Educação e
diversidade: a caçada antigênero e o caso da Escola Eccoprime
Educación y diversidad: la cacería antigénero y el
caso de la Escuela Eccoprime
Education and diversity: the anti-gender hunt and the
case of the Eccoprime School
Regina Alice Rodrigues Araújo Costa[i]
Universidade Federal da Paraíba
João Pessoa, PB, Brasil
https://orcid.org/0000-0002-7158-0757
Marcia Andréa Mata Coêlho[ii]
Universidade Federal do Rio Grande do Norte
Natal, RN, Brasil
https://orcid.org/0000-0001-9485-0599
Maria das Graças Gonçalves Vieira Guerra[iii]
Universidade Federal da Paraíba
João Pessoa, PB, Brasil
https://orcid.org/0000-0002-6943-0338
As
autoras contribuíram igualmente na elaboração do manuscrito.
Recebido em: 31/10/2021
Aceito em: 31/03/2022
Publicado
em: 07/04/2022
Linhas
Críticas | Periódico científico
da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília, Brasil
ISSN: 1516-4896 |
e-ISSN: 1981-0431
Volume 28, 2022
(jan-dez).
http://periodicos.unb.br/index.php/linhascriticas
Referência
completa (APA):
Costa, R. A. R. A., Coêlho, M. A. M., & Guerra, M. das G. G. V.
(2022). Educação e diversidade: a caçada antigênero e o caso da Escola
Eccoprime. Linhas Críticas, 28, e40568. https://doi.org/10.26512/lc28202240568
Link alternativo:
https://periodicos.unb.br/index.php/linhascriticas/article/view/40568
Licença Creative Commons CC BY 4.0.
Resumo: O objetivo deste trabalho é de analisar a
construção de uma ofensiva antigênero pela instituição educacional Eccoprime,
que se operou em contraponto ao mês do Orgulho Lésbico, Gay, Bissexual,
Travesti, Transexual e Intersexual (LGBTI+). Adotamos a abordagem qualitativa e
nos valemos de uma pesquisa documental e bibliográfica, que se ancora
metodologicamente na análise de conteúdo, subsidiada pela análise de redes
sociais virtuais. Constatamos que os avanços de políticas públicas
educacionais, no que se refere ao respeito à diversidade, têm sido fortemente
combatidos por uma ofensiva moralista, neoconservadora e fundamentalista
religiosa.
Palavras-chave: Gênero. Educação. Conservadorismo. Redes sociais. LGBTfobia.
Resumen: El objetivo de este trabajo es analizar la
construcción de una ofensiva antigénero por parte de la institución educativa
Eccoprime, que operó en contraposición al mes del Orgullo Lesbianas, Gays,
Bisexuales, Travestis, Transexuales e Intersexuales (LGBTI+). Adoptamos un
enfoque cualitativo y recurrimos a una investigación documental y
bibliográfica, anclada metodológicamente en el análisis de contenido,
subvencionado por el análisis de las redes sociales virtuales. Como
consideraciones, identificamos que los avances de las políticas públicas
educativas en materia de respeto a la diversidad han tenido una fuerte
oposición por parte de una ofensiva moralista, neoconservadora y
fundamentalista religiosa.
Palabras
clave: Género. Educación. Conservadurismo. Redes sociales. LGBTfobia.
Abstract: The objective of this paper is to analyze the
construction of an anti-gender offensive by the educational institution
Eccoprime, which operated in counterpoint to the Lesbian, Gay, Bisexual,
Transgender, Transsexual and Intersex (LGBTI+) Pride month. We adopted a
qualitative approach and made use of a documental and bibliographical research,
which is methodologically anchored in content analysis, subsidized by the
analysis of virtual social networks. As considerations, we identified that the
advances of educational public policies regarding respect for diversity have
been strongly opposed by a moralist, neoconservative and religious
fundamentalist offensive.
Keywords: Gender.
Education. Conservatism. Social networks. LGBTphobia.
Introdução
O mês de junho é o período em que se comemora
o Dia Internacional do Orgulho LGBTI+, mais especificamente, no dia 28. Essa
data é muito representativa para a comunidade LGBTI+, pois remete à Rebelião de
Stonewall, um levante ocorrido no dia 28 de junho de 1969, em oposição às
ofensivas policiais contra a população LGBTI+, sobretudo mulheres lésbicas,
trans e travestis.
Durante o mês de junho, é comum diversas
empresas e marcas, nacionais e internacionais, demonstrarem apoio à
visibilidade LGBTI+, com ações que vão desde a utilização de logomarcas e logotipos
coloridos (em referência à bandeira LGBT), até a confecção de produtos
personalizados com as cores do arco-íris, frases e bordões frequentemente
utilizados pela população LGBTI+, bem como campanhas de doação financeira ou de
conscientização sobre respeito e diversidade.
Ressalte-se, entretanto, que, ao mesmo tempo em
que a pauta ganha apoio e visibilidade, as ofensivas conservadoras se
orquestram quase que de forma instantânea. É o caso da Escola Eccoprime, uma
instituição de ensino privada, confessional, localizada no município de
Camaragibe-Pernambuco (PE), região metropolitana de Recife-PE, que, no ano de
2021, viralizou na Internet, depois de compartilhar uma postagem com uma série
de pronunciamentos LGBTfóbicos e contrários a uma propaganda lançada por uma
rede de fast food em comemoração ao
mês do Orgulho LGBTI+.
Assim, considerado esses aspectos, o objetivo
deste trabalho é de analisar a construção de uma ofensiva antigênero pela
instituição educacional Eccoprime, que se operou em contraponto ao mês do
Orgulho LGBTI+. Para isso, discorremos sobre o papel da educação, as questões
de diversidade sexual e de gênero, nos espaços educacionais, e como se operam
os discursos conservadores de caráter LGBTfóbico. Para dar conta desse
objetivo, adotamos a abordagem qualitativa, que Minayo (2009) define como o
trabalho de compreender o universo dos significados, dos motivos, das aspirações,
das crenças, dos valores e das atitudes. Além disso, realizamos uma pesquisa
documental e bibliográfica, que se ancorou metodologicamente na análise de
conteúdo (Bardin, 2016), subsidiada pela análise de redes sociais virtuais
(ARS) como um instrumento usado para mapear mensagens no âmbito do ciberespaço.
