Alfabetização
científica nos anos iniciais: urgência em investir na formação de professores
Alfabetización científica en los primeros años:
urgencia de invertir en formación docente
Scientific literacy in the early years: urgency to
invest in teacher training
Cristina Aparecida de Oliveira[i]
Universidade Federal do ABC
Santo André, SP, Brasil
cristinaapoliveira.88@gmail.com
https://orcid.org/0000-0003-2365-2733
Patricia da Silva Sessa[ii]
Universidade Federal do ABC
Santo André, SP, Brasil
https://orcid.org/0000-0003-1509-4030
As
autoras contribuíram igualmente na elaboração do manuscrito.
Recebido em: 05/12/2021
Aceito em: 30/03/2022
Publicado
em: 06/04/2022
Linhas
Críticas | Periódico científico
da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília, Brasil
ISSN: 1516-4896 |
e-ISSN: 1981-0431
Volume 28, 2022
(jan-dez).
http://periodicos.unb.br/index.php/linhascriticas
Referência
completa (APA):
Oliveira, C. A. de., & Sessa, P. da S. (2022). Alfabetização
científica nos anos iniciais: urgência em investir na formação de professores. Linhas
Críticas, 28, e41065. https://doi.org/10.26512/lc28202241065
Link alternativo:
https://periodicos.unb.br/index.php/linhascriticas/article/view/41065
Licença Creative Commons
CC BY 4.0.
Resumo: O foco deste artigo está na alfabetização
científica (AC), formação de professores dos anos iniciais do Ensino
Fundamental e suas políticas curriculares. Adotamos a abordagem qualitativa.
Entrevistamos seis professores através de aplicativo de mensagens e analisamos
sequências didáticas de Ciências. Utilizamos a Análise de Conteúdo, tendo como
base os eixos e indicadores de AC (Sasseron, 2008), competências e habilidades
da Base Nacional Comum Curricular (Brasil, 2018) e conteúdos dos Parâmetros
Curriculares Nacionais (Brasil, 1997). Como resultados, evidenciamos a
necessidade de investimento na formação docente para potencializar os processos
de alfabetização científica.
Palavras-chave: Infância. Alfabetização científica. Formação de professores. Anos
iniciais do ensino fundamental.
Resumen: El foco de este artículo es sobre la alfabetización
científica (AC), la formación docente en los primeros años de la Enseñanza
Fundamental y sus políticas curriculares. Adoptamos un enfoque cualitativo y
entrevistamos a seis profesores a través de una aplicación de mensajes y
análisis de secuencias didácticas de Ciencias. Utilizamos el Análisis de Contenido,
basado en ejes e indicadores AC (Sasseron, 2008), competencias y habilidades de
la Base Curricular Común Nacional (Brasil, 2018) y contenidos de los Parámetros
Curriculares Nacionales (Brasil, 1997). Como resultado, apuntamos la necesidad
de invertir en la formación de docentes, para potenciar los procesos de
alfabetización científica.
Palabras
clave: Infancia. Alfabetización científica. Formación del profesorado.
Primeros años de la escuela primaria.
Abstract: The focus of this article is on scientific literacy
(SC), teacher training in the early years of Elementary School and its
curricular policies. We adopted a qualitative approach and interviewed six
teachers through a message application and analysis of science didactic
sequences. We used Content Analysis, based on SC axes and indicators (Sasseron,
2008), competencies and skills of the National Common Curricular Base (Brasil,
2018) and contents of the National Curriculum Parameters (Brasil, 1997). As a
result, we evidenced the need to invest in teacher training, to enhance
scientific literacy processes.
Keywords: Childhood.
Scientific literacy. Teacher training. Early years of elementary school.
Introdução
O presente artigo defende o argumento de que a AC
é um processo relevante e necessário à educação, devendo ser trabalhada pelos professores desde cedo, de modo a
integrar a educação científica ao
cotidiano das crianças. E, neste sentido, mais importante que o domínio da expressão “alfabetização científica” é compreendermos em quais termos o professor
forma seus alunos para investigar e compreender o mundo a partir de fontes científicas e como o faz.
A AC, compreendida aqui como um processo
permanente de apropriação e desenvolvimento
de conhecimentos de natureza científica e tecnológica, se trabalhada já nas
séries iniciais, multiplica as possibilidades de as crianças lerem e
compreenderem o mundo à sua volta (Lorenzetti
& Delizoicov, 2001).
Assumimos que desenvolver a AC na educação básica
favorece o quanto antes o desenvolvimento de cidadãos críticos
e conscientes por meio
de aulas investigativas que direcionam os educandos aos problemas sociais,
oportunizando a reflexão sobre as questões que impactam o local em que residem.
Ao alfabetizar cientificamente desde cedo, o educador possibilita uma vivência
questionadora a qualquer prática que venha a realizar no meio em que o educando vive,
propiciando a visão de que o ser humano vivencia, junto ao meio ambiente, uma
relação de interdependência.
Nesta
perspectiva, a presente pesquisa
apresenta, como foco, práticas docentes nos anos iniciais do Ensino
Fundamental que desenvolvem a AC, tendo, como base, contribuições no campo da formação de professores. Além
disso, busca responder as seguintes questões: O que se aprende sobre AC na
formação inicial que chega à sala de aula?
De que forma tais práticas docentes atendem à educação científica das crianças?
