Histórias paranóicas, criados perversos no imaginário literário da Belle Époque tropical
Abstract
Neste ensaio, busca-se explorar por meio do romance A viúva Simões (1995), da então consagrada escritora Júlia Lopes de Almeida, e de alguns manuais domésticos finisseculares o tráfico de representações da empregada doméstica no momento em que essa profissão emerge no país, ou seja, na passagem definitiva do serviço doméstico escravo ao assalariado. Vistas como sujas, criminosas, lascivas, supersticiosas, além de física e moralmente contagiosas, as domésticas se transformaram, aos olhos dos médicos higienistas, e subseqüentemente das classes dominantes, em um obstáculo ao processo de aburguesamento da vida doméstica que se queria impor na modernidade. Interessa-me precisamente examinar o uso estratégico, no romance de Júlia Lopes e nos manuais, do estereótipo da doméstica como invasora da privacidade e intimidade do lar (qualidades intrínsecas ao espaço doméstico burguês), assim como a inclusão nesses discursos da doméstica invejosa, e, pior, consumidora (desautorizada, claro) dos bens e hábitos de classe dos patrões, sobretudo das patroas. Os discursos sobre a domesticidade na Belle Époque revelam as contradições inerentes à representação literária da empregada doméstica: por um lado, ela foi nesses anos incorporada à literatura como signo de contaminação e violência; por outro, ela serviu como um contraponto necessário para a ascensão da mulher burguesa, e para a divisão social, e racial, do serviço doméstico.
Downloads
References
ALENCAR, J. M. O demônio familiar. Rio de Janeiro: Serviço de Documentação, Ministério da Educação e Cultura, 1957. [1ª. ed.: 1857].
ALMEIDA, J. L. Livro das noivas. 4ª. ed. Rio de Janeiro; São Paulo: Livraria Francisco Alves; Paulo de Azevedo e Cia., 1926. [1ª. ed.: 1896].
______. A viúva Simões. Florianópolis: Ed. Mulheres, 1999. [1ª. ed.: 1897].
ALMEIDA, Maria Suely Kofes de. “Entre nós mulheres, elas as patroas e elas as empregadas”, em et al. Colcha de retalhos: estudos sobre a família no Brasil. São Paulo: Brasilience, 1982. pp. 185-94.
BESSE, S. Restructuring patriarchy: the modernization of gender inequality in Brazil ”“ 1914-1940. Chapel Hill; London: The University of North Carolina Press, 1997.
BROCA, B. “‘O bom escravo’ e ‘vítimas-algozes’”, em . Românticos, pré-românticos, ultra-românticos: vida literária e romantismo brasileiro. São Paulo: Polis, 1979. pp. 271-3.
CLESER, V. O lar doméstico: conselhos para boa direcção de uma casa. 5ª. ed. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1917.
COSTA, J. F. Ordem médica e norma familiar. Rio de Janeiro: Graal, 1979.
DUARTE, A. L. “Domesticação e domesticidade: a construção das exclusões”, em Tempo Social. Rev. Sociol. USP, v. 4, nº 1-2. São Paulo, 1992, pp. 183-98.
FOUCAULT, M. Vigiar e punir: história da violência nas prisões. Trad. de Raquel Ramalhete. Petrópolis: Vozes, 1987.
FREYRE, G. Casa-grande & senzala: introdução à história da sociedade patriarcal no Brasil ”“ v. 1. 45ª. ed. Rio de Janeiro; São Paulo: Record, 2001.
GRAHAM, S. L. House and street: the domestic world of servants and masters in Nineteenth-Century Rio de Janeiro. Austin: University of Texas Press, 1992.
RONCADOR, Sônia. “O demônio familiar: lavadeiras, amas-de-leite e criadas na narrativa de Júlia Lopes de Almeida”. Luso-Brazilian Review. 44.1, Spring 2007.
SHARPE, P. “O caminho crítico d’A viúva Simões”, em ALMEIDA, J. L. A viúva Simões. Florianópolis: Ed. Mulheres, 1999. pp. 9-26.
SYLVINO JUNIOR. A dona de casa: a mais útil publicação em portuguez. Rio de Janeiro: Domingos de Magalhães editor, 1894.
VENTURA, R. Estilo tropical: história cultural e polêmicas literárias no Brasil ”“ 1870-1914. 2ª. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.
Downloads
Published
How to Cite
Issue
Section
License
Authors who publish in this journal agree to the following terms:
a) The authors maintain the copyright and grant the journal the right of first publication, the work being simultaneously licensed under the Creative Commons Attribution License-Non Commercial 4.0 which allows the sharing of the work with acknowledgment of the authorship of the work and publication this journal.
b) Authors are authorized to enter into additional contracts separately, for non-exclusive distribution of the version of the work published in this journal (eg publish in institutional repository or as a book chapter), with authorship recognition and publication in this journal.
c) Authors are allowed and encouraged to publish and distribute their work online (eg in institutional repositories or on their personal page) after the editorial process, as this can generate productive changes, as well as increase the impact and citation of published work (See The Effect of Free Access).
d) The authors of the approved works authorize the magazine to, after publication, transfer its content for reproduction in content crawlers, virtual libraries and the like.
e) The authors assume that the texts submitted to the publication are of their original creation, being fully responsible for their content in the event of possible opposition by third parties.