Método
Trata-se do estudo de caso de uma
instituição de ensino básico privada, confessional, localizada no município de
Camaragibe-Pernambuco (PE), região metropolitana de Recife-PE, que foi
escolhido para ser analisado devido à grande repercussão gerada nas redes
sociais diante das postagens realizadas pela instituição e que se tornou um
conteúdo ‘viral’. Apesar de ser uma escola privada e de caráter confessional, entendemos
que o respeito às questões de gênero e de sexualidade representam um
compromisso com os Direitos Humanos, com a dignidade humana e com as diferenças
e que as instituições escolares não são meras transmissoras de conhecimentos, mas
também espaços de socialização, que fabricam sujeitos, produzem identidades e
representam práticas políticas. Por essa razão, é extremamente necessário tecer
considerações sobre situações que reproduzam desigualdade nesses espaços.
A pesquisa foi realizada entre agosto
e outubro de 2021, com a utilização dos três polos cronológicos da análise de
conteúdo, que, conforme Bardin (2016, p. 125), são: 1) a pré-análise; 2) a exploração
do material; e 3) o tratamento dos resultados, a inferência e a interpretação, combinados
com a análise de redes sociais. Para isso, adotamos os seguintes procedimentos:
a) analisamos as estáticas de interação nas postagens principais do perfil, na
rede social Instagram, da instituição Eccoprime, utilizadas para criticar a
campanha da empresa de fast food que
promoveu a diversidade; b) selecionamos os principais comentários feitos nas
postagens principais, que são destacados pela própria plataforma do Instagram a partir da quantidade de
interação (curtidas, compartilhamentos e respostas); e c) categorizamos
comentários sobre o poio ao posicionamento da instituição versus o
posicionamento da instituição e procedemos às inferências e às interpretações com
base no subsídio documental e no bibliográfico.
A utilização do site Social Blade[4]
possibilitou um mapeamento melhor do ciberespaço explorado. É oportuno ressaltar
que compreendemos o ciberespaço, a partir de Monteiro (2007), como um espaço de
significações, um meio de interação, comunicação e de vida em sociedade, que
representa um universo que não é irreal ou imaginário, mas que existe de fato e
o faz em um plano essencialmente diferente dos espaços conhecidos. Nesse
ambiente virtual, são disponibilizados diversos meios e redes de comunicação e
interação em sociedade. Nesta pesquisa, a rede analisada, como já mencionado no
parágrafo anterior, foi o Instagram.
A educação, a escola
e as produções hegemônicas
Junqueira (2009, p. 14) reflete que o campo da
educação se constituiu historicamente como um espaço disciplinador e
normalizador, de modo que a escola não apenas transmite ou constrói
conhecimentos mas o faz reproduzindo padrões sociais, perpetuando concepções e
valores, fabricando sujeitos (seus corpos e suas identidades) e legitimando
relações de poder, hierarquias e processos de acumulação.
Sobre as questões de gênero e sexualidade nos
espaços escolares, Bento (2011) assevera que há uma reprodução de valores
hegemônicos, e a escola, em seu cotidiano, funciona como uma das principais
instituições guardiãs das normas de gênero e produtora da heterossexualidade. A
autora afirma que:
[…] a produção de seres abjetos e poluentes
(gays, lésbicas, travestis, transexuais, e todos os seres que fogem à norma de
gênero) e a desumanização do humano são fundamentais para garantir a reprodução
da heteronormatividade. A escola é uma das instituições centrais nesse projeto.
(Bento, 2011, p. 554)
Junqueira (2012, p. 66), ao analisar como a
escola brasileira tornou-se um espaço em que rotineiramente circulam
preconceitos que colocam em movimento discriminações de diversas ordens, como
classismo, racismo, sexismo, heterossexismo e LGBTfobia, demonstra que a escola
é um espaço obstinado em produzir, reproduzir e atualizar os parâmetros da
heteronormatividade. Nesse sentido, há um arsenal que regula não apenas a
sexualidade, mas também o gênero.
Acreditamos que essas reproduções de padrões
sociais devem ser problematizadas e fissuradas, sobretudo, quanto às questões
de gênero e diversidade. Para Britzman (1996, p. 93), no âmbito da Educação e
da Pedagogia, é necessário compreender as sexualidades em tantos termos quanto
possíveis e conseguir assinalá-las como algo que é moldado na linguagem e na
conduta. É preciso construir pedagogias que envolvam todas as pessoas e contribuir
para que haja menos discursos normalizadores dos corpos, dos gêneros, das
relações sociais, da afetividade e do amor. Portanto, para compreender, de um
lado, a construção de políticas educacionais que promovem o respeito à
diversidade e, de outro, como os valores hegemônicos de caráter (neo)conservador
se reproduzem ou prevalecem nos espaços educacionais, faremos um breve resgate
histórico na próxima seção.