De que forma as políticas
curriculares são contempladas no cotidiano das salas de aula das crianças? Com
isso, o objetivo deste trabalho é investigar a AC nos processos formativos dos
professores e em suas práticas cotidianas de sala de aula no contexto dos anos
iniciais do Ensino Fundamental, considerando a homologação da Base Nacional
Comum Curricular (BNCC) (Brasil, 2018).
No que concerne ao aspecto metodológico,
utilizamos-nos da abordagem qualitativa de pesquisa de modo a construirmos
significados a partir dos dados tomados, que consistiram em entrevistas com
seis docentes dos anos iniciais de diferentes municípios (estados de São Paulo e Piauí) e sequências didáticas desses
sujeitos de pesquisa. Do ponto de vista acadêmico, assumimos a necessidade de
buscar referenciais teóricos sobre a formação inicial e continuada dos
professores dos anos iniciais do
Ensino Fundamental; sobre a criança, AC, os
Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) (Brasil, 1997) e sobre a BNCC
(Brasil, 2018).
As crianças e seus
saberes: os significados da infância
As ideias sobre o desenvolvimento da infância
foram construídas historicamente a partir de diversos paradigmas, acumulando
interferências dos campos sociológicos e culturais. Neste sentido, para tratarmos
da criança e de suas individualidades, há a necessidade de contextualizarmos
seu locus social, considerando que
seu papel na sociedade foi compreendido de diversas formas.
Conforme aponta Alves (2013), a criança é um ator
ou sujeito social que se relaciona com o mundo e requer
ser notada; se faz humana
a partir do contato com a codificação e decodificação de símbolos sociais do grupo ao qual pertence. O autor afirma que a criança ressignifica o mundo à sua volta e, ao
estudar e brincar, constrói símbolos
de interação e relações sociais que então orientarão sua forma de estar no mundo.
As fases de desenvolvimento da criança são caracterizadas pela curiosidade
à medida que busca compreender os objetos e as coisas que desconhece e, assim, investiga o mundo por
meio das brincadeiras, que iniciam muito cedo.
Dip (2016) afirma que se institui, entre a década de 1980 e 1990, a “Sociologia da Infância”
a fim de estudar as crianças por meio de outros
referenciais que não apenas a visão da família e o convívio escolar. Tal
paradigma foi deflagrado por uma série de mudanças que ocorreram na sociedade contemporânea e que já não representavam mais uma infância
condizente com as necessidades das crianças,
tendo em vista, por exemplo,
as novas formas de vida familiar,
o consumo diversificado, as mudanças
no mercado de trabalho, entre outros
fatores.
Segundo Montandon (2001) a sociologia da infância
foi fundamental ao reconhecimento da criança
como ator social ativo e da infância como uma construção social,
política e cultural. Assim, as
pesquisas sociológicas deslocaram seus paradigmas, considerando o lugar da criança
e da infância. Desta
forma, conforme ainda o autor, as pesquisas passaram a ser com crianças e não mais sobre elas, buscando sempre a melhor forma
de capturar o olhar infantil e
significar suas vozes e visões de
mundo.
Nesta
perspectiva, falar de criança é compreendê-la como um sujeito em desenvolvimento, com curiosidade
natural pelo novo e seu papel social definido
a partir de suas interações com o mundo à sua volta.
Alfabetização científica nos anos iniciais do Ensino Fundamental
A educação científica e tecnológica tem se mostrado cada vez mais indispensável para a vivência cidadã à
medida que possibilitam uma apropriação consciente da ciência, no sentido de melhorias para a sociedade como um todo.
Observamos que, de uma forma geral, nos significados da educação estão
imbricados os meios social e científico e, por conseguinte, compreendemos que a
educação científica é tecida por meio da relação entre ciência, tecnologia,
sociedade e meio ambiente (CTSA), deflagrando uma formação que oportuniza a AC
e tecnológica.
Isto posto, entendemos que o desenho de um
currículo concernente ao ensino de Ciências precisa reconhecer a educação científica integrada aos
conceitos de CTSA e de AC, o que se faz a partir de conteúdos problematizadores, de
caráter reflexivo e que
identifiquem as problemáticas da realidade, as quais devem ser denunciadas de
forma dialógica, por meio da reflexão sobre as contradições básicas da situação
existencial: “A educação problematizadora se faz, assim, um esforço
permanente através do qual os homens vão percebendo, criticamente, como estão
sendo no mundo com que e em que se acham” (Freire, 1987).
No
tocante ao trabalho docente, cabe ao educador desenvolver planos de aula que
contemplem o ensino de Ciências e valorizem a curiosidade natural das crianças,
caraterizada principalmente pelo brincar espontâneo, fazendo com que as
crianças estabeleçam uma relação entre si, dialogando e conhecendo o mundo em
seu entorno. Também é imprescindível que o educador mantenha sua curiosidade,
pois, como afirma Paulo Freire, é necessário que o professor compreenda que,
sem a sua curiosidade, não aprende e nem ensina (Freire, 2015).
No
sentido de alicerçar a elaboração e o planejamento de aulas voltadas à AC,
Sasseron (2008) organiza três eixos para o trabalho nos anos iniciais do Ensino
Fundamental, possibilitando aos educandos atuarem com problemas da sociedade e
do meio ambiente. O primeiro eixo se refere à Compreensão básica de termos,
conhecimentos e conceitos científicos fundamentais; o segundo à compreensão da
natureza das Ciências e dos fatores éticos e políticos que circundam sua
prática, já o terceiro eixo, ao entendimento das relações existentes entre
CTSA.
