O estágio
curricular supervisionado das licenciaturas na pandemia: percepções de
professores formadores
La pasantía curricular supervisada en cursos de
formación docente en la pandemia: percepciones de profesores formadores
The supervised curricular internship at teacher
education in the pandemic: perceptions of teacher educators
Wanderson Diogo Andrade da Silva[i]
Universidade Regional do Cariri
Crato, CE, Brasil
https://orcid.org/0000-0002-9583-0845
Ana Júlia Soares Santana[ii]
Universidade Federal de Alagoas
Maceió, AL, Brasil
https://orcid.org/0000-0002-0827-8416
Maria Danielle Araújo Mota[iii]
Universidade Federal de Alagoas
Maceió, AL, Brasil
https://orcid.org/0000-0001-7305-6476
Os
autores contribuíram igualmente na elaboração do manuscrito.
Recebido em: 08/03/2022
Aceito em: 19/04/2022
Publicado
em: 20/04/2022
Linhas
Críticas | Periódico científico
da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília, Brasil
ISSN: 1516-4896 |
e-ISSN: 1981-0431
Volume 28, 2022
(jan-dez).
http://periodicos.unb.br/index.php/linhascriticas
Referência
completa (APA):
Silva, W. D. A. da, Santana, A. J. S., & Mota, M. D. A. (2022).
O estágio curricular supervisionado das licenciaturas na pandemia: percepções
de professores formadores. Linhas Críticas, 28, e42239. https://doi.org/10.26512/lc28202242239
Link alternativo:
https://periodicos.unb.br/index.php/linhascriticas/article/view/42239
Licença Creative Commons CC BY 4.0.
Resumo: Este estudo exploratório investigou e analisou
percepções de 16 formadores responsáveis pelo Estágio Curricular Supervisionado
em licenciaturas de diferentes Instituições públicas de Educação Superior,
considerando os desafios e as possibilidades da sua realização no contexto da
pandemia da covid-19. O questionário semiestruturado aplicado revelou que 5
professores não ofertaram o estágio nesse modelo por visualizarem mais
prejuízos do que contribuições à formação dos licenciandos. Os dados apontam
algumas perspectivas, mas também receios em relação à adoção do Ensino Remoto
Emergencial no estágio pelo fato de que os estudantes não puderam vivenciar presencialmente
a docência nas escolas.
Palavras-chave: Estágio supervisionado. Pandemia. Formação docente. Professores
Formadores.
Resumen: Este estudio exploratorio investigó y analizó las
percepciones de 16 formadores responsables por la pasantía curricular
supervisada en cursos de formación docente en diferentes Instituciones públicas
de Educación Superior, considerando los desafíos y las posibilidades de su
realización en el contexto de pandemia de covid-19. El cuestionario
semiestructurado aplicado reveló que 5 profesores no ofrecieron la pasantía en
este modelo, al visualizar más pérdidas que contribuciones a la formación de
los estudiantes. Los datos apuntan algunas perspectivas, pero también
incredulidad, en relación a la adopción de la Enseñanza Remota de Emergencia en
la pasantía por el hecho de que los estudiantes no he experimentado
presencialmente la docencia en las escuelas.
Palabras
clave: Pasantía supervisada. Pandemia. Formación docente. Profesores
formadores.
Abstract: This exploratory study investigated and analyzed the
perceptions of 16 teacher educators responsible for the Supervised Curricular
Internship in teacher education from different public Higher Education
Institutions, considering the challenges and possibilities of their
implementation in the context of the covid-19 pandemic. A semi-structured
questionnaire revealed that 5 teachers did not offer an internship in this
model due to the perception that it would cause more harm than contribute to
the education of the students. The data indicate some prospects, but also the
fear to adopt Emergency Remote Teaching in the internship due to the fact that
students have not experienced the in-person teaching practice in schools.
Keywords: Supervised
internship. Pandemic. Teacher education. Teacher educators.
Introdução
O Estágio Curricular Supervisionado (ECS) representa uma rica e
importante etapa formativa nos cursos de formação de professores por
oportunizar aos licenciandos experiências reflexivas acerca da docência e os seus
desafios. Contribuindo para a construção da identidade profissional docente, o
estágio há tempos se faz presente nas licenciaturas e suas diferentes
configurações são tomadas como objeto de estudo nas pesquisas acadêmicas que
apontam obstáculos e possibilidades para um exercício crítico da profissão.
Inicialmente, a Resolução do Conselho Nacional de
Educação/Conselho Pleno (CNE/CP) 1, de 18 de fevereiro de 2002 (Brasil, 2002a)
e a Resolução CNE/CP 2, de 19 de fevereiro de 2002 (Brasil, 2002b),
proporcionaram maior visibilidade aos estágios e, consequentemente, sua melhor
organização curricular nas licenciaturas quando instituíram a obrigatoriedade
de que os cursos de formação de professores reservassem, no mínimo, 400 horas
de ECS a serem vivenciadas pelos futuros professores a partir da segunda metade
da graduação.
“O estágio tem compromisso com a práxis docente, como espaço de
problematização das contradições existentes em busca da sistematização dos
conhecimentos produzidos” (Pimenta & Lima, 2019, p. 14), induzindo a
integração e a aproximação entre a Educação Básica e a Educação Superior. Os
desafios para que as finalidades do estágio se concretizem na formação de
professores são constantes e múltiplos, exigindo esforços de todos os agentes
nele envolvidos para que se torne uma experiência significativa aos futuros
professores e não seja percebido, erroneamente, como a hora da prática (Lima,
2004), isto é, como uma ação mecânica de imitação acrítica de modelos
existentes e que não possui importância para a formação docente.
