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Percepções sobre o uso de álcool em uma comunidade indígena potiguar* * Apoio: CAPES - Financiamento Código 001. ,** ** Artigo proveniente da tese de doutorado do primeiro autor

Resumo

Esse trabalho analisa os sentidos atribuídos ao consumo de álcool e às estratégias de cuidado acionadas por um grupo indígena do Rio Grande do Norte, através de uma pesquisa qualitativa envolvendo moradores e lideranças. Os resultados geraram três eixos analíticos: determinantes do consumo de álcool, cenário de atenção à saúde e uso de álcool no contexto da pandemia da Covid-19. Constatou-se que o uso de álcool na comunidade tem sido marcado por movimentos históricos que alteraram os modos de existência e limitaram o acesso às terras tradicionalmente ocupadas. A ingestão de álcool apareceu como fenômeno naturalizado, associado a problemas sociais e de saúde que são agravadas pela desassistência pública percebida pela comunidade.

Palavras-chave:
Povos Indígenas; Consumo de Bebidas Alcoólicas; Assistência à Saúde Mental; Covid-19

Abstract

This work analyzes the meanings attributed to alcohol consumption and the care strategies used by an indigenous group in Rio Grande do Norte (Brazil) by means ofa qualitative research involving residents and leaders. The results generated three analytical axes: determinants of alcohol consumption, health care settings, and alcohol use in the context of the COVID-19 pandemic. It was found that the use of alcohol in the community has been marked by historical movements that have altered the modes of existence and limited access to traditionally occupied lands. Alcohol consumption appeared as a naturalized phenomenon, associated with social and health problems that are aggravated by the lack of public assistance perceived by the community.

Keywords:
Indigenous Peoples; Alcohol Drinking; Mental Health Assistance; COVID-19

O álcool é uma das substâncias psicoativas mais consumidas no mundo. Dados da Organização Mundial de Saúde (OMS) apontam que 43% da população do planeta ingeriu bebida alcoólica em 2016, sendo que os homens beberam com mais frequência e em quantidades maiores quando comparados às mulheres (World Health Organization [WHO], 2018World Health Organization (2018). Global status report on alcohol and health 2018. Geneva: World Health Organization. Retrieved from https://tinyurl.com/y2h8fx6y
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). No Brasil, o último levantamento nacional estimou em 43,1% a prevalência do consumo de álcool em 2015, sendo que 51,6% dos homens e 35% das mulheres haviam consumido a substância no último ano. Tais pesquisas não investigaram a prevalência do uso de álcool em populações indígenas (Bastos et al., 2017Bastos, F. I. P. M., Vasconcellos, M. T. L., Boni, R. B., Reis, N. B., & Coutinho, C. F. S. (Eds.). (2017). 3rd National survey on drug use by the brazilian population (C. R. Peterson, Trans.). FIOCRUZ/ICICT. https://tinyurl.com/4t8pn3ea
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). No entanto, estudos isolados têm constatado que, em geral, a prevalência e/ou os problemas em torno do consumo de álcool vivenciados pelos povos indígenas tendem a ser mais acentuados se comparados à população brasileira em geral (Branco, 2018Branco, F. M. F. C. (2018). Padrões do consumo de substâncias psicoativas em comunidades indígenas da etnia Karipuna do município do Oiapoque-AP (Doctoral dissertation, University of São Paulo). https://tinyurl.com/y8am9vuz
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; Ferreira, 2016Ferreira, A. A. (2016). A influência da ingestão de bebida alcoólica e transtornos mentais comuns não psicóticos na pressão arterial dos indígenas Mura (Doctoral dissertation, São Paulo University). https://tinyurl.com/yceto32c
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; Medeiros, 2011Medeiros, A. C. L. V. (2011). O consumo de bebidas alcoólicas e o trabalho no povo indígena Xukuru do Ororubá [Master’s thesis, Oswaldo Cruz Foundation] https://tinyurl.com/yauvasd6
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).

Os impactos do uso prejudicial de bebidas alcoólicas são bastante significativos e preocupantes. Um levantamento da OMS para o ano de 2016 estimou que 3 milhões de pessoas no mundo (5,3% de todos os óbitos registrados) perderam a vida por conta do uso de álcool. Os efeitos do seu consumo sobre a mortalidade foram maiores que doenças digestivas (4,5%), diabetes (2,8%), acidentes de trânsito (2,5%), tuberculose (2,3%), HIV/AIDS (1,8%), hipertensão (1,6%) e violência (0,8%). No Brasil, a ingestão de álcool esteve associada a lesões por acidentes de trânsitos, com taxa de 36,7% entre homens e 23% entre mulheres, sendo que 14.928 pessoas perderam a vida por acidentes de trânsito provocados pelo consumo de álcool (WHO, 2018World Health Organization (2018). Global status report on alcohol and health 2018. Geneva: World Health Organization. Retrieved from https://tinyurl.com/y2h8fx6y
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).

Quanto aos impactos do consumo de álcool na saúde mental das populações indígenas brasileiras, embora o número de pesquisas tenha aumentado nas últimas décadas no país, ainda é uma temática pouco explorada quando comparada a outros cenários como Estados Unidos, Canadá e Austrália, que desde a década de 1960 demonstram preocupação nesse sentido (Langdon, 2013Langdon, E. J. (2013). O abuso de álcool entre povos indígenas no Brasil: Uma avaliação comparativa. In M. L. P. Souza (Ed..), Processos de alcoolização indígena no Brasil: Perspectivas plurais (pp. 27-46). Fiocruz.).

Assim, os dados epidemiológicos sobre o uso de álcool entre povos indígenas brasileiros são escassos e estão dispersos na literatura, restringindo-se a poucas etnias e/ou aldeias. O estudo mais abrangente sobre a temática foi realizado em 2007 com 1.455 pessoas de 7 etnias em 5 regiões geográficas. Embora o número de indígenas abstinentes fosse maior que a população brasileira geral (61,6% contra 48%), a proporção dos que apresentaram dependência foi significativamente maior (22,9% contra 12,3%) (Brasil, 2009Brasil. (2009). Relatório brasileiro sobre drogas [Brazilian report on drugs]. SENAD. ). Do mesmo modo, pesquisas com indígenas da etnia Karipuna do Amapá (Branco, 2018Branco, F. M. F. C. (2018). Padrões do consumo de substâncias psicoativas em comunidades indígenas da etnia Karipuna do município do Oiapoque-AP (Doctoral dissertation, University of São Paulo). https://tinyurl.com/y8am9vuz
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) ou entre os Mura que vivem na zona rural do Amazonas (Ferreira, 2016Ferreira, A. A. (2016). A influência da ingestão de bebida alcoólica e transtornos mentais comuns não psicóticos na pressão arterial dos indígenas Mura (Doctoral dissertation, São Paulo University). https://tinyurl.com/yceto32c
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) sugerem que os problemas ligados ao consumo de álcool tendem a ser mais intensos ou severos do que aqueles vivenciados pela população brasileira como um todo.

Importante considerar que, no Brasil, as investigações sobre o tema ganharam fôlego a partir de 2000, em meio ao cenário de debates sobre a Reforma Psiquiátrica, de realização da III Conferência Nacional de Saúde Indígena e do lançamento da Política Nacional de Atenção à Saúde Indígena, que estabeleceu o Subsistema de Atenção à Saúde Indígena com base em dispositivos específicos de atenção básica a essa população, a exemplo dos Distritos Sanitários Especiais Indígenas, dos Polos-Base e das Casas de Saúde Indígena, coordenados pela Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI).

