Artigo
Implementação do SIMADE: análise da atuação dos diretores
escolares
Implementación del SIMADE: análisis del desempeño de
los directores escolares
Implementation of SIMADE: analysis of the performance
of school principals
Carla da Conceição de Lima[i]
Pontifícia Universidade Católica do Rio de
Janeiro
Rio de Janeiro, RJ, Brasil
https://orcid.org/0000-0003-0929-5450
Recebido em: 04/02/2022
Aceito em: 27/04/2022
Publicado
em: 24/05/2022
Linhas
Críticas | Periódico científico
da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília, Brasil
ISSN: 1516-4896 |
e-ISSN: 1981-0431
Volume 28, 2022 (jan-dez).
http://periodicos.unb.br/index.php/linhascriticas
Referência
completa (APA):
Lima, C. da C. de. (2022). Implementação
do SIMADE: análise da atuação dos diretores escolares. Linhas Críticas, 28,
e41860. https://doi.org/10.26512/lc28202241860
Link alternativo:
https://periodicos.unb.br/index.php/linhascriticas/article/view/41860
Licença Creative
Commons CC BY 4.0.
Resumo: Este artigo analisa a implementação do Sistema
Mineiro de Administração Escolar (SIMADE) a partir da discricionariedade dos
burocratas de médio escalão: os diretores da rede estadual. Metodologicamente
trata-se de uma pesquisa quantitativa em que se constata: um distanciamento
entre a formulação e a implementação da política; a produção de novas regras no
tocante ao acesso e uso do sistema; a implementação voltada para o uso
administrativo ou pedagógico do SIMADE. Portanto, há um contínuo exercício de
discricionariedade, por meio do qual os diretores escolares constroem políticas
diversas no contexto da rede estadual de Minas Gerais.
Palavras-chave: Implementação de Política Pública. SIMADE. Diretor Escolar.
Resumen: Este
artículo analiza la implementación del Sistema
Mineiro de Administração Escolar (SIMADE) a partir de la
discrecionalidad de los burócratas de rango medio: los directores del sistema escolar. Metodológicamente, se
trata de una investigación cuantitativa en la que se constata: un
distanciamiento entre la formulación y la implementación de la política; la
producción de nuevas reglas de acceso y uso del sistema; la implementación
centrada en el uso administrativo o pedagógico del SIMADE. Por lo tanto, existe
un ejercicio continuo de la discrecionalidad, mediante el cual los directores de
las escuelas construyen diversas políticas en el contexto de la red pública
estatal de Minas Gerais.
Palabras
clave: Implementación de Políticas Públicas. SIMADE. Director de la escuela.
Abstract: This article analyzes the implementation of the Sistema
Mineiro de Administração
Escolar (SIMADE) from the discretion of middle-level bureaucrats: the
principals of the state public schools. Methodologically, it is a quantitative research in which it is observed: a gap
between the formulation and the implementation of the policy; the production of
new rules regarding the access and use of the system; implementation aimed at
the administrative or pedagogical use of SIMADE. Therefore, there is a
continuous work of discretion through which school principals build different
policies in the context of the public state network of Minas Gerais.
Keywords: Public
Policy Implementation. SIMADE. School Principal.
Introdução
O conceito de Política pública conta com diferentes definições.
Algumas ressaltam o poder, os atores, as organizações, enquanto outras se
voltam para a lógica de ação e intervenção do Estado em setores específicos (Dye, 1984; Höfling, 2001). De
acordo com Souza (2003), política pública é “um conjunto de ações do governo
que irão produzir efeitos específicos” (Souza, 2003, p. 24). Envolvidas em
interesses e disputas, as políticas públicas são elaboradas considerando
aspectos econômicos, sociais, políticos e culturais de uma determinada
sociedade, que definem seus contornos e contextos, bem como os arranjos com
diferentes instâncias.
Como referencial analítico, as pesquisas têm adotado o ciclo de
políticas públicas (Mainardes et al., 2011) com fases
que se sobrepõem ou se mesclam — Agenda, Formulação, Implementação e Avaliação
—, ou a investigação em apenas uma destas fases (Lotta,
2014; 2015; Giusto & Ribeiro, 2019). E a menos
proeminente nos estudos é a implementação, pois, tanto na literatura nacional
quanto na internacional, há limitada quantidade de trabalhos que investigam os
elementos e fatores que a influenciam (Dye, 1984;
Oliveira, 2019; Muylaert, 2019).
Esta constatação também é encontrada nos estudos sobre a política
pública Sistema Mineiro de Administração Escolar (SIMADE), sistema de gestão
escolar implementado desde 2008 pela Secretaria de Estado de Educação de Minas
Gerais (SEE/MG), e em parceria com o Centro de Políticas Públicas e Avaliação
da Educação da Universidade Federal de Juiz de Fora (CAEd/UFJF)[2], nas
escolas da rede pública estadual de Minas Gerais. Pesquisas sobre o SIMADE
(Fonseca, 2014; Salgado, 2014; Tomaz, 2015; Balduti,
2017) apresentam as fases da política pública, mas a implementação é analisada
de forma operacional, linear, privilegiando a hierarquização das atividades
realizadas no sistema. Os modelos de análise destas pesquisas pouco estabelecem
interlocução com os debates da literatura nacional e internacional e há
restrita observação da atuação dos agentes educacionais e dos sentidos e
significados que eles atribuem ao sistema e aos seus dados.