Os desafios do estágio na formação docente têm se mostrado ainda
maiores diante da pandemia da covid-19, decretada pela Organização Mundial da
Saúde (OMS) em 11 de março de 2019, fazendo com que as atividades presenciais
dos diversos setores da sociedade, incluindo a educação, fossem suspensas. Na
educação, as instituições de ensino passaram a adotar o Ensino Remoto
Emergencial (ERE) para que suas atividades não fossem totalmente interrompidas,
embora esse modelo de ensino tenha revelado desigualdades entre os estudantes
em relação à aquisição e ao uso de recursos tecnológicos necessários para a
implantação do ERE.
Os estágios, nesse contexto, foram modificados para que os
licenciandos, mesmo virtualmente, pudessem desenvolver as atividades propostas
durante essa etapa da graduação. Os professores formadores responsáveis pelos
diferentes componentes de estágio ressignificaram as formas de trabalho junto
aos estudantes por se tratar de uma realidade até então inimaginável na
contemporaneidade. A pandemia fez com que as instituições de ensino, dentro de
um cenário de incertezas, adotassem diversas medidas visando garantir a
continuidade do processo de ensino-aprendizagem. Diante dessa realidade, como
os professores formadores se organizaram para vivenciar o ECS nos diferentes
cursos de licenciatura em face da pandemia da covid-19 e do ERE?
Para responder a esse questionamento, buscamos, neste estudo,
investigar e analisar as percepções de formadores de professores responsáveis
por componentes curriculares de estágio de diferentes cursos de licenciaturas,
considerando os desafios e as possibilidades postas pela pandemia em relação à
formação de professores no ERE.
Contribuições do
Estágio Curricular Supervisionado para a formação de professores
A importância atribuída ao ECS na formação de professores resulta
das diversas investigações que apresentam as contribuições desse momento
formativo para a constituição da profissionalidade docente, “[…] tendo em vista
que demanda dos estagiários a articulação permanente entre teoria e prática nos
movimentos de problematização da realidade escolar e de busca por respostas aos
problemas que levantam no desenvolvimento de suas atividades” (Freitas et al., 2017,
p. 37).
Para além de uma disciplina que integra a matriz curricular das
licenciaturas, o estágio se configura como um campo de conhecimento com
estatuto epistemológico de instrumentalização da práxis docente (Pimenta &
Lima, 2017). Desse modo, os professores formadores responsáveis pelos componentes
de estágio “[…] desempenham papéis centrais nesse contexto, pois suas concepções
e práticas pedagógicas irão influenciar diretamente na formação dos alunos,
direcionando-os para caminhos, às vezes, pouco críticos e reflexivos da
docência” (Silva et al., 2021, p. 3), caso não sejam planejadas atividades que,
de fato, oportunizem aos futuros professores uma formação crítica sobre a
profissão docente.
O planejamento do estágio é destacado por Brito (2020) como uma
condição importante para garantir a qualidade desse processo formativo, pois o
seu potencial encontra-se atrelado às ações planejadas de forma integrada entre
as instituições formadoras e as escolas-campo, oferecendo vantagens para a
aproximação entre esses espaços, a sistematização dos processos formativos por
meio do diagnóstico da escola, a avaliação processual das atividades de estágio
e as mudanças realizadas, quando necessárias, para fortalecer as experiências
dos estagiários.
Nesse sentido, a parceria entre a universidade e a escola para a
realização dos estágios e a consequente mobilização dos saberes docentes nos
estudantes das licenciaturas é, de acordo com Souza Neto et al. (2021), uma
necessidade e uma relação propícia para acompanhar os estagiários, realizar
pesquisas tendo o ensino como objeto de estudo, bem como desenvolver a prática
pedagógica a partir de experiências concretas nas escolas.
Conforme Pimenta (2019), o professor que se busca formar deve ser
capaz de atuar criticamente diante dos desafios identificados em seu espaço de
trabalho; conhecer os aspectos sociais e políticos que circundam sua prática;
conhecer a realidade dos estudantes que atende; possuir conhecimentos que
permitam fazer análises críticas e levar à compreensão e ao desenvolvimento de
práticas de ensino que resultem em aprendizagens significativas; participar
ativamente da escola e não apenas na sala de aula; e propor melhorias para o
coletivo do qual faz parte.
O ECS conta, basicamente, com três atores: o professor formador da
Instituição de Educação Superior (IES), o professor supervisor da escola de
Educação Básica e o estudante estagiário – futuro professor, e é um componente
curricular que se ocupa de estudar, analisar, problematizar, refletir e propor
soluções no contexto do ensino-aprendizagem (Pimenta et al., 2019). Esse olhar
remete à ideia de que se faz necessário um diálogo entre os envolvidos no
estágio, posto que o licenciando, por si só, pode não atingir os objetivos
propostos neste componente curricular sem os contributos dos professores
formadores de ambas as instituições de ensino.
Para além da relação entre as instituições de ensino e os sujeitos
que as compõem, se faz necessário destacar o entrelaçamento entre a teoria e a
prática, tendo em vista que o ECS ocupa a centralidade na articulação entre
essas esferas (Lüdke & Scott, 2018), sendo essa unidade de grande
importância para a formação de professores em que o estágio assume o papel de
campo de conhecimento, transpondo a simples visão de uma atividade prática dos
cursos de licenciatura (Pimenta, 2019). Essa visão deve ser extinta do campo do
estágio, visto que a profissão docente exige que o professor articule teoria e
prática dentro do contexto em que se insere, sendo essas dimensões
indissociáveis. Desse modo:
O reducionismo dos estágios às
perspectivas da prática instrumental e do criticismo expõe os problemas na
formação profissional docente. A dissociação entre teoria e prática aí presente
resulta em um empobrecimento das práticas nas escolas, o que evidencia a
necessidade de explicitar por que o estágio é unidade de teoria e prática (e não teoria ou prática). (Pimenta & Lima, 2017,
p. 33)
Em vista disso, tem-se um cenário de possibilidades promovidas
pelo ECS que, segundo Pimenta (2019), é resultado dos estudos envolvendo o
estágio sob diferentes perspectivas, tais como: (i) estágio como e com
pesquisa; (ii) estágio para aproximar as IES e escolas de Educação Básica; e
(iii) estágio e a práxis na formação docente. Essas três dimensões de estágio
confluem para um mesmo ponto, que é a contribuição para a formação reflexiva de
professores autônomos para a tomada das suas decisões pedagógicas dentro do
espaço escolar.