Nessa conjuntura, o uso do álcool entre povos indígenas foi tomado como um grave problema de saúde, ao tempo que a orientação ao cuidado de pessoas com transtornos mentais foi redirecionada, substituindo um modelo assistencial de caráter asilar, individual, privatista e curativista para outro alinhado à assistência integral, à abordagem psicossocial e ao controle social. Na teoria, as novas diretrizes políticas reconhecem os valores e práticas culturais de cada povo indígena ao tempo que orientam para um cuidado à saúde diferenciado, integrando saberes biomédicos e tradicionais. Apesar dos avanços e das diretrizes bem intencionadas, Wayhs et al. (2019Wayhs, A. C. D., Bento, B. A. R., & Quadros, F. A. A. (2019). Políticas públicas em saúde mental indígena no Brasil [Public policies on indigenous mental health in Brazil]. Trayectorias Humanas Transcontinentales, 4, 68-78. doi: 10.25965/trahs.1577
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) consideram que a atenção à saúde mental indígena tem sido operacionalizada apenas de modo superficial, restringindo-se à prevenção e à promoção de saúde. Também estão limitadas pelo baixo número de profissionais (especialmente psicólogos), pela distância entre as aldeias e Polos-Base e pela dificuldade em oferecer uma atenção realmente diferenciada, que contemple a diversidade sociocultural de mais de 300 etnias. Essas questões apontam cenários desafiadores para indígenas, profissionais de saúde e gestores, tendo requerido pesquisas que permitam conhecer, avaliar e encontrar estratégias para o enfrentamento de problemas ligados ao consumo de bebidas alcoólicas por povos indígenas.

Desde então, esses estudos passaram a orientar teórica e metodologicamente a leitura e as intervenções sobre o uso de álcool por indígenas, cujos comportamentos deveriam ser compreendidos como expressões manifestadas nas dinâmicas das relações socioculturais de cada grupo. Por esse ângulo, vários autores têm apontado que esse é um fenômeno complexo, resultado de diversos elementos sociais, históricos, culturais e econômicos. Portanto, se relacionam com aspectos ligados à tradição, a contextos rituais específicos e aos contatos com a população não indígena, especialmente quando considerado o processo de pacificação e a situação atual dos indígenas frente à sociedade envolvente. Nessa perspectiva, a “perda de referenciais identitários tradicionais, mudanças nos modos de vida provocados pela urbanização, precarização das condições de vida e saúde, êxodo migratório, marginalização social e percepção de discriminação racial” são fatores associados ao consumo prejudicial de bebidas alcoólicas pelas populações indígenas (Barreto et al. 2020Barreto, I.F., Dimenstein, M., & Leite, J.F.(2020). Processos de alcoolização entre povos indígenas da América Latina [Alcoholization processes among indigenous people in Latin America]. Revista Ciências em Saúde, 10(1), 45-51. doi: 10.21876/rcshci.v10i1.861
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; Langdon, 2001Langdon, E. J. (2001). O que beber, como beber e quando beber: O contexto sociocultural do alcoolismo entre as populações indígenas [What to drink, how to drink and when to drink: The sociocultural context of alcoholism among indigenous populations]. In Ministério da Saúde (Ed..). Anais do Seminário sobre Alcoolismo e Vulnerabilidade às Dst/Aids entre os Povos Indígenas da Macroregião Sul, Sudeste e Mato Grosso do Sul (83-97). Série Seminários e Congressos nº 4. Ministério da Saúde. https://tinyurl.com/y5dun8nu
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; Menéndez, 1998Menéndez, E. L. (1998). Alcoholismo, grupos étnicos mexicanos y los padecimientos denominados tradicionales [Alcoholism, mexican ethnic groups and the so-called traditional illness]. Nueva Antropología, X(34), p.55-80.; Oliveira, 2001Oliveira, M. (2001). Alcoolismo entre os Kaingáng: Do sagrado e lúdico à dependência. In Ministério da Saúde (Org.), Anais do Seminário sobre Alcoolismo e Vulnerabilidade às Dst/Aids entre os Povos Indígenas da Macroregião Sul, Sudeste e Mato Grosso do Sul (99-125). Série Seminários e Congressos nº 4.Ministério da Saúde. https://shorturl.at/rvP13
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; Pan American Health Organization, 2016Pan American Health Organization. (2016). Promoción de la salud mental en las poblaciones indígenas. Una colaboración entre la OPS/OMS, Canadá, Chile y Socios de la Región de las Américas 2014-2015. https://tinyurl.com/3w857sx5
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; Souza et al., 2003Souza, J. A., Oliveira, M., & Kohatsu, M. (2003). O uso de bebidas alcoólicas nas sociedades indígenas: algumas reflexões sobre os Kaingáng da bacia do rio Tibagi, Paraná. In C. E. A. Coimbra Jr., R. V. Santos. & A. L. Escobar (Eds.). Epidemiologia e saúde dos povos indígenas no Brasil. Fiocruz. https://tinyurl.com/yrew9umr
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).

Assim, considerando as especificidades dessa população, busca-se superar as perspectivas reducionistas e biomédicas, ampliando a compreensão para os diversos contextos, motivos e modos de uso de álcool no território. Nesse sentido, segundo Pontes et al. (2020Pontes, A. L., Melo, B. D., Stock, B. S., Lima, C. C., Pereira, D. R., Vieira, E. S., Vick, F., Serperioni, F., Kabad, J., Lacerda, L. F. B., El Kadri, M. R., Souza, M., Magrin, N. P., & Gonzalez, R. (2020). Saúde mental e atenção psicossocial na pandemia COVID-19: Povos indígenas no contexto da COVID-19 [Mental health and psychosocial care in the COVID-19 pandemic: Indigenous peoples in the context of COVID-19]. Friocruz. https://tinyurl.com/cd3h27y4
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), o consumo de álcool pode estar estreitamente associado aos modos de subjetivação próprios das sociedades tradicionais e coletivas devido à significativa relação com o ambiente que vivem, a espiritualidade, visões de mundo, histórias, situações diversas de vulnerabilidade, condições adversas de vida, entre outros elementos que ameaçam a saúde psicossocial dessa população.

Diante desse panorama, foi realizado um estudo de natureza qualitativa em uma comunidade indígena do Rio Grande do Norte com o objetivo de compreender os sentidos atribuídos ao uso de bebidas alcoólicas e suas repercussões nos níveis comunitário, familiar e pessoal, bem como identificar as estratégias de manejo e cuidado acionadas. As entrevistas foram realizadas em julho de 2020 em meio à pandemia da Covid-19, contexto que não escapou à nossa análise e permitiu que fossem investigadas associações dessa nova conjuntura ao consumo de álcool pelos indígenas.

Método

Essa pesquisa foi viabilizada em função de trabalhos prévios desenvolvidos na região pelo Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Norte (IFRN). Aproximações preliminares ao campo de pesquisa foram feitas em maio e junho de 2019. As conversas informais evidenciaram a preocupação de alguns indígenas frente ao uso prejudicial de álcool, eventualmente associado a situações de violência e sintomas de sofrimento psíquico. Após participação em uma roda de Toré500 500 Toré é uma modalidade ritual de canto e dança presente entre os Potiguara e vários povos indígenas do Nordeste brasileiro. Caracteriza-se por ser uma prática lúdica, política, cultural e/ou religiosa vivenciada no cotidiano desses povos, além de representar um movimento de reafirmação étnica e identitária frente ao violento processo histórico de contato. , foi possível expor as razões da visita, a proposta da pesquisa e receber apoio e aceitação dos indígenas presentes. Posteriormente, recebemos autorização formal do cacique (por escrito) para a realização das entrevistas, que viabilizou a abertura do processo de análise do mérito ético da pesquisa.

Importante considerar que essa investigação é parte de uma pesquisa mais ampla, desenvolvida em um programa de pós-graduação e que abrangeu dois grupos distintos: profissionais de saúde que atuam direta ou indiretamente na comunidade e os moradores locais. Contudo, esse artigo versa exclusivamente sobre os indígenas. Desse modo, foram realizadas 9 entrevistas semiestruturadas com moradores/as da comunidade, sendo 3 mulheres e 6 homens, incluindo 3 lideranças. A média de idade dos participantes foi de 44 anos, sendo que a pessoa mais jovem tinha 28 anos e a mais velha, 59 anos. No quesito ocupação, foram 3 profissionais de saúde de nível médio, 3 educadores, 1 atleta profissional, 1 dona de casa e 1 trabalhador rural.