A implementação é um processo complexo, que envolve a
subjetividade dos agentes que, ao interpretarem os textos das políticas
públicas a partir de suas experiências, valores e crenças, tornam esta fase de
grande imprevisibilidade (Lima, 2019). Em virtude disto há, na implementação,
uma significativa margem de discricionariedade exercida pelos atores escolares,
onde os limites efetivos de seu poder os deixam livres para fazer uma escolha
entre possíveis cursos de ação e inação (Bonelli et
al., 2019). De acordo com Mota et al. (2019), o exercício da discricionariedade
é inevitável e necessário, visto que as regras formais não podem dar conta de
todos os casos concretos, sendo imprescindível que o agente exerça seu poder
para que a organização se amolde à realidade, funcione e atenda às pessoas.
Segundo Lotta (2015), a discricionariedade passa a
ser vista “[…] não apenas como uma evidência empírica, mas quase como um ideal
normativo, na medida em que fica comprovada a importância da autonomia para o
reconhecimento da realidade na implementação das políticas públicas” (Lotta, 2015, p. 28).
Na implementação do SIMADE a discricionariedade pode ser exercida
pelos burocratas de médio escalão (BME), que possuem uma posição intermediária
entre o topo e a base da estrutura organizacional, operacionalizando as
políticas públicas que o alto escalão formula (Muylaert,
2019). Ou seja, são os “atores responsáveis por interagir com seus subordinados
e garantir deles complacência para implementação das regras desenhadas por
níveis superiores” (Fuster, 2016, p. 7). No contexto do SIMADE, este ator é o
diretor, o qual, além de ter um papel essencial na organização do trabalho
escolar, liderando e coordenando a rotina das unidades de ensino (Drabach & Souza, 2014), coloca “em ação os elementos do
processo organizacional (planejamento, organização, avaliação) de forma
integrada e articulada” (Soares & Teixeira, 2006, p. 157).
Tendo em vista a caracterização deste
agente e a delimitação da fase de implementação de uma política pública, o
objetivo deste artigo é analisar a implementação do SIMADE a partir da
discricionariedade dos burocratas de médio escalão, os diretores escolares da
rede pública estadual de Minas Gerais. Em última
instância, busca-se compreender a burocracia de médio escalão no contexto
educacional mineiro a partir do perfil, atuação e relações estabelecidas pelos
diretores escolares no acesso e uso do SIMADE.
As fases da política pública SIMADE
Mesmo com a escassez de estudos sobre a política pública SIMADE
(Lima, 2019), as pesquisas (Fonseca, 2014; Salgado, 2014; Tomaz, 2015; Balduti, 2017) permitem a observação da inter-relação entre
as fases e as nuances políticas, históricas, econômicas e educacionais de Minas
Gerais na instituição e implementação do SIMADE.
A fase Agenda, onde “as pautas são definidas de acordo com as
demandas sociais, políticas ou econômicas, sobre a qual agem distintos
interesses socioeconômicos” (Giusto & Ribeiro,
2019, p. 2), teve início entre 2007 e 2010, na segunda etapa do
Choque de Gestão[3],
cujo intuito era melhorar a qualidade e reduzir custos dos serviços públicos
mediante a reorganização do arranjo institucional e do modelo de gestão (Duarte
et al., 2016). Neste período adotou-se a contratualização de resultados, com
pactuação de objetivos e metas entre o governo e as instâncias intermediárias e
locais, e o controle de resultados (Duarte et al., 2016).
Além da contratualização dos resultados, havia a necessidade de
monitoramento em tempo real das escolas, de modo que fosse possível
racionalizar gastos e melhorar os resultados educacionais, porque
reiteradamente o Sistema Mineiro de Avaliação da Educação Pública (SIMAVE[4])
indicava um desempenho discente aquém do esperado. Ademais, era preciso avaliar
de modo mais eficaz as ações e resultados das intervenções governamentais.
Soma-se a isto a introdução das Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC),
com iniciativas do governo federal, com o Programa Nacional de Tecnologia
Educacional (PROINFO Integrado[5]), e
de Minas Gerais, com o Projeto Escolas em Rede, que distribuíram computador e
internet nas escolas (Balduti, 2017).
É neste contexto que emerge o esboço da política pública SIMADE,
com intuito de promover melhorias de rendimento e desempenho, reduzir os gastos
nas escolas e usar os benefícios tecnológicos oferecidos pela TIC como, por
exemplo, acompanhamento em tempo real e visualização dos dados em vários
formatos, para instituir uma política de pactualização
de resultados em que o diretor é o responsável por “prestar contas dos
resultados educacionais, transformando-o no principal responsável pela efetiva
concretização de metas e objetivos, quase sempre hierarquicamente definidos”
(Duarte et al., 2016, p. 202).
Na etapa Formulação, “que especifica os planos de ação, também
caracterizada por debates, articulações de interesses e tomadas de decisões” (Giusto & Ribeiro, 2019, p. 2), o SIMADE estabeleceu-se
a partir da Resolução SEE n.º 1.180 (Minas Gerais, 2008), que determinou o
desenho desta política pública. A formalização do processo foi decisiva e
definiu o grau de centralização/descentralização, os mecanismos
fiscalizatórios, as diretrizes e orientou a implantação, além da atuação dos
burocratas de médio escalão, responsabilizando-os pelas inserções e
atualizações dos dados de suas escolas.
A Resolução SEE n.º 1.180 (Minas Gerais, 2008, p. 1) promulga
quanto à interpretação do papel do diretor no artigo 6º:
É responsabilidade do Diretor da Escola a
entrada dos dados no SIMADE, a sua fidedignidade e a sua atualização periódica.