A
partir destes eixos, o educador tem uma referência para planejar sequências
didáticas que contemplem a AC, propiciando, sobretudo, que as crianças
construam seu conhecimento.
A formação de professores dos anos iniciais e as políticas
curriculares
A fim de compreender a questão da formação em Pedagogia e o
ensino de Ciências, Pereira-Ferreira
e Meirelles (2011) exploraram a Lei
de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) n.º 9394/1996 (Brasil, 1996), bem como
outros documentos do Ministério da Educação,
publicados entre 2001 e 2010, na busca por referências quanto ao ensino
de Ciências nos anos iniciais. Como resultados, observaram sua não especificidade, necessitando maior dedicação
na construção e organização do currículo para que o conteúdo de Ciências seja contemplado e os
educandos tenham acesso aos conhecimentos científicos.
Todavia, a investigação dos autores ocorreu
em um período no qual estavam em vigência os PCN
(Brasil, 1997), que discutiam
a importância de o educando fazer uso dos conhecimentos científicos e
tecnológicos, além do desenvolvimento de compreensão da relação entre o ser humano
e a natureza (Ribeiro & De Paula, 2008).
Segundo Ramos e Rosa (2008), o fato dos documentos oficiais que regem a formação dos professores de Pedagogia não discutirem aspectos
referentes ao ensino de Ciências
consiste em um grande
contratempo, fazendo com que os educadores dos anos iniciais
carreguem um sentimento de incapacidade e insegurança quanto aos
conteúdos de Ciências. Além disso,
sofrem com a falta de apoio, ausência de orientação pedagógica, falta de
materiais para realização de
experimentos científicos e ainda exiguidade do trabalho coletivo na escola.
Viecheneski e Carletto (2013) enfatizam que, para
reverter essa situação, é preciso uma
revisão dos currículos dos cursos de formação inicial, assim como repensar
ferramentas para que os
futuros professores articulem o conhecimento das distintas áreas
presentes nas salas de aulas no Ensino Fundamental, evitando distorções e fragmentações, de maneira a proporcionar
às crianças a compreensão sobre a conexão entre os conhecimentos.
De modo sintético, a esse respeito, Augusto e Amaral
(2015) observaram que, na formação dos professores dos anos iniciais, deveriam ser
considerados alguns aspectos, dentre os quais: formação
polivalente em nível Superior; abertura de espaço significativo nos currículos
para disciplinas de conteúdo específico e integração entre teoria pedagógica,
prática de ensino e conteúdo específico nessas disciplinas.
Desta forma, observamos o quanto se fazem urgentes
mudanças no currículo
de Pedagogia, além da
oferta de cursos de formação
continuada, que tenham como foco o ensino de Ciências, para os
educadores dos anos iniciais, de forma que possam trabalhar com atividades que
desafiem a aprendizagem das crianças,
fazendo com que protagonizem a construção de
conhecimentos e, consequentemente, possam compreender e utilizar os
recursos proporcionados pela Ciência (Frizzo & Marin, 1989).
No que diz respeito às políticas curriculares,
discutiremos aqui, brevemente, dois documentos oficiais: os PCN (Brasil, 1997)
e a BNCC (Brasil, 2018).
Os PCN apresentaram uma visão
sistematizada dos itens
a serem trabalhados no Ensino Fundamental, tratando as especificidades de cada disciplina por meio de uma organização
do conhecimento escolar por áreas e temas transversais. Ou seja, os PCN
buscavam um trabalho voltado à
interdisciplinaridade e, de acordo com Galian (2014), o documento
tinha, como premissa, certa uniformização do currículo nacional
e uma mínima definição em
relação aos conteúdos a serem trabalhados na educação básica de todo o país.
Quanto aos objetivos específicos de Ciências
Naturais, de acordo com Ribeiro e De Paula (2008), os PCN buscavam
que os educandos compreendessem
o mundo como indivíduos e cidadãos, fazendo uso dos conhecimentos científicos e tecnológicos a fim de entenderem a
natureza como dinâmica, o ser humano
como agente de transformações e a ciência como um processo de produção
de conhecimento, em consonância às ideias do movimento
CTSA (Hilario & Chagas, 2020).
Quase quinze anos após a edição dos PCN, e a fim
de estabelecer um desenho curricular nacional, a BNCC foi homologada como um
documento que regerá normas de aprendizagem essenciais a serem desenvolvidas por todos os educandos ao longo da educação básica, onde seus direitos de aprendizagem
e desenvolvimento devem ser assegurados, como propõe o Plano Nacional de Educação
(PNE) (Brasil, 2014).
De acordo com Sessa (2019), a intenção expressa
no documento da BNCC é assegurar equidade
e redução da desigualdade entre os educandos, tornando-se um documento de base
obrigatória para que as redes de ensino possam se embasar e construir seus currículos de acordo com suas necessidades locais. Contudo, a autora sublinha
que, nesse contexto,
é fundamentalmente necessário desenvolver ações voltadas
à valorização e ao desenvolvimento de formação dos educadores para realização efetiva das ações apontadas.
Nos anos iniciais do Ensino Fundamental, a BNCC
aponta que se deve oportunizar processos de
aprendizagem que levem o educando a investigar e aperfeiçoar habilidades de observação, raciocínio lógico e
criação. Além disso, devem estruturar explicações sobre o mundo (natural e tecnológico), seu corpo, saúde e
bem-estar, tendo como base os conhecimentos proporcionados pela Ciências
da Natureza (Brasil, 2018).