Os participantes foram selecionados a partir da técnica de amostragem não probabilística, conhecida como bola de neve, e a amostragem foi definida por saturação, tendo sido interrompida quando não mais acrescentava dados significativos à pesquisa. Foram adotadas medidas sanitárias de prevenção à propagação do novo coronavírus (SARS-CoV-2), de modo a proteger a saúde da comunidade e do pesquisador. As entrevistas foram gravadas, transcritas e discutidas a partir da análise de conteúdo inspirada em Bardin (2006Bardin, L. (2006). Análise de conteúdo [Content Analysis].Edições 70.) na modalidade temática, seguindo as etapas: leitura exaustiva, categorização e interpretação dos dados.

As entrevistas geraram três eixos de análise e suas respectivas categorias centrais, a saber:

1. Determinantes do consumo de álcool: categorizados em contextos de consumo, motivos para o consumo, definição de uso não problemático, definição de uso prejudicial, fatores disparadores para o uso prejudicial e consequências do uso prejudicial.

2. Cenário da atenção à saúde: categorizado em recursos para prevenção, dispositivos para assistência ao uso prejudicial, busca ajuda, não busca ajuda, avaliação da resposta do Estado.

3. Consumo de álcool no contexto da pandemia da Covid-19: categorizado em contextos de consumo, fatores estimuladores do consumo e problemas ligados ao consumo.

A pesquisa foi submetida para apreciação ética por meio da Plataforma Brasil, conforme número CAAE 30112920.8.0000.5537, tendo sido aprovada pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP) segundo parecer de número 4.147.665, em 10 de julho de 2020.

Resultados

Contextualizando o cenário de pesquisa

A comunidade indígena em questão está localizada na zona rural entre dois municípios potiguares, distantes cerca de 70 km da capital. Ali vivem cerca de 900 indígenas circundados por plantações de cana-de-açúcar e por Áreas de Proteção Ambiental (APA). Os moradores vivem majoritariamente da agricultura de subsistência, atividades extrativistas, destacando o cultivo da batata doce, aipim e hortaliças, além de coletarem frutos diversos, caçarem e pescarem (Ferreira & Bezerra, 2018Ferreira, F. R. F., & Bezerra, N. X. (2018). Vamos ver quem é que acaba, o resto da empeleitada: Arte indígena entre os potiguaras da aldeia Catu dos Eleotérios e Sagi-Trabanda [Let’s see what it is finished, the rest of the harvested: Indigenous art between the potiguaras of Catu of Eleotérios and Sagi-Trabanda]. Revista Mundaú, 4, 80-103. https://tinyurl.com/342nerpk
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). Há também grande participação de mulheres nas atividades agrícolas e comercialização de produtos nas feiras locais (Secretaria de Planejamento do Estado do Rio Grande do Norte [SEPLAN], 2013Secretaria de Planejamento do Estado do Rio Grande do Norte. (2013). Marco conceitual dos povos indígenas do Rio Grande do Norte [Conceptual framework of the indigenous peoples of Rio Grande do Norte]. https://tinyurl.com/y3v457b7
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). Alguns moradores estão inseridos em trabalhos temporários no corte de cana-de-açúcar, cultivada como monocultura em usinas situadas no entorno da comunidade. Aliás, os indígenas constantemente reclamam dos supostos agrotóxicos utilizados em parte da lavoura que está situada na margem do rio que atravessa a comunidade (Oliveira Júnior, 2017Oliveira Júnior, G. B. (2017). As comunidades tradicionais e o acesso às políticas públicas nos territórios rurais e da cidadania do Rio Grande do Norte. In J. B. A. Costa & G. B. Oliveira (Eds..), O perfil das comunidades tradicionais e o acesso às políticas públicas nos territórios rurais e da cidadania do Rio Grande do Norte (pp. 25-171).Caravela Selo Cultural. https://tinyurl.com/9s2185x7
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; SEPLAN, 2013Secretaria de Planejamento do Estado do Rio Grande do Norte. (2013). Marco conceitual dos povos indígenas do Rio Grande do Norte [Conceptual framework of the indigenous peoples of Rio Grande do Norte]. https://tinyurl.com/y3v457b7
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). Além disso, os moradores são beneficiados com alguns programas de assistência social como o Bolsa Família, Programa Estadual do Leite, Educação de Jovens e Adultos, entre outros. A maioria dos indígenas declara-se católico, embora também sejam praticadas outras religiões (SEPLAN, 2013Secretaria de Planejamento do Estado do Rio Grande do Norte. (2013). Marco conceitual dos povos indígenas do Rio Grande do Norte [Conceptual framework of the indigenous peoples of Rio Grande do Norte]. https://tinyurl.com/y3v457b7
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).

Esse grupo indígena vivencia um processo informal de autoctonia que, embora não seja possível precisar no tempo, começa a ser articulada, reafirmada e reivindicada no início do século XXI. Os agenciamentos de seus representantes resultaram na articulação do contato com outro povo indígena paraibano em 2002, com a realização de aulas de tupi em 2003, no contato com membros da coordenação de Articulação de Povos e Organização Indígena do Nordeste, Minas e Espírito Santo (APOINME), na participação da VI Assembleia da APOINME em 2005, bem como no encontro nacional da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Castro, 2011Castro, D. M. B. (2011, Setembro, 21-23). Remanescentes indígenas no Rio Grande do Norte: Uma etno-história do tempo presente [Indigenous remnants in Rio Grande do Norte: An ethno-history of the present time]. In Congresso Internacional de História, Maringá. https://doi.org/10.4025/5cih.pphuem.1401
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). Também participaram de uma audiência pública na Assembleia Legislativa do Rio Grande do Norte, onde foi entregue um abaixo-assinado de vários representantes indígenas mobilizados pelo fim da invisibilidade étnica, negação de tradições e luta por direitos, como demarcação de terras, educação e saúde diferenciadas. Em 2006, representantes eleitos defenderam os interesses da comunidade na Comissão Nacional de Política Indigenista (CNPI), realizada pela APOINME na cidade do Recife (Castro, 2011Castro, D. M. B. (2011, Setembro, 21-23). Remanescentes indígenas no Rio Grande do Norte: Uma etno-história do tempo presente [Indigenous remnants in Rio Grande do Norte: An ethno-history of the present time]. In Congresso Internacional de História, Maringá. https://doi.org/10.4025/5cih.pphuem.1401
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; Silva, 2016Silva, G. F. (2016). “Nós, os Potiguara do Catu: Emergência étnica e territorialização no Rio Grande do Norte (Século XXI) [Master’s thesis, Federal University of Rio Grande do Norte]. https://tinyurl.com/3bc62un4
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). Como resultado dessas mobilizações, destaca-se uma escola, que somente em 2009/2010 obteve autorização do Estado para funcionar como escola indígena diferenciada, sendo a primeira do RN (Bezerra, 2017Bezerra, N. X. (2017). A festa da batata no Catu dos Eleotérios do RN: Celebração da colheita e da identidade indígena [The feast of the potato in Catu dos Eleotérios/RN-Brazil: Celebration of the harvest and indigenous identity]. Arquivos Brasileiros de Alimentação, 2(1), 86-93. doi: 10.53928/aba.v2i1.1208
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; Cardoso, 2018Cardoso, H. S. (2018). A escola que os índios querem: Experiência escolar indígena potiguara no Catu dos Eleotérios em Canguaretama/RN (2009-2018), [Professional master’s thesis, Federal University of Rio Grande do Norte]. https://shorturl.at/ekESX
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). Há também outra escola, cujo município está promovendo iniciativas para o ensino diferenciado indígena, apesar do poder público ainda não ter atendido às reivindicações da comunidade (Silva, 2016Silva, G. F. (2016). “Nós, os Potiguara do Catu: Emergência étnica e territorialização no Rio Grande do Norte (Século XXI) [Master’s thesis, Federal University of Rio Grande do Norte]. https://tinyurl.com/3bc62un4
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).