Parágrafo
único. A alteração de dados do SIMADE só poderá ser feita por servidor que
tenha autorização expressa do Diretor da Escola.
A resolução
permitiu que o diretor atuasse como usuário do sistema, isto é, o burocrata de
nível de rua (aqueles que atuam diretamente no contato com os usuários dos
serviços públicos, afetando o desempenho, a qualidade e o acesso aos bens e
serviços promovidos pelo governo), ou como um BME. Como constatado nas
pesquisas de Fonseca (2014), Tomaz (2015) e Balduti
(2017), no contexto escolar, poucos diretores (cerca de 20%) afirmam exercer
esta dupla atuação, uma vez que em decorrência das tarefas diárias e da complexidade
da função de diretor, o usuário do sistema é o secretário escolar e os demais
integrantes da equipe da secretaria da escola. Portanto, no contexto do SIMADE,
estes profissionais são os burocratas de nível de rua.
A fase seguinte, Implementação, é caracterizada como “o momento em
que as diretrizes são colocadas efetivamente em prática junto ao público-alvo”
(Giusto & Ribeiro, 2019, p. 2). Tradicionalmente,
os estudos sobre implementação de políticas públicas tendiam a focalizar a
execução das atividades instituídas de cima para baixo, como apontado por Lotta (2015) e Oliveira (2019), em uma perspectiva
analítica denominada policy-centered. O
objetivo da implementação era atingir metas previamente definidas no processo
de formulação das políticas, sendo consideradas prescritivas e hierárquicas,
como no modelo top down, no qual os atores eram
subordinados aos tomadores de decisões e havia uma tradução automática entre
decisão e ação. Poderiam ser também descritivas e flexíveis, como no modelo bottom up, que
surgiu nas décadas seguintes e valoriza a observação da efetividade e avaliação
das políticas, bem como os fatores que ocasionam falhas no processo de
implementação. Em ambos os casos, ao se analisar a implementação, havia um
distanciamento entre a formulação e a execução, separando administradores e
executores, fazendo com que se considerasse a existência de distintas formas de
implementação, com diferentes motivações e graus de autonomia dos
implementadores (Muylaert, 2019; Oliveira, 2019).
Rompe-se, portanto, com a perspectiva linear em que as políticas
públicas são implementadas conforme elaboradas e descritas na formulação, uma
vez que há, na implementação, um processo de releituras, reinterpretações,
mudanças de significados e traduções pelos atores, ao colocarem a política
pública em prática. Esta perspectiva de política pública valoriza a negociação
e a ação, sendo considerada uma segunda geração de estudos sobre implementação.
Estudos recentes (Lotta, 2015; Oliveira,
2019; Muylaert, 2019), sintetizando as contribuições
dos modelos de análise anteriores, compreendem o processo de implementação como
central e contínuo, no qual um dos elementos base de análise é a
discricionariedade dos agentes implementadores e dos burocratas de médio
escalão. Neste sentido, a discricionariedade “passa a ser focalizada em um
movimento de olhar a implementação como um conjunto de tensões, interações e
estratégias, que envolvem as tomadas de decisão” (Oliveira, 2019, p. 3).
A implementação do SIMADE, pautada no modelo top down, começou em janeiro de 2008, com
a participação de 56 instrutores e 9 analistas[6]subordinados ao CAEd/UFJF, o qual, em parceria com SEE/MG, coordenou e
acompanhou toda a implementação nas 3.920 escolas estaduais[7]. A partir de março de 2010,
com o sistema já na versão on-line[8], a
implementação ficou a cargo dos técnicos das 43[9] Superintendências Regionais
de Ensino (SREs), embora o suporte[10] aos
usuários do sistema ainda fosse realizado pelo CAEd.
Em outubro de 2016, o SIMADE passou a ser administrado somente pela SEE/MG,
embora o CAEd ainda fosse responsável pelo suporte
aos usuários do sistema até dezembro do mesmo ano. Em janeiro de 2017, o SIMADE
se tornou responsabilidade exclusiva da SEE/MG e o atendimento aos usuários
passou a ser realizado pelas equipes das SREs (Balduti, 2017).
A fase da avaliação, “que se utiliza de algum instrumento de
mensuração para verificar os resultados obtidos, comparando-os com as
especificações formuladas e os objetivos planejados” (Giusto
& Ribeiro, 2019, p. 2), tem sido realizada por meio de pesquisas mistas
(Fonseca, 2014; Tomaz, 2015; Balduti, 2017) ou
qualitativas (Salgado, 2014). Tais pesquisas indicam haver pouco detalhamento
quanto à formulação da política, restando apenas o prescrito pela Resolução
1.180 (Minas Gerais, 2008), e que a implementação não apresenta interlocução
com as demandas das escolas e com os profissionais à frente da gestão, posto
que se utilizou o modelo top-down. Além disto, a avaliação foca nos efeitos do
sistema, sem associá-los a uma análise das fases do ciclo de políticas públicas
e burocratas implementadores de diferentes escalões envolvidos no
desenvolvimento, acesso e uso do sistema. Há, portanto, necessidade de se
introduzir na pauta analítica a atuação dos burocratas implementadores e sua
discricionariedade na política pública SIMADE.