A caçada antigênero, o neoconservadorismo e os
debates sobre gênero e diversidade sexual no âmbito educacional
Apesar de existirem abordagens sobre o tema sexualidade
nas escolas, desde a década de 20 do século passado, o debate sobre a efetiva
inclusão do assunto no currículo da educação básica brasileira começou a se
intensificar a partir da década de 90. Nos anos de 1980, a efervescência do
processo de democratização possibilitou, ainda que de forma tímida, uma
progressiva inserção de questões relacionadas às desigualdades, às diversidades
de gênero e às sexualidades na agenda governamental. É o caso dos Parâmetros
Curriculares Nacionais (Brasil, 1997; 1998), que contemplam a orientação sexual
como um dos temas transversais, e do Plano Nacional de Direitos Humanos II
(Brasil, 2002), que apresenta uma seção específica sobre orientação sexual. De
2003 a 2010, foi notório o avanço das políticas públicas educacionais no que se
refere à valorização e ao respeito à diversidade, como o Programa Brasil sem
Homofobia (Brasil, 2004) e a criação da Secretaria de Educação Continuada,
Alfabetização e Diversidade (Secad), também em 2004, que possibilitou a
execução de diversos projetos de formação, articulação e de pesquisa sobre a
temática de gênero e sexualidade. Entretanto, ao passo que as políticas
públicas educacionais de gênero e diversidade ganhavam projeção no cenário
público, uma ofensiva neoconservadora estava sendo orquestrada a fim de frear
esses pequenos avanços com um controle heteroterrorista minucioso (Bento,
2011).
Junqueira (2018) assevera que, nessa articulação
ofensiva, reúnem-se setores e distintos grupos interessados em promover uma
agenda política moralmente regressiva, especialmente orientada para conter ou
anular avanços e transformações em relação a gênero, sexo e sexualidade, além
de reafirmar disposições tradicionalistas, pontos doutrinais dogmáticos e
princípios religiosos considerados como ‘não negociáveis’. César e Duarte
(2017) pontuam que esse fenômeno crescente de conservadorismo, mobilizado,
sobretudo, pelo fundamentalismo religioso, não é uma exclusividade brasileira e
demonstram situações similares no Peru, nos Estados Unidos, na França, dentre
outros países.
No caso brasileiro, os ataques
neoconservadores sobre gênero e sexualidade na educação irromperam,
inicialmente, quando foi apresentado o material ‘Escola sem Homofobia’,
pejorativamente divulgado como ‘kit gay’ (sic), conforme analisado melhor em
Costa (2019). Miskolci (2018) refere que a pauta da caçada à chamada ‘ideologia
de gênero’ (sic) foi crescentemente incorporada por diversos grupos políticos e
fundamentalistas religiosos. Evangélicos, católicos e outros articulistas, como,
por exemplo, os adeptos do Movimento Brasil Livre (MBL) e do Movimento Escola sem
Partido (Mesp), uniram-se para disseminar o espectro da ‘ideologia de gênero’ (sic)
como suposta ameaça às crianças e à família brasileira. A partir de então,
houve uma série de disputas no contexto social, principalmente com o intuito de
suprimir qualquer expressão que remetesse às questões de gênero e sexualidade
nos documentos educacionais, como os tensionamentos na construção do Plano
Nacional de Educação em 2014 (Brasil, 2014) e a Base Nacional Comum Curricular
(Brasil, 2015; 2016; 2017).
A partir de 2015, a abordagem de gênero passou
a ser perseguida por meio da via legislativa ativa, com propositura de projetos
de lei. Para além das ofensivas articuladas no plano legislativo, a caçada
antigênero opera por meio de práticas persecutórias nos estabelecimentos
educacionais e de denuncismo de profissionais da Educação. Essas práticas foram
fortemente operadas pelo Mesp. Junqueira (2018) observa que a cruzada
antigênero articula uma intensa mobilização política e discursiva em favor da
reafirmação das hierarquias sexuais, da retirada da educação para a sexualidade
nas escolas, do rechaço a arranjos familiares não heteronormativos, da
repatologização das homossexualidades e transgeneridades, dentre outros.
O
Mesp surgiu em 2004, com o propósito de destituir o caráter democrático da
escola e o papel do/a professor/a como um/a educador/a, com a justificativa de
evitar a doutrinação ideológica nas instituições de ensino. Em 2014, o
movimento se expandiu e deu origem ao Programa Escola sem Partido (Pesp), o que
representou uma nova fase do Escola Sem Partido, pois passou a abordar temas
que antes não eram importantes para o movimento. Sua maior sustentação foi através
de um manifesto em defesa da educação moral, viés que tem como atributos o
combate à chamada ideologia de gênero e a defesa do conservadorismo e dos
valores da família. O senso de oportunidade do Escola Sem Partido, ao se opor à
‘ideologia de gênero’ (sic), é mais bem discutido em Miguel (2016), que
demonstra como a guinada de pautas do movimento deu a ele aliados de peso e uma
capilaridade discursiva de ressonância popular muito mais imediata.
Nesse
contexto, o Escola sem Partido articulou diversas proposituras legais, com o
intuito de censurar o direito à educação em gênero e sexualidade. De acordo com o levantamento de Moura e Silva (2020), de 2014 a
2020, foram apresentados 104 projetos de lei contrários às abordagens de gênero
e sexualidade no ambiente escolar em todo o Brasil. Nesse sentido, constatamos que
há uma forte articulação de caráter neoconservador, que se funda numa cruzada
moral, com o objetivo de impedir o respeito às diferenças no espaço
educacional, além de fazer com que as questões de gênero e sexualidades sejam
consideradas como temas não curriculares, o que as retira da esfera de debate
público e remete-as tão somente ao espaço privado de âmbito familiar.
O caso da Escola Eccoprime: a reprodução de
discursos lgbtfóbicos
No dia 28 de junho, comemora-se o Dia do
Orgulho LGBTI+, como forma de apoio à causa. No ano de 2021, o Burger King
Brasil lançou, na semana anterior ao Dia do Orgulho LGBTI+, uma campanha
intitulada ‘Nossa, como eu vou explicar a
sigla LGBTQIA+ para as crianças?’ (Burger
King BR, 2021), com o intuito de propor um convite para se
refletir sobre a inclusão da comunidade LGBTI+ na sociedade. Diante do contexto
de extremo dinamismo social, a campanha recebeu diversos comentários positivos e
muitos pronunciamentos negativos, que deturpavam até mesmo o teor da
publicidade.