No que se refere à assistência à saúde, em um dos municípios há o Posto de Apoio que mantém de forma permanente os serviços de agente comunitário de saúde (ACS) e auxiliar de serviços gerais (ASG). O Posto é anexo da Unidade Básica de Saúde (UBS) e recebe duas vezes por semana uma equipe composta por médico, enfermeiro, técnico de enfermagem, dentista, auxiliar de saúde bucal e recepcionista. No outro município, há a UBS que, nos dias úteis, conta com técnico de enfermagem, ACS, ASG e recepcionista. Uma vez por semana a unidade disponibiliza serviços dos profissionais de medicina, enfermagem, dentista e auxiliar de saúde bucal.

Determinantes do consumo de álcool na comunidade segundo as pessoas entrevistadas

Bebidas alcoólicas são consumidas diariamente, com maior intensidade nos finais de semana e feriados. Os indígenas ingerem essas substâncias sozinhos, com familiares, amigos e colegas de trabalho, sendo a cachaça e a cerveja os tipos de bebidas mais consumidas. No recorte de geração e gênero, aparentemente os homens jovens e solteiros consomem bebidas alcoólicas com maior frequência e quantidade, embora seja crescente o número de mulheres que vêm apresentando esse comportamento. As cenas de uso incluem residências, bares, margens do rio, sombras de árvores, roçados e uma frondosa mangueira próximo à capela. Os motivos para ingestão de álcool estão associados a contextos incentivadores de consumo, a exemplo de pessoas que são influenciadas pelos amigos, ou situações em que alguém recrimina ou intimida o outro por não ingerir bebida alcoólica durante algum evento comemorativo, e mesmo familiares que oferecem bebidas alcoólicas aos filhos, ainda que esses sejam menores de idade. Essas situações são agravadas pela falta de atividades ocupacionais e/ou espaços de convivência ou lazer. Muitos parecem beber por prazer, para comemorar algo, lidar com desentendimentos, tristezas, perdas ou suportar o trabalho duro no roçado. O uso de álcool pareceu ser mais aceitável quando os indígenas não se envolvem em conflitos, bebem em pouca quantidade ou esporadicamente. O uso em festividades, de maneira moderada em finais de semana ou por indicação médica (uma pessoa entrevistada relatou que passou a consumir vinho por recomendação médica, após um exame de rotina), apareceram na definição de uso não problemático ou socialmente tolerado.

Contudo, a ingestão de bebida alcoólica torna-se problemática quando envolve o uso diário, uso excessivo, perda de controle, dependência600 600 Vários relatos corroboram para essa afirmação e estão em concordância com as diretrizes do Código Internacional de Doenças, para o qual a síndrome de dependência é um fenômeno comportamental, cognitivo e fisiológico que se desenvolve com o uso repetido da substância e normalmente inclui forte desejo de consumo, dificuldades em controlar o uso mesmo após consequências prejudiciais, alta prioridade dada ao consumo em detrimento de outras atividades ou obrigações, aumento de tolerância e, algumas vezes, sintomas de abstinência (World Health Organization [WHO], 1993). , pequenos furtos para manter o consumo e acordar para beber durante a madrugada ou pela manhã, comportamento comum para quem lida com estado de abstinência. Dentre os fatores associados ao uso prejudicial, pode-se citar a desinformação sobre os perigos do álcool, desentendimentos, tristezas, alegrias, perdas, desestruturação familiar, uso de álcool como refúgio, situação de desemprego, problemas financeiros, vulnerabilidade social, ociosidade e contextos situacionais incentivadores de consumo envolvendo, eventualmente, até mesmo crianças e adolescentes. Resultados semelhantes foram encontrados em outros contextos indígenas, a exemplo dos Potiguara que vivem na Paraíba (Melo et al., 2013Melo, J. R. F., Maciel, S. C., Sousa, P. F., Silva, G. L. S., Medeiros, K. T., & Oliveira, R. C. C. (2013). Discursos e representações sobre o uso / abuso do álcool: Um estudo da comunidade indígena [Speeches and representations about the use / abuse of alcohol: A study in the indigenous community]. Saúde em Debate, 37, p.185-193. https://shorturl.at/lqyIQ
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), dos Mapuche no Chile (Zambrano et al., 2020Zambrano, A., Garcés, G., Olate, M. P., Treumún, M., & Román, F. (2020). Construction of an intercultural preventive strategy of alcohol use in a rural Mapuche communities: A community-based participatory research. Journal of Community Psychology, 49, 166-185. doi: 10.1002/jcop.22440
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), de várias comunidades indígenas mexicanas (Berruecos, 2013Berruecos, L. (2013). El consumo de alcohol y el alcoholismo en México: El caso de las comunidades indígenas [Alcohol consumption and alcoholism in Mexico: The case of indigenous communities]. El Cotidiano, 181, 73-80. Retrieved from https://www.redalyc.org/pdf/325/32528954010.pdf
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) e dos aborígenes e povos que habitam as Ilhas do Estreito de Torres (Gray et al., 2018Gray, D., Cartwright, K., Stearne, A., Saggers, S., Wilkes, E., & Wilson, M. (2018). Review of the harmful use of alcohol among Aboriginal and Torres Strait Islander people. Australian Indigenous Health Bulletin, 18(1), 1-42.).

No que diz respeito às consequências do consumo prejudicial de álcool, foram recorrentes os relatos de desentendimentos/brigas, violência doméstica, homicídio, tentativas de homicídio e problemas de saúde, incluindo óbito por cirrose hepática. Também foram mencionados problemas como desestruturação familiar, acidentes, pessoas embriagadas e caídas em caminhos ou estradas, isolamento social, perda de emprego, absenteísmo no trabalho, incapacidade laboral, problemas de aprendizagem, transtornos por uso de álcool700 700 Em consonância com os critérios diagnósticos do DSM-V, para o qual o transtorno por uso de álcool pode ser leve, moderado ou grave (American Psychiatric Association [APA], 2014). e problemas financeiros. Graves problemas associados ao uso de álcool também foram relatados na literatura científica envolvendo povos indígenas, a exemplos dos Yawari em Roraima (Silva, 2014Silva, E. M. (2014). Processo de alcoolização em uma comunidade Yanomami de Roraima: O caso dos Yawaripë de Xikawa [Professional master’s thesis, Federal University of Roraima]. https://tinyurl.com/7axrbvpp
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), os indígenas do Médio Xingu (Domingues, 2017Domingues, W. C. L. (2017).Cachaça, concreto e sangue! Saúde, alcoolismo e violência: Povos indígenas no contexto da Hidrelétrica de Belo Monte [Master’s thesis, Federal University of Pará]. https://tinyurl.com/2y37en5r
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), os Maxakali de Minas Gerais (Souza, 2016Souza, R. S. B. (2016).Avaliação do uso de álcool no povo indígena Maxakali [Master’s thesis, Federal University of Minas Gerais]. https://tinyurl.com/y85mznd7
https://tinyurl.com/y85mznd7 ...
), os Kaiowá e Guarani do Mato Grosso do Sul (Moretti, 2017Moretti, L. L. (2017). Modos de beber em áreas indígenas no Mato Grosso do Sul: Aproximações entre a psicologia social e perspectivas kaiowá e guarani [Master’s thesis, Pontificial Catholic University of São Paulo]. https://tinyurl.com/ybazzgxn
https://tinyurl.com/ybazzgxn ...
), os Kaingang de Santa Catarina (Ghiggi Junior, 2010Ghiggi Junior, A. (2010). Estudo etnográfico sobre alcoolização entre os índios Kaingang da Terra Indígena Xapecó: Das dimensões construtivas à perturbação [Master’s thesis, Federal University of Santa Catarina]. https://tinyurl.com/yd842ddb
https://tinyurl.com/yd842ddb ...
) e os Yanomami de Roraima (Hermano, 2013Hermano, B. M. (2013). Bebendo entre amigos: um estudo antropológico sobre o uso de bebidas alcoólicas na casa de apoio à saúde indígena de Roraima [Master’s thesis, Federal University of Pernambuco]. https://tinyurl.com/52m8wofe
https://tinyurl.com/52m8wofe ...
). Na maior parte dos estudos, os problemas ligados ao consumo de álcool estão relacionados às relações interétnicas perniciosas que dizimam os indígenas por motivos de doenças ou conflitos, alteram valores tradicionais, desestruturam o ambiente e as organizações sociais desses povos. Segundo Guimarães e Grubits (2007Guimarães, L. A. M., & Grubits, S. (2007). Alcoolismo e violência em etnias indígenas: Uma visão crítica da situação brasileira [Alcoholism and violence in indigenous ethnic groups: A critical view of the Brazilian situation]. Psicologia & Sociedade, 19(1), 45-51. doi: 10.1590/S0102-71822007000100007
https://doi.org/10.1590/S0102-7182200700...
), há consenso entre diferentes autores quanto à relação entre uso de bebidas alcoólicas e os processos de dominação e exploração dos povos indígenas, sendo que alguns deles foram fortemente afetados por esses contatos.