Burocratas de
Médio Escalão: os diretores escolares da rede estadual de Minas Gerais
Nas últimas décadas, a literatura sobre políticas públicas fez
avanços importantes na compreensão sobre o papel dos burocratas no processo de
formulação das políticas. No entanto, os estudos focalizaram, especialmente, os
burocratas de alto escalão e os de nível de rua, sendo estes os destaques do
campo, desconsiderando a relevância dos burocratas de médio escalão em
diferentes instâncias dos governos e da gestão pública e privada (Mota et al.,
2019; Cavalcante et al., 2017).
Por ocuparem uma posição intermediária, os burocratas de médio
escalão estão no “limbo” conceitual entre os modelos top-down e bottom-up, ao se situarem entre o
topo e a base (Oliveira & Abrucio, 2018), pela
variedade e heterogeneidade de atores em distintos contextos setoriais e
institucionais, além das especificidades dos cargos (Pires, 2015). Os
burocratas de médio escalão são difíceis de serem compreendidos porque sua
definição se dá em relação à posição ocupada em cada política ou em cada
estrutura governamental, em detrimento de características específicas, próprias
e iguais em todos os órgãos e políticas públicas (Lotta
et al., 2014).
No entanto,
Lotta et al. (2014) e Oliveira
(2019), em extensa revisão das publicações nacionais e internacionais, observam
que a literatura vem realizando alguns progressos. Dentre eles, pode-se citar a
percepção de semelhanças e diferenças entre os burocratas de médio escalão, já
que cada contexto envolve realidades específicas que determinam quem são e o
que fazem.
O referencial teórico sobre burocratas implementadores, oriundo
das Ciências Políticas e recém-apropriado no campo da educação, em estudos sobre
implementação (Lotta, 2014; Mota et al., 2019),
compreende o diretor escolar – funcionário vinculado a uma unidade de ensino
federal, estadual ou municipal, ocupante de um cargo comissionado – como BME.
Por mais que o diretor escolar tenha contato diário com os discentes e/ou sua
família/responsável (que são os beneficiários do serviço educacional) por meio
de suas tarefas, o conjunto de suas atribuições são de profissionais que atuam
no nível intermediário da hierarquia burocrática, ou seja, as tarefas do
diretor fazem com que ele seja um elo entre o alto escalão e o nível de rua.
Desta forma, baseando-se na literatura sobre agentes implementadores
(Cavalcante & Lotta, 2015; Lotta
et al., 2014; Muylaert, 2019), considera-se o diretor
de escola um BME.
De acordo com Lotta et al. (2014, p.
465), os burocratas de médio escalão são “atores que desempenham função de
gestão e direção intermediária (como gerentes, diretores, coordenadores ou
supervisores) em burocracias públicas e privadas”, nos processos de implementação
de políticas públicas. Os BME atuam para transformar as estratégias políticas
em decisões operacionais e, para tal, estabelecer conexões horizontais (com
colegas) e verticais (com subordinados e superiores hierárquicos), auxiliando
também na compreensão de como a administração pública funciona (Cavalcante et
al., 2017).
Na política pública SIMADE, os burocratas de médio escalão são os
diretores escolares responsáveis pela manutenção e atualização periódica do
sistema, atendendo aos desígnios da SEE/MG, bem como coordenando a atuação dos
secretários escolares no uso do sistema. Em Minas Gerais, o cargo de diretor
escolar é ocupado por funcionários públicos — contratados ou efetivos — que
participaram de um processo de Certificação Ocupacional[11]. Este processo visa
selecionar profissionais da educação que possuam conhecimento técnico, aferido
por meio de prova, e que também sejam escolhidos pela comunidade escolar via
eleição para assumir o cargo de diretor das escolas estaduais (Fonseca, 2014;
Tomaz, 2015). Desta maneira, ao estar investido em um cargo público, o diretor
exerce um papel administrativo que o vincula ao poder que o nomeou quanto à
escola que dirige e representa, fazendo um elo entre o Estado e a comunidade
escolar (Muylaert, 2019). Assim, o diretor se conecta
ao alto escalão, SEE/MG, e à escola e a todos os atores que a compõem.
No cotidiano das escolas, os diretores como BME desempenham um
duplo papel: técnico-gerencial e técnico-político. Como técnico-gerencial, “as
ações dizem respeito a como esses burocratas traduzem as determinações
estratégicas em ações cotidianas nas organizações, construindo padrões de
procedimentos e gerenciando os serviços, portanto, os burocratas
implementadores” (Lotta et al., 2014, p. 472). O
segundo papel, técnico-político, diz respeito a “como esses atores constroem
negociações e barganhas relacionadas aos processos em que estão envolvidos e
sua relação com o alto escalão” (Lotta et al., 2014,
p. 473). Este papel, entretanto, depende diretamente da posição do BME na
cadeia de atores, entre a formulação e a implementação.
Portanto, a atuação dos agentes e as relações
que estabelecem possibilitam compreender os processos de implementação
das políticas públicas. De acordo com Lotta et al.
(2014), a ausência na literatura sobre os burocratas de médio escalão merece
maior atenção devido ao fato de oferecer ganhos analíticos e interpretativos
importantes, além da compreensão dos efeitos na implementação e sua rede de
interações e processos.
Caminhos
metodológicos
Este artigo resulta de uma pesquisa desenvolvida no Doutorado em
Educação do Programa de Pós-Graduação da Pontifícia Universidade Católica do
Rio de Janeiro (PUC-Rio). Tendo como objeto de estudo o SIMADE e a
discricionariedade dos diretores escolares, esta pesquisa adotou a abordagem
mista, combinando técnicas de coleta e análise qualitativa e quantitativa.