Dentre os pronunciamentos negativos, uma
instituição educacional privada, a Eccoprime, situada na cidade de Camaragibe-PE,
região metropolitana de Recife-PE, veiculou uma postagem (Eccoprime, 2021a) em
seu perfil na rede social Instagram, no dia 26/06/2021, em que compartilhou uma
série de cards para criticar a campanha da empresa de fast food que promoveu a diversidade. Escolhemos essa postagem para
representar nosso corpus de análise. Ressaltemos que o perfil da Eccoprime na
rede social é público, e o conteúdo ali veiculado fica disponível para que toda
e qualquer pessoa tenha acesso. Nessa modalidade, é possível curtir, deixar
comentários e compartilhar o conteúdo no ambiente da rede social ou através do link da postagem (essa opção possibilita
que o conteúdo seja visualizado até mesmo por quem não tem cadastro na rede
social).
Na capa da postagem, a Eccoprime apresenta a
imagem de uma criança e a seguinte frase: “Nossas
crianças estão sob ataque” (Eccoprime, 2021a) e destaca a bandeira LGBT junto
da palavra ‘ataque’. No card 1, a escola traz um dos slogans utilizados pela
campanha, em que crianças afirmam que homem pode casar com homem, mulher com
mulher e que não há problemas nisso. Em seguida, no card 2, a escola afirma que
o discurso do card 1 é uma ‘reeducação sexual’, que tem a finalidade de enganar
as crianças de forma lúdica. Já no card 3, a escola pergunta: “O que fazer para
proteger nossos filhos dessa ameaça?” (Eccoprime, 2021a). Nos cards seguintes, a escola traz algumas respostas para a
pergunta do card 3, quais sejam: “Converse com seu filho.” (card 4) (Eccoprime,
2021a); “Leia a Bíblia com seu filho.” (card 5) (Eccoprime, 2021a); card 6 “Faça
culto doméstico em casa” (Eccoprime, 2021a); card 7 “Busque escolas que sejam
apoio e não, obstáculo para o seu caminho” (Eccoprime, 2021a); card 8 “Aproveite
todas as oportunidades para ensiná-lo” (Eccoprime, 2021a). Além disso, na
legenda da postagem, a Eccoprime complementa:
Famílias cristãs, estejam atentas! Nossas
crianças estão sendo atacadas! A exemplo da última campanha desta famosa rede
de fast food (mais detalhes nas imagens do post). Este é apenas um dos muitos
ataques que eles enfrentam todos os dias, sem antes estarem preparados. Nós,
como pais, precisamos defender os nossos filhos e nos posicionar! Por este e
outros motivos, criamos o Centro de Treinamento de Pais Cristãos (CT), com o
intuito de nos armarmos contra estas e outras setas inflamadas do inimigo! A
edição do CT 2021 acontecerá no dia 18 de setembro, de forma totalmente
presencial, com a presença do pastor Tedd Tripp e de sua esposa Margy Tripp!
Pra se inscrever, basta acessar o site www.Eccoprime.com.br/ct, ou pelo link
que está na nossa bio! (Eccoprime, 2021a)
A partir dessa postagem, recortamos como
corpus de análise: 1) a postagem da Eccoprime sobre a campanha da rede de fast food, intitulada “Nossas crianças estão sob ataque”
(postagem principal, que desencadeou outros pronunciamentos da instituição
sobre o assunto); 2) outras postagens (em formato de texto e vídeo) sobre
assuntos relacionados às questões de gênero e sexualidade; e 3) os comentários de
usuários da plataforma em reação à postagem “Nossas crianças estão sob ataque”.
Ao verificar as estatísticas de interação na
postagem que consideramos como principal, constatamos que, até o dia
19/07/2021, a postagem já havia atingido 29.933 curtidas e 36.258 comentários.
Além disso, por meio da ARS das informações obtidas pelo site Social Blade, constatamos
que, só no mês de junho de 2021 (mês em que a postagem sobre a campanha da Burger
King foi realizada), a instituição obteve 9.001 novos seguidores, enquanto sua
média mensal de ganho de seguidores, nos meses anteriores e posteriores, ficou
entre 200 e 500. Entendemos que o discurso dessa postagem reverbera em seus
comentários, em que outros perfis defendem o crime de LBGTfobia como forma de
liberdade de expressão coberto pelo manto da religião, conforme é possível
observar no quadro abaixo, do qual extraímos integralmente o conteúdo de alguns
comentários que apoiaram a postagem da instituição:
Quadro 1
Comentários de
apoiadores da Eccoprime
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Comentário 01 |
Perfil do usuário: @lilimaede3 Muito difícil o tempo em que vivemos, o de
temos que estar provando o tempo todo que A GRAMA É VERDE! NINGUÉM VAI A UM RESTAURANTE VEGANO, OBRIGAR
O DONO A COLOCAR CARNE NO CARDÁPIO. A escola é Cristã, e nela coloca quem
compartilha da mesma fé, ponto. Em momento nenhum o texto foi desrespeitoso
ou incitou o ódio. Temos uma visão diferente sobre o assunto, é do mesmo
jeito que vcs falam tanto em respeito, precisam respeitar também. Nossas
crianças apreendem, sim, a amar e respeitar ao próximo, é isso que ensinamos,
mas amar e respeitar não é aceitar e achar certo. Do@mesmo jeito que a classe
Lgbt…….. luta por suas ideologias, nós país cristão estamos lutando para que
nossas crianças não sejam expostas a esses assuntos precocemente, simples
assim!!!! Respeito deve ser dos dois lados!!! |
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Comentário 02 |
Perfil do usuário: @homensaomaximo LAMENTAVEL ver como tantas empresas tal
como a BK usam crianças para promover a ideologia de genero e o ativismo
ltqks. Lamentavel ver como crianças viraram massa de manobra de covardes que
usam inocentes. Deixem as crianças em paz. |
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Comentário 03 |
Perfil do usuário: @augustoguimaraesipb Ora, onde está o discurso de ódio da
postagem? Em afirmar que devemos proteger nossas crianças de uma ideologia
errada? Protegê-las de uma ideologia que quer ensinar que a homossexualidade
é algo normal quando a Bíblia claramente em diversos textos aponta que a
homossexualidade é um pecado? O discurso de ódio da postagem se encontra em
dizer que nossas crianças estão sendo atacadas quando uma rede de fast food
tenta influenciá-las a considerarem práticas pecaminosas como algo normal?
