“A medicação eu consegui bem fácil. A maior dificuldade tem sido a internação”: crise, suspeição e biodesigualdades na (des)judicialização da saúde
DOI:
https://doi.org/10.4000/aa.9714Palavras-chave:
Judicialização da Saúde, Vulnerabilidade, Suspeição, Crise, BiodesigualdadesResumo
O recurso ao sistema de justiça potencialmente constitui possibilidades de lidar com experiências de enfermidades crônicas. No entanto, sugiro que os espaços de negociação em torno do que é devido pelo Estado em matéria de saúde têm se mostrado, ao longo dos anos, cada vez menos fluidos e mais constrangidos pela criação de infraestruturas burocráticas (na forma de protocolos, quesitos, laudos, perícias, comitês e assessorias especializadas, por exemplo). Mais, identifico um cenário de suspeição generalizada e desconfiança mútua que aparece como elemento fundamental na circulação de discursos, práticas, estruturas institucionais e tecnicalidades voltadas à burocratização das vias judiciais e à evitação (ou desjudicialização) das demandas, cujos efeitos não são homogêneos em relação a diferentes grupos e, especialmente, determinadas demandas de saúde. Com base em achados de uma etnografia sobre a luta de pessoas que convivem com enfermidades crônicas em situações de incapacidade e deficiência em busca de acesso a saúde, no universo da região central do Rio Grande do Sul, discuto a produção de biodesigualdades em um modelo farmacêutico e cada vez mais burocratizado de judicialização da saúde no Brasil.
Downloads
Referências
Antonello, L. 2015. “Ficou mais difícil conseguir remédios por via judicial após a Operação Medicaro”. Diário de Santa Maria. https://diariosm.com.br/ ficou-mais-dif%C3%Adcil-conseguir-rem%C3%A9dios-por-via-judicial-ap%C3%B3s-a-opera%C3 %A7%C3%A3o-medicaro-1.2022992
Antonello, L., Fontana, M. 2015. “Em série de reportagens, veja como está a situação da saúde pública em Santa Maria e na região”. Diário de Santa Maria. https://diariosm.com.br/em-s%C3%A9rie-de-reportagens-veja-como-est%C3%A1-a-situa%C3%A7%C3%A3o-da-sa%C3%BAde-p%C3%BAblica-em-santa-maria-e-na-regi %C3%A3o-1.2026119
Bandarra, L. A. 2009. “Notas Taquigráficas”. In STF – Supremo Tribunal Federal. Notas taquigráficas. http://www.stf.jus.br/portal/cms/verTexto.asp?servico=processo AudienciaPublicaSaude&pagina=Cronograma
Biehl, J. 2011. Antropologia no campo da saúde global. Horizontes Antropológicos, Porto Alegre 17(35): 227-56.
Biehl, J. 2013. “The judicialization of biopolitics: Claiming the right to pharmaceuticals in Brazilian courts”. American Ethnologist 40(3): 419-36.
Biehl, J. et al. 2016. “The Judicialization of Health and the quest for the State accountability: evidence prom 1,262 lawsuits for access to medicines in southern Brazil”. Health and Human Rights Journal 18(1): 209-220. https://www.ncbi.nlm.nih. gov/pmc/articles/PMC5070692/
Biehl, J. et al. 2018. “Judicialization 2.0: Understanding right-to-health litigation in the real time”. Global Public Health 14: 190-9. https://doi.org/10.1080/17441692.2018. 1474483
Biehl, J. 2021. “Descolonizando a saúde planetária”. Horizontes Antropológicos 27(59): 337-59. https://doi.org/10.1590/S0104-71832021000100017
Bonet, O. 2014. “Interações e malhas para pensar os itinerários de cuidado: a propósito de Tim Ingold”. Sociologia e Antropologia 4(2): 327-50.
Borges, D. 2018. “Individual health care litigation in Brazil through a different lens: strengthening health technology assessment and new models of health care governance”. Health and Human Rights Journal 20(1): 147-62. https://www.ncbi. nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC6039743/pdf/hhr-20-147.pdf
Chieffi, A. L., Barata, R. B. 2009. “Judicialização da política pública de assistência farmacêutica e equidade”. Cadernos de Saúde Pública 25(8): 1839-49. http://www. scielo.br/pdf/csp/v25n8/20.pdf
CNJ – Conselho Nacional de Justiça. 2012. Boas práticas para evitar a judicialização da saúde em debate no TRF4. https://www.cnj.jus.br/boas-praticas-para-evitar-a-judicializacao-da-saude-em-debate-no-trf4/
CNJ – Conselho Nacional de Justiça. 2016. CNJ cobra do CFM mais compromisso para a redução da judicialização da saúde. Agência CNJ de Notícias. http://www.cnj.jus.br /noticias/cnj/83619-cnj-cobra-do-cfm-mais-compromisso-para-a-reducao-da-judicia lizacao-da-saude
CNJ - Conselho Nacional de Justiça. 2019. Judicialização da saúde no Brasil: perfil das demandas, causas e propostas de solução. Brasília: CNJ. https://static.poder360.com. br/2019/03/relatorio-judicializacao-saude-Insper-CNJ. pdf
CNM – Confederação Nacional dos Municípios. 2013. “Com 74 mil processos, Rio Grande do Sul é líder em judicialização da saúde”. Agência CNM. 06 set 2013. https:// www.cnm.org.br/comunicacao/noticias/com-74-mil-processos-rio-grande-do-sul-% C3%A9-l%C3%Adder-em-judicializa%C3%A7%C3%A3o-da-sa%C3%Bade
Diniz, D. 2016. Zika: do sertão nordestino à ameaça global. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira.
Fassin, D. 2006. « La biopolitique n’est pas une politique de la vie ». Sociologie et Sociétés 38(2): 35-48.