Para tal, em 2019 aplicou-se um questionário on-line para 3.444
diretores de escolas que ofertam o ensino regular e atendem 2.137.891 alunos da
rede estadual de Minas Gerais. O instrumento foi composto de 38 questões que
versavam sobre o perfil do respondente, acesso e uso do SIMADE. Por se tratar
de uma pesquisa realizada com seres humanos, tanto a SEE/MG como cada diretor
escolar assinaram, virtualmente, o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido,
conforme solicitado pelo Comitê de Ética da PUC-Rio, ao qual este trabalho foi
submetido e aprovado. Para preservar o anonimato dos respondentes foram
atribuídos nomes fictícios a cada resposta dos diretores.
Os 586 questionários que retornaram respondidos pelos diretores
escolares foram analisados por meio do software SPSS (versão 18), que
possibilitou traçar o perfil dos respondentes e as características de acesso e
uso do SIMADE, bem como identificar a discricionariedade exercida pelos
burocratas de médio escalão.
Em seguida, selecionamos a questão aberta “Qual a sua
responsabilidade em relação ao SIMADE?”, que possibilitou um espaço de
expressão menos guiada do respondente sobre o tema, para compreender a
discricionariedade do diretor. As 586 respostas foram compiladas a partir da
análise de conteúdo que, segundo Carlomagno e Rocha
(2016, p. 175), “se destina a classificar e categorizar qualquer tipo de
conteúdo, reduzindo suas características a elementos-chave, de modo com que
sejam comparáveis a uma série de outros elementos”. Para o tratamento dos
dados, a técnica da análise categorial baseou-se em diferenciar os núcleos de
sentido que constituem a comunicação para, posteriormente, reagrupá-los em categorias.
Assim, encontramos duas categorias: administrativa, composta por 525 escolas; e
pedagógica, formada por 27 escolas.
Características
dos BME
Nas 586 escolas, 93,3% dos respondentes exercem a função de
diretor escolar e apenas 6,7% ocupam a função de vice-diretor, sendo,
predominantemente, mulheres (72,1%) que ascenderam à função por meio de
processo seletivo e eleição (94,5%). No que diz respeito à cor, há
predominância da cor branca (50,5%), seguida da parda (41,1%), resultado
semelhante ao observado por Soares e Teixeira (2006). A média de idade é de 48
anos, embora as faixas etárias que predominam sejam a de 41 a 50 anos (39,9%) e
de 51 a 60 anos (38,6%), semelhante ao resultado dos estudos de Tomaz (2015) e Balduti (2017).
Grande parte dos diretores (96,7%) já trabalharam como regentes na
educação básica, com média de 15 anos, ao passo que como diretor de escola e na
direção da escola atual (em que participa do survey),
a média é de menos de 2 anos. Como cada mandato dura quatro anos, estes diretores
e vice-diretores estão em seu primeiro mandato, como ilustrado no gráfico a
seguir:
Gráfico 1
Tempo na direção desta escola[12]
Fonte:
Lima (2019, p. 85).
O gráfico também indica que há significativa rotatividade no
cargo, pois, apenas 38,5% dos diretores estão há mais de 6 anos como diretor.
Este resultado está associado à própria legislação do estado de Minas Gerais
que, até 2018, possibilitava apenas uma reeleição consecutiva ao cargo de
diretor. A ascensão ao cargo por processo seletivo e eleição, segundo Lima
(2019), permite uma escolha mais consistente ao selecionar os melhores
candidatos, usando a competência técnica e a apreciação da comunidade escolar.
No que se refere à escolaridade, os gestores são,
majoritariamente, graduados em Pedagogia e Matemática, respectivamente 8% e 6%,
Biologia, Letras e História, cerca de 5% cada[13]. Entre os diretores,
conforme já observado em inúmeras pesquisas (Balduti,
2017; Tomaz, 2015), predominam os que possuem pós-graduação, cerca de 70%, e 6%
concluíram o curso de Gestão Escolar, 5,4% de Supervisão, 4% de Matemática,
3,7% de Psicopedagogia e 3,1% de Inspeção Escolar.
Cerca de 60% dos diretores consideram que possuem boa relação de
trabalho com os secretários escolares, sendo esta fundamental para o funcionamento
da unidade escolar em âmbito administrativo e para o uso do SIMADE. Lima (2019)
observa que a percepção sobre o ambiente está significativamente associada a um
forte alinhamento dos atores escolares em relação à missão e à visão que
compartilham sobre a unidade de ensino.
Dentre os 586 diretores, 65% afirmam dedicar entre 1 hora a 5
horas semanais às relações externas, que incluem reuniões e/ou contato com a
Superintendência Regional de Ensino (SRE), que repassa as orientações da
SEE/MG. Ou seja, fica mais fácil ter complacência com as regras e normas
advindas dos burocratas de alto escalão (Fuster, 2016), às vezes de maneira
inovadora e às vezes conservadora (Oliveira, 2019), isto é, com uma flexível
margem de discricionariedade.
Estes resultados também destacam a dimensão relacional da atuação
dos BME, os quais, por estarem no nível intermediário, com relações de trabalho
horizontais e verticais, possuem informações que regulam seus relacionamentos,
além de manter o fluxo frequente de monitoramento da escola (Cavalcante et al.,
2017).