Seria isso mesmo um discurso de ódio, ainda que NENHUM homossexual tenha sido
xingado na postagem? Mesmo quando NADA se falou sobre agredir homossexuais
física ou verbalmente? Mesmo quando NENHUMA recomendação para que não se
conviva com homossexuais foi dada? O que tenho certeza que a escola nunca incitará
e nem praticará nenhuma destas atitudes, como também não o fez na postagem. A
verdade é: não há o tão falado “discurso de ódio” na postagem! Agora de
muitos não sabem a diferença entre ataque e reprovação de práticas
pecaminosas ai já falta estudo e bom senso! Mas deixa eu te dizer: quer saber
mesmo onde está o discurso de ódio? O discurso de ódio está em muitas
postagens aqui feitas! Postagem cheias de zoação, de perseguição contra o
cristianismo e de falsas acusações! Diante do que li aqui e tenho visto e
nossa sociedade, a minha compreensão é a seguinte: hoje querem nos impedir de
dizer que homossexualidade é pecado, amanhã nos lançarão na cadeia por isso.
E são nestas atitudes que encontra o verdadeiro discurso de ódio: o ódio
contra os cristãos! |
Fonte: Elaborado pelas autoras com base em Eccoprime (2021a).
Dentre as observações feitas em apoio ao
pronunciamento da instituição, é possível observar: a defesa dos discursos
proferidos como uma expressão privada, direcionada apenas aos apoiadores de
tais concepções; a equiparação entre o respeito às pessoas LGBTI+ com a ideia
de respeito aos princípios morais cristãos; o amparo nos pressupostos da Bíblia
para justificar a homossexualidade como uma subversão, um comportamento
desviante ou uma prática pecaminosa; a inversão do caráter persecutório, sob a alegação
de que seus apoiadores estão sendo perseguidos e falsamente acusados de promover
discurso de ódio.
Além dos conteúdos acima destacados, encontramos
comentários de apoio de algumas personalidades políticas que são conhecidas por
suas atuações em pautas contrárias às questões da diversidade sexual e ade gênero,
como, por exemplo, a vereadora de Recife, Michelle Collins, filiada ao Partido
Progressista (PP), e da deputada estadual de Santa Carina, filiada ao Partido
Social Liberal (PSL), Ana Campagnolo, ambas parabenizando e endossando a
iniciativa da instituição.
Concordamos com a análise feita pelo Pastor
Henrique Vieira (2018), ao observar que setores fundamentalistas e extremistas
têm ocupado os espaços institucionais e que essa presença tem trazido obstáculos
para os direitos humanos, especialmente das mulheres, das pessoas LGBTs, dentre
outros movimentos populares progressistas. A influência desses grupos
conservadores, no âmbito da educação, é exercida, muitas vezes, por meio de
posturas LGBTfóbicas, que se contrapõem às mais diversas formas de mudança em
curso que representem a visibilidade dos grupos socialmente vulnerabilizados.
Na maioria das vezes, os discursos utilizados pelos defensores desse ideário
conservador fundamentam-se numa retórica aparentemente modernizante e
moralizadora em defesa da tradição e da família. Vieira (2018), ao mesmo tempo
em que afirma a urgência de que essa vertente não representa a pluralidade de
experiências religiosas, cristãs e evangélicas no Brasil, demonstra que o fundamentalismo
religioso cristão trabalha com o conceito de verdade absoluta, inquestionável,
eterna, imutável e para além da história.
Vieira (2018) defende, ainda, que, de forma
descontextualizada e sem levar em consideração os diferentes contextos históricos,
os fundamentalistas podem promover várias práticas impiedosas pretensamente em
nome de Deus. Consideramos que a Eccoprime utiliza argumentos fundamentalistas
religiosos para distorcer a finalidade da campanha da rede de fast food, que é de
promover inclusão e se contrapor aos discursos de ódio relacionados à
comunidade LGBTI+. Ao fazer isso, a escola não só reforça o preconceito como também
incorre em crime de LGBTfobia, ao expressar que as crianças estão em perigo por
causa da comunidade LGBTI+, que seria uma ameaça e que os movimentos estão
promovendo uma reeducação sexual para enganá-las.