Entretanto, é preciso
ressaltar que, para que de fato os educandos tenham acesso a este conjunto,
faz-se necessária a oferta de formação continuada por parte das redes em que
atuam. A BNCC trata de mudanças nas práticas
de ensino e, para que isso aconteça, é indispensável a interação entre os docentes de forma participativa e
reflexiva (Sessa, 2019).
No currículo de Ciências, a BNCC explicita algumas
competências gerais, as quais
compreendemos que reforçam ainda mais
a necessidade de que se trabalhe o ensino de Ciências a partir dos pressupostos da AC.
Assumimos que, apesar da BNCC ser um documento normativo, é necessário
atentarmos às situações apontadas por Sasseron (2018), uma vez que o processo de investigação necessário
à AC desenvolve nos educandos a reflexão e a crítica
e não o contrário. Além disso, a educação científica deve ser proporcionada a fim de que as crianças tenham
condições de aproximar suas vivências
cotidianas à perspectiva das Ciências.
Percurso metodológico
No que tange o
escopo metodológico, utilizamos a abordagem qualitativa, pois esta permite enunciar
o problema de pesquisa através
do significado que os entrevistados concedem à temática.
Segundo Minayo (2012), a pesquisa qualitativa é
composta por experiência, vivência,
senso comum e ação. Nesse sentido, Gerhardt e Silveira (2009) apontam que tal abordagem
tem, como foco, os aspectos
da realidade que não podem ser
quantificados e, assim, ficam condicionados à
compreensão e à explicação das relações sociais,
atuando com diferentes significados, crenças,
valores e atitudes.
A coleta de dados, composta por entrevistas via
aplicativo de mensagens, foi realizada remotamente devido à pandemia
de covid-19 (Coronavirus Disease ou doença do
Coronavírus). Funcionou da seguinte forma: o pesquisador enviava áudios com as
perguntas e os participantes respondiam de acordo com suas disponibilidades. As
respostas foram registradas, transcritas e posteriormente analisadas. Além
disso, foram solicitadas sequências didáticas de Ciências que, aos olhos deles,
contemplassem a AC.
Em relação às entrevistas – realizadas durante o
primeiro semestre de 2020 –, selecionamos seis
professores que atuam nos anos iniciais
em escolas públicas, de localização geográfica variada, em
municípios do estado de São Paulo e do Piauí. Foram utilizados codinomes de
forma a garantir a privacidade:
·
Amélia – professora de
escola pública na região municipal de Santo André. 12 anos de experiência na
área.
·
Ângela – professora de
escola pública na região municipal de São Paulo. 7 anos de experiência em anos
iniciais e 12 anos nos anos finais do Ensino Fundamental na disciplina de
Ciências. Licenciada em Ciências Biológicas.
·
Antony – professor de
escola pública na região municipal de Parnaíba – Piauí. 12 anos de experiência
na área. Licenciado em Ciências Biológicas.
·
Annita – professora de
escola pública na região municipal de São Bernardo do Campo. 23 anos de
experiência na área.
·
Ana – professora de escola
pública na região municipal de São Bernardo do Campo. 29 anos de experiência na
área.
·
Amanda – professora de
escola pública na região municipal de Cubatão. 14 anos de experiência na área.
Vale ressaltar que, antes de iniciar
as entrevistas, os participantes foram informados sobre todos os seus aspectos.
Além disso, ao submetermos a pesquisa ao Comitê de Ética da Plataforma
Brasil (CAAE: 40789920.3.0000.5594), potencializamos o respeito para com nossos
sujeitos de pesquisa e junto à comunidade acadêmica. Nesse sentido, o Termo de Consentimento
Livre e Esclarecido (TCLE) foi elaborado segundo parâmetros e orientações deste órgão.
O roteiro da entrevista foi alicerçado em Charmaz
(2009), que estrutura
as questões em abertas
iniciais; intermediárias e finais,
afirmando que as questões da entrevista são escolhidas de forma cuidadosa
para promover a reflexão do participante, devendo
explorar os tópicos
do entrevistador e se adaptar às experiências do participante.
1)
Questões iniciais:
a)
Nome? Idade?
b)
Você fez magistério? Em que ano se formou?
c)
Você cursou Pedagogia? Em que ano se formou?
d)
Há quanto tempo leciona nos anos iniciais?
e)
O que te levou a ser professor(a)? Alguém te influenciou? Quem? Conte.
f)
Em algum momento da sua formação você teve conteúdo científico?
Quando? Onde? Como?
2)
Questões intermediárias:
a)
No dia a dia você segue um planejamento? Por exemplo, separa as
matérias que serão trabalhadas durante a semana?
b)
Qual é o material didático utilizado no seu planejamento? Você quem
escolheu? Se sim, por que? Qual o espaço que o livro ocupa na sua prática cotidiana?
c)
Com relação ao ensino de Ciências, você tem facilidade para trabalhar
os conceitos com seus alunos ou encontra alguma dificuldade? Em que aspecto?
Explique.
d)
Tem algum trabalho em especial de Ciências que você realizou com seus
alunos que te marcou? Conte como foi.
e)
Já ouviu falar em AC? Em caso negativo, tentar explicar o que é para
verificar se o educador identifica o conceito, pois, às vezes, ele trabalha AC,
porém não reconhece essa nomenclatura.
f)
O documento da BNCC traz algumas mudanças nos anos iniciais na área de
ensino de Ciências. Como você avalia tais mudanças? Como você as vê? Explique.
g)
Você recebeu alguma formação sobre a nova BNCC? E sobre o letramento
científico nos anos iniciais? Como foi?
