Resgatando o cuidado num terreno tóxico

Autores

DOI:

https://doi.org/10.4000/aa.10544

Palavras-chave:

cuidado, tornozeleiras eletrônicas, antropologia da infraestrutura, monitoramento eletrônico, sistema penal

Resumo

A partir de uma etnografia realizada entre usuários de tornozeleiras no sistema de monitoramento eletrônico no Sul do Brasil, exploramos a noção da “infraestrutura do cuidado” para entender por que, em certos casos, o dispositivo não parece alcançar os objetivos projetados nem do sistema judiciário nem dos apenados. Nossa análise inspira-se no trabalho de Maria Puig de la Bellacasa, que encoraja pesquisadores a resgatar a noção de cuidado das garras de perspectivas idealizadas – isto é, de visões normativas descrevendo um trabalho abnegado por cuidadores perfeitos. No intuito de restituir seu pleno potencial político, abraçamos uma abordagem não inocente da noção de cuidado que adentra os terrenos tóxicos das dinâmicas de poder e exclusão. Olhando em particular para a organização das atividades domésticas, atentamo-nos para os atos e atores normalmente invisibilizados dos presos em regime do semiaberto. Perguntamos quais as práticas que facilitam ou, pelo contrário, travam as engrenagens do sistema que rege a vida desses usuários de tornozeleiras. Com isso, esperamos realizar três objetivos: sublinhar o caráter coletivo da estrutura do cuidado, aumentar a visibilidade de coisas e pessoas previamente negligenciadas, e finalmente acrescentar densidade à nossa apreensão das consequências reais de certo artefato tecnológico para o universo heterogêneo de apenados.

Downloads

Não há dados estatísticos.

Biografia do Autor

Helena Patini Lancellotti, Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul

Professora do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul – Campus Restinga. Doutora em Antropologia Social pelo Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Seus interesses de pesquisa incluem Antropologia da Infraestrutura, tecnologias de governo, vigilância e antropologia da ciência e tecnologia.

Claudia Lee Williams Fonseca, Universidade Federal do Rio Grande do Sul

Professora no Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Além de seu envolvimento a longo prazo no campo da proteção à infância, seus interesses de pesquisa incluem tecnologias de governo, estudos feministas e antropologia da ciência e tecnologia. Atualmente desenvolve estudos sobre o uso de linguagens científicas para avançar determinadas agendas políticas e morais.

Referências

Bassani, Fernanda. 2011. “Amor bandido: cartografia da mulher no universo prisional masculine”. Dilemas-Revista de Estudos de Conflito e Controle Social, nº 4: 261–80.

Bellacasa, Maria Puig de la. 2017. Matters of care: Speculative ethics in more than human worlds. Minneapolis: University of Minnesota Press.

Benjamin, Ruha. 2019. “Discriminatory design, liberating imagination”. In Captivating technology: Race, Carceral Technoscience, and Liberatory Imagination in Everyday Life, organizado por Benjamin Ruha, 1–22. Durham: Duke University Press.

Bowker, Geoffrey C., e Susan Leigh Star. 1999. Sorting things out: Classification and its consequences. Cambridge: The MIT Press.

DOI : 10.7551/mitpress/6352.001.0001

Campello, Ricardo Urquizas, e Marcos César Alvarez. 2022. “É bloqueio de sinal”: Monitoramento eletrônico, punição e autoridade sociotécnica. Revista Brasileira de Ciências Sociais 37, nº 109: 1–16.

Campello, Ricardo. 2014. “Circulações governadas: o monitoramento eletrônico de presos no Brasil”. Aurora: Revista de Arte, Mídia e Política 7, nº 19: 51–69.

Campello, Ricardo. 2019. “Faces e interfaces de um dispositivo tecnopenal: O monitoramento eletrônico de presos e presas no Brasil”. Tese de Doutorado. Universidade de São Paulo.

Carrara, Sérgio e Vianna, Adriana. 2006. “’Tá lá um corpo estendido no chão...’: a violência letal contra travestis no município do Rio de Janeiro”. Physis. Revista de Saúde Coletiva, nº 16: 233–49.

Chelcea, Liviu e Iancu, Ioana. 2015. “An anthropology of parking: Infrastructures of automobility, work, and circulation”. Anthropology of Work Review 36, nº 2: 62–73.

Danholt, Peter, e Henriette Langstrup. 2012. “Medication as infrastructure: Decentring self-care”. Culture Unbound 4, nº 3: 513–32.

DOI : 10.3384/cu.2000.1525.124513

Eilbaum, Lucía, e Flavia Medeiros. 2016. “’Onde está Juan?’: moralidades e sensos de justiça na administração judicial de conflitos no Rio de Janeiro”. Anuário Antropológico 41, nº 1: 9–33.

DOI : 10.4000/aa.1530

Engel, Cintia. 2020. “Compondo demências: entre interações medicamentosas e rotinas”. Tese de doutorado. Universidade de Brasília.

Fietz, Helena. 2020. “Construindo Futuros, provocando o Presente: Cuidado familiar, moradias assistidas e temporalidades na gestão da deficiência intelectual no Brasil”. Tese de doutorado. Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

Godoi, Rafael. 2015. “Fluxos em cadeia: As prisões em São Paulo na virada dos tempos”. Tese de doutorado. Universidade de São Paulo.