Além disso, incita seus mais de 26 mil
seguidores nas redes sociais a reproduzirem esse discurso LGBTfóbico, como é
possível observar nos comentários acima. Devido à repercussão do caso,
concentramos nossa análise não apenas nos comentários ultraconservadores que
promovem os pânicos morais (Miskolci, 2018) e demonstram apoio à postagem, mas
também nos comentários que demonstram uma manifestação contrária aos discursos
proferidos pela instituição, conforme observamos no quadro abaixo:
Quadro 2
Comentários em oposição aos
pronunciamentos da Eccoprime
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Comentário 01 |
Perfil do usuário: @danicampanario Atacadas? Isso é um absurdo! Sabe aonde acontece a maioria das nossas
crianças sofrem esses ataques diariamente? DENTRO DAS SUAS PRÓPRIAS CASAS, pais, padrastos, tios, primos… a
tradicional “família brasileira”! Lamentável ver uma instituição ter esse pensamento retrógrado, porque
a Educação veio pra libertar, e não para algemar e estagnar o pensamento! Essa postagem é um desserviço! Crianças não nascem preconceituosas! |
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Comentário 02 |
Perfil do usuário: @sou_sylviasiqueira A empresa @Eccoprime ao invés de educar no respeito,
promovendo uma cultura de paz, prefere propagar ideias que incentivam a
violência em múltiplas dimensões. Posturas agressivas como a desta empresa
são responsáveis por cultivar na mente de crianças e adultos a permissão de
matar pessoas como eu, LGBTQIA+, que moro, com minha família, em frente à
empresa. De acordo com o relatório “Observatório das Mortes Violentas de LGBTI+
No Brasil – 2020”, pelo menos 237 pessoas morreram por conta da violência
LGBTfóbica no ano passado. Sendo que 224 foram homicídios (94,5%) e 13
suicídios (5,5%). A empresa @escolaEccoprime não me causa medo. Sinto
indignação que a educação brasileira seja privatizada num ideal perverso de
sociedade. Um estabelecimento que pretende educar no criatianismo deveria ter
como base o amor às pessoas. Apontar o dedo em condenação a nós é trair
Cristo, nos seus princípios. A Empresa Eccoprime não “apenas emitiu uma opinião”, como quem lava as
mãos e deixa Cristo morrer na ira cega do povo enganado. Ela, perversamente.
sacramenta a morte. A luta por respeito é urgente no Brasil, considerado um dos países que
mais discrimina e mata pessoas LGBTs no mundo. De acordo com o relatório da
Associação Internacional de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transgêneros e
Intersexuais (ILGA), o Brasil ocupa o primeiro lugar nas Américas em
quantidade de homicídios de pessoas LGBTs e também é o líder em assassinato
de pessoas trans no mundo. Vocês souberam da mulher trans, Roberta, queimada
por um adolescente de 14 anos? Então, por tudo isso, temos a missão de escolher melhor onde nosso
filho e nossa filha aprende sobre cidadania. |
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Comentário 03 |
Perfil do usuário: @cyb3rk1m Cadê o tal amor que o cristianismo prega? VOCÊS pregam tudo menos o
amor que Deus tanto pede, acho que se perderam aí ne, e qual o problema da
criança saber oque é LGBT? Isso não vai influenciar ela em nada, apenas
ensinar o que é, e como respeitar, já estamos cansados de sermos vistos como
aberrações, estamos no século 21, tenham mais respeito pelo próximo, porque
se você acha que é isso que Deus quer está muito enganade, espero que
aprendam a respeitar a todos sem exceção, porque como uma escola era pra ser
obrigatório ensinar diversidade de gênero e o respeito que é coiso que
provavelmente vocês não sabem o que é, e as crianças não estão sobe ameaça
por saber o que é LGBT estão apenas aprendendo, passar mal e boa noite. |
Fonte:
Elaborado pelas
autoras com base em Eccoprime (2021a).
Os comentários acima compõem um conjunto
heterogêneo de importantes reflexões dos sujeitos sociais sobre os discursos de
gênero, sexualidade e diversidade sexual no contexto da educação brasileira.
Dentre as observações feitas em oposição ao pronunciamento da instituição, é
possível observar: a defesa da educação como prática libertadora (Freire,
1999); o confronto com a retórica confessional, que, apesar de, supostamente,
pregar os princípios do Cristianismo, emite uma opinião sectária e ofensiva e
incita a violência contra grupos socialmente vulnerabilizados; a defesa de que
as escolas deveriam ser espaços de promoção do respeito, onde as questões de
diversidade sexual e de gênero figurassem como componentes curriculares em prol
dessa promoção; a importância da escola na formação para a cidadania e no
respeito às diferenças.
Como se não bastasse promover um discurso de ódio
com essa postagem, a Eccoprime desrespeita os objetivos fundamentais da república
de proporcionar o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor,
idade e quaisquer outras formas de discriminação (Brasil, 1988), bem como
diversos outros dispositivos de cunho educacional, como as Diretrizes
Curriculares Nacionais (Brasil, 2013), que tratam do papel da escola de
promover e valorizar os Direitos Humanos mediante o desenvolvimento de
processos educativos que abordem temas relativos a gênero, identidade de
gênero, raça e etnia, religião, orientação sexual, pessoas com deficiência,
entre outros, e práticas que contribuam para a igualdade e para o enfrentamento
de todas as formas de preconceito, discriminação e violência em todas as
formas.
Ressaltamos que, desde julho de 2019, o
Supremo Tribunal Federal (STF), a partir do julgamento da Ação Direta de
Inconstitucionalidade nº 26 (Brasil, 2019), decidiu que a discriminação de
pessoas por motivos de orientação sexual e identidade de gênero, ou seja, as
condutas homofóbicas e transfóbicas, reais ou supostas, que envolvem aversão
odiosa à orientação sexual ou à identidade de gênero de alguém, configura crime
de racismo, portanto, a LGBTfobia qualifica-se como uma espécie do gênero
racismo.