Quanto à população pesquisada, Silva (2007 Silva, C. M. M. (2007). “...Em busca da realidade...”. A experiência da etnicidade dos Eleotérios (Catu/RN) [Master’s thesis, Federal University of Rio Grande do Norte]. https://tinyurl.com/y56v5yrp
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) apontou que desde o século XVII está de alguma forma envolvida na produção econômica regional, inicialmente nas usinas produtoras de álcool e açúcar na região e, posteriormente, em atividades ligadas à pecuária, ao extrativismo - especialmente de látex da mangaba e madeira. As relações comerciais inseriram os indígenas em contextos sociais mais amplos e em contato com atravessadores ligados às famílias proprietárias de engenho. O coronelismo da época ditava as relações com a terra e as atividades econômicas, forçando a dependência dos indígenas aos senhores de engenho. Essas situações reverberam ainda hoje na vida social da comunidade, que há anos encontra-se envolvida em conflitos fundiários, com poucas áreas agricultáveis, tensionados pela presença das usinas canavieiras e, mais recentemente, pelas Áreas de Proteção Ambiental, instituídas sem um plano de manejo que contemple a comunidade indígena em questão (Silva, 2007 Silva, C. M. M. (2007). “...Em busca da realidade...”. A experiência da etnicidade dos Eleotérios (Catu/RN) [Master’s thesis, Federal University of Rio Grande do Norte]. https://tinyurl.com/y56v5yrp
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).

A proximidade das usinas de cana-de-açúcar instaladas desde o século XVII adicionou um fator complicador na dinâmica das relações sociais dos indígenas: a presença de alambiques na região. Consequentemente, o comércio e o consumo da cachaça vêm provocando impactos significativos na saúde física e mental dos indígenas. Parte desse passado é resgatado por alguns indígenas entrevistados, ao revelarem que os mais antigos chegavam a consumir e comercializar cabumba ou cachaça de cabeça, produto de alto teor alcoólico e com muitas impurezas, obtido da primeira etapa do processo de produção. Também era comum entre os indígenas a fabricação de bebidas alcoólicas de frutas diversas tanto para o consumo próprio quanto para a venda. Ou seja, o uso de álcool na comunidade indígena pesquisada tem raízes em um passado de expansão de atividades ligadas às usinas de cana-de-açúcar e de outras frentes econômicas que provocaram danos ambientais significativos, alteraram modos de vida tradicionais e reduziram os limites territoriais de subsistência. Todos esses fatores causam impactos na saúde física e mental dos indígenas, evidenciando a necessidade de uma intervenção coordenada para promover ações assistenciais em saúde, ampliar os fatores de proteção ao consumo arriscado de bebidas alcoólicas, garantir o direito à saúde e desenvolver programas mais amplos voltados à promoção e à melhoria da qualidade de vida.

Percepções dos/as entrevistados/as sobre o cenário da atenção à saúde

Tendo em vista as consequências do uso abusivo de álcool na comunidade, a busca de ajuda, quando ocorre, está ligada a situações extremas de agravos à saúde, de ameaças à vida e sentimentos de vergonha. A maioria das pessoas interrompeu o uso prejudicial de álcool por conta própria e, nesses casos, chama a atenção duas estratégias: a adesão às igrejas neopentecostais e a entrada em comunidades terapêuticas. Já entre aqueles que permanecem fazendo uso prejudicial de álcool, os motivos estão ligados ao não reconhecimento do problema e à percepção de que não há tratamento disponível ou acessível. Nota-se o quanto os recursos institucionais e comunitários ainda não estão conseguindo aproximar os usuários dos dispositivos de cuidado e atenção à saúde, especialmente em termos da problemática do consumo de álcool. Houve relatos de que há ações exíguas sendo realizadas pelas equipes de saúde e algum trabalho preventivo sendo executado nas escolas, embora não seja um trabalho que envolva todo o grupo escolar. Ademais, o Núcleo de Apoio à Saúde da Família (NASF), através do Programa Saúde na Escola (PSE), também ajuda a promover, ocasionalmente, ações de apoio às demandas da comunidade, ainda que não sejam realizadas ações específicas em torno do consumo de bebidas alcoólicas. Outros dispositivos da rede de saúde são os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) que deveriam promover algum suporte às demandas ligadas ao uso de álcool e outras drogas, mas, quando ocorre alguma demanda nesse sentido, a pessoa é encaminhada ao CAPS AD III de um município situado a 55 km da comunidade. Há ainda uma Comunidade Terapêutica (CT), que ficou instalada na comunidade por um algum tempo e hoje está situada em outro município. O tratamento dura em média nove meses e está baseado em práticas religiosas, trabalhos de agricultura e artesanato.

De outra parte, o préstimo religioso foi referido como mais um caminho possível no tratamento ou recuperação daqueles que vivenciavam problemas relacionados ao consumo de álcool. Nessa acepção, as igrejas realizam um trabalho educativo junto aos indígenas através de aconselhamentos, grupos de eucaristia, crisma, escola dominical e, em alguns casos, indicando a abstinência. Os indígenas ainda contam com o auxílio do grupo Missão Jeremias, que promove atividades de cidadania e evangelização na comunidade através de rodas de conversa, prática de esportes, assistência social e educação. Na literatura científica, a presença de perspectivas religiosas contrárias ao uso de bebidas alcoólicas foi encontrada na pesquisa de Ghiggi Junior (2010Ghiggi Junior, A. (2010). Estudo etnográfico sobre alcoolização entre os índios Kaingang da Terra Indígena Xapecó: Das dimensões construtivas à perturbação [Master’s thesis, Federal University of Santa Catarina]. https://tinyurl.com/yd842ddb
https://tinyurl.com/yd842ddb ...
) com os Kaingang da Terra Indígena Xapecó, em Santa Catarina. Segundo o autor, a evangelização aparece como instrumento de manutenção da moralidade, com práticas que estimulam a sobriedade e a substituição da bebida alcoólica pela palavra de Deus, através da ressignificação de experiências.

Outro recurso mencionado, mas de cunho comunitário e com potencial preventivo ao uso de drogas, é um treinamento funcional realizado voluntariamente na arena de futevôlei por um morador da comunidade. Essa modalidade conta, inclusive, com eventos duas vezes ao ano, sendo um durante o dia do índio, em abril, e outro durante a festa da batata, em novembro. O ritual do Toré também emergiu como possibilidade para diálogos de interesse coletivo, reservando às rodas de conversa abertas no ritual, espaços para eventuais discussões sobre o consumo de álcool na comunidade. Segundo Grünewald (2005Grünewald, R. A. (Ed.). (2005). Toré: Regime encantado do índio do Nordeste [Toré: Enchanted regime of the Northeast Indian]. Massangana.), o Toré caracteriza-se como um ritual mítico-religioso, sendo um dos principais ícones da indianidade nordestina. Por ser praticado de diversos modos pelos povos indígenas da região, sua conceituação torna-se uma tarefa difícil. Para o cacique da comunidade, o Toré é mais do que um simples divertimento, mas “um ato de resistência contra a violência física e simbólica imposta às culturas dos povos indígenas desde o período colonial” (Bezerra, 2017Bezerra, N. X. (2017). A festa da batata no Catu dos Eleotérios do RN: Celebração da colheita e da identidade indígena [The feast of the potato in Catu dos Eleotérios/RN-Brazil: Celebration of the harvest and indigenous identity]. Arquivos Brasileiros de Alimentação, 2(1), 86-93. doi: 10.53928/aba.v2i1.1208
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, p.92).