Guimarães, Nadya, Helena Hirata, e Bila Sorj. 2020. O gênero do cuidado: Desigualdades, significações e identidades. São Paulo: Ateliê Editorial.

Haraway Donna. 1995. “Saberes localizados: a questão da ciência para o feminismo e o privilégio da perspectiva parcial”. Cadernos Pagu, nº 5: 7–42.

Haraway, Donna. 2016. Staying with the trouble: Making kin in the Chthulucene. Durham: Duke University Press.

Koerner, Andrei 2001. “O impossível panóptico tropical-escravista: práticas prisionais, política e sociedade no Brasil do século XIX”. Revista Brasileira de Ciências Criminais, nº 35: 211–24.

Lago, Natália Bouças do. 2019. “Jornadas de visita e de luta: tensões, relações e movimentos de familiares nos arredores da prisão”. Tese de Doutorado. Universidade de São Paulo.

Langstrup, Henriette. 2013. “Chronic care infrastructures and the home”. Sociology of health & illness, nº 35: 1008–22.

DOI : 10.1111/1467-9566.12013

Larkin, Brian. 2013. “The Politics and Poetics of Infrastructure”. Annual Review of Anthropology, nº 42: 327–43.

DOI : 10.1146/annurev-anthro-092412-155522

Lima, Jacqueline Ferraz de. 2013. “Mulher Fiel: as famílias das mulheres dos presos relacionados ao Primeiro Comando da Capital”. Dissertação de Mestrado. Universidade Federal de São Carlos.

Maciel, Welliton Caixeta. 2014. “Os ‘Maria da Penha’: uma etnografia de mecanismos de vigilância e subversão de masculinidade violentas em Belo Horizonte”. Dissertação de Mestrado. Universidade de Brasília.

Melo, Juliana. 2017. “A conexão entre a cadeia e a periferia no aprisionamento das famílias”. Entrevista concedida a IHU On-Line. IHU: Revista do Instituto Humanitas Unisinos, nº 506: 37–43.

Mol, Annemarie. 2008. The logic of care: Health and the problem of patient choice. London: Routledge.

Molinier, Pascale. 2012. “Ética e trabalho do care”. In Cuidado e cuidadoras: As várias faces do trabalho do care, organizado por Helena Hirata, e Nadya Araujo Guimarães, 29–44. São Paulo: Atlas.

Murphy, Michelle. 2015. “Unsettling care: Troubling transnational itineraries of care in feminist health practices”. Social studies of science 45, nº 5: 717–37.

DOI : 10.1177/0306312715589136

Nellis, Mike, Kristel Beyens, e Dan Kaminsky. 2013. “Introduction: Making sense of electronic monitoring”. In Electronically monitored punishment: International and critical perspectives, 1–18. New York: Routledge.

Sampaio, João Marcos Francisco. 2020. “Monitoramento eletrônico: Poder, Capital e Ciência na Análise de uma Tecnologia de Governo”. Dissertação de Mestrado. Universidade Federal de Alagoas.

Santos, Simone Ritta dos. 2014. Mulheres de preso, mulheres de respeito. Uma etnografia sobre as relações familiares entre as mulheres e seus homens presos no sistema prisional do RS. Brasil: Novas Edições Acadêmicas.

Simone, AbdouMaliq. 2004. “People as infrastructure: intersecting fragments in Johannesburg”. Public culture 16, nº 3: 407–29.

DOI : 10.1215/08992363-16-3-407

Sinhoretto, Jacqueline. 2014. “Seletividade penal e acesso à justiça”. In Crime, polícia e Justiça no Brasil, organizado por Renato de Lima, José Ratton, e Rodrigo de Azevedo, p. 400­–10. São Paulo: Contexto.

Sinhoretto, Jacqueline. 2018. “Violência, controle do crime e racismo no Brasil contemporâneo”. Novos Olhares Sociais 1, nº 2: 4–20.

Souza, Rafaelle Lopes. 2019. “Análise do controle e punição exercidos pela monitoração eletrônica em Minas Gerais”. In Encontro Anual da ANPOCS, 43, Caxambu, 21-25 de outubro de 2019. Anais do 43 Encontro Anual da ANPOCS, 2019.

Star, Susan Leigh. 1999. “Ethnography of Infrastructure”. American Behavioral Scientist, nº 43: 377–91.

DOI : 10.1177/00027649921955326

Teixeira, Alessandra, e Wallesandra Souza Rodrigues. 2021. “Em busca da ‘Redenção de Cam’: racialidade e interseccionalidade numa prisão de mulheres”. Afro-Ásia, nº 63: 415–46.

Weiner, Kate, e Catherine Will. 2018. “Thinking with care infrastructures: people, devices and the home in home blood pressure monitoring”. Sociology of health & illness 40, nº 2: 270–82.

Downloads

Publicado

2023-04-28

Como Citar

Lancellotti, Helena Patini, e Claudia Lee Williams Fonseca. 2023. “Resgatando O Cuidado Num Terreno tóxico”. Anuário Antropológico 48 (1):134-52. https://doi.org/10.4000/aa.10544.

Artigos Semelhantes

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 24 25 26 27 28 29 30 31 32 33 34 35 36 > >> 

Você também pode iniciar uma pesquisa avançada por similaridade para este artigo.