Nesse sentido, as contribuições advindas do ECS se relacionam com
o desenvolvimento de uma postura investigativa que permite ao professor
desenvolver pesquisas e construir conhecimentos para superar a reprodução de
modelos pragmáticos e possibilite a transformação da realidade por meio da
práxis educativa (Pimenta, 2019). Logo, o estágio não deve apresentar uma
receita com práticas a ser seguida pelos licenciandos, mas criar condições para
investigar, compreender e modificar, sempre que necessário e para melhor, seu
ambiente de trabalho e as formas de ensinar e aprender.
Em relação às atividades, o ECS nas licenciaturas é comumente
estruturado em três etapas, que são: i) reconhecer/caracterizar a escola, onde os
estagiários podem explorar o ambiente físico da escola e como ele influencia a
prática docente, bem como a organização, funcionamento e os sujeitos que fazem
a escola; ii) observação, de maneira a possibilitar a identificação de
comportamentos durante os processos de ensino-aprendizagem, além das práticas e
acontecimentos durante as aulas; iii) e a regência, caracterizada pelas aulas
ministradas pelo estagiário devidamente planejadas e supervisionadas (Santos
& Freire, 2017). Vale ressaltar que essas atividades devem ser sempre
desenvolvidas de maneira orgânica, pois no estágio não há um modelo pronto a
ser seguido, representando um espaço formativo para o desenvolvimento de uma
prática docente reflexiva diante dos desafios atuais e futuros da profissão docente.
Nesse sentido, conforme Silva et al. (2021, p. 6):
A partir do ECS concebido como um local de
reflexão do futuro profissional, alinhado ao diálogo com a escola, o
licenciando construirá sua identidade docente, oportunizando o permanente
debate sobre o que é se constituir profissionalmente como professor e intelectual.
Partindo desse pressuposto, a construção da identidade docente
perpassa pelas crenças e concepções dos professores, mas também por habilidades
que podem ser desenvolvidas durante as atividades de estágio, de forma que esse
docente perceba o que está dando certo e, portanto, deve permanecer em sua
prática, ou o que precisa ser alterado, bem como compreender que a profissão
docente se faz na coletividade. Sendo assim, o ECS pode oferecer grandes
contribuições para a contínua construção da identidade docente ao inserir os
licenciandos nas escolas para vivenciar a realidade do trabalho docente de modo
investigativo, reflexivo e propositor.
A construção e
análise dos dados
O estudo exploratório, de abordagem qualitativa, foi desenvolvido a
partir da aplicação de um questionário semiestruturado que tratava do perfil
dos participantes e suas percepções acerca da realização do ECS no contexto da
pandemia da covid-19. O questionário foi aplicado de forma virtual, através do Google Forms, durante os meses de
novembro e dezembro de 2020, isto é, no mesmo ano em que foi decretada a
pandemia e as instituições de ensino, assim como seus professores, ainda
buscavam alternativas para desenvolver suas atividades de forma virtual, dada a
exigência de distanciamento social para evitar a propagação do vírus causador
da covid-19.
Junto ao questionário foi enviado o Termo de Consentimento Livre e
Esclarecido (TCLE) aos participantes, também em formato virtual, em
concordância com os princípios éticos da pesquisa em educação (Mainardes &
Carvalho, 2019), apresentando o objetivo da pesquisa, dentre outras informações
necessárias à ciência dos participantes. Para a geração dos dados, o
questionário foi enviado em quatro grupos de redes sociais (2 do WhatsApp e 2 do Facebook), dos quais os autores fazem parte, compostos por
professores da Educação Superior, permitindo obter respostas de participantes
de diferentes regiões, instituições e realidades, sendo obtidas 16 respostas.
Por não existir a intenção de obter uma amostra probabilística,
entendemos que esse número foi significativo no instante em que os grupos aos
quais o questionário foi direcionado não eram compostos exclusivamente por
professores vinculados ao ECS de cursos de licenciatura, e esse era o critério
de participação. Não houve respostas de professores das regiões Sul, Sudeste e
Norte, apenas do Nordeste e Centro-Oeste, embora os grupos tivessem professores
de todas as regiões do país, nem de professores vinculados à IES privadas,
mesmo não havendo restrição à participação destes no estudo, os quais também
faziam parte dos grupos das redes sociais em questão.
Os participantes estão identificados neste estudo pelo termo
“Docente”, seguido de um número que varia entre 1 a 16, de acordo com a ordem das
respostas obtidas no questionário. A faixa etária dos participantes é diversa: 1
professor possui idade entre 20 a 25 anos, 2 entre 31 a 40 anos, 6 entre 41 a
50 anos, 6 entre 51 a 60 anos e 1 acima de 61 anos. Os participantes possuem um
perfil heterogêneo, o que permitiu conhecer distintas perspectivas em relação
ao ECS em diferentes cursos de licenciatura diante do ERE. O Quadro 1 apresenta
algumas características dos participantes.
