O abolicionismo literário: "O negreiro"
Resumo
O abolicionismo, tema aparentemente anacrônico para a civilização européia, que durante séculos fora a razão de ser da escravidão na América e, por volta de 1850, colocara um ultimato contra o tráfico de escravos, ao interiorizar no "sistema nacional brasileiro" (de uma "nação" ainda não constituída) a pressão inglesa e reconhecer a diminuição da produtividade do regime escravocrata, tornou-se tema fundamental da política e da literatura do Segundo Império no Brasil, aparente linha de separação entre conservadores e progressistas. Castro Alves (1847-1871) tem sido considerado o seu grande poeta, representante prototípico da linha do nacional e popular.
A hoje dominante linha nativista da historiografia tende a ver na produção brasileira um elemento autóctone, de geração espontânea, esquecendo que ela sempre tem sido uma atualização, mais ou menos retardada e criativa, de modelos oriundos das metrópoles culturais. A solução não está, portanto, em "eliminar influências" desconhecendo-as, mas em saber como foi feita a reelaboração de modelos e como, mediante a criação de uma tradição interna e um sistema consistente, a produção pôde/pode equiparar-se à das metrópoles, rompendo, ou não, o estatuto periférico, o exílio cultural. A "libertação dos escravos" tornou-se assim não apenas um tema literário, mas uma definição do sistema literário; não só uma questão de conteúdo, mas de forma.