Eles
constroem (ou produzem) sua posição por meio da gestão desses fluxos
informacionais — eles cobram com maior ou menor intensidade, decidem o que
“sobe” e o que “não sobe”, […], decidem como equilibrar os tensionamentos entre
os diversos atores com os quais interagem, eles administram as providências e
os encaminhamentos necessários. (Pires, 2015, p. 217)
Assim, são os burocratas de médio escalão que definem o
funcionamento da escola, articulando as relações horizontais e verticais,
construindo consenso entre os atores para alcançarem seus objetivos. São,
portanto, um agente intermediário entre o alto escalão e os burocratas de nível
de rua.
O papel dos
diretores escolares na implementação do SIMADE
A implementação das políticas públicas, segundo Mota et al.
(2019), deve ser considerada para observar a atuação dos atores, como também no
potencial de ajustes que esta etapa representa em relação à formulação da
política. No que tange ao uso do SIMADE, especificamente relacionado à
frequência de acesso, apenas 7,84% dos diretores afirmaram não usar o sistema e
aproximadamente 20% relatam que o uso ocorre através dos funcionários da
secretaria, ou seja, eles não o acessam diretamente. Cerca de 70% dos diretores
acessam frequentemente o sistema.
A formulação da política pública SIMADE deixa um espaço de decisão
para que o diretor atue como usuário ou como um observador da inserção das
informações, já que não explicita o que se espera dos usuários do SIMADE em
relação ao acesso e ao uso do sistema e dos dados, tornando amplo o exercício
da discricionariedade. Nota-se como diferença entre os
observadores e usuários, a participação em curso de formação sobre o SIMADE,
que pode fomentar a compreensão sobre o sistema e de sua importância para a
gestão escolar. Ademais, os diretores observadores atuam em escolas que ofertam
anos iniciais (82) ou ensino fundamental completo (93); ao passo que as escolas
dos diretores usuários atendem ensino fundamental (355) ou ensino médio (43). Embora
a frequência de uso do sistema dependa da forma como os diretores interpretam e
compreendem sua ação na escola, difícil de captar pelo survey, estas respostas parecem indicar que a formação associada às
etapas atendidas pode influenciar o uso do sistema.
Os burocratas de médio escalão gerenciam a lacuna existente na
regra e usam práticas distintas, com adaptações e traduções de regulamentações,
para alcançarem seus resultados (Lotta, 2014). Há,
portanto, uma recontextualização do discurso original
para um contexto em que é modificado, condensado e reelaborado (Oliveira, 2019)
por cerca de 30% dos diretores, que compreendem não ser sua tarefa o acesso ao
SIMADE.
Este resultado coaduna com a constatação de Cavalcante e Lotta (2015) e Cavalcante et al. (2017) de que o ambiente
que o BME opera oferece distintas formas de atuação e discricionariedade em
relação à política pública. As duas formas de acesso – por meio do secretário e
pelo próprio diretor escolar – denotam respectivamente: (i) a proximidade dos
diretores com os burocratas de nível de rua (neste caso os secretários
escolares), visto que são eles os usuários do SIMADE e os atores que mantêm o
diálogo com os beneficiários da política (os alunos e/ou pais ou responsáveis)
e têm a atribuição de fornecer ao diretor todos os dados necessários para a
gestão da escola; (ii) ao usar o sistema e,
possivelmente, compreender seus dados, o diretor se aproxima mais dos burocratas
de alto escalão porque, além de conhecer e monitorar os dados de sua própria
escola, tem mais condições de entender as decisões políticas emanadas pelo
burocratas de alto escalão. Cabe ressaltar, conforme observado por Cavalcante
et al. (2017), que interação dentre os atores internos (diretores e secretários
escolares) e externos (SEE/MG e SRE), a natureza técnica das decisões e o
próprio grau de discricionariedade, podem trazer contornos diferenciados para o
acesso ao sistema e para a administração pública.
Este resultado coaduna com as respostas dadas pelos diretores
sobre sua responsabilidade em relação ao uso do SIMADE[14]. Selecionamos algumas
respostas para ilustrar a percepção dos diretores:
(i) grupo de respostas 1 - manter atualizado e
os dados corretos para uma análise verdadeira e concreta (Margarida, 44,
diretora); designar e supervisionar a secretária responsável e realizar algumas
ações mais específicas quando necessário (Jasmim, 40, diretora); acompanhar a
inserção de dados fidedignos e sua constante atualização (João, 37, diretor);
supervisionar, o serviço é realizado pela secretaria (José, 47, diretor); fazer
cumprir todas as ações inerentes ao mesmo, fiscalizando o acesso pela
secretária e pontualidade na alimentação dos dados (Rosa, 33, diretora);
supervisionar, o serviço é realizado pela secretaria. (Amarílis, 42, diretora)
(ii) grupo de
respostas 2 - abrir semanalmente juntamente com a equipe pedagógica para
conferir frequência, evasão, desempenho pedagógico (Azaleia, 51, diretora);
monitorar os índices de evasão, abandono e desempenho discente e elaborar
planos de metas e ações para intervenção com o apoio da supervisora escolar
(Camélia, 45, diretora); verificar, junto à equipe pedagógica, as estratégias
que devem ser feitas para melhor rendimento dos alunos e diminuir a evasão
escolar. (Paulo, 49, diretor)
No primeiro grupo, composto por 525 diretores, assume-se um papel
de supervisão, fiscalizando a execução das tarefas, visando apenas o
cumprimento das atividades que devem ser realizadas no SIMADE. O diretor,
conforme observado por Muylaert (2019), exerce uma
função bem definida em grande parte das políticas públicas, que é a tarefa de
coordenação. Nesta perspectiva, como ressaltado por Tomaz (2015) e Salgado
(2014), há um predomínio do uso técnico do sistema, ou seja, para fins de
atender a Resolução 1.180 (Minas Gerais, 2008), que visa o controle da unidade
escolar, além de contribuir para execução dos serviços escolares de forma
padronizada. Particularmente, este tipo de percepção de responsabilidade propõe
uma nova forma de regulamentação — centrada na definição e controle a priori
dos resultados, cujo intuito é assegurar a coerência, o equilíbrio e a
reprodução idêntica do uso do SIMADE por todas as escolas, por meio de práticas
que permitam o controle e o registro do que ocorre nas unidades de ensino.