3)
Questões finais:
a)
Para você, qual a importância de ensinar Ciências nos anos iniciais?
Explique.
b)
Há algo mais que você considera importante que eu deveria saber sobre
sua relação com seus alunos e o ensino de Ciências?
Vale destacar que
foram solicitadas aos educadores
atividades de Ciências trabalhadas no formato
de sequência didática, ou seja, que seguissem um processo de
etapas que acreditavam ter a finalidade de alfabetizar cientificamente seus educandos.
No tocante à organização dos dados, após realizar
as entrevistas, e no sentido de facilitar a identificação
do dado mais significativo que estava sendo expresso pelo sujeito da pesquisa, organizamos as respostas em seis colunas, a saber: participantes, formação
científica, planejamento/material didático, concepção de AC, práticas docentes
e BNCC, formação sobre BNCC.
Neste processo, percebemos a necessidade de elaborar outro documento
para então identificar dados referentes ao atendimento aos eixos de AC e às
competências e habilidades da BNCC.
Para a análise de dados, utilizamos a Análise de
Conteúdo (Bardin, 2016), que possibilita a busca pelo significado do que está
sendo dito/escrito pelo emissor, ou seja, situa-se
no campo das significações das mensagens, sendo
constituída por cinco etapas: 1. preparação de informações; 2. unitarização; 3.
categorização; 4. descrição e 5. interpretação. Na presente pesquisa,
registramos, transcrevemos e condensamos as respostas das entrevistas (1);
organizamos as respostas e as informações expressas nas sequências didáticas no
quadro já explicitado (2); construímos as categorias (formação dos sujeitos da
pesquisa, concepção de AC e educação científica das crianças e os documentos
curriculares) e relacionamos, exploramos e interpretamos os dados (4 e 5).
Vale enfatizar que, nas entrevistas,
nos referimos ao documento da BNCC por entender
a necessidade de as redes de ensino
incorporá-lo em seu cotidiano, embora não tenhamos
perguntado diretamente ao professor sujeito da pesquisa se houve alguma determinação direta da unidade na
qual leciona.
Resultados e discussão
Os dados coletados nas entrevistas foram
organizados a partir das etapas de Bardin (2016), de modo que estabelecemos um
quadro com categorias para selecionarmos os elementos essenciais da pesquisa:
participantes; formação científica; planejamento/material; concepção de AC;
práticas docentes e BNCC e formação BNCC.
Além disso, para analisarmos o atendimento aos
eixos de AC e às competências e habilidades da BNCC, elaboramos outros três
quadros relacionando as sequências didáticas dos professores aos elementos de
ambos:
Quadro 1
Concepção de AC (Eixos)
Professor/ Sequência
didática |
Trecho |
Eixos AC |
Ângela:
Observando o processo de germinação e a importância da luz para a plantas. |
Compreender os mecanismos
através dos quais as plantas se desenvolvem e a importância da presença de
luz em seu desenvolvimento; Levantar hipóteses a partir
de observações não testadas Identificar que a semente
apresenta reserva inicial que garante o início do desenvolvimento da planta,
mas não depende de luz para continuidade; Observar que diferentes
substratos podem desenvolver a germinação da semente de feijão; Comparar os resultados com as
hipóteses levantadas antes da realização do experimento; Produzir um breve relato e
conclusão sobre a realização do experimento. |
1. Compreensão básica de
termos, conhecimentos e conceitos científicos fundamentais: atuar com os
educandos na construção de conhecimentos científicos que possibilitem seu uso
no dia-a-dia. |
Fonte: Os
autores. Eixos de AC a partir de Sasseron (2008).
Quadro 2
Práticas Docentes e BNCC (Competências)
Professor/ Sequência
didática |
Trecho |
Competências específicas
de ciências da natureza para o ensino fundamental |
Annita: História das Ciências como elemento de
reflexão. |
Leitura sobre a História da Fotografia e vídeo
sobre a arte e a ciência da Fotografia; Atividade prática: Construção de uma câmera
escura pelos alunos. Análise de diferentes tipos de fotografia na
contemporaneidade. Apreciação da obra de um fotógrafo conhecido. Conversa
sobre o conceito de luz, ângulo, perspectiva, composição, plano, textura,
foco e movimento que foi utilizado nas fotos. Destacar a importância do
artista e o porquê da sua fotografia ter um foco social; Atividade prática: passeio pela escola com
vários tipos de câmeras fotográficas. |
1. Compreender as Ciências da Natureza como empreendimento humano, e
o conhecimento científico como provisório, cultural e histórico. 3. Analisar, compreender e explicar características, fenômenos e
processos relativos ao mundo natural, social e tecnológico (incluindo o
digital), como também as relações que se estabelecem entre eles, exercitando
a curiosidade para fazer perguntas, buscar respostas e criar soluções
(inclusive tecnológicas) com base nos conhecimentos das Ciências da Natureza.
|
Fonte: Os autores. Competências específicas de ciências
da natureza para o ensino fundamental a partir da BNCC (Brasil, 2018).
