Artigo
Pós-estruturalismos
e educação: condições de produção conceitual de um campo
Postestructuralismos y educación: condiciones para la producción
conceptual de um campo
Poststructuralisms and education: conditions for the
conceptual production of a field
Déborah Cristina Barbosa Ferreira[i]
Universidade Federal de Goiás
Catalão, GO, Brasil
https://orcid.org/0000-0001-9024-222X
Rita Tatiana Cardoso Erbs[ii]
Universidade Federal de Catalão
Catalão, GO, Brasil
https://orcid.org/0000-0002-6274-1678
As
autoras contribuíram igualmente na elaboração do manuscrito.
Recebido em: 27/10/2021
Aceito em: 25/01/2022
Publicado
em: 02/02/2022
Linhas
Críticas |
Periódico científico da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília,
Brasil
ISSN:
1516-4896 | e-ISSN: 1981-0431
Volume
28, 2022 (jan-dez).
http://periodicos.unb.br/index.php/linhascriticas
Referência completa (APA):
Ferreira, D. C. B., & Erbs,
R. T. C. Pós-estruturalismos e educação: condições de produção conceitual de um
campo. Linhas Críticas, 28, e40530. https://doi.org/10.26512/lc28202240530
Link
alternativo:
https://periodicos.unb.br/index.php/linhascriticas/article/view/40530
Licença Creative Commons CC BY 4.0.
Resumo: Este trabalho analisa contextos e conceitos
constituintes do movimento filosófico pós-estruturalista a fim de abordar suas
condições de produção, bem como implicações para a educação contemporânea. Nos
agenciamentos conceituais atrelados à filosofia, os pós-estruturalismos estão
em campo de criação, no tempo, ressoando quebras para o campo educacional, o
que reflete nos sujeitos, visto que estes passam a serem autores numa
atualidade criadora. Neste contexto, destaca-se a noção de sujeito, uma vez
que, neste viés filosófico, tal concepção confronta nuances educacionais
formais cristalizadas, sinalizando desafios ao relacionar pós-estruturalismos e
educação.
Palavras-chave: Pós-estruturalismos. Educação. Condições de produção. Sujeito.
Resumen: Este trabajo analiza contextos y conceptos del
movimiento filosófico postestructuralista el fin de abordar sus condiciones de
producción, como implicaciones para la educación contemporánea. En los
ensamblajes conceptuales ligados a la filosofía, los postestructuralismos
están en el campo de la creación, en el tiempo, rupturas resonantes para el
campo educativo, con los sujetos convirtiéndose en autores en una actualidad
creativa. En este contexto, se destaca la noción de sujeto, ya que, en este
sesgo filosófico, tal concepción confronta matices educativos formales
cristalizados, señalando desafíos en la relación postestructuralismo
en y educación.
Palabras
clave: Postestructuralismos. Educación. Condiciones
de producción. Sujeto.
Abstract: This work analyzes contexts and concepts that
constitute the post-structuralist philosophical movement in order to address
production conditions, as well as some implications for contemporary education.
In conceptual assemblages linked to philosophy, post-structuralisms are in the
field of creation, in time, resounding breaks for the educational field, with
subjects becoming authors in a creative actuality. In this context, the notion
of subject stands out, since, in this philosophical bias, confronts
crystallized formal educational nuances, signaling challenges in relating
post-structuralism and education.
Keywords:
Poststructuralisms. Education. Production conditions. Subject.
Introdução
Os estudos
pós-estruturalistas impactam as pesquisas em Educação no Brasil desde 1993. De
início, emergiram apresentações de trabalhos na Associação Nacional de
Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (ANPEd). Segundo
Paraíso (2004), os primeiros trabalhos apresentados nos eventos desta
associação, referentes ao campo dos pós-estruturalismos, estavam relacionados,
sobretudo, aos estudos do filósofo Michel Foucault (1926-1984). Podemos
denominar esse primeiro momento de estudos como a primeira onda pós-estruturalista
na Educação no Brasil, marcada por problematizar e apontar o esgotamento da
perspectiva crítica na área, bem como pela realização de críticas às
perspectivas humanistas e racionalistas (Paraíso, 2004).
Juntamente aos
estudos pós-estruturalistas que reivindicaram uma renovação da perspectiva
crítica, ainda na década de 1990, houve apresentações de trabalhos pela ANPEd que, para além de apontarem problematizações sobre o
campo crítico, tornaram-se independentes desta vertente teórica. A nova
perspectiva dentro dos pós-estruturalismos no Brasil ganhou força no final da
década de 1990 e início dos anos 2000. Podemos considerar esta transição e sua
efetivação como uma segunda onda de estudos de tal vertente, sendo que as
produções acadêmicas e seus autores (as) investiram em recursos escritos que
perpassavam o estímulo à imaginação, além de abrangerem a atuação do leitor à
experimentação. Ademais, com o advento da segunda onda, deslocaram-se noções do
filósofo francês contemporâneo Gilles Deleuze (1925-1995), bem como de Félix
Guattari (1930-1992) (Vinci, 2016).
As filosofias da
diferença ofertam conceitos para os campos pós-estruturalistas, os quais foram
e são deslocados, neste caso, para pensar a Educação ou mesmo para agenciar
outros modos de pensar e atuar junto à Educação formal. Neste movimento
filosófico da diferença, cada filósofo atua em campo distinto, frisando que a
primeira geração de filósofos franceses não travou um debate específico
direcionado para o campo educacional. No entanto, investigou-se a respeito da
diferença, ao mesmo tempo em que foram propostas rupturas por meio das atuações
filosóficas. Para além da triangulação da filosofia crítica, fenomenologia e do
viés lógico, o que aqui se denomina pós-estruturalismo inclui essa primeira geração
advinda da geração 60, como denomina Gallo
(2003), que Nietzsche claramente se debruça sem traçar uma definição, contudo,
estabelecendo pontos de contato e auxiliando a perspectiva da diferença. Não
sendo uma escola ou um método, este movimento ou pensamento na Filosofia
francesa emergiu na década de 1960, representando alguns/algumas filósofos (as)
que, segundo Peters (2000), se subdividiram em gerações, constituindo a
primeira e a segunda, ambas divulgadas nas universidades francesas. São parte
de tais gerações Jacques Derrida (1930-2004), Michel Foucault (1926-1984),
Julia Kristeva (1941-atual), Jean François Lyotard
(1924-1998), Gilles Deleuze (1925-1995), Luce Irigaray (1930-atual), Jean Baudrillard (1929-2007), entre
outros (as).
Acerca de alguns
desses (as) filósofos (as) apontados (as), pode-se descrever suas atuações,
como no caso de Derrida, cuja produção visibiliza uma perspectiva filosófica de
desconstrução da escrita, da textualidade e de tradições. Já o filósofo
Foucault articulou a compreensão acerca das relações de poder, do discurso e da
constituição do sujeito em uma história descontínua que evidencia elementos
diferenciais. Partindo para Deleuze, é possível encontrar estudos acerca do
desejo e do pensamento, conceitos estes investigados, a partir do
questionamento de como algumas filosofias concebiam o pensar ou o exercício de
pensamento (Machado, 1990). Cabe aqui destacar que Deleuze traçou linhas para
discutir uma filosofia enquanto produção e criação. Estas perspectivas
filosóficas potencializam a discussão da diferença como uma ferramenta com
potencial de desconstrução, que indica o movimento rizomático
que é próprio da vida, sendo uma das problematizações evidenciadas nas
elaborações deleuzianas, refletindo sobre a noção acerca de inícios verdadeiros
ou mesmo a epistemologia. Desta forma, estes elementos são colocados sob
suspeita, especificamente, a busca por um início, um meio e um fim fixos, bem
como a continuidade linear em cadeia, questões afirmativas supostamente seguras
e cristalizadas de narrativas, nas quais é atribuído o status de verdade ou
verdadeiro (Deleuze, 1988; Perrone-Moisés, 2004; Foucault, 2005; Williams,
2012; Andrade, 2012).
Para os
pós-estruturalismos, as narrativas advindas dos racionalismos, juntamente a
seus status de verdadeiro, reduziriam as atuações do ser no mundo. Podem ser
observadas também, nestas narrativas, as relações de poder e as morais fixadas
em supostas narrativas verdadeiras, principalmente as de cunho universalista.
Assim, são encontrados sujeitos permeados por aspectos direcionados às pautas
das identidades, em morais e códigos de conduta, no normal e no racional.
Ao contrário das
argumentações e justificativas para se usar os termos pós-estruturalismo (s) ou pós-estruturalista (s) como opção didática,
entendendo que são menções comumente utilizadas em muitos trabalhos, optou-se,
aqui, em propor uma abordagem de tais objetos enquanto constructos, ou seja, a
partir de acontecimentos que se agenciam em uma pluralidade de aspectos e
narrativas.
Buscando fomentar
uma discussão a respeito de algumas implicações da relação entre Educação e
estudos pós-estruturalistas, este estudo tem o objetivo de apresentar e
discutir noções dos pós-estruturalismos em interface com a Educação, sendo
dispostas e discutidas as concepções de atuação e criação que, nesta
perspectiva filosófica, podem ser visualizadas nos contextos em que os (as) já
supracitados (as) filósofos (as) produziram seus estudos, destacando, ademais,
como é abordado e discutido o conceito de sujeito, para o qual este artigo
dirige especial atenção. A partir de tais noções, no decorrer do texto são
sinalizadas algumas implicações conceituais para a compreensão da Educação
formal contemporânea. Para tanto, essas noções serão esmiuçadas em diálogo com
alguns contextos e produções conceituais de filósofos da diferença ou
pós-estruturalistas. Para mais, será levantado o diálogo com a Educação formal,
sintetizando em subtítulos as interações e possíveis discussões envolvendo os
pós-estruturalismos na sua relação atuante com a vida e com a Educação,
enquanto perspectiva que agencia aspectos filosóficos, históricos, políticos e
conceitos inspirados, sobretudo, nas filosofias da diferença.
Pós-estruturalismos
em produção com a vida
Discorrer acerca
dos pós-estruturalismos exige abordar o estruturalismo francês, o qual emerge
na década de 1960, perpassando por disciplinas e perspectivas teóricas que
buscavam se afirmar como científicas em seus constructos. Nessa direção, Thiollent (1998), ao abordar testemunhos de estudantes
franceses na década de 1960, em Paris, forneceu indícios do período de
emergência dos pós-estruturalistas, configurando bases para se discutir como
pensavam alguns teóricos, principalmente relacionados à área de Humanidades. Em
outros termos:
Os anos 60 foram
marcados pelo auge do estruturalismo, movimento intelectual que, em filosofia,
ciências sociais e psicanálise, pretendia alcançar um maior grau de
cientificidade a partir da elucidação e, se possível, da formalização das
estruturas invariantes que estão por trás dos discursos ou das atividades
humanas. A ideia começou em linguística, na qual vigorava a análise estrutural
e a semiótica, alastrou-se em antropologia sob a influência de Claude
Lévi-Strauss. A psicanálise foi "estruturalizada"
por Jacques Lacan. O marxismo era objeto de uma releitura estruturalizante
por parte de Althusser. (Thiollent, 1998, p. 87)
De forma pontual,
expõem-se esses pensamentos da seguinte forma, elegendo, aqui, a década
referida como pano de fundo histórico das produções e elaborações filosóficas e
acadêmicas:
Na década de 60,
as ciências sociais, especialmente, sociologia, antropologia e filosofia,
ficaram em evidência. Havia uma intensa atividade na Sorbonne, em Nanterre e em
outras universidades. Bourdieu & Passeron (1964)
haviam publicado Les héritiers
sobre a vida estudante, e preparavam o famoso livro La reproduction,
sobre os mecanismos seletivos do sistema escolar. Touraine desenvolvia a
sociologia do trabalho, pensava a produção da sociedade pós-industrial (1968,
1969) e iniciava o estudo dos movimentos sociais, especialmente novos
movimentos (estudantes, mulheres, ecologia etc).
Lefebvre (1968) desenvolvia a sociologia urbana e a sociologia da vida
quotidiana. Balandier discutia as questões de modernidade e tradição em
antropologia e sociologia da descolonização (os países africanos sob domínio
francês se tomaram formalmente independentes a partir de 1962). Naville e Friedmann dominavam a área de sociologia do trabalho. Chombart de Lauwe (1969) desenvolvia
uma psicossociologia das aspirações. Em antropologia, reinava Lévi-Strauss,
tido como mentor do estruturalismo. Barthes era muito citado na área de
semiologia e crítica literária. Baudrillard começou a ser conhecido. (Thiollent, 1998, p. 87)
No que diz
respeito ao período de 1968, em Paris, França, os estruturalismos estavam
postos ao mesmo tempo em que se produzia este pensar e atuar em “pós” de
“pós-estrutura”, uma vez que esta já se fazia presente, inserindo novas tramas
na teia social de relações, atuando em micro resistências e no enfrentamento de
grandes narrativas, em pleno período de efervescências e de atuações políticas
descentralizadas e horizontais em Paris, conhecido como maio de 1968. Deste
modo, podemos dizer que as produções filosóficas são impactadas por forças
intrínsecas aos acontecimentos e períodos históricos, não sendo, portanto,
fechadas em si mesmas. Filósofos (as) que outrora se contentavam com a reflexão
restrita às universidades, neste contexto, fizeram-se presentes nas ruas, como
visualizado na citação abaixo:
Em 1968, grandes
filósofos como Sartre e Foucault saíram às ruas, participando de manifestações.
Filosoficamente, manifestaram maior preocupação com os problemas da época. No
período pós-68, Sartre deu apoio, um momento, ao movimento maoísta Gaúche Prolétarienne e Foucault interveio de modo direto em lutas
a favor de presos, doentes mentais e outros marginalizados. [Foucault ainda]
participou do GIP (Groupe Information Prisons). (Thiollent, 1998, p. 89)
Em Paris as
mobilizações forçaram ações de estudantes e trabalhadores, com parte do campo
intelectual mobilizado. A partir dessa efervescência de crise mundial, a
Filosofia francesa, posteriormente, experimentou a busca pela superação do
estruturalismo francês com maior evidência, dentre estes (as) filósofos (as)
estava Gilles Deleuze, cujo impacto foi notório aos
pós-estruturalismos, no campo filosófico e na atuação política-filosófica. Em
meio a passagem pelo período de 1968 e das agitações parisienses em distintos
momentos Deleuze extrapolou o campo intelectual, conforme:
[…] do início até o fim, desde seus primeiros trabalhos sobre Hume até
as suas últimas reflexões sobre o virtual, toda a sua
obra circunscreve-se no espaço do político, aquele da reabertura incessante das
forças de criatividade e do enfraquecimento das limitações institucionais. Sem
dúvida, sua travessia de maio de 1968 e seu encontro, em seguida, com Félix
Guattari, aumentaram a visibilidade desse engajamento político. (Dosse, 2010, p. 152)
Os engajamentos políticos de Gilles Deleuze em
suas obras demostram teor expressivo de criatividade e enfraquecimento de
dominações e poderes dogmáticos, abrangendo não apenas o campo da Filosofia,
mas também outros campos, como o da Arte. O dogmatismo, para esta perspectiva,
mostra-se enquanto práticas e forças sempre dispostas a estarem centralizadas e
à prontidão para repetirem sempre o mesmo pensamento e a mesma lógica
dominadora. Em Filosofia, Deleuze opôs-se a revirar “ossadas” conceituais de
filósofos e pensadores para repeti-los, haja vista que para ele existiriam
contextos e atualidades outras que provocariam outros conceitos. Em suma, criar
conceitos seria a função dos filósofos, não se restringindo apenas à repetição.
Em 1968, Deleuze publicou sua tese Différence et répétition
(Diferença e Repetição), traduzida no Brasil por Roberto Machado e Luiz Orlandi
(Deleuze, 1968; 1988), obra que demarcou um novo ciclo em suas produções
acadêmicas, uma vez que discute nuances dogmáticas na Filosofia Ocidental. Além
das produções acadêmicas, o autor participou de debates políticos, incluindo
entrevistas sobre a Palestina realizadas em 1978 (Deleuze, 2016). Segundo Dosse (2010), Deleuze trabalhava na Universidade de Lyon no
período em que declarou publicamente apoio aos estudantes, sendo, na ocasião, o
único docente do departamento de Filosofia dessa instituição a declarar apoio
às assembleias estudantis em 1968.
Partindo de tais
fatos, alguns (algumas) filósofos (as) pós-estruturalistas da primeira geração
adentraram lutas políticas, tais como em movimentos artísticos, organizações
psiquiátricas e anarquistas, caminhando junto a proposições e práticas ativas
que viram enfraquecer movimentos outros de esquerda, cujos modelos pautavam-se
em centralismo e verticalidade. No período de maio de 1968, observou-se a “[…]
ausência de unidade ideológica ou organizacional centralizadora” (Williams, 2012, p. 39), constituindo um momento histórico de
emergência das filosofias da diferença e de outros movimentos antidogmáticos. A
inclusão da questão do desejo para Deleuze e Guattari pode ser entendida como
advinda desse período, não como cenário determinante, mas disposto em períodos
que coincidem, visto que estes filósofos fazem discussões entrelaçando as
questões sobre poder e desejo em suas produções filosóficas, como aponta Peters
(2000) e Thiollent (1998).
De encontro às
práticas de resistência política do período de 1968, na França, a noção de
poder para os pós-estruturalismos não se restringiu a formas fixas relacionadas
às instituições, organizações sociais, ao governo ou similar, tampouco às leis,
posto que era preciso visar o poder no nível das relações. O aspecto político
enquanto campo de utopia, de acordo com o que já se conhece, foi substituído
por um virtual, isto é, por uma abertura ao desconhecido, em tom de democracia
por vias de transformação criativa que se faz resistência ao capitalismo e à
democracia liberal, gestando o novo, uma esquerda (não utópica), com o desejo
ativo, sem fixar a imagem de como as relações devem ser, portanto, sem modelos
(Williams, 2012).
Foucault (2005),
em entrevista com temática acerca do estruturalismo e pós-estruturalismo,
concedida em 1983, comentou acerca do período da década de 1960, em especial,
discutindo o maio de 1968, dando mais pistas das produções filosóficas da
diferença ou pós-estruturalistas do período referido:
O que se passou
em 1968 na França, e creio também em outros países, é ao mesmo tempo
extremamente interessante e muito ambíguo: e ambíguo porque interessante:
trata-se, por um lado, de movimentos que frequentemente estavam impregnados de
uma forte referência ao marxismo e que, simultaneamente, exerciam uma crítica
violenta ao marxismo dogmático dos partidos e das instituições. E o jogo que
pôde existir de fato entre uma certa forma de pensamento não marxista e essas
referências marxistas foi o espaço no qual se desenvolveram os movimentos
estudantis, que levaram o discurso revolucionário marxista ao cúmulo do exagero
e que eram, ao mesmo tempo, frequentemente inspirados por uma violência
antidogmática contradizendo esse tipo de discurso. (Foucault,
2005, pp. 308-309)
Nesta condição social não mais bastava o
centralismo marxista ou, ainda, o marxismo ortodoxo divulgado pela URSS, com o
olhar para o futuro e criação de modelos grandiosos, visualizando grandes
empreitadas revolucionárias. Logo, buscava-se outros olhares e, principalmente,
experiências não modeláveis, como foi o caso específico do desdobramento
pós-estruturalista na Filosofia e nas múltiplas atuações dos movimentos
sociais, cujas relações divergentes e, ao mesmo tempo, fortalecedoras de redes,
entram em cena para fazer com,
construir junto. Portanto,
historicamente e filosoficamente, havia ali (em 1968) um período de passagem,
como aponta Andrade (2012), mesmo que não fosse uma passagem completa, mas, ao
menos um ensaio que contou com práticas focadas em construções no presente
resistentes ao capitalismo econômico e ao autoritarismo político, compondo
práticas menores que, mesmo assim, não significaram ter pouco impacto social.
Ao final de junho de
1968 as mobilizações estudantis em Paris resultaram em substituições e reduções
das ênfases no positivismo, no funcionalismo estruturalista, adentrando em cena
estudos acadêmicos com perspectivas na fenomenologia, na psicanálise, da teoria
crítica, dos anarquismos. No embrião do pós-estruturalismo, havendo leituras de
filósofos da diferença, Friedrich Nietzsche destaca-se como um exemplo que,
contribuiu, de modo antidogmático, para pensar e lançar experiências de
autogestão, juntamente aos anarquismos. De modo geral, a Educação em Ciências
Humanas e Sociais teria sido voltada para superar a didática centrada na
transmissão de um conhecimento pré-estabelecido, sendo estimulada por
professores (as) inspirados (as) nas práticas e conceitos emergidos em maio de
1968, ressaltando a dimensão política das relações pedagógicas (Thiollent, 1998).
Desde modo, é
possível observar que a emergência do pensamento filosófico da diferença
francês se situa na história. Afirma-se que as atuações políticas de alguns
(algumas) destes (as) filósofos (as), bem como o modo como lidaram com suas
filosofias, a exemplo das aberturas antidogmáticas para a criação do novo,
mobilizando a suspeita frente às cristalizações em práticas e concepções, se
assemelham aos próprios movimentos contestatórios do período de 1968.
As desconstruções
pós-estruturalistas fazem oposição às pretensões científicas e filosóficas de
persistir em um centro fixo de entendimento. Segundo Vinci (2016), a partir de
1960, este pensamento filosófico influenciou disciplinas e foi traduzido para
várias línguas, com experimentações na Arte, na Ciência e na Filosofia. O termo pós-estruturalismo foi cunhado nos Estados
Unidos nos anos de 1980, sendo este país apontado como um dos polos de estudos
dos autores de tal filosofia, inicialmente no pós-guerra, em meio a
movimentações de cunho reivindicatórias.
As concepções de
sociedade e organização política dos pós-estruturalismos atravessam a Filosofia
e outros campos, os desejos e as construções, para buscar gerar outros modos de
vida. As operações desse campo perpassam transformações e capilarizações
em redes, a partir de uma política da vida cotidiana, como aponta Peters
(2000), abrangendo, sobretudo, uma atualidade na experiência, que pode ser
encontrada em suas filosofias e que também pode ser resgatada em uma
historicidade concreta.
O sujeito nos
pós-estruturalismos e a Educação: revisitando
conceitos
Os
pós-estruturalismos em Educação problematizam as Ciências e a Filosofia, apontando
modos morais de conceber verdades prontas e anteriores aos sujeitos. Assim, a
problematização ocorre em relação às perspectivas estruturalistas. Reale e Antiseri (2006) apontam
que os estruturalismos não seriam somente perspectivas científicas, mas também
um campo filosófico, uma vez que tratariam dos temas acerca do ser e da
história. Aponta-se também a problemática estruturalista no que se refere à sua
noção do pensamento, negacionista do sujeito. Nesse sentido, as noções de
estrutura perpassam por uma inteligibilidade organizativa que confere
semelhanças entre apreensor e apreendido. O foco, portanto, é no objeto
apreendido, o qual apenas é reconhecido por uma inteligibilidade que representa
e assimila. Destarte, mesmo que a visão estruturalista não assuma um sujeito em
construção, volta-se, de modo implícito,
para uma noção de
sujeito estático e reprodutor.
Os
estruturalismos, no plural, como adverte Sales (2003), principalmente o da
cultura francesa, possuem denominador comum, se dirigem para noções de
estrutura com natureza ordenativa das diferenças,
pondo-as em ordem a partir da ideia de similaridade e identidade, pautada em
uma inteligibilidade de modelos supostamente previsíveis para conhecer
resultados prescritos. Toda essa abstração foi posta como verdadeira nas
Ciências Humanas a fim de legitimar um modo de fazer ciência, fundamentado,
como disse Deleuze (1988), em um senso comum e em um bom senso de cunho
dogmático, este que as próprias Filosofia e Ciência, por muito tempo,
objetivaram combater.
Deleuze (2005),
no texto Em que se pode reconhecer o
estruturalismo?, descreve uma linha tênue dentro do estruturalismo em
relação ao pós-estruturalismo. Em outros termos, o pós-estruturalismo não teria
sentido como um momento emergente após a queda do estruturalismo, mas sim como
um “pós” que impulsiona rupturas por dentro do estruturalismo. Sua perspectiva
pode ser chamada, ainda, de estruturalismo radical, uma vez que não usa o termo
pós-estruturalismo, mas indica uma radicalidade dentro do estruturalismo
cientificista, apontando ainda para aspectos de criação e de implicação do
desejo dos sujeitos em produção. Neste ensaio, Deleuze não aborda o que é, a fim de constatar ou reafirmar
uma estrutura, pelo contrário, soa como uma ironia. Desta forma, o filósofo
fornece pistas para pensar essa estrutura em termos de linguagem:
[…] só há
estrutura daquilo que é linguagem, nem que seja uma linguagem esotérica ou
mesmo não-verbal. Só há estrutura do inconsciente na medida em que o
inconsciente fala e é linguagem. Só há estrutura dos corpos à medida que se
julga que os corpos falam com uma linguagem que é o dos sintomas. As próprias
coisas só têm estrutura à medida que mantém um discurso silencioso, que é a
linguagem dos signos. (Deleuze, 2005, pp. 211-212)
Elenca-se, junto
a Deleuze, uma noção que se dá pela interação da linguagem com os signos da diferença, concomitantemente
a uma atualização da estrutura e dos sentidos. Deleuze (2003) entendeu os
signos enquanto circuitos abertos de produção de sentidos e de interpretação,
independentemente da linguagem enquanto estrutura normativa. Signos e linguagem
operam no pensamento, no que violenta e move o pensamento a pensar, por
conseguinte, naquilo que perpassa a produção dos sujeitos no mundo. A
estrutura, para Deleuze, é uma virtualidade do campo da linguagem, uma
realidade múltipla que se integra ao virtual, se diferindo de concepção e de
estrutura absolutamente condicionada e determinante, identitária e moralmente
estável.
Para Peters
(2000), o cientificismo estruturalista nas Ciências Humanas e Sociais seriam
adeptos aos megaparadigmas e meganarrativas racionais
e universais. Contudo, para esse autor, as narrativas e paradigmas
estruturalistas também possuem construções não apenas lineares, mas
descontínuas, ainda que dissimulem linearidades e linhas narrativas. Assim, os
estruturalismos não se atentariam para as suas próprias concepções enquanto
construções a serem problematizadas continuamente. Portanto, estariam essas
meganarrativas no campo das construções, bem como no campo da legitimação de um
discurso, mesmo que não se admitisse isso no próprio campo estruturalista, como
aponta Peters (2000):
[… das] histórias
que as culturas contam sobre suas próprias práticas e crenças, com a finalidade
de legitimá-las. Elas funcionam como uma história unificada e singular, cujo
propósito é legitimar ou fundar uma série de práticas, uma auto-imagem
cultural, um discurso ou uma instituição. (Peters, 2000, p.
18)
Deste modo, os
pós-estruturalismos problematizam os estruturalismos e as noções metafísicas
enraizadas, além das abstrações e pressuposições que naturalizam aspectos,
principalmente aqueles relacionados ao ser, ao pensamento e a um eu que supostamente opera apenas enquanto identificação de verdades
postas, não dispondo o sujeito enquanto autor no campo da criação.
Os
pós-estruturalismos se distanciam de concepções modernas, iluministas,
humanistas e principalmente do estruturalismo francês do início do século XX
(Peters, 2000). Em relação ao humanismo teórico, os pós-estruturalismos,
segundo Peters (2000), apontam para os limites do humano, por esta abordagem
humanista não conseguir alcançar o que foi proposto ao início. Para o campo
pós-estruturalista, o espaço de uma vida humana não poderia se restringir ao
nascimento e à morte dos corpos, uma vez que estes estão conectados com
infinitas relações de linguagem, de genética, de mundos, de interação com
outras formas de vida e de seres. Nessa direção, a consciência e o saber seriam
apenas duas perspectivas e propostas de uso dos registros dispostos, não as
únicas existentes e tampouco as mais legítimas entre as espécies.
Diante disso,
como pensar uma Educação que abranja às complexidades e multiplicidades de
mundos e seres? Não temos aqui respostas para essa pergunta, contudo, o próprio
ato de problematizar aqui importa para gerar a inquietude necessária afim de
buscarmos outros modos de vida junto à Educação, aqui entendida especificamente
como a Educação formal e escolar. Seria uma questão válida, partindo do fato de
que muitas vezes o que se passa em uma escola é considerado como vida escolar,
separada dos contextos de vida e dos desejos de quem a constrói
permanentemente. Haveria uma vida intraescolar e outra vida extraescolar, ou
isso seria apenas uma separação abstrata do que impreterivelmente está em
relação?
Rumo a essa
idealização, o sujeito intraescolar é atravessado por normatizações e papéis
pré-arranjados do que ensinar e como ensinar, do que aprender e como aprender,
alheio a qualquer força que provoque ruptura nesta prescrição, seja ela da
ordem de novas práticas, seja da ordem do desejo que apontaria outros olhares e
nuances para o aprender e para o ensinar. Segundo Peters (2000), para os
pós-estruturalistas, o sujeito não é tido enquanto ser da autoconsciência, pelo
contrário, é tido em uma complexidade histórica e cultural, dependente do
sistema linguístico discursivamente constituído, visto em termos concretos,
temporais, como ser-no-mundo que “[…] chega, fisiologicamente falando, à vida e
enfrenta a morte e a extinção como corpo, mas que é, entretanto, infinitamente
maleável e flexível, estando submetido às práticas e às estratégias de
normalização e individuação que caracterizam as instituições modernas” (Peters,
2000, p. 32). Este sujeito está em atuação com a vida, a mesma que possibilita
sua expressão junto ao que o mundo e que o violenta, não podendo, assim, ser
prescrito, uma vez que se produz continuamente.
Problematizar o
discurso da inteligibilidade da consciência não significa descartar os aspectos
intelectuais e cognitivos existentes, mas sim questionar as justificativas
atribuídas ao uso de alguns desses registros, empregados para explicar uma
hierarquia, assim como uma verdade, um “bem”, uma moral, como aponta Uberti (2006, p. 107), ao abordar críticas que geralmente o
campo dos pós-estruturalismos recebem de outros campos teóricos-filosóficos:
[…] não está em
questão a possibilidade de abster-se do que chamamos de conquistas intelectuais
ou capacidades cognitivas humanas. Não se está dizendo que a razão produz nada
(ao contrário) e, muito menos que, por esse motivo, ela deveria ou poderia não
ser usada. Isso seria um despropósito. A referência não é essa. Antes,
discute-se sobre o sentido que lhe damos, os valores de uso, as
responsabilidades e as finalidades que lhe atribuímos.
Dessas
finalidades, pode-se citar a constituição de sujeitos seguindo critérios de
mecanismos de saber-poder. A transformação de indivíduo para sujeito, na
perspectiva das instituições modernas, envolve uma formatação por meio das
normas, modelando o sujeito. O sujeito da cognição, o sujeito mnemônico, o
sujeito apreensor de verdades e da exterioridade são alguns tipos de sujeitos
mais valorizados na instituição escolar (Marques, 2017). Para os
pós-estruturalismos, não existe sujeitos pré-fabricados, nem razão verdadeira,
mas razões e sujeitos que se produzem nas contingências históricas. Deleuze
(1988) aponta que as produções realizadas sobre o mundo e a vida seriam
produções junto com o mundo e com a vida. Verdades lógicas
racionalistas usam recursos morais e abstratos para legitimar um saber e um
apreender de verdades externas, atuando, assim, como filosofia embebida na
moralidade e no senso comum.
Para Deleuze
(1988), por muito tempo o aprender foi visto em relação ao campo do saber, ou seja,
das soluções e da repetição. No entanto, não caberia mais compreender esse
aprender enquanto algo formatado, seria importante conceber o aprender como
pensar no pensamento e no imanente junto ao mundo. O aprender aqui é entendido
enquanto problema, considerando que se atua no que faz pensar e no que busca
por interpretação. Essa perspectiva provoca estrondos na existência escolar,
acionando atuações marcadas por problematizações, não existindo respostas fixas
ou mesmo soluções. Deslocada para o campo dos processos educativos formais,
essa visão impede que se ofereçam problemas alheios e prontos aos estudantes,
buscando romper e, ao mesmo tempo, problematizar atividades, como caracterizado
por Carreira (2010), prescritas do início ao fim. O objetivo deste viés na
Educação, portanto, é o de provocar criações e outras práticas continuamente,
não havendo proposição de método, a fim de não dogmatizar os processos,
incluindo, para tanto, o campo relacional enquanto produtor de outros mundos,
junto a uma variedade de registros, a depender do campo do desejo que atravessa
os sujeitos. Deste modo, a escola compõe atuações inclusivas e considera,
sobretudo, as diferenças.
Abordar o campo
do sujeito ainda é necessário, pois não há sujeitos ou mesmo eus naturais já postos. Portanto, as suspeitas
pós-estruturalistas buscam não essencializar essa
perspectiva, como apontado por Williams (2012, p. 23):
[…] não é que o
pós-estruturalismo rejeite o caráter [self], o sujeito, o “eu” ou a
intersubjetividade […] Ao invés disso, eles devem ser vistos como tomando lugar
em contextos históricos, linguísticos e experienciais mais amplos. Não é que
não exista um “eu”, é que ele não pode reivindicar-se como âmago seguro.
Logo, o sujeito
da aprendizagem escolar é fruto de seu contexto e de construções históricas
pactuadas em determinada cultura. Outro aspecto marcante das perspectivas
pós-estruturalistas consiste em não operar juntamente aos binarismos. Não se
trataria, por exemplo, de escolher entre diferença ou totalidade, singular ou
plural, particular ou geral, uma vez que este jogo de supostos opostos
coexistiria em diferentes combinações e ambiguidades. Essas mesmas perspectivas
binárias fazem parte do pensamento ocidental filosófico e de suas vertentes. Os
pós-estruturalismos muitas vezes são percebidos por outras vertentes
teóricas-filosóficas a partir de um olhar binário, como bem explorado por Uberti (2006), sendo, portanto, aspecto a ser superado para
que possa problematizar esse campo de estudos de forma mais ampla e continuamente,
para além dos binarismos. Assim,
Nossa concepção
está imersa numa visão binária de bem e mal. Para esta racionalidade binária,
conforme Heidegger (1991), o fato de pensar contra a lógica é defender o
ilógico, pensar contra os valores é destituí-lo de importância, falar contra o
humanismo é glorificar a barbárie, e assim por diante. As produções filosóficas
situadas no campo pós-estruturalista não podem ser avaliadas a partir de tais
critérios. (Uberti, 2006, p. 108)
Completando a
argumentação, destaca-se a necessidade de ponderar os elementos da
racionalidade que nutre os binarismos, conforme:
Se determinada
perspectiva filosófica não propõe algo para intervir na sociedade, é porque
quer acabar com ela. Se detecta a imprevisibilidade e reconhece que algumas
coisas não são controláveis pela ciência, está defendendo o caos. Se questiona
as verdades, afirma que tudo é mentira. Se critica a razão, defende que tudo é
irracional e sem sentido. Se fala em construção discursiva, é porque não existe
a fome. Se fala na morte do sujeito, é porque está delirando, cometendo o
suicídio, sendo contraditório. (Uberti, 2006, p.
109)
Portanto, o olhar
binário reduz as problematizações e sua multiplicidade rizomática.
Posições dogmáticas fazem demarcações do quão longe se pode ir para discutir e
para pensar o mundo, colocando barreiras para buscar transver
o que vivemos e para vivermos junto a outros registros. Basta lembrarmos que
qualquer posicionamento pode ser, antes de qualquer coisa, moral. É temido que
essa problematização nunca tenha fim, e isto é, de fato, uma das intenções dos
pós-estruturalismos, ao proporem que valores, práticas e pensamentos estejam em
permanente mobilidade, sem modelos, sendo, assim, uma busca por um pensamento e
prática rizomáticos.
Para Uberti (2006), a ênfase na diferença e multiplicidade não
se daria em sentido de apologia ou numa noção fixa, ao contrário, a busca seria
pela ambiguidade, pois “[…] as diferenças não são fixas, não constituem
normalizações universais, tampouco comportam características abstração que
atravessam o tempo” (Uberti, 2006, p. 99). Argumenta-se a não
essencialização, a não abstração que o próprio entendimento de diferença e
multiplicidade efetuam, estando em movimento pelo problema. Esta autora vai ao
encontro do que Deleuze (2001) expõe ao unir noções de experiência com o
transcendental que pauta a experiência e o imanente, em que o fazer é proposto
como provocativo do pensar e este pensar gerador de outros fazeres e outros
modos de viver, em meio a estabilidades e imprevistos, virtualidades e
atualidades múltiplas (Deleuze, 2001; Schopke, 2004; Uberti, 2006).
O aprender
construído da produção dos problemas, em Deleuze, não oferta modelos ou métodos
para a educação ou para a aprendizagem. Pensa-se o aprender como uma ação e não
mais é relacionado ao saber que busca configurar por uma busca por inculcação
de verdades. O aprender é um conceito filosófico em aberto, em transformação,
inspirando a deixar que os sujeitos atuem e produzam junto às forças e memórias
que violentam o pensamento, por meio de signos e problemas, não totalmente
conscientes e voluntários (Deleuze, 1988; 2003).
Colocadas as
posições até aqui, entendendo-as como posições mais profundas do que simples
oposições, entende-se que dizer de produções e da mobilidade pós-estruturalista
faz-se necessário, já que existem concepções excludentes pertencentes a
sistemas morais, políticos e filosóficos, como aponta Williams (2012),
concepções estas que desafiam cotidianamente e que precisam ser problematizadas
em suas causas e efeitos políticos. De forma mais explícita:
Esta série de
argumentos e oposições não são meramente teóricos. Os argumentos filosóficos
têm consequências e paralelos em disputas políticas e morais familiares. Se a
esquerda em política é definida como uma política para os que estão à margem,
para os excluídos e para os que são definidos como inferiores e assim mantidos,
então o pós-estruturalismo é uma política
de esquerda. (Williams, 2012,
p. 20, grifos do autor)
Defronte ao
exposto, cabe aos pós-estruturalismos agenciar práticas que impliquem as
complexas relações humanas, sociais, ambientais e de subjetividade, atuando em
um momento particular, “[…] não porque seriam causas dotadas de um bem eterno e
absoluto” (Williams, 2012, p. 21), mas por se tratarem de elementos relevantes
a uma atuação na atualidade, junto ao desejo, às relações, problematizando
permanentemente a vida, as práticas e suas diferentes faces entrelaçadas, seja
na Educação formal ou em qualquer outro âmbito, uma vez que estão em constante
interação e construção, conjuntamente aos sujeitos.
Considerações finais
Adentrando o
campo dos pós-estruturalismos e das filosofias da diferença observamos atuações
com a vida enquanto construções múltiplas com a história e acontecimentos que
se deram em meio a manifestações antidogmáticas, contra centralismos do poder
político. Junto às demandas do período de 1960 em Paris, França, emergiram
atuações horizontais de diferentes grupos organizados e articulados, num
contexto de efervescência e experimentação, inclusive para filósofos (as) e
filosofias, como a emergente filosofia da diferença que deu início, mais tarde,
ao campo pós-estruturalista.
Os
pós-estruturalismos chegam no Brasil não apenas dentro das universidades, mas
em movimentos reivindicatórios, como em movimentos antipsiquiátricos,
passando a ser vigente no meio educativo formal e nas pesquisas que propõem
problematizar as relações de saber-poder, caminhando até estudos que
enfatizavam criações de outros modos de compreender a escola e de pensar o
aprendizado. Pensar a criação do novo em solo escolar desafia modelos
cristalizados e atuações que seguem um formato social de repetição e habituação
acerca do que está posto como verdadeiro. O olhar de suspeita na escola,
proposto pelas filosofias da diferença e dos pós-estruturalismos em Educação,
não propõe modelos a serem seguidos para que haja mudanças e transformações
escolares. Uma das propostas que se pode apontar é a de suspeitar e
problematizar continuamente as práticas, as concepções e tudo aquilo que
perpassa o âmbito escolar, incluindo um conjunto de operações sociais
dogmatizantes, tendo em vista que a escola não está descolada da vida e de
todas as relações entrelaçadas em rede.
Os
estruturalismos usaram de grandes narrativas para explicar o que fomos, o que
somos, o que seremos, os detalhes do que vamos enfrentar, o que devemos
enfrentar, como construir os enfrentamentos, com direções apontadas,
minuciosamente estudadas, elaborações que nos indica o grau de prescrições descoladas
da vida. Dentro dos binarismos do pensamento ocidental, coloca-se macro versus micro, indivíduo versus
sociedade, individual versus coletivo, como se pudéssemos separar tais
colocações e cada lado se colocasse à disposição como instância separada da outra.
Contudo, o desejo e o sentido não cabem na discussão apenas individual ou
apenas total, das causas e de uma grande determinação.
Um dos eixos
argumentativos pós-estruturalistas mais consistentes problematiza a pretensão
de conceber o humano enquanto detentor de uma racionalidade verdadeira que
apreende algo exterior como ele é, em sua constituição. Esta explicação coloca
o humano em posição de centro enquanto espécie, um ser que supostamente detém o
poder de apreensão de uma verdade externa pronta, ignorando o sujeito produtor
e criador junto ao mundo. Outra problematização se dá para o emprego de métodos
que supõem entender como os alunos aprendem na escola.
Por isso, neste campo pós-estruturalista é possível se perguntar: até que ponto
conhecemos o outro para aplicar tais métodos? Se não conhecemos, o que temos
nas escolas se refere ao fato de que uns simulam ensinar e outros fingem
aprender? Portanto, que aprender é esse que tem sido estimulado? Onde está o
sujeito autor-criador?
Os
pós-estruturalismos apontam que o conhecimento perpassa sentidos que não
necessariamente são representações precisas de realidade, sendo, portanto,
aproximações. Os sujeitos não apenas identificariam essas verdades prontas e
disponíveis, mas se produziriam e produziriam verdades junto ao mundo, no
imanente, com possibilidades de criar o novo, de romper com a repetição e com o
que se julga ser a verdade. Ao colocar certezas tidas como absolutas no domínio
da dúvida, não significa que se jogue fora valores e verdades ou que os
pós-estruturalismos sejam relativistas, há sim verdades a serem construídas, de
todo modo, não são fixas, associadas a elementos que movem os desejos no ato da
interpretação, além do movimento intrínseco para a produção dos sujeitos no
mundo.
Deste modo, é
lançado o desafio para que se possa olhar, sentir e experimentar outras
possibilidades de práticas e outras noções e modos de ver os sujeitos, considerando
que estes não podem ser tidos como sujeitos teóricos pré-arranjados e
pré-formatados. As atuações necessitam constituir-se pela experiência e pela
inclusão das diferenças, de modo que o aprender não mais se submeta ao saber e
aos problemas verticalizados, mastigados e alheios. Ciência, Educação Filosofia
e Arte também são colocadas em abertura para outras construções, para trazer
outros modos de formação de valores, na pretensão de discutir a questão da
participação nos processos somada ao desejo, ampliando olhares e problemas.
Portanto, não há
como desvincular as noções de processos, produções e criação da perspectiva filosófica
pós-estruturalista, na qual sujeitos são aqueles que criam o novo, se
encontrando em uma atualidade diferencial para a autocriação, mediados pelo
mundo e pelo desejo. Relacionado ao campo da produção de si no mundo, o campo
pós-estruturalista pode ser visualizado enquanto produtor junto a
historicidade. Já a filosofia agencia aquilo que força o pensar a partir da
experiência e da abertura para se problematizar a qualquer tempo. Destarte, a
Educação formalizada é pensada como potencializadora de produção de outros
modos de vida, podendo ser construída ativamente por todos os autores nela
inseridos.
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