No segundo grupo, formado por 24 gestores, o uso do sistema tem
foco nas informações que podem ser extraídas e podem contribuir para a melhoria
da aprendizagem dos discentes e para a qualidade da educação. O aluno parece
ser o foco e os dados extraídos podem facilitar o acompanhamento,
possibilitando um monitoramento do desempenho do discente e da escola, que
podem assegurar dados que permitam diagnosticar e propor estratégias para a
melhoria da qualidade do ensino.
Neste contexto, o diretor, por meio dos dados do sistema, pode
promover condições necessárias para a implementação de melhorias na escola,
particularmente, as de cunho pedagógico. Parece-nos que os diretores do grupo 2,
diferente daqueles do grupo 1, produzem uma nova regra que não se limita ao
cumprimento sistemático e integral da Resolução 1.180 (Minas Gerais, 2008), ao
usar o sistema para monitorar e tomar decisões dentro das escolas.
Embora estas duas categorias já sejam amplamente discutidas e
constatadas na literatura que investiga o cotidiano da gestão escolar (Werle & Audino, 2015; Leal
& Novaes, 2018) e como são apontadas como voltadas para o administrativo –
prestação de contas, coleta de orçamentos, organização de horários e controle
financeiro – e/ou pedagógico – currículo, avaliação, metodologia de ensino e
análise de desempenho –, o estudo em tela indica que há falta de clareza no
objetivo da formulação da política que pode estar ocasionando duas formas de implementação
distintas e, consequentemente, dois usos do sistema a partir da
discricionariedade dos diretores escolares.
Por um lado, visa-se o maior cumprimento das normas educacionais;
e, por outro, a busca por melhor rendimento e melhor desempenho discente, que
parece indicar que há valorização de uma gestão pedagógica da escola lastreada
em dados fornecidos pelo sistema. “Embora haja regras e normas que moldem
alguns padrões de atuação, ainda assim esses burocratas possuem autonomia para
decidir como aplicá-las e inseri-las nas práticas da implementação” (Lotta, 2015, p. 46). Desta forma, o SIMADE é compreendido
apenas como instrumento de padronização e controle, em detrimento de ser uma
ferramenta pedagógica que influencia a eficiência educacional e a gestão da
escola.
Este resultado corrobora a afirmação de Lotta
et al. (2014), pois, a diversidade de contexto de implementação, mesmo sendo
predominantemente escolas que atendem aos anos finais do ensino fundamental e
ensino médio (60%), pode fazer com que uma mesma regulamentação produza
resultados inteiramente diversos em realidades diferentes. Ou seja, o contexto
da escola pode estar sendo impactado pelo tipo de uso do sistema, embora as
ações, valores e referências dos diretores também influenciem e transformem o
modo como a política foi concebida.
Além disto, tanto o acesso quanto a percepção da responsabilidade
do diretor em relação ao uso do SIMADE estão relacionados à capacidade de
influenciar decisões, como apontado por Cavalcante et al. (2017). Estas
variáveis se materializam na política pública SIMADE, na verificação das
escolas em que os diretores afirmam que o uso do SIMADE é compatível com a
forma como os secretários também o fazem, ou seja, em 525 unidades de ensino,
os diretores e secretários usam o sistema voltado para o administrativo.
Segundo Lima (2019), devido às atribuições do cargo de secretário voltadas para
a escrituração, registro e organização das informações, estes profissionais não
se dedicam à dimensão pedagógica e, por isso, não vislumbram o SIMADE como
pedagógico. Fica a hipótese de que, como 61,5% dos diretores estão no primeiro
mandato ou no início do segundo, eles podem estar usando o sistema conforme a
visão dos secretários escolares que coaduna com os propósitos da SEE/MG materializados
na Resolução 1.180 (Minas Gerais, 2008).
Nestes casos, parece haver um considerável alinhamento entre
diretores e secretários, que partilham percepções sobre o sistema numa relação
produtiva de colaboração e que pode repercutir favoravelmente no clima escolar,
como apontado por 60% dos diretores, e no uso do sistema e de seus dados.
Afinal, o fato de os alinhamentos entre diretores e secretários serem voltados
ao aspecto administrativo indica que a regulamentação proposta pelo Estado,
desde o Choque de Gestão (Duarte et al., 2016), bem como a responsabilização
dos diretores por resultados dos discentes (Drabach
& Souza, 2014), ainda se faz muito presente.
Apesar de o uso pedagógico do SIMADE poder
ser consequência de outros fatores que possuem um peso bem mais significativo
na educação, como, por exemplo, a origem social dos estudantes e as ações
didático-pedagógicas do professor (Soares & Teixeira, 2006), registramos a
seguinte hipótese para futuros estudos: as 24 escolas podem ter em vista
assegurar a qualidade educacional, via aumento do desempenho discente e
equidade intraescolar, adotando ações pautadas em evidências fornecidas pelo
SIMADE, uma vez que “um mesmo conjunto de práticas escolares pode atuar,
concomitantemente, aumentando o desempenho médio das escolas e promovendo a
equidade entre os discentes” (Lima, 2019).