Quadro 1
Perfil dos
participantes da pesquisa
Identificação |
Situação
funcional |
Titulação |
IES
vinculado |
Licenciatura
vinculado |
Estado |
Docente 1 |
Concursado |
Doutor |
Federal |
Informática |
RN |
Docente 2 |
Concursado |
Doutor |
Federal |
Matemática |
GO |
Docente 3 |
Concursado |
Doutor |
Federal |
Ciências
Biológicas |
PI |
Docente 4 |
Concursado |
Especialista |
Estadual |
Filosofia |
CE |
Docente 5 |
Concursado |
Doutor |
Federal |
Pedagogia |
MA |
Docente 6 |
Concursado |
Doutor |
Estadual |
Ciências
Biológicas |
CE |
Docente 7 |
Concursado |
Doutor |
Federal |
Pedagogia |
MA |
Docente 8 |
Substituto |
Doutor |
Estadual |
Ciências
Biológicas |
MT |
Docente 9 |
Concursado |
Doutor |
Estadual |
Ciências
Biológicas |
CE |
Docente
10 |
Concursado |
Mestre |
Federal |
Geografia |
PE |
Docente
11 |
Concursado |
Doutor |
Federal |
Física |
CE |
Docente
12 |
Concursado |
Mestre |
Estadual |
Matemática |
AL |
Docente
13 |
Concursado |
Mestre |
Estadual |
Letras |
AL |
Docente
14 |
Concursado |
Mestre |
Federal |
Geografia |
PE |
Docente
15 |
Concursado |
Mestre |
Estadual |
Matemática |
AL |
Docente
16 |
Concursado |
Mestre |
Federal |
Geografia |
CE |
Fonte: os autores.
Dentre os docentes participantes, apenas 1 é professor substituto
(Docente 8), sendo os demais concursados. Ainda, 9 são doutores, 6 são mestres
e 1 é especialista e encontram-se distribuídos em diferentes IES públicas e
estados brasileiros, havendo uma maior prevalência no Ceará e Alagoas. O
material textual obtido com a aplicação do questionário foi analisado com base
em seus significados e suas singularidades (Olabuenaga & Ispizua, 1989) e
resultou em três categorias emergentes, apresentas e discutidas nos tópicos a
seguir.
Contribuições do
estágio não presencial para a formação docente dos licenciandos
O ECS tem assumido, historicamente, diferentes configurações nos
cursos de formação de professores, mas ainda é comum identificar concepções de
que o estágio, além de ser um momento de colocar em prática tudo aquilo que se
viu na teoria durante toda a graduação, o que é uma percepção errônea e está
atrelada à perspectiva técnica, serve para que os licenciandos imitem as
práticas realizadas pelos professores das escolas em que realizam os estágios,
e “o pressuposto dessa concepção é que a realidade do ensino é imutável e os
alunos que frequentam a escola também são” (Pimenta & Lima, 2017, p. 28).
Dessa forma, não há necessidade de que os estagiários reflitam sobre a prática
que irão exercer, muito menos busquem modificá-la para atender a diversidade de
estudantes que integra a escola.
Ainda presente nas licenciaturas, esse entendimento tem sido
modificado com os avanços das pesquisas sobre o estágio, além dos contributos
da Didática e de outros campos do conhecimento, resultando no fortalecimento do
ECS, que tem caminhado para a superação da dicotomia posta entre teoria e
prática na formação docente. O seu esvaziamento, quando visto como hora da
prática (Lima, 2004), tem dado lugar a experiências que problematizam a
realidade na qual os futuros professores estão inseridos, entendendo a dinâmica
do processo de ensino-aprendizagem e como fatores sociais, econômicos,
culturais, dentre outros, influenciam esse processo.
O que se busca com essas experiências é a superação do estágio
como uma atividade burocrática, para que seja compreendido como um espaço-tempo
formativo e promotor da aprendizagem da profissão docente. A pandemia da covid-19,
no entanto, tem se mostrado como um grande desafio para que essa superação não
seja perdida, visto que a realização total do estágio no formato não presencial
não é algo comum nos cursos de formação de professores, inclusive entre os
cursos à distância, cujos estágios são realizados de forma presencial nas
escolas de Educação Básica.
A situação atípica da pandemia tem confrontado, cotidianamente, os
professores e os cursos de licenciatura em relação ao uso das tecnologias
digitais da informação e comunicação (TDICs), assim como tem revelado as
desigualdades socioeconômicas entre os estudantes pelo fato de que muitos deles,
tanto da Educação Básica quanto da Educação Superior, não possuíam os
equipamentos tecnológicos para acompanhar os estudos no regime de ERE nem os conhecimentos
necessários para lidarem com essas tecnologias. Diante desse cenário, torna-se
importante conhecer como o os estágios realizados de forma não presencial podem
contribuir, ou não, para a formação dos licenciandos.
Essa pergunta foi feita aos professores formadores que
participaram deste estudo, cujas respostas confluem para o reconhecimento de
que, mesmo com as dificuldades do ERE, o estágio pode ser desenvolvido no
contexto da pandemia, trazendo alguma contribuição, por menor que seja, a esses
futuros professores, conforme observado nas respostas representativas a seguir.
Acredito, que mesmo com a grande perda
da qualidade do ensino, nossos alunos de estágio precisam vivenciar este
momento. Sabemos que momentos como estes tem levado nossos estagiários a
vivenciarem experiências utilizando as TDICs, elaboração de vídeos-aula,
atividades mais flexibilizadas para alunos com dificuldades e com necessidades
especiais, trabalharem com algumas plataformas e aplicativos, etc. Este modelo
de ensino remoto também tem contribuído com a formação dos futuros professores.