Fassin, D. 2010. “El irresistible ascenso del derecho a la vida. Razón humanitaria y justicia social”. Revista de Antropología Social 19: 191-204.
Fassin, D. «La vie». 2018. Mode d’emploi critique. Paris: Éditions du Seuil.
Fassin, D., D’Halluin, E. 2005. “The truth from the body: medical certificates as ultimate evidence for asylum seekers”. American Anthropologist 107(4): 597-608.
Ferraz, O. 2009. “The right to health in the courts of Brazil: worsening health inequities?” Health and Human Rights Journal 11(34): 33-45.
Foucault, M. 2008. Segurança, território, população: curso dado no Collège de France (1977-1978). Traduzido por Eduardo Brandão. São Paulo: Martins Fontes.
Flores, L. V. 2013. “Na minha mão não morre”: uma etnografia das ações judiciais de medicamentos. Dissertação de mestrado, Universidade Federal do Paraná, Curitiba.
Freire, L. 2019. A gestão da escassez: Uma etnografia da administração de litígios de saúde em tempos de “crise”. Tese de doutorado, Museu Nacional, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro.
Garcia, R. 2018. “Expanding the debate: citizen participation for the implementation of the right to health in Brazil”. Health and Human Rights 20(1): 163-72.
Gouvêa, M. M. 2003. “O direito ao fornecimento estatal de medicamentos”. Revista Forense 370: 103-34.
Hull, M. 2012. “Documents and bureaucracy”. Annual Review of Anthropology 41: 251-67.
INSPER. 2019. “Judicialização da saúde dispara e já custa R$ 1,3 bi à União”. 25 mai 2019. https://www.insper.edu.br/conhecimento/direito/judicializacao-da-saude-dispara-e-ja-custa-r-13-bi-a-uniao/
Koech, A. L. L. et al. 2019. «Defensoria Pública da União em Dados: um balanço de uma pesquisa institucional (2010-2016)”. Revista da Defensoria Pública da União 12: 427-44.
Lima Jr., A. H. S., Schulze, C. J. 2018. “Os números do CNJ sobre a judicialização da saúde em 2018”. Consultor Jurídico. https://www.conjur.com.br/2018-nov-10/opiniao-numeros-judicializacao-saude-2018
Lowenkron, l., Ferreira, L. 2014. “Anthropological perspectives on documents Ethnographic dialogues on the trail of police papers”. Vibrant 11(2): 75-111.
Machado, T. R. C. 2014. “Judicialização da saúde: analisando a audiência pública no Supremo Tribunal Federal”. Revista Bioética 22(3): 561-8.
Matos, L. G. 2016. Como se decide a (in)capacidade e a deficiência? Uma etnografia sobre moralidades e conflitos em torno da perícia médica previdenciária. Tese de doutorado, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre.
Medeiros, M., Diniz, D., Schwartz, I. V. D. 2013. “A tese da judicialização da saúde pelas elites: os medicamentos para mucopolissacaridose”. Ciência & Saúde Coletiva 18(4): 1079-1088.
Mendes, G. 2010a. Supremo Tribunal Federal STA 175, Voto Ministro Gilmar Mendes. http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticianoticiastf/anexo/sta175.pdf
Mendes, G. 2010b. Supremo Tribunal Federal, STA 174, Voto Ministro Gilmar Mendes. http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoTexto.asp?id=2767954&tipoApp =RTF
Ministério Público Federal. 2013. Procuradoria da República no Município de Santa Maria. Inquérito Civil Público n° 1.29.008.000285/2013-68. Originador: MPF – Portaria ICP 87/2013. Interessado: HUSM.
Pedrete, L. A. 2019. “Crônicas invisíveis na ‘capital brasileira da judicialização da saúde’”. Tese de doutorado, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre.
Petherbridge, D. 2017. “O que há de crítico na vulnerabilidade? Repensando interdependência, reconhecimento e poder”. Dissonância – Revista de Teoria Crítica 1(2): 145-76.
Pozzobon, J. 2019. “Santa Maria era conhecida como a capital brasileira da judicialização da saúde”. https://www.facebook.com/jorgepozzobom/videos/684418035346484/
Silva, V. A., Terrazas, F. V. “Claiming the right to health in Brazilian courts: the exclusion of the already excluded?” Law & Social Inquiry 36(4): 825-53.
Vieira, F. S. 2008. “Ações judiciais e direito à saúde: reflexão sobre a observância aos princípios do SUS”. Revista de Saúde Pública 42(2): 365-9.
Wang, D. 2013. “Courts as healthcare policy-makers: the problem, the responses to the problem and problem in the responses”. Direito GV – Research Paper Series Legal Studies 75: 1-60. http://bibliotecadigital.fgv.br/dspace/handle/10438/11198
Yang, J. 2018. “Biopower”. In The International Encyclopedia of Anthropology, org. H. Callan, 1–9. Hoboken, NJ: John Wiley & Sons.
Zero Hora. 2015. “Farmácia pública faz inventário de remédios só servidor ser indiciado por fraude”. Zero Hora. https://gauchazh.clicrbs.com.br/geral/noticia/2015/03/ farmacia-publica-faz-inventario-de-remedios-apos-servidor-ser-indiciado-por-fraude-4730139.html
Downloads
Publicado
Como Citar
Edição
Seção
Licença
Copyright (c) 2023 Anuário Antropológico
Este trabalho está licenciado sob uma licença Creative Commons Attribution-NonCommercial-NoDerivatives 4.0 International License.
https://creativecommons.org/licenses/by/4.0/legalcode.en
Creative Commons - Atribución- 4.0 Internacional - CC BY 4.0
https://creativecommons.org/licenses/by/4.0/legalcode.en