O resultado das 24 escolas reflete, em oposição ao observado por Bonelli et al. (2019) na aplicação da Teoria da Agência[15], em
uma sincronicidade entre o uso do sistema por diretores e secretários que pode
gerar estratégias informacionais, articulando, na perspectiva de cada ator,
determinadas informações administrativas e/ou pedagógicas que permitam levantar
evidências educacionais sobre a unidade de ensino e um uso dos dados do sistema
significativo para o contexto da escola. Conforme observado por Giusto e Ribeiro (2019), ao analisar os burocratas de nível
de rua, há, assim como para os BME, “uma liberdade de ação, especialmente
quando diante de regras ambíguas e contraditórias” (Giusto
& Ribeiro, 2019, p. 4), que permite que os secretários façam sua própria
interpretação da política pública a partir de sua experiência prévia, algo que
pode ser considerado no fornecimento de informações para o BME. Parece-nos que
nestas escolas, mesmo tendo visões divergentes sobre o sistema, a atuação dos
secretários escolares e do BME se articula e se complementa em prol dos
resultados dos discentes.
Portanto, os diretores escolares são os responsáveis por coordenar
a implementação da política pública SIMADE e, por vezes, articulam e constroem
consensos entre os diferentes atores envolvidos, como nas escolas em que o uso
do sistema é administrativo ou pedagógico. Por conta de seu posicionamento
intermediário na estrutura organizacional, os diretores fazem com que as
decisões sejam colocadas em ação, mas também exercem discricionariedade, que
pode ter em vista melhorar a qualidade e equidade nas escolas da rede pública
estadual de Minas Gerais.
Considerações
finais
O Sistema Mineiro de Administração Escolar (SIMADE) permite que
burocratas de médio escalão tenham uma significativa margem de
discricionariedade no acesso e uso do sistema, que reverbera em novos sentidos
e significados para a política pública e, consequentemente, para sua
implementação. Além disto, a formulação desta política, estruturada de forma
prescritiva e hierárquica, se distancia da implementação, já que aquela pouco
explicitou sobre o acesso e, principalmente, sobre o uso do sistema,
possibilitando grande margem de discricionariedade para os diretores e até
mesmo o não acesso ao sistema. Tanto pelo acesso como pelo uso, ora o BME se
aproxima do alto escalão, com um uso pedagógico que lhe permite monitorar o
desempenho dos discentes e da escola; ora se aproxima dos burocratas do nível
de rua, sendo um fiscalizador das ações desenvolvidas no sistema.
Ademais, na forma de implementação voltada para o uso
administrativo do SIMADE, embasada na Resolução 1.180/2008 (Minas Gerais, 2008),
os BME coadunam com o discurso proferido pelo alto escalão em uma perspectiva gerencialista, que preza pelo controle, padronização,
eficiência no serviço público. Por outro lado, na implementação voltada para
uma perspectiva pedagógica, há a produção de uma nova regra que não se limita
ao cumprimento sistemático e integral da referida resolução, mas o uso dos
dados do SIMADE para monitorar e tomar decisões dentro das escolas. Por ter
sido instituído sob o bojo do Choque de Gestão, o SIMADE contribui para uma
política pública maior, que é a educacional, sendo um meio para atingir
determinados propósitos educacionais.
Os limites deste estudo, decorrentes da abordagem metodológica,
demarcam pontos de partida para futuras pesquisas qualitativas, com possibilidades
de investigar o uso dos dados administrativos e pedagógicos a partir de
práticas e perfis do diretor; complexidade organizacional da escola
(secretários e suas interações com a direção); etapas e perfis de alunos (nível
socioeconômico, rendimento e etc.). Tais estudos podem revelar aspectos
técnicos, políticos e gerenciais estabelecidos e executados pelos burocratas de
alto escalão, além de fomentar evidências sobre a necessidade de formação dos
diretores para uso do SIMADE.
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[i] Doutora em Educação pela
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (2019).
[2] Atualmente denominado Fundação CAEd.
[3] A primeira etapa foi de 2003 a 2006 e
tinha como objetivo obter o equilíbrio fiscal.
[4] Desde 2015 denomina-se Sistema Mineiro de Avaliação
e Equidade da Educação (SIMAVE).
[5] Ampliou algumas diretrizes do Programa Nacional de Informática na Educação (PROINFO), buscando a universalização da informática educativa por meio do acesso a computadores e laboratórios de informática.
[6] Profissionais responsáveis pela
implantação nas seis regiões de Minas Gerais.
[7] Total de escolas estaduais no ano de 2008.
[8] De 2008 até meados de 2010 o sistema era instalado no(s)
computador(es).
[9] Atualmente são 47 SREs.
[10] Suporte telefônico, presencial e via e-mail.
[11] Avalia, por meio
de prova, o conhecimento pedagógico, técnico e as competências necessárias ao
cargo de diretor escolar.
[12] 538 diretores responderam esta pergunta.
[13] 253 diretores responderam
esta pergunta.
[14] A pergunta “Qual a sua responsabilidade em relação ao SIMADE?”foi respondida por 552
diretores.
[15] Nos vários níveis hierárquicos podem ser identificadas relações
entre os burocratas de alto e médio escalão e seus subordinados, nas quais podem ocorrer problemas informacionais.