Depois de forte reação de repúdio nas redes
sociais, a escola publicou, no dia 28/06/2021, uma nova série de cards em formato
de comunicado, intitulada “Nota Oficial de posicionamento”, reforçando o
discurso inicial. Numa sequência de 6 cards, a Eccoprime apresenta as seguintes
informações:
Em virtude dos questionamentos e investidas
que vem sofrendo, a Eccoprime Internacional Christian School vem, por meio
desta nota oficial, posicionar-se acerca da postagem intitulada “Nossas crianças estão sob ataque”,
publicada em suas redes sociais em 28 de junho de 2021. Inicialmente, é
importante pontuar que a Eccoprime repudia toda e qualquer violência contra a
comunidade LGBTQIA+. Rejeitamos qualquer discurso ofensivo à dignidade humana,
ou mesmo qualquer espécie de preconceito ou discriminação. Como cristãos, somos
contra homofobia e transfobia, pois o respeito e o amor por todas as pessoas
são valores inegociáveis para Eccoprime, embora a prática homossexual não seja
apoiada pela Bíblia (Romanos 1:18-32), que é a regra de fé e prática do
cristão. Trata-se de uma escola
reconhecidamente cristã, cuja opinião está arraigada nos princípios bíblicos,
exercendo a liberdade de expressão, que não fere os direitos alheios,
conforme entendimento pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. Os termos utilizados na postagem aludida
são de cunho espiritual e voltadas a um público-alvo específico. Frise-se:
não houve intenção alguma de desdenhar quaisquer indivíduos ou grupos, visto
que, aliás, não é esta a postura do cristianismo histórico. Todavia, quando à
propaganda infantil, originariamente veiculada pela Burguer King, entende-se
que se trata de um excesso. Ora, se a publicidade infantil é um tema tão
cheio de limitações, certamente uma propaganda com criança acerca de um assunto
tão delicado, como a sexualidade, é passível de críticas. Entendemos que a empresa alimentícia não levou em consideração o
Estatuto da Criança e Adolescente, quando diz que se tratam de pessoas ainda em
desenvolvimento das suas faculdades e, portanto, devem ser protegidas de
determinadas exposições. Destarte, entendemos que obstar a escola de expressar
seus princípios e crenças, dentro dos limites jurídicos, é um atentado
desrespeitoso à diversidade de opinião e as liberdades resguardadas pela Constituição.
Assim, a Eccoprime reitera seu posicionamento de que os pais cristãos devem
estar atentos e proteger seus filhos de campanhas publicitárias promotoras da
sexualidade precoce. Por fim, a
Eccoprime segue no direito de expressar suas concepções e valores bíblicos
sobre o referido tema, sem qualquer propósito de disseminação de ódio e
desrespeito a quaisquer pessoas, estando aberta para o debate respeitoso.
Com os melhores cumprimentos. A direção. (Eccoprime, 2021b, grifo nosso)
Apesar da estratégia inicial utilizada na
nota, de declarar repúdio a toda e qualquer forma de violência contra a
comunidade LGBTI+, a instituição segue reiterando o posicionamento LGBTfóbico
inicial. Todavia, agora por meio de uma retórica discursiva amparada em
aspectos de caráter individual, privado. Ao alegar que exerce sua liberdade de
expressão e que não fere direitos alheios, além de enfatizar que a postagem era
voltada para um público específico (mesmo veiculada numa rede social de forma
aberta, sem nenhuma restrição de conteúdo) e de se valer de uma leitura
distorcida do Estatuto da Criança e do Adolescente e de um entendimento
controverso sobre a liberdade de crença, a instituição só desvirtua disposições
legais em prol de seus interesses privados e manifestamente LGBTfóbicos e nega
a escola como um espaço de socialização e aprendizagem da moral da sociedade
(Durkheim, 2011), uma moral que resulta da vida em comum e que nos leva a
considerar a diversidade e os interesses diferentes dos nossos. E é nesse
sentido que é preciso que as crianças discutam sobre gênero e sexualidade.
Além do esvaziamento de preceitos de Direitos
Humanos para fins de sua narrativa conservadora e antigênero, a Eccoprime
desconsidera que o discurso de ódio também é uma forma de violência. Assim, a
nota oficial apenas reitera as ofensas inicialmente feitas e instiga a
reverberação desses posicionamentos, sob o falso argumento de que essas ações têm
amparo legal.
Outra divulgação foi feita no dia 15 de julho
do ano corrente, quando a instituição Eccoprime realizou uma live intitulada “5 prejuízos do
feminismo para a criação de filhos” (Eccoprime, 2021c), apresentada por
Andressa Oliveira, diretora da instituição, e da qual participou uma convidada
para debater sobre o assunto, Cris Correa, que se apresenta como autora da linha de
estudo ‘Não existe cristã feminista’. Nessa live, foram apresentadas várias
explicações do motivo pelo qual o feminismo seria prejudicial à criação dos
filhos nos valores de uma escola cristã, a saber: 1 - a sutileza da cultura,
que leva a mulher e o homem a acreditarem que revolução sexual é liberdade; 2 -
que a maternidade é uma maldição; 3- rejeitar qualquer influência judaica
cristã e que a mulher também precisa resistir em sua espiritualidade e ter uma
espiritualidade feminista, o místico; 4 – que o feminismo leva a mulher a ver
seu cônjuge como adversário e coloca ela e o homem em uma posição de competição
e 5 - interseccionalidade política do movimento, sob a alegação de que o
feminismo é o coletivo político que mais trabalha para o ‘progressismo’ (sic).
Como legenda do vídeo, a instituição utilizou o seguinte
texto:
Nesta live @andressaEccoprime e @_correacris conversam sobre
as bases do feminismo e como essa
ideologia tem afetado a forma como os nossos filhos tem vido a vida no
casamento, seus papéis quanto homens e mulheres, como tem visto a
maternidade e filhos! Precisamos estar atentas, pois são idéias que tem
penetrado de forma sutil e danosa nos corações de nossos filhos. Por isso precisamos ensinar as Verdades Bíblicas
para os nossos filhos para que eles não sejam presas fáceis das vãs doutrinas e
distorções de uma sociedade que está claramente perdida em seus pensamentos e
valores. Que Deus tenha misericórdia de nós e de nossos filhos! (Eccoprime,
2021c, grifo nosso)
Mais uma vez, observamos a construção de uma
retórica em defesa de um ideal heterocisnormativo, que reforça os papéis de um
suposto ideal de família de acordo com os preceitos bíblicos, sob a alegação de
que a atual sociedade está desvirtuada e perdida quanto aos valores. As
questões de gênero e sexualidade e suas apresentações na escola representam uma
garantia democrática de respeito, de equidade, de promoção da não discriminação
por orientação sexual, identidade de gênero e outras, com o fim de desconstruir
uma cultura de imposição heteronormativa. Então, os discursos que se contrapõem
ao tema não só reforçam padrões sociais como também descumprem princípios de
Direitos Humanos. O dever da escola - pública ou privada, laica ou confessional
- como um espaço de respeito, de promoção da cidadania e dos Direitos Humanos,
é referendado em documentos internacionais, como os Princípios de Yogyakarta,
dentre outros documentos internos, como os Parâmetros Curriculares Nacionais -
temas transversais (Brasil, 1997), as orientações técnicas de educação em
sexualidade para o cenário brasileiro (Organização das Nações Unidas para a
Educação, a Ciência e a Cultura [Unesco], 2014).
Assim, o estudo indicou que os discursos
proferidos nas postagens da Eccoprime, contrários à campanha do Burger King Brasil, desdobram-se de duas maneiras:
1) como postura de uma instituição educacional: vai de encontro ao seu papel
humano e social de promover a pluralidade, o respeito às diferenças e desconstruir
padrões de desigualdade, de machismo, de homofobia, de transfobia, de prevenção
de estereótipos sobre feminilidade, masculinidade e de trazer à tona
representações reais de família - família homoafetiva, monoparental,
coparental, dentre outras; 2) e como postura empresarial: independentemente de
sua personalidade jurídica (de direito privado), de sua posição religiosa e do
seu caráter confessional, promove publicamente discurso de ódio, numa rede
social de amplo alcance, e influencia seus/suas seguidores(as) bem como toda e
qualquer pessoa que eventualmente possa acessar o conteúdo a reverberarem tal
posição, além de incorrer em crime de LGBTfobia.
Considerações
As tensões em torno das questões de
diversidade sexual de gênero, sobretudo no campo da Educação, remontam ao
começo do século passado. Entretanto, como foi possível observar, no início dos
anos 2000, tivemos alguns avanços no campo das políticas públicas educacionais.
As questões de gênero e de sexualidade têm um papel político e social, sob o
manto dos princípios constitucionais e dos Direitos Humanos, de promover uma
sociedade justa, igualitária, que respeite as diferenças de gênero, identidade
de gênero, raça e etnia, religião, orientação sexual, dentre outras.
Ressalte-se, todavia, que, apesar de a escola,
muitas vezes, ser um ambiente de reprodução dos padrões hegemônicos - a
heterocisnormatividade é um desses padrões - ela também é um espaço de
formação, de aprendizagem de valores democráticos e de convivência e respeito com
as diferenças. Quanto a esta última concepção, alguns avanços foram obtidos com
o desenrolar de políticas públicas educacionais, no que se refere à valorização
e ao respeito à diversidade. Entretanto, esses avanços têm sido fortemente
combatidos por uma ofensiva neoconservadora e fundamentalista religiosa, e uma
verdadeira caçada antigênero tem sido orquestrada nos vários setores sociais. A
Escola Eccoprime, aqui em análise, representa um desses setores, como uma
instituição educacional que tem se pronunciado reiteradamente de forma
preconceituosa sobre os discursos em prol da visibilidade e da promoção do
respeito às questões de diversidade sexual e de gênero.
Para além disso, seus pronunciamentos de
caráter público, no âmbito da rede social, influenciam diversas pessoas a
reproduzirem as ofensas e os discursos de ódio ali expostos. Verificamos que as
retóricas utilizadas pela instituição de ensino baseiam-se em um ideal
moralizador, supostamente em defesa da tradição e da família heterocisnormativa
e em valores e comportamentos conservadores que negam, excluem e perseguem a
pluralidade.
Todavia, apesar do grande aumento do número de
seguidores depois da publicação das postagens aqui analisadas, além das
métricas de engajamento, que demonstraram muitas curtidas e comentários nas
publicações do perfil da instituição, foi possível constatar processos de
fissura e contrariedade aos posicionamentos de caráter LGBTfóbico, não só em
contraponto às postagens principais da Eccoprime, como também em resposta aos
comentários que endossavam o pronunciamento da instituição educacional. Nesse
contexto, muitos discursos proferidos no perfil da escola não expressavam só apoio,
mas também, contrapontos, o que demonstra que as interações nas redes sociais
ultrapassam o espectro da total concordância e também são espaços de disputa
discursiva.
Apesar das limitações das análises aqui
construídas e por se tratar de um estudo de caso que aborda o posicionamento de
uma instituição educacional em específico e não representa, necessariamente, um
pronunciamento universal de instituições privadas e de caráter confessional,
ressaltamos a importância de promover essas reflexões e problematizações a
partir dessas situações concretas, cotidianas, a fim de intensificar os debates
sobre as questões de gênero e sexualidade, de estabelecer fissuras, de colocar
em xeque posições conservadoras arraigadas e de denunciar toda e qualquer forma
de preconceito. Desse modo, acreditamos que as questões aqui suscitadas podem
servir para outras discussões mais profundas sobre gênero, educação,
conservadorismo e LGBTfobia.
Por fim, ressaltamos que os referidos
posicionamentos incorrem em crime de LGBTfobia e que, para além do embate no
ambiente das redes sociais, essas ações devem ser apuradas pelas autoridades
competentes, nas mais diversas esferas, quais sejam: notícia crime ao
Ministério Público estadual; notificação extrajudicial administrativa à
Secretaria de Educação da localidade (municipal e estadual); autoridade
policial competente para instauração de inquérito policial, dentre outras
possibilidades jurídicas.
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[i] Mestra em Direitos Humanos pela
Universidade Federal de Pernambuco (2020). Doutoranda em Educação pela
Universidade Federal da Paraíba.
[ii] Especialista em Gestão Pública
pela Universidade Federal Rural de Pernambuco (2020). Mestranda em Ciências
Sociais pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte.
[iii] Doutora em Educação pela
Universidade Federal da Paraíba (UFPB) (2007). Professora Associada III do
Centro de Educação da UFPB.
[4] Mais informações: https://socialblade.com