Por esse caminho, intervenções centradas na cultura indígena, orientadas tanto por princípios científicos quanto por modelos nativos, podem ser potencialmente benéficas, ajudando na redução de disparidades em saúde que normalmente são encontradas nessa população (Dickerson et al., 2018Dickerson, D., Baldwin, J. A., Belcourt, A., Belone, L., Gittelsohn, J., Kaholokula, J. K. A., Lowe, J., Patten, C. A., & Wallerstein, N. (2018). Encompassing cultural contexts within scientific research methodologies in the development of health promotion interventions.Prevention Science, 1-10. doi: 10.1007/s11121-018-0926-1
https://doi.org/10.1007/s11121-018-0926-...
). Assim, a promoção de um sentimento de orgulho cultural e o envolvimento em grupos religiosos podem reduzir o envolvimento de adolescentes com bebidas alcoólicas e prevenir problemas associados (Kulis et al., 2012Kulis, S., Hodge, D. R., Ayers, S. L., Brown, E. F., & Marsiglia, F. F. (2012). Spirituality and religion: Intertwined protective factors for substance use among urban american indian youth. The American Journal of Drug and Alcohol Abuse, 38(5), 444-449. doi: 10.3109/00952990.2012.670338
https://doi.org/10.3109/00952990.2012.67...
; Yu & Stiffman, 2007Yu, M., & Stiffman, A. R. (2007). Culture and environment as predictors of alcohol abuse/dependence symptoms in American Indians youths. Addictive Behaviors, 33(10), 2253-2259. doi: 10.1016/j.addbeh.2007.01.008
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). Isso nos faz pensar que o reconhecimento e a valorização do ritual do Toré na cultura indígena é um elemento possível para promoção da autoestima social, além de ser um fator de proteção importante ao uso de álcool.

Ainda vale ressaltar que as famílias desempenham papel fundamental no processo de prevenção e suporte social ao uso de álcool, tendo sido um tema frequentemente considerado pelos entrevistados. Por esse ângulo, Paiva e Ronzani (2009Paiva, F. S., Ronzani, T. M. (2009). Estilos parentais e consumo de drogas entre adolescentes: Revisão sistemática [Parental styles and consumption of drugs among adolescentes].Psicologia em Estudo,14(1), 177-183. doi: 10.1590/S1413-73722009000100021
https://doi.org/10.1590/S1413-7372200900...
, p.181) recomendam o reforço dos vínculos parentais de socialização entre adolescentes, como meio de ampliar a proteção ao uso de álcool e outras drogas. Os autores afirmam que os jovens que possuem maior apoio e se sentem compreendidos pela família apresentam menor padrão de consumo de drogas, indicando que “o afeto e o interesse mostrados pelos pais, o tempo que passam com seus filhos e a firmeza de medidas disciplinares mantêm a relação com a abstenção do uso de drogas”.

Todavia, no cenário investigado, diante da ausência de políticas em saúde mental, a maioria das pessoas que conseguiu interromper o consumo prejudicial de álcool lograram por vontade própria, geralmente sem a intervenção do Estado. Das características marcantes desse processo, destacaram-se o foco na abstinência e o apoio social informal. Destarte, as estratégias de suporte mencionadas passam pelo cuidado das famílias e da comunidade, proporcionando acolhimento e incentivos necessários à reestruturação de hábitos e sentidos perante a vida. Dessa maneira, observamos que a comunidade conta com alguns recursos para atenção ao uso de álcool, mas o que se destaca é a fragilidade das ações públicas para promover um cuidado efetivo às demandas relacionadas ao uso de bebidas alcoólicas.

Em uma análise sobre a resposta do Estado nos três níveis de governo, os moradores foram praticamente unânimes em considerar a ausência de recursos e serviços destinados à promoção e atenção à saúde, especialmente no que se refere ao consumo de bebidas alcoólicas800 800 Como parte de uma pesquisa mais ampla, essas afirmações estão em consonância com outro estudo ainda em processo de publicação e que partiu da percepção de profissionais de saúde que atuam direta ou indiretamente na comunidade, incluindo gestores. . Comentaram sobre a ausência de campanhas preventivas, falta de investimentos em atividades e infraestrutura desportiva e a negação de uma equipe multidisciplinar de saúde indígena ligada à Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI). Essa desassistência resulta de um histórico processo de gestão necropolítica que, segundo Mbembe (2018Mbembe, A. (2018). Necropolítica: Biopoder, soberania, estado de exceção, politica de morte [Necropolitics: Biopower, sovereignty, state of exception, death policy]. n-1 edições.), tem início no passado colonial e é sustentado na negação racial de qualquer vínculo comum entre conquistadores e nativos, a serviço de uma suposta missão civilizatória.

De forma institucionalizada, a necropolítica contra os povos indígenas ocorreu com as políticas de extermínio e de integração, que perduraram até o marco constitucional de 1988. Os enfrentamentos dos movimentos indígenas levaram a profundas reordenações nos campos jurídico, social e de saúde, apesar da burocracia, corrupção e ineficiência, aspectos que ainda sustentam as iniquidades em saúde nesse segmento. Nesse sentido, o direito à saúde ainda não está assegurado e a precariedade dos serviços de atenção à saúde é recorrente em diversos contextos indígenas brasileiros, como entre os Akwẽ-Xerente no Tocantins (Chaves, 2016Chaves, R. G. (2016). Alcoolismo entre o povo Akwẽ-Xerente, causas, consequências e tratamento: O que pensam os profissionais de saúde? [Master’s thesis, University of Brasília]. https://tinyurl.com/qc00lnxq
https://tinyurl.com/qc00lnxq...
), os indígenas do Médio Xingu (Domingues, 2017Domingues, W. C. L. (2017).Cachaça, concreto e sangue! Saúde, alcoolismo e violência: Povos indígenas no contexto da Hidrelétrica de Belo Monte [Master’s thesis, Federal University of Pará]. https://tinyurl.com/2y37en5r
https://tinyurl.com/2y37en5r ...
), os Yanomami de Roraima (Hermano, 2013Hermano, B. M. (2013). Bebendo entre amigos: um estudo antropológico sobre o uso de bebidas alcoólicas na casa de apoio à saúde indígena de Roraima [Master’s thesis, Federal University of Pernambuco]. https://tinyurl.com/52m8wofe
https://tinyurl.com/52m8wofe ...
) e vários povos indígenas do Médio Rio Purus (Barreto, 2020Barreto, I. F. (2020). A saúde mental no distrito sanitário especial indígena médio rio Purus. In E. V. Vieira (Ed.), (pp. 113-131). Saúde mental do Brasil: Tecendo cuidados no território brasileiro. Editora Pimenta Cultural.).

Percepções dos/as entrevistados/as sobre o consumo de álcool no contexto da pandemia da Covid-19

A pandemia da Covid-19 tem suscitado mudanças em muitos setores da sociedade, seja na organização familiar, no fechamento de escolas e empresas ou na restrição de circulação em ambientes públicos, provocando mudanças nas rotinas de trabalho e isolamento social. Isso tem levado pessoas a vivenciarem sentimentos de desamparo e abandono, além de aumentar a insegurança devido às repercussões econômicas e sociais (Ornell et al., 2020Ornell, F., Schuch, J. B., Sordi, A. O., & Kessler, F. H. P. (2020). “Pandemic fear and COVID-19: Mental health burden and strategies. Brazilian Journal of Psychiatry. 42(3), 232-235. doi:10.1590/1516-4446-2020-0008
https://doi.org/10.1590/1516-4446-2020-0...
).