Quadro 3
Práticas Docentes e BNCC (Habilidades)
Professor/ Sequência
didática |
Trecho |
Habilidades BNCC |
Antony: Conhecendo os Tipos de Solo. |
Questionamentos prévios sobre diferentes lugares e sua percepção
sobre os mesmos, por exemplo, praia, roças, rios, lugares com recorrência de
argila; Apresentação de imagens sobre
diferentes lugares, questionados anteriormente, para auxiliar em suas
recordações; Confecção de maquetes com diferentes materiais, principalmente os
recicláveis para apresentar os tipos de solos estudados. |
(EF03CI09) Comparar diferentes amostras de solo do entorno da
escola com base em características como cor, textura, cheiro, tamanho das
partículas, permeabilidade etc. (EF03CI10) Identificar os diferentes usos do solo (plantação e
extração de materiais, dentre outras possibilidades), reconhecendo a
importância do solo para a agricultura e para a vida. |
Fonte: Os autores. Habilidades BNCC (Brasil, 2018).
Ao analisarmos as transcrições verificamos que a maior parte dos entrevistados
recebeu formação científica por meio de disciplinas, sendo a maioria
em cursos de Magistério.
Quadro 4
Formação cientifica
Participantes |
Formação Científica |
Amélia |
Não recebeu formação durante a licenciatura. Teve contato a partir de uma pós-graduação seis anos depois de
formada, por meio de uma parceria entre prefeitura municipal e Universidade
de São Paulo (USP). |
Ângela |
Recebeu formação científica durante o
magistério, pois, na época, estava estudando
os PCN. Além disso, tinha uma disciplina específica para o ensino
de Ciências Naturais. |
Antony |
Recebeu formação científica durante o magistério, com uma disciplina
exclusiva voltada aos conteúdos de Ciências. |
Annita |
Teve uma disciplina no magistério sobre metodologia do ensino de Ciências, mas não tinha foco
tão científico quanto hoje. |
Ana |
Recebeu formação científica durante o magistério com a disciplina de
Metodologia do ensino de Ciências e na graduação em Pedagogia, com uma disciplina específica de Metodologia do ensino de Ciências. |
Amanda |
Recebeu formação científica durante um semestre
da graduação através da disciplina Fundamentos teóricos e metodológicos das
Ciências da Natureza com uma professora específica da área. |
Fonte: Os autores,
a partir das entrevistas.
Nossos dados nos revelam que a Licenciatura em
Pedagogia de fato não forma para a polivalência esperada nos anos iniciais do
Ensino Fundamental, conforme afirma Gatti (2010), evidenciando a dificuldade em
alguns conteúdos, como aqueles voltados ao ensino de ciências.
Apenas uma participante relatou não ter trabalhado com nenhum conteúdo científico, tendo contato apenas
posteriormente por meio de uma pós-graduação.
Apesar da maioria responder que teve contato com o ensino de Ciências, principalmente no magistério, os
professores ressaltam ter dificuldade em trabalhar com o conteúdo nos anos
iniciais:
Eu encontro dificuldade sim, encontro dificuldade
para trabalhar nos aspectos
conceituais mesmo. Hoje eu vejo que
algumas coisas que eu cheguei a
fazer, alguns trabalhos que eu cheguei a desenvolver, eu não estava passando a
informação verdadeira, digamos assim, para os alunos…
Eu posso citar mais hoje na questão
(parte) de Astronomia… Ela foi uma parte que não
fazia parte do planejamento para os anos iniciais…
E nos parâmetros curriculares, a Astronomia é para ser inserida
só a partir do 6º ano do Ensino Fundamental, então como ela não fazia parte, foi uma área do conhecimento, digamos assim, um assunto,
um eixo que nós não trabalhávamos (Ana, professora).
Compreendemos tal dificuldade como um
reflexo da insegurança e falta de discussão temática na formação
inicial, pois a maioria afirma que sua formação ocorreu no Magistério. Já no curso de graduação, apenas uma educadora apontou ter uma disciplina que tratava da
metodologia em Ciências. Tais relatos
vêm ao encontro do que afirmam Ramos e Rosa (2008), que ainda destacam a falta
de apoio, orientação pedagógica e de materiais nas escolas para o desenvolvimento de trabalhos de cunho científico nos anos iniciais.
Nesse sentido, observamos uma necessidade de apoio para cursos de formação continuada, conforme tratam Colaço et al.
(2017), que observam nesses cursos
uma forma de complemento à formação dos
educadores.
Os nossos dados apontam que os educadores possuem concepções de
AC baseadas no eixo 1 de Sasseron (2008) – Compreensão básica de termos, conhecimentos e conceitos científicos
fundamentais. Porém, Ana e Amélia
correspondem tanto ao eixo 1 quanto ao 3 – Entendimento das relações
existentes entre CTSA.
Ambas compreendem a AC como a introdução de conceitos, o aprofundamento e sua consolidação ao final do processo, o que
desencadeará a compreensão básica
necessária de termos
científicos:
[…]
um processo em que a pessoa tem que ter contato direto com ações, com conceitos, com conhecimentos da ciência,
introduzindo-os, aprofundando-os e consolidando-os, sempre aproximando da realidade das crianças (Amélia, professora).
