Histórias paranóicas, criados perversos no imaginário literário da Belle Époque tropical
Resumo
Neste ensaio, busca-se explorar por meio do romance A viúva Simões (1995), da então consagrada escritora Júlia Lopes de Almeida, e de alguns manuais domésticos finisseculares o tráfico de representações da empregada doméstica no momento em que essa profissão emerge no país, ou seja, na passagem definitiva do serviço doméstico escravo ao assalariado. Vistas como sujas, criminosas, lascivas, supersticiosas, além de física e moralmente contagiosas, as domésticas se transformaram, aos olhos dos médicos higienistas, e subseqüentemente das classes dominantes, em um obstáculo ao processo de aburguesamento da vida doméstica que se queria impor na modernidade. Interessa-me precisamente examinar o uso estratégico, no romance de Júlia Lopes e nos manuais, do estereótipo da doméstica como invasora da privacidade e intimidade do lar (qualidades intrínsecas ao espaço doméstico burguês), assim como a inclusão nesses discursos da doméstica invejosa, e, pior, consumidora (desautorizada, claro) dos bens e hábitos de classe dos patrões, sobretudo das patroas. Os discursos sobre a domesticidade na Belle Époque revelam as contradições inerentes à representação literária da empregada doméstica: por um lado, ela foi nesses anos incorporada à literatura como signo de contaminação e violência; por outro, ela serviu como um contraponto necessário para a ascensão da mulher burguesa, e para a divisão social, e racial, do serviço doméstico.
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