Governos de vários países têm utilizado medidas coercitivas enquanto estratégia de redução da transmissão do novo coronavírus, como o isolamento social obrigatório. A psicóloga Van Hoof, da Universidade Livre de Bruxelas, afirmou que, em março de 2020, cerca de 2,6 bilhões de pessoas foram submetidas a algum tipo de quarentena coercitiva e considerou ser este o maior experimento psicológico já realizado pela humanidade. A profissional tem alertado para uma segunda epidemia relacionada ao esgotamento e ao estresse, sugerindo que ações sejam tomadas para mitigar os efeitos dessas medidas (World Economic Forum, 2020World Economic Forum (2020). Lockdown is the world’s biggest psychological experiment - And we will pay the price. https://tinyurl.com/uwj2ppp
https://tinyurl.com/uwj2ppp...
).

A literatura aponta que eventos traumáticos e estressores relacionados a desastres naturais, ocupacionais, financeiros, de domínio interpessoal como divórcio e perda de emprego, estresse de minorias, etc., podem resultar no aumento do uso de álcool e de problemas associados a esse consumo, com vários graus de cronicidade e gravidade (Cerdá et al., 2011Cerdá, M., Tracy, M., & Galea, S. (2011). A prospective population based study of changes in alcohol use and binge drinking after a mass traumatic event. Drug and Alcohol Dependence, 115(1-2), 1-8. doi: 10.1016/j.drugalcdep.2010.09.011
https://doi.org/10.1016/j.drugalcdep.201...
; Keyes et al., 2011Keyes, K., Hatzenbuehler, M., & Hasin, D. (2011). Stressful life experiences, alcohol consumption, and alcohol use disorders: The epidemiologic evidence for four main types of stressors. Psychopharmacology, 218(1), 1-17. doi:10.1007/s00213-011-2236-1
https://doi.org/10.1007/s00213-011-2236-...
). Além disso, há várias publicações advertindo que situações de distanciamento e isolamento podem gerar mal-estar, sensação de impotência, tédio, solidão, irritabilidade, tristeza, medos diversos, alterações de apetite, sono, conflitos familiares e aumento no consumo de álcool e outras drogas (Lima, 2020Lima, R. C. (2020). Distanciamento e isolamento sociais pela Covid-19 no Brasil: Impactos na saúde mental [Distancing and social isolation by Covid-19 in Brazil: Impacts on mental health]. Physis: Revista de Saúde Coletiva, 30(2), 1-10. doi:10.1590/S0103-73312020300214
https://doi.org/10.1590/S0103-7331202030...
).

Pesquisa realizada no Japão, por exemplo, apontou as consequências à saúde mental associadas à pandemia da Covid-19. Os autores alertam para o risco de respostas emocionais que incluem medo extremo e percepções distorcidas de risco, que podem ser agravadas por manchetes e imagens sensacionalistas e assim evoluírem para um leque de questões em saúde pública. Isso inclui insônia, irritabilidade, medo extremo da doença mesmo entre pessoas que não foram expostas; comportamentos de risco como aumento do uso de álcool, tabaco e do isolamento social; transtornos em saúde mental, como estresse pós-traumático, transtornos de ansiedade, depressão e somatização (Shigemura et al., 2020Shigemura, J., Ursano, R. J., Morganstein, J. C., Kurosawa, M., & Benedek, D. M. (2020). Public responses to the novel 2019 coronavirus (2019‐nCoV) in Japan: Mental health consequences and target populations. Psychiatry and Clinical Neurosciences, 74: 281-282. doi:10.1111/pcn.12988
https://doi.org/10.1111/pcn.12988...
). Esses achados parecem consistentes com evidências encontradas na literatura internacional, confirmando que quarentenas de pequenos grupos associadas a outras epidemias, como SARS, Ebola, H1N1, entre outras, aumentaram os riscos e provocaram danos significativos à saúde mental (Brooks et al., 2020Brooks, S. K., Webster, R. K., Smith, L. E., Woodland, L., Wessely, S., Greenberg, N., & Rubin, G. J. (2020). The psychological impact of quarantine and how to reduce it: rapid review of the evidence. Lancet, 395, 912-20. doi: 10.1016/S0140-6736(20)30460-8
https://doi.org/10.1016/S0140-6736(20)30...
). Outras investigações sugerem que, em tempos de pandemia, o número de pessoas com a saúde mental afetada tende a ser maior que o número de infectados e os sintomas podem durar mais tempo do que o período da pandemia em si mesma. Importante ressaltar que ainda não há parâmetros no Brasil para estimar o impacto desse fenômeno no comportamento e na saúde mental da população (Ornell et al., 2020Ornell, F., Schuch, J. B., Sordi, A. O., & Kessler, F. H. P. (2020). “Pandemic fear and COVID-19: Mental health burden and strategies. Brazilian Journal of Psychiatry. 42(3), 232-235. doi:10.1590/1516-4446-2020-0008
https://doi.org/10.1590/1516-4446-2020-0...
).

Apesar disso, a pandemia da Covid-19 (enquanto um fato social) manifesta-se em múltiplas dimensões com imbricações complexas, especialmente quando envolve populações vulneráveis, como os povos indígenas brasileiros. São evidentes as consequências e as formas de enfrentamento do movimento etnopolítico indígena, considerando as iniquidades em saúde, com péssimas condições de saneamento, habitação, conflitos territoriais, insegurança alimentar, invisibilidade no contexto urbano etc. Nesse sentido, o contexto de pandemia escancara as fragilidades da política de saúde indígena, refletidas em altos índices de adoecimento e morte por causas evitáveis (Santos et. al., 2020Santos, R. V., Pontes, A. L., & Coimbra Jr., C. E. A. (2020). A “total social fact”: COVID-19 and indigenous peoples in Brazil. Cadernos de Saúde Pública. 36(10), 1-5. doi:10.1590/0102-311X00268220
https://doi.org/10.1590/0102-311X0026822...
).

Embora as comunidades indígenas do Nordeste tenham sido menos impactadas pela pandemia da Covid-19 (Alves et al., 2021Alves, J. D., Abade, A. S., Peres, W. P., Borges, J. E., Santos, S. M., & Scholze, A. R. (2021). Impact of COVID-19 on the indigenous population of Brazil: A geo-epidemiological study. Epidemiology and Infection, 149, e185. doi:10.1017/S0950268821001849
https://doi.org/10.1017/S095026882100184...
), chama atenção que a comunidade indígena que é tema do nosso estudo seja a mais afetada no estado do Rio Grande do Norte, somando 20 casos até o momento, segundo levantamento realizado pela Articulação dos Povos Indígenas do Rio Grande do Norte (APINRN, 2021APINRN. (2021). Situação epidemiológica. Povos indígenas do RN [Epidemiological situation. Indigenous peoples of RN]. https://tinyurl.com/3vuaf5ez
https://tinyurl.com/3vuaf5ez...
).

Sendo assim, a nossa pesquisa se preocupou em caracterizar, ainda que em linhas gerais, as principais mudanças sentidas pelos interlocutores indígenas no contexto atual de pandemia. Houve relatos de significativa redução do consumo de álcool em lugares públicos e bares, provocada pela restrição das atividades comerciais a fim de se evitar aglomerações e, consequentemente, diminuir a propagação do vírus. Por outro lado, o auxílio emergencial do Governo Federal foi apresentado como recurso facilitador para aquisição de bebidas alcoólicas, ampliando o poder de compra de alguns usuários. Diante da impossibilidade de exercerem suas atividades cotidianas, algumas pessoas estiveram inclinadas a aumentarem a frequência e quantidade de bebida ingerida por conta das medidas de isolamento social. Não foi possível quantificar nesse estudo qual foi o aumento do consumo de álcool durante a pandemia sendo esta uma das limitações do estudo.

