394 de 20 de dezembro de 1996 (Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional). Presidência da República. Casa Civil. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm

Brasil. (1999). Parecer CNE/CP 115/99 de 10 de agosto de 1999. Sobre as Diretrizes Gerais para os Institutos Superiores de Educação. Conselho Nacional de Educação. Conselho Pleno. http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/p53.pdf

Brasil. (2001a). Parecer CNE/CP 21/2001 de 06 de agosto de 2001 (Duração e carga horária dos cursos de Formação de Professores da Educação Básica, em nível superior, curso de licenciatura, de graduação plena). Conselho Nacional de Educação. Conselho Pleno. http://portal.mec.gov.br/dmdocuments/cnecp_212001.pdf

Brasil. (2001b). Parecer CNE/CP 28/2001 de 02 de outubro de 2001 (Dá nova redação ao Parecer CNE/CP 21/2001, estabelecendo a duração e a carga horária dos cursos de Formação de Professores da Educação Básica, em nível superior, curso de licenciatura, de graduação plena). Conselho Nacional de Educação. Conselho Pleno. http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/028.pdf

Brasil. (2015). Resolução CNE/CP 02/2015 de 01 de julho de 2015 (Define as Diretrizes Curriculares Nacionais para a formação inicial em nível superior (cursos de licenciatura, cursos de formação pedagógica para graduados e cursos de segunda licenciatura) e para a formação continuada). Conselho Nacional de Educação. Conselho Pleno. http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&view=download&alias=136731-rcp002-15-1&category_slug=dezembro-2019-pdf&Itemid=30192

Brasil. (2018). Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular. http://basenacionalcomum.mec.gov.br/images/BNCC_EI_EF_110518_versaofinal_site.pdf

Brasil. (2019). Resolução CNE/CP 02/2019 de 20 de dezembro de 2019 (Define as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação Inicial de Professores para a Educação Básica e institui a Base Nacional Comum para a Formação Inicial de Professores da Educação Básica (BNC-Formação)). Conselho Nacional de Educação. Conselho Pleno. http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&view=download&alias=135951-rcp002-19&category_slug=dezembro-2019-pdf&Itemid=30192

Da Costa, F. T., De Alencar, F. L. & Beraldo, T. M. L. (2012). A Prática como Componente Curricular: Entendimentos da Comunidade Disciplinar de Educadores Químicos. Anais do XVI Encontro Nacional de Ensino de Química/ X Encontro de Educação Química da Bahia, Salvador, Bahia, Brasil. https://periodicos.ufba.br/index.php/anaiseneq2012/article/view/7638/5426

Gatti, B. A. (2014). A formação inicial de professores para a educação básica: as licenciaturas. Revista Universidade de São Paulo, (100), 33-46. https://doi.org/10.11606/issn.2316-9036.v0i100p33-46

Gil, A. C. (2008). Métodos e técnicas de pesquisa social. Atlas.

Ludke, M., & André, M. E. D. A. (1986). A Pesquisa em educação: abordagens qualitativas. E.P.U.

Minayo, M. C. S., & Deslandes, S. F. (2002). Pesquisa social: teoria, método e criatividade. Vozes.

Moreira, P. C. (2012). 3+1 e suas (in)variantes: reflexões sobre as possibilidades de uma nova estrutura curricular na licenciatura em matemática. Bolema, 26(44), 1137-1150. https://doi.org/10.1590/S0103-636X2012000400003

Nóvoa, A. (1992). Formação de professores e profissão docente. Editora.

Oliveira, M. C. S., Melo, M. C. de O. L., Oliveira, M. H. de. & Paiva, K. C. M. (2009). A Influência da “Vivência Docente” na Formação e Desenvolvimento de Competências Profissionais Docentes: uma percepção de mestrandos em administração. Anais do II EnEPQ - Encontro de Ensino e Pesquisa em Administração e Contabilidade, Curitiba, Paraná, Brasil. http://anpad.org.br/eventos.php?cod_evento=&cod_evento_edicao=47&cod_edicao_subsecao=513&cod_edicao_trabalho=11140

Pimenta, S. G., & Lima, M. S. L. (2005). Estágio e docência: diferentes concepções. Poíesis, 3(3), 5-24. https://doi.org/10.5216/rpp.v3i3e4.10542

Sartori, J. (2009). Formação do Professor em Serviço: da (re)construção teórica e da ressignificação prática. [Tese de doutorado, Universidade Federal do Rio Grande do Sul]. Repositório Digital Lume. https://lume.ufrgs.br/handle/10183/16914

Schön, D. A. (1992). Formar professores como profissionais reflexivos. Dom Quixote.

Schön, D. A. (2009). Educando o profissional reflexivo: um novo design para o ensino e a aprendizagem. Penso Editora.

Silva, C. S. da., Maruyama, J. A., Oliveira, L. A. A. & Oliveira, O. M. M. de F. (2012). O saber experiencial na formação inicial de professores a partir das atividades de iniciação à docência no subprojeto de química do PIBID da Unesp de Araraquara. Química Nova na escola, 34(4), 184-188. http://hdl.handle.net/11449/123573

Silva, E. W. (2021). A Articulação de Saberes Docentes em um Curso de Licenciatura em Química por meio da Prática como Componente Curricular. [Dissertação de Mestrado, Universidade Federal da Fronteira Sul]. Repositório Digital UFFS. https://rd.uffs.edu.br/handle/prefix/4664 

Silva, R. M. G. & Schnetzler, R. P. (2005). Constituição de professores universitários de disciplinas sobre ensino de Química. Química Nova, 28(6), 1123-1133. https://doi.org/10.1590/S0100-40422005000600030

Silva, R. M. G. & Schnetzler, R. P. (2008). Concepções e ações de formadores de professores de Química sobre o estágio supervisionado: propostas brasileiras e portuguesas. Química Nova, 31(8), 2174-2183. https://doi.org/10.1590/S0100-40422008000800045

Tardif, M. (2003). Saberes docentes e formação profissional. Vozes.

Teixeira, E. B. (2003). A análise de dados na pesquisa científica: importância e desafios em estudos organizacionais. Desenvolvimento em Questão, 1(1), 177-201. https://doi.org/10.21527/2237-6453.2003.2.177-201

Yin, K. R. (2001). Estudo de caso: planejamentos e métodos. Bookmann.



[i] Mestre em Educação pela Universidade Federal da Fronteira Sul (2021). Professora na Escola Municipal de Ensino Fundamental Conrado Doeth.

[ii] Doutor em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (2009). Professor na Universidade Federal da Fronteira Sul.