AC
seria a questão de ler e compreender o mundo a sua volta, fazer perguntas e procurar essas respostas,
sempre fazer questões e uma questão levar a outra, e então buscar onde a ciência,
onde a tecnologia pode auxiliar
para responder esses questionamentos. Quando o aluno é capaz, quando o indivíduo
é capaz de ler o mundo de maneira
crítica para entender
como as coisas realmente acontecem, ele está alfabetizado e
alfabetizado cientificamente, pois faz essa leitura do mundo,
questiona, procura onde que ele pode encontrar
as respostas, levanta
hipóteses, pesquisa sobre essas hipóteses, as abandona, faz nova perguntas, esse é o indivíduo alfabetizado cientificamente (Ana, professora).
Além disso, os professores, em suas sequências didáticas, promoveram a relação
CTSA por meio da compreensão
dos saberes construídos pelas Ciências,
por meio da valorização de
estratégias, habilidades e procedimentos que motivaram os educandos ao ato da leitura
e da escrita. Tal opção
pedagógica pode ter oportunizado aos estudantes vivenciarem um contexto
de sala de aula em consonância com as práticas
sociais, incentivando e reforçando a expressão
oral como forma de aprendizagem, contemplando a construção do conhecimento individual e coletivo
sob as temáticas de Ciências,
o que entendemos aproximar-se do eixo
3 de AC.
Apontamos que a maior parte dos educadores
desenvolveu sequências didáticas que valorizam a curiosidade das crianças,
permitindo acesso ao conhecimento científico através de questionamento e
levantamento de hipóteses, levando à ampliação das concepções prévias
que as crianças carregam consigo.
Neste contexto,
Sessa et al. (2019) investigaram as concepções de professores de Ciências
sobre AC em um cenário de formação continuada, especificamente em horário de serviço.
Na pesquisa, os autores consideraram as respostas dos professores em dois momentos
(sondagem inicial e final) e as organizaram em três categorias: Alfabetização para desenvolvimento de conceitos; Alfabetização para a construção de
conceitos próprios e Entendimento da ciência, seu uso, seu vocabulário e os contextos do conhecimento. A categoria mais citada relaciona a AC com entendimento de
ciências, seu uso e os
contextos do conhecimento.
De forma similar,
dois de nossos sujeitos professores
também têm concepções mais multidimensionais da AC: Ana e Amélia relacionadas ao eixo
3 de Sasseron (2008) Tais dados nos permitem reforçar nosso pressuposto de que a compreensão e o desenvolvimento o quanto antes da AC nas salas de aula
pelos professores estão intimamente
relacionados à possibilidade dos estudantes
se apropriarem de uma visão de mundo plural, que considera as relações entre o conhecimento científico e
a vida humana; entre a sociedade, o Meio
Ambiente, a cultura, a tecnologia, a política, a saúde, a economia, a Ciência
e demais dimensões.
A educação
científica das crianças e os documentos curriculares nacionais
Observamos
que a maioria dos
educadores não teve contato com a BNCC, sendo que apenas dois tiveram uma formação específica. Como enuncia Sessa
(2019), é indispensável a
participação e reflexão dos educadores no processo de inserção de mudanças nas práticas de
ensino que a BNCC impõe, tendo em vista que o processo de formação é mais
complexo e duradouro do que o disposto
no documento.
É importante enfatizar que estes educadores
atuaram em um período que foi regido pelos PCN, que tratavam da formação de um cidadão
autônomo e participativo, sendo a
autonomia vista como uma capacidade a ser desenvolvida pelos educandos, além de um princípio didático
base para as práticas pedagógicas. Amélia
e Amanda expressam essa preocupação:
Com estímulo ao comportamento observador e
investigativo durante todo processo,
diante de tantas questões acontecendo na roda de conversa, fomos aprofundando o olhar, pois as crianças
demonstravam a necessidade de falar sobre as árvores
que conheciam e brincavam, como as amoreiras
típicas da região
(Amélia, professora).
E também nas sequências didáticas:
·
Investigação e levantamento de hipóteses
sobre como as crianças pensam que o
ar em Cubatão se encontra atualmente;
·
Registro
escrito por 3 semanas na planilha investigativa do experimento, observando evidências de partículas de poluição no tecido
exposto próximo à janela;
·
Gravação de vídeo na casa de cada aluno
colocando o pano do experimento na
água para verificar se sai um caldo escuro ou claro, caracterizando a presença de partículas de poluição atmosférica
ou não;
·
Roda de conversa
sobre os resultados do experimento;
·
Roda de conversa sobre a
época histórica em que Cubatão foi conhecido pela péssima qualidade do ar, devido à poluição
atmosférica causada pelas indústrias (Amanda, professora).
Estes resultados nos levam a
refletir que, mesmo com a inserção da BNCC, os educadores ainda atendem aos
PCN, ficando clara uma maior facilidade
quanto às orientações do documento. Isso pode ser explicado tanto pelo tempo cronológico maior, quanto pela falta de uma formação
mais adequada para uso da nova
base, sem contar que, em sua maioria, eles tiveram acesso aos PCN durante o magistério, a graduação ou ainda em
cursos.
De forma a buscar
convergências entre os aspectos evidenciados por nossos sujeitos de pesquisa,
compreendemos que o desenvolvimento da AC na infância, especialmente nos anos
iniciais do Ensino Fundamental, guarda estreita relação com duas dimensões: a
estrutura curricular e a formação permanente de professores.
Conforme evidenciamos, as
políticas curriculares nacionais, especialmente os PCN e a BNCC, balizam (no caso
dos PCN) e determinam (em se tratando da BNCC) os rumos da educação científica
das crianças à medida que podem oportunizar e até fomentar (ou não) que se
apropriem do movimento de pensar cientificamente, identificando evidências,
relacionando-as e construindo conclusões acerca dos fenômenos cotidianos.