No entanto, esses dados corroboram com uma pesquisa virtual realizada no Brasil, entre abril e maio de 2020, constatando que 17,6% da população entrevistada aumentou o consumo de bebidas alcoólicas durante a restrição social imposta pela situação de pandemia, sendo a maior prevalência entre aqueles com 30 a 39 anos (24,6%). Nessa mesma linha, a pesquisa ainda constatou “frequência elevada de sentimentos de isolamento, ansiedade e tristeza, no período do estudo, bem como aumento do uso de [...] cigarros, redução da prática de atividade física e aumento do consumo de alimentos não saudáveis, como congelados e salgadinhos” (Malta et al., 2020Malta, D. C., Szwarcwald, C. L., Barros, M. B. A., Gomes, C. S., Machado, I. E., Souza Júnior, P. R. B., Romero, D. E., Lima, M. G., Damacena, G. N., Pina, M. F., Freitas, M. I. F., Werneck, A. O., Silva, D. R. P., Azevedo, L. O., & Gracie, R. (2020). A pandemia da COVID-19 e as mudanças no estilo de vida dos brasileiros adultos: um estudo transversal, 2020 [The COVID-19 pandemic and changes in the lifestyle of adult Brazilians: a cross-sectional study, 2020].Epidemiologia e Serviços de Saúde,29(4), 1-13. doi:10.1590/s1679-49742020000400026
https://doi.org/10.1590/s1679-4974202000...
).

Também foi observado na comunidade indígena pesquisada um aumento na percepção dos episódios de violência doméstica vinculados ao consumo de álcool e estima-se que cerca de nove famílias estejam vivenciando esse tipo de problema. Uma das explicações ancora-se na hipótese de que as pessoas passaram mais tempo em seus domicílios, e aqueles que deixaram de frequentar os bares acabaram ingerindo bebidas alcoólicas em casa. Quando se embriagam, alguns acabam sendo violentos com familiares e especialmente com suas companheiras e filhos/as. Por ser uma comunidade pequena e relativamente isolada, vizinhos/as muitas vezes acabam sendo testemunhas desses conflitos. Inclusive houve relatos de pessoas que já precisaram ser hospitalizadas por conta dessas agressões. A resposta da comunidade para esses casos tem estado baseada em orientações às vítimas e acionamento de forças policiais. Contudo, nem sempre os membros da comunidade, incluindo lideranças, parecem conseguir acompanhar o desfecho desses casos e frequentemente as vítimas retiram a queixa. Ressalta-se que não foi possível quantificar qual foi o aumento dos episódios de violência doméstica percebidos pelos/as interlocutores/as da pesquisa.

Apesar disso, esses achados são compatíveis com a tendência no aumento de episódios da violência doméstica no Brasil para o período da pandemia, segundo dados do Ligue 180. Constatou-se um crescimento de quase 18% no número de denúncias registradas, comparando a primeira e a segunda metade do mês de março, período em que as medidas de isolamento social começaram a ser determinados em vários municípios e estados brasileiros (Brasil, 2020Brasil. (2020). Coronavírus: Sobe o número de ligações para o canal de denúncia de violência doméstica na quarentena [Coronavirus: The number of calls to domestic violence reporting channel increases during the quarentine]. Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos. https://tinyurl.com/y5fer9vv
https://tinyurl.com/y5fer9vv...
). Da mesma forma, pesquisas realizadas em vários países também observaram que a coabitação forçada tem aumentado as ocorrências de violência doméstica, envolvendo especialmente cônjuges e crianças. Em alguns lugares, a contração do volume de denúncias não tem significado redução da violência em si, mas um risco maior das vítimas estarem sendo aprisionadas em casa pelos abusadores e com menos oportunidades para procurem ajuda externa (Sacco et al., 2020Sacco, M. A., Caputo, F., Ricci, P., Sicillia, F., Aloe, L., Bonetta, C. F., Cordasco, F., Scalise, C., Cacciatore, G., Zibetti, A., Gratteri, S., & Aquila, I. (2020) The impact of the Covid-19 pandemic on domestic violence: the dark side of home isolation during quarantine. Medico-Legal Journal, 88(2), 71-73. doi: 10.1177%2F0025817220930553
https://doi.org/10.1177%2F00258172209305...
). As restrições de mobilidade, limitações de privacidade e convivência forçada com agressores estão fazendo com que as vítimas vivenciem graves perigos à saúde física ou psíquica (Nigam, 2020Nigam, S. (2020). COVID-19, Lockdown and violence against women in homes. SSRN Electronic Journal. doi: 10.2139/ssrn.3587399
https://doi.org/10.2139/ssrn.3587399...
). A situação tende a ser agravada em áreas rurais, como nas aldeias indígenas, onde o acesso à internet e a dispositivos de comunicação costumam ser mais restritos, dificultando os pedidos de auxílio.

Nota-se, portanto, que a pandemia da Covid-19 levou ao agravamento de alguns problemas coletivos identificados na comunidade indígena em pauta, especialmente no que se refere ao consumo de bebidas alcoólicas e as relações familiares e sociais implicadas. Os conflitos resultantes desse novo contexto expõem as vulnerabilidades enfrentadas por esse grupo indígena e a necessidade de governos empregarem esforços para prevenir os riscos e os danos associados ao consumo de álcool por meio dos programas de saúde. Em relação à saúde mental, diante do cenário preocupante em termos de morbimortalidade da população indígena nos últimos 10 anos, tal como pode ser observado na Tabela 1, pesquisadores ligados à Fiocruz sugeriram algumas recomendações para profissionais que atuam em terras indígenas e vinculados à Rede de Atenção Psicossocial, que tomam por base aspectos culturais de suas vidas diárias e cotidianas, suas cosmologias e especificidades culturais a fim de promover um cuidado culturalmente sensível e adequado à realidade.

Tabela 1.
Número de indígenas com agravos em saúde mental no Brasil (2010-2019)

Nesse documento, destaca-se que “as demandas das populações indígenas associadas à Covid-19 devem ser compreendidas oriundas da experiência de um sofrimento intimamente relacionado aos significados das cosmologias correspondentes a cada grupo étnico” (p.08) e que

“as políticas e estratégias de cuidado frente à Covid-19 e seus impactos na saúde psicossocial necessitam ser construídas a partir de cada contexto e, sempre, em conjunto com as lideranças comunitárias locais. Portanto, o respeito e a visibilidade do lugar de fala e da perspectiva dos indígenas frente ao contexto da pandemia são base para qualquer política de garantia da dignidade e da saúde integral das comunidades” (Pontes et al., 2020Pontes, A. L., Melo, B. D., Stock, B. S., Lima, C. C., Pereira, D. R., Vieira, E. S., Vick, F., Serperioni, F., Kabad, J., Lacerda, L. F. B., El Kadri, M. R., Souza, M., Magrin, N. P., & Gonzalez, R. (2020). Saúde mental e atenção psicossocial na pandemia COVID-19: Povos indígenas no contexto da COVID-19 [Mental health and psychosocial care in the COVID-19 pandemic: Indigenous peoples in the context of COVID-19]. Friocruz. https://tinyurl.com/cd3h27y4
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, p.15).

Considerações finais

Esse estudo partiu da perspectiva dos moradores de uma comunidade indígena, evidenciando entendimentos próprios que se relacionam com contextos mais amplos envolvendo movimentos históricos de reivindicação de direitos, visibilidade étnica, instituições sociais e o Estado. Retratamos os processos de alcoolização no interior da comunidade analisando os contextos e motivos para o consumo, indicando os padrões de uso considerados problemáticos ou não, os elementos disparadores e as consequências do uso em níveis individual, familiar e comunitário. Identificamos ainda os recursos para prevenção e os dispositivos formais e informais existentes para atenção ao uso prejudicial de álcool.

Notamos que o consumo de bebidas alcoólicas, especialmente as destiladas, tem provável origem no cenário de expansão das frentes econômicas na região, destacando-se a instalação de usinas canavieiras e alambiques a partir do século XVII. Pouco a pouco, os modos tradicionais de existência foram sendo modificados ao tempo que se avançava a degradação do meio ambiente e limitava os usos tradicionais e o acesso dos indígenas às terras. Atualmente, o consumo de álcool é muitas vezes naturalizado e até incentivado em determinados contextos, aumentando os riscos à saúde e, não raro, associando-se a graves problemas de ordem social, como a violência, os distúrbios interpessoais, dentre outros.

Apