Uma xamã yanomami frente ao discurso filosófico-sociológico da modernidade
DOI:
https://doi.org/10.1590/2316-40185310Resumo
Neste texto, que procura tecer um diálogo entre literatura e filosofia-sociologia, desenvolvemos um duplo argumento, tendo por base uma discussão entre a obra A queda do céu: palavras de um xamã yanomami, de Davi Kopenawa e Bruce Albert, e a teoria filosófico-sociológica da modernidade de Jürgen Habermas: i) a marca distintiva da literatura indígena, em seu gênero autobiográfico, consiste na fundamental correlação entre história pessoal e destino coletivo (em nível sociocultural e ecológico-espiritual), dinamizada pelo e baseada no mito, de modo que tal correlação entre identidade pessoal e destino coletivo oferece-se como chave de leitura epistemológica, estética, política, antropológica e ontológica para acessarmos o texto-praxis indígena; ii) ela nos permite desconstruir uma visão idílica da Europa moderna sobre si mesma e seu entendimento caricato das culturas, das epistemologias e dos homens primitivos (não modernos, pré-modernos ”“ porque depois da modernidade não se teria mais nada, já que ela é o ápice evolutivo, epistemológico, ontológico da humanidade), em que, primeiro, a modernidade seria racional, gerando individuação, criticismo, emancipação e universalismo, por causa da separação entre história pessoal e destino coletivo, bem como, segundo, a cultura tradicional não geraria racionalização, nem criticismo, nem emancipação e nem universalismo, por estar marcada pela férrea imbricação entre história pessoal e destino coletivo mediada pelo mito. Com isso, argumentamos que o xamanismo, muito mais que a modernização, pode ser entendido efetivamente como a voz das vítimas, como a voz das diferenças, possibilitando a perspectiva crítico-emancipatória universal, exatamente por tornar vivos, interligados e normativos todos os aspectos de nossa existência a partir da correlação entre história pessoal e destino coletivo mediada pelo mito.
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