Compreendemos também que a
formação de professores dos anos iniciais do Ensino Fundamental precisa
acontecer de forma permanente, abordando situações nas quais os educadores, ao
trazerem a Ciência para a realidade dos educandos,
aproximam aquilo que é cotidiano, mas que antes não era visto por eles dessa
forma. Assim, conforme as crianças vão tomando contato com os temas de Ciências é possível trabalhar a
AC de forma que intencionalmente compreendam as mudanças que ocorrem na
sociedade em função da ciência e
da tecnologia.
Considerações Finais
À guisa de posicionamento, entendemos que os professores se formam em vários contextos e espaços que influenciam direta
e indiretamente em sua atividade docente.
Assim, não podemos responsabilizar apenas a formação inicial por lacunas conceituais ou
metodológicas, mesmo porque consideramos
que as experiências docentes e suas relações com o currículo escolar atuam e influenciam permanente e continuadamente em suas práticas.
Desta forma, buscando
significar nossos dados à luz de nossas premissas,
apontamos, durante as entrevistas, que, mesmo aqueles que tiveram alguma disciplina no magistério ou na graduação
referente às Ciências,
possuem dificuldade em trabalhar com o conteúdo científico. Ou seja, é
preciso potencializar investimentos na formação de professores, o que nos leva a reforçar
a ideia do estabelecimento de uma parceria entre as escolas
e as universidades em termos
de formação compartilhada e colaborativa, na
qual tanto a universidade quanto a escola se incumbem da formação do futuro
professor.
Isto posto, a
título de responder nossas questões iniciais,
é possível identificarmos que, nas salas de aulas dos anos iniciais do Ensino
Fundamental, o processo de AC é evidenciado pela construção do conhecimento
científico no dia a dia (eixo 1) e no
incentivo aos saberes construídos pelas Ciências, proporcionando o entendimento da relação CTSA (eixo 3).
No que tange às políticas curriculares para a
infância no âmbito da educação científica, apontamos alguma convergência com o contexto
curricular no qual se formaram,
ainda permeado pelos PCN, os quais ressaltavam a necessidade que os educandos
compreendessem o mundo como sujeitos,
do ponto de vista individual e coletivo, e fizessem uso dos conhecimentos científicos e tecnológicos para entender a natureza como
algo dinâmico, o ser humano como agente de transformações e a ciência
como um processo de produção de
conhecimento, tangenciando ideias do movimento
CTSA.
Em relação à BNCC, apesar de encontrarmos
resultados que demonstram referência sobre sua influência na educação,
observamos que, em sua maior parte, as sequências didáticas dos professores
trouxeram aspectos das competências gerais do Ensino Fundamental e específicas
para o ensino de Ciências. É importante ressaltar que não estamos nos referindo
à nova base como algo indispensável para a prática em sala de aula, mas, sim, à
forma como o documento é compreendido pelos educadores. Desta forma, destacamos
que, de todos os entrevistados, apenas dois participaram de cursos específicos
sobre a BNCC, o que nos leva a questionar uma certa ineficiência do poder
público no que diz respeito ao investimento na formação de professores.
Esta ausência de formação pode justificar um dado
em nossa pesquisa: ao observarmos as habilidades trabalhadas nas sequências
didáticas, a maior parte dos educadores as contemplou fora de seu ano. Por
exemplo: a atividade era voltada a alunos do 5º ano, mas o conjunto
conteúdo/habilidades remetia ao 2º ano. Portanto, reconhecemos que não basta a
criação de uma base nacional curricular, é necessária uma formação que integre
os educadores e as crianças por meio de um modelo de educação científica que
considere as trajetórias formativas e seus saberes.
O educador dos anos iniciais, além de
alfabetizador, tem a oportunidade de desenvolver os saberes logo no início da
educação formal. Desse modo, podemos afirmar que compreendemos que o ensino de
Ciências é trabalhado nos termos da AC e, portanto, seus aspectos processuais –
ou eixos da AC – estão presentes nas salas de aulas de alguma forma, seja nas
concepções docentes, seja em suas práticas escolares. Entretanto, frisamos que
o caminho percorrido pelo professor até a apropriação dos conteúdos científicos
precisa ser questionado: falta acesso às informações, aos recursos, aos cursos
de formação organizados pelos órgãos municipais ou parcerias com universidades
públicas e ainda à valorização e ao reconhecimento de seu trabalho. Para que
tenhamos uma educação de fato libertadora é preciso valorizar todos os saberes
– o que vai muito além da instituição da BNCC –, sendo necessário oportunizar
conhecimentos ao professor, especialmente dos anos iniciais, o que
consequentemente reverbera na contribuição para uma sociedade mais consciente e
transformada pela educação.
No que tange às projeções para pesquisas futuras,
podemos tomar como objeto de investigação os cursos de formação inicial em
Pedagogia, certamente delimitando criteriosamente tais cursos, e investigar os
processos de formação de professores contemporâneos, uma vez que, neste
trabalho, lidamos com professores formados em diferentes contextos, até mesmo
anteriores aos PCN, o que se configurou em uma limitação do estudo. Neste
sentido, analisar a formação inicial de futuros educadores vivenciando os
mesmos tempos poderá contribuir para compreendermos as demandas atuais e os
rumos da formação docente com foco na educação científica, tão relevante ao
desenvolvimento individual e coletivo das crianças.
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