(Docente 2)
Em relação às contribuições do estágio
de forma remota, algumas atividades são possíveis e podem trazer aprendizado,
como: observações e realização de regências em ambiente virtual (Google meet),
participação em reuniões semanais de planejamento (também de forma virtual),
participação em semanas pedagógicas, dentre outras atividades escolares, além
de aulas e seminários temáticos com o docente da Universidade. (Docente 6)
A preparação do licenciando com
estágio na forma remota é importante, até mesmo para futuramente desenvolver
atividades híbridas, entretanto, ocupar a carga horária prática totalmente com
atividades remotas, o aluno perderá muitas oportunidades de aprendizado.
(Docente 8)
Apesar de ser uma realidade muito
complicada, o estágio de forma não presencial pode possibilitar mais
familiaridade do futuro professor com as Tecnologias da informação e
comunicação - TICs. Mas no geral, acredito que ele deixa mais lacunas do que
aprendizado ao licenciando. (Docente 16)
Nota-se a existência de possibilidades do estágio não presencial
no contexto da pandemia à medida que permite aos licenciandos refletirem sobre
situações atípicas, como a da própria pandemia, mobilizando nos professores
conhecimentos e habilidades para o uso dos recursos disponíveis e que melhor
irão servir para aquele determinado momento. Dentre esses recursos destaca-se
nas respostas dos participantes o uso das TDICs por permitir que o
ensino-aprendizagem ocorra em espaços não presenciais, evitando que haja a
contaminação de professores e estudantes com o vírus causador da covid-19, por
exemplo.
O distanciamento da formação de professores com as TDICs é um
problema discutido há tempos no Brasil, embora tenha sido mais evidenciado no
atual contexto da pandemia. O que se pretende não é apenas ensinar o professor
a utilizar as tecnologias digitais em seu trabalho, mas explorá-las para que
contribuam com novas formas de ensinar e aprender. Isso demanda processos de
planejamento e avaliação bem estruturados, cuja formação docente poderá
oportunizar elementos que colaborem com esses processos, pois do contrário,
havendo apenas a substituição do quadro e do pincel pelo computador conectado à
internet, sem mudanças atitudinais, pedagógicas e metodológicas do professor,
Lopes e Fürkotter (2016) afirmam que não haverá inovação, mas a reprodução do
ensino bancário, agora com uma nova roupagem.
Destaca-se a observação feita pelo Docente 6, que coaduna com a
percepção do Docente 8, ao afirmar que o curso em que leciona “só ofertou uma
única disciplina de estágio [não presencial] por entendermos que a oferta de
todos os estágios poderia trazer prejuízo em termos de aprendizagem e vivência
prática do cotidiano escolar” (Docente 6), sendo este ofertado por decisão do
colegiado do curso para que os estudantes que iriam colar grau no semestre
vigente não fossem prejudicados. Ao analisarmos a resposta na íntegra desse
formador, nota-se que mesmo reconhecendo que o estágio não presencial permite
que os estudantes realizem diversas atividades de docência e que não havia
outra alternativa senão a sua realização pelos licenciandos, a percepção que
fica é que o estágio não presencial poderia trazer mais prejuízos do que
benefícios à formação dos futuros professores pelo fato de que não iriam
vivenciar presencialmente o cotidiano da prática docente no “chão da escola”.
O Docente 10 também coaduna com esse entendimento de que as
experiências presenciais são mais significativas do que as virtuais quando
afirma que “a teoria e a prática devem estar integradas na formação docente.
Sem campo de observação e exercício docente fica difícil uma boa contribuição”.
Em outras palavras, o que se vê é uma descrença das experiências de
ensino-aprendizagem de forma virtual em comparação com o formato presencial
comumente vivenciado por professores e estudantes.
De fato, o presencial e o virtual são experiências que possuem
significados diferentes, cada uma com suas particularidades, mas diante da
realidade de uma pandemia, que no ano da realização deste estudo, em 2020, não
havia vacinas nem medicamentos contra a covid-19 e causou a morte de mais de
230 mil pessoas no Brasil (Levy, 2021), acreditamos que negar as possibilidades
do estágio de forma não presencial seria impedir que os estudantes
vivenciassem, como futuros professores, aquele momento a fim de refletir sobre
os desafios da docência postos pela própria pandemia.
Funcionamento do
ECS e as orientações das IES no contexto da pandemia
O ECS desenvolvido em um cenário de pandemia carrega
características e adequações únicas no que tange ao planejamento e execução de
atividades de forma remota, indo além da transposição do espaço físico para o
virtual, se fazendo necessário repensar esse componente curricular (Souza &
Ferreira, 2020). Dessa forma, a condução das instituições de ensino quanto ao
desenvolvimento das atividades de estágio no contexto da pandemia, com a adoção
do ERE, é de grande relevância para que seja assegurado o mínimo de qualidade
nessas experiências formativas aos estudantes das licenciaturas.
Em vista disso, os professores foram perguntados quanto aos
instrumentos normativos (decretos, portarias, resoluções e documentos afins)
para orientar o ECS de forma não presencial criados pelas suas respectivas IES.
Dentre as respostas obtidas, apenas os Docentes 12 e 15 afirmaram que as
instituições em que trabalham não tinham, até então, elaborado orientações para
a adoção do ERE, e o Docente 9 afirmou que foi criada uma resolução voltada
apenas para os estudantes concluintes que precisavam cursar o último estágio,
não havendo discussão sobre a sua realização para os demais estudantes. As
outras respostas indicam que foram criados instrumentos normativos em suas
instituições, mas parte dos professores destaca uma superficialidade nesses
instrumentos, pouco contribuindo para que as atividades de estágio fossem
planejadas com mais qualidade, conforme algumas das respostas apresentadas a
seguir.
Sim. A Pró-Reitoria de Ensino (PROEN)
divulgou uma nota técnica n.9, de 10 de agosto de 2020 onde solicita às
coordenações de curso que façam a readequação do ensino presencial agora para o
remoto. Foi feito um caderno de orientações. (Docente 3)
Sim. Abrandou a quantidade de horas
exigidas no estágio e nada mais. (Docente 4)
Sim. A Universidade realizou uma
reunião com os coordenadores de estágio de todos os cursos (bacharelado e
licenciatura) no sentido de escutar opiniões e construir um documento de
apresentação e especificação de atividades remotas e/ou híbridas junto ao
Conselho Estadual de Educação (CEE) para formalização e reconhecimento dessas
atividades (remotas e/ou híbrida), dependendo da especificidade de cada curso.
Para isso, cada coordenador respondeu um formulário indicando as respectivas
situações para que o setor responsável possa compilar os dados e elaborar o
documento para envio ao CEE. (Docente 6)
Sim. Revitalizou o fórum de estágio
para reunir os professores e discutir o estágio supervisionado. (Docente 10)
Verifica-se que a preocupação institucional para adequar o ECS ao
ERE devido à pandemia não teve a mesma intensidade entre as IES que criaram
instrumentos normativos. Por se tratar de uma realidade que exigiu alternativas
para validar o funcionamento deste componente curricular (Souza & Ferreira,
2020), o esperado seria uma discussão coletiva sobre os impactos da pandemia
nas atividades de estágio e como essa experiência poderia ser significativa
para os estudantes, mesmo sem terem o contato presencial com as escolas de
Educação Básica.
Os Docentes 3, 6, 7 e 10, por exemplo, indicam que houve
discussões a fim de que o estágio pudesse ocorrer de forma não presencial,
considerando as normativas das IES de que fazem parte, enquanto os Docentes 1,
4, 5 e 16 revelam fragilidades e superficialidades nas orientações institucionais
para os estágios das licenciaturas na pandemia, comprometendo a organização e
realização das atividades desse componente curricular. Outro problema é apontado
pelo Docente 10, expondo que as instruções “para o curso da Licenciatura
ficaram a desejar. Estamos trabalhando só a parte teórica”, e essa posição se
contrapõe à perspectiva de estágio como articulação da teoria e da prática
defendida por Pimenta (2019).
Quando indagados sobre como estava sendo a experiência do ECS de
forma não presencial entre os cursos que optaram por não interromper essas
atividades mediante a adoção do ERE, alguns docentes destacaram experiências
positivas e outras negativas, além daqueles que declararam não terem
desenvolvido atividades de ECS nesse período, conforme as respostas a seguir.
Vejo que, com exceção dos problemas
relativos à avaliação dos alunos, acesso a internet e falta de equipamentos
para alguns alunos assistirem as aulas, tem sido uma experiência boa para nós e
os alunos vivenciarmos esta realidade. Não sabemos como será daqui para
frente!! Vejo que a qualidade do ensino não é a mesma que a presencial, mas não
podemos ficar fora desse processo. Precisamos contribuir de alguma forma com a
sociedade e as escolas públicas. (Docente 2)
Dadas as condições de
excepcionalidade, a experiência está sendo satisfatória porque apenas uma
disciplina foi ofertada e com uma quantidade pequena de estagiários, de modo
que não houve dificuldades para formalização dos estágios nas escolas campo.
Somado a isso […] está havendo uma participação efetiva dos licenciandos em
algumas atividades remotas das escolas. (Docente 6)
Trabalho com o estágio em gestão. A
experiência constituiu um desafio e, ao mesmo tempo, foi muito gratificante.
Realizamos lives semanais com gestores da seduc, das ures [sic] e das
principais escolas públicas do Estado. Foram momentos de muita aprendizagem
para os estagiários. Mas é claro que ficou a lacuna por conta da não ida ao
chão da escola. (Docente 7)
Apesar das dificuldades existentes na adoção do ERE, as quais já
eram esperadas, as atividades de estágio não presencial têm trazido reflexões para
a formação dos estudantes das licenciaturas. Essa aproximação dos cursos com os
problemas da docência na contemporaneidade, tais como a pandemia, condiz com
uma formação de professores que oferece condições para conhecer a realidade dos
estudantes que atende (Pimenta, 2019), seja ela qual for, assim como para
vivenciar situações atípicas na docência e que demandam do professor
habilidades e conhecimentos que lhes permitam lidar com elas.
Os Docentes 8, 9, 12, 13 e 15 afirmaram que as atividades de
estágio nos cursos que lecionam não estavam sendo realizadas de forma não
presencial, mesmo a maioria desses professores pertencer à IES que criaram
instrumentos normativos para a adequação das atividades de ensino ao contexto
da pandemia. Dentre os diversos aspectos que contribuíram para a paralisação
das atividades dos componentes de estágio nas licenciaturas que esses professores
lecionam, destacamos a resposta do Docente 9, quando afirma: “Reconhecemos as
dificuldades da instituição com internet e principalmente das escolas que
também possuem suas limitações, o momento exige compreensão e empatia de todos
e todas”, e do Docente 13, que diz ter iniciado as aulas de estágio não
presencial, mas foi decidido pela IES que “todas as aulas do ano 2020 foram
canceladas, considerando que nem todos os alunos estavam participando das aulas
e o fórum [da Universidade] vai discutir como será o estágio em 2021”, ou seja,
passado um ano do início da pandemia.
Por sua vez, os Docentes 1, 11 e 16 se queixam das dificuldades
que foi desenvolver atividades de estágio junto aos estudantes de forma não
presencial, especialmente em virtude de questões como o uso das tecnologias digitais.
Isso tem feito com que formadores como o Docente 10, por exemplo, tenha
realizado apenas atividades “teóricas”, conforme destacou, dissociada da
prática, revelando uma concepção preocupante que dicotomiza esse componente
curricular e não vê a possibilidade de que o ERE permita a efetivação da
práxis. Por outro lado, mesmo diante das incertezas, o Docente 14 destacou: “[…]
pelo menos os licenciandos estão vivendo uma situação ímpar de aprendizagem
diante do imprevisto. Eles têm mais facilidade de utilizar os recursos
tecnológicos disponíveis. Em síntese, há muitas perdas e alguns ganhos”.
As tecnologias digitais assumem um importante papel na efetivação
das experiências planejadas pelos professores formadores e que deverão ser
vivenciadas pelos estudantes das licenciaturas. À medida que esses recursos são
vistos como a possibilidade mais viável de não interromper totalmente as
atividades de ensino na pandemia, sendo adotado o ERE, também são vistos como
um dos principais obstáculos para que haja uma migração do ensino presencial
para o não presencial, pois professores e estudantes, tanto da Educação
Superior quanto da Educação Básica, possuem limitações, de diversas ordens,
para lidarem com esses recursos. Entre os professores essa questão é ainda mais
latente, pois as atividades não presenciais devem ser planejadas visando ao
pleno desenvolvimento dos seus estudantes.
Nessas circunstâncias, o uso de
tecnologias digitais no ensino demanda escolhas de recursos e procedimentos a
serem efetivadas, exigindo apropriação tecnológica e pedagógica pelos docentes
a fim de que tenham clareza sobre a finalidade a ser alcançada na relação
pedagógica com os estudantes. (Gomes et al., 2021, p. 8)
Em virtude do que foi apresentado, é notável que a organização e o
planejamento institucionais são fundamentais para a garantia de um melhor
aproveitamento do ECS de forma não presencial, assim como as condições
adequadas para ser desenvolvido no que tange à existência de recursos
tecnológicos disponíveis. Esse cenário tem gestado desafios, mas também
possibilidades de ensinar e aprender, conforme já destacado por alguns
professores, cuja discussão será aprofundada no próximo tópico.
Desafios e
possibilidades da realização do ECS mediado pelo ERE
De acordo com Ferraz e Ferreira (2021), embora o ERE impossibilite
a interação presencial com a escola e com os seus sujeitos, comprometendo o
processo formativo e investigativo da docência, ele pode promover um processo
de ressignificação das formas de ensinar e aprender, permitindo a vivência da
docência em ambientes virtuais e para pensar diferentes formas de mediar a
construção do conhecimento. Nessa perspectiva, buscamos conhecer quais desafios
e possibilidades os professores formadores identificaram nas atividades de ECS
não presencial em relação ao presencial mediante a migração para o ERE.
As respostas indicam que o estágio não presencial na pandemia gerou
mais desafios do que possibilidades que poderiam contribuir com a formação dos
licenciandos. A maior parte desses desafios, conforme as respostas, resultou do
uso das tecnologias digitais para ensinar e aprender em um contexto onde uma
parcela significativa dos estudantes não possui acesso aos equipamentos para
assistir as aulas, aliada ao fato de que, historicamente, os professores, seja
da Educação Básica ou Superior, não possuem formação que os permitam explorar
esses recursos na prática pedagógica de forma inovadora, conforme destacou o
Docente 13, ao afirmar que “falta aos professores a formação tecnológica
necessária para o uso dos vários aplicativos disponíveis na internet”.
Partindo dessa ótica, Bandeira e Mota (2021) apontam que o ERE tem
contribuído para a formação docente por possibilitar a construção de um
profissional mais familiarizado com as TDICs em comparação com os professores
que concluíram a graduação antes da pandemia e que não vivenciaram o cenário de
ERE durante sua formação. Contudo, destacamos que o contexto da pandemia tem
resultado mais em uma aprendizagem pelo uso do instrumento do que por meio de
análises críticas sobre as tecnologias digitais na educação como parte do
currículo dos cursos de licenciatura. Mesmo assim, acreditamos que realizar o
ECS de forma não presencial pode oportunizar experiências importantes e
significativas para os licenciandos em relação aos desafios da docência quanto
às tecnologias digitais, embora a falta ou a dificuldade de acesso à internet e
aos recursos materiais seja um grande desafio para a manutenção do ERE e,
consequentemente, para o ECS, o que pode limitar a realização das atividades
formativas desse componente curricular.
É certo que os desafios relacionados à interação dessas
tecnologias com a docência só serão superados mediante a criação de políticas
públicas educacionais que visem trabalhar com os professores conhecimentos e
habilidades para um melhor uso destas, tanto na formação inicial quanto na
continuada, assim como permitir que os estudantes tenham acesso facilitado aos
recursos tecnológicos. Nesse sentido, Santos e Santos (2020) refletem que
dentro da radicalidade da pandemia foram tomadas decisões rápidas sem a
formação especializada para esse cenário, gerando ainda mais incertezas, mas
também reconhece que essa é uma possibilidade de se repensar a formação de
professores com o direcionamento para as tecnologias digitais no ensino.
As respostas dos formadores apresentadas a seguir dão indícios de
preocupações em relação à qualidade da formação dos licenciandos que não
puderam vivenciar as atividades de estágio de forma presencial, o que os
formadores acreditam fazer diferença na formação docente.
O contato direto com os alunos, olho a
olho. Os alunos não conseguem se esquivar no presencial. A distância, é só não
responder, ou não ligar a câmera ou simplesmente sair da conexão.
Presencialmente, é possível, fazer atividades práticas, de escritas, de fala;
vitualmente depende de inúmeras condições. (Docente 4)
Ao meu ver, a principal diferença e
desvantagem do estágio não presencial é a falta da vivência direta dos
estagiários com os alunos das escolas e outras atividades escolares, fato que
pode trazer prejuízos formativos em alguns pontos cruciais, como, por exemplo:
gestão de sala de aula, observação de aulas com situações presenciais comuns e
realização de regências com as eventuais dificuldades encontradas em uma aula
presencial. (Docente 6)
O estudante não vivência o futuro
campo de trabalho. É péssimo remotamente. (Docente 10)
No presencial, há o alarido de
crianças, jovens e adultos. Ao conduzir a aula, a gente olha nos olhos das
pessoas e sente a interação. No remoto, impossível saber, difícil ouvir,
complicado mediar a interação. No presencial, tratamos os fundamentos teóricos
no diálogo. No remoto, os autores estão lá, postados. Não é fácil abrir um
diálogo que flua de modo consistente. (Docente 14)
Falta sobretudo o acompanhamento real,
no chão da escola pelo estagiário. Essa vivência dentro da escola, na sala de
aula, nos momentos de planejamento, de festas comemorativas, no desenvolvimento
de vários projetos da escola, tudo isso possibilita um grande aprendizado para
o estagiário. (Docente 16)
É fato que não há como transpor para o ERE as experiências que
seriam obtidas no espaço físico da escola em condições de ensino presencial,
mas deve-se pensar o ECS “à luz de estratégias que considerem as atividades
formativas do ensino remoto, tanto já integrantes ao currículo do curso, ou
propostas a partir da necessidade de replanejamento advinda da pandemia” (Souza
& Ferreira, 2020, p. 3). Dessa forma, o ECS não presencial pode transcender
as perspectivas do que falta para a formação docente, focalizando no que pode
ser feito para manter os processos formativos essenciais, tais como a práxis
transformadora da realidade (Pimenta, 2019).
Diante do exposto, é possível inferir que as respostas dos
formadores apresentadas neste estudo se encontram inclinadas para duas vertentes:
as dificuldades e limitações do ECS virtual em face da ausência das relações
orgânicas que são estabelecidas presencialmente no cotidiano da escola e que
são importantes para que os licenciandos identifiquem e reflitam no seu fazer
docente; e as perspectivas e os desafios da interação de professores e
estudantes com as tecnologias digitais, indicando a importância da inserção
dessa temática na formação docente, sobretudo considerando o fato de que essa
interação na pandemia se deu com características involuntárias e de forma
emergencial, e não através de um processo mais reflexivo e com menos tensões.
Considerações
finais
A pandemia da covid-19 tem modificado significativamente as formas
de ensinar e aprender vigentes nas instituições de ensino, especialmente
gerando desafios para a docência, que se viu, constantemente,
questionada em relação à formação dos professores e às suas condições de
trabalho diante da migração das atividades presenciais para o virtual com a
adoção do ERE. Assim, este estudo investigou e analisou percepções de professores
formadores responsáveis por componentes curriculares de estágio em diferentes cursos
de licenciatura, considerando os desafios e as possibilidades postas pela
pandemia para a formação docente.
Os dados revelam questões importantes sobre o ECS das licenciaturas
na pandemia, iniciando pelas incertezas que os formadores tiveram diante da
reorganização desse componente curricular para que as atividades pudessem
acontecer de forma não presencial, passando pelos debates e movimentos
institucionais que visaram e ainda visam se adaptar à uma rotina moldada por
uma pandemia, até chegar na identificação de possibilidades formativas para os
estudantes das licenciaturas durante o estágio, permitindo reflexões e
ressignificações na docência diante dos seus desafios.
A dissociação entre teoria e prática ainda é uma percepção
presente entre alguns dos professores formadores que participaram deste estudo,
embora em menor quantidade, mas que, ao nosso ver, denota um fator que pode
dificultar ainda mais com que esses profissionais permitam que os seus
estudantes vivenciem, da melhor forma possível, essa situação atípica da
pandemia na docência. Os desafios podem superar as possibilidades, conforme
verificou-se nas respostas dos participantes, mas acreditamos que estes não
podem anular a existência das atividades não presenciais de estágio e seus
contributos à formação dos licenciandos.
Entendemos que o estágio não pode ser deixado de lado no contexto
virtual em virtude da impossibilidade de os estudantes das licenciaturas
vivenciarem a rotina escolar para além da sala de aula, conforme acontece no
estágio presencial. Assim, os professores formadores assumem um importante
papel nesse contexto por serem os responsáveis pelo planejamento das atividades
que os licenciandos deverão realizar, as quais devem ser significativas e gerar
contribuições para a construção da identidade docente. Emerge, ainda, a
necessidade de aproximar a formação docente das tecnologias digitais, em
condições mais reflexivas e não apenas por imposição da emergência de uma
pandemia ou situação similar, para que professores e estudantes possam
vivenciar mais possibilidades do que dificuldades no ensino-aprendizagem não
presencial.
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[i] Mestre em Educação pela
Universidade Federal do Ceará (2020). Doutorando em Educação pela Universidade
Federal de Minas Gerais. Professor substituto da Universidade Regional do
Cariri.
[ii] Licenciada em Ciências
Biológicas pela Universidade Federal de Alagoas (UFAL) (2021). Mestranda em
Ensino e Formação de Professores pela UFAL.
[iii] Doutora em Educação pela
Universidade Federal do Ceará (2019). Professora adjunta da Universidade
Federal de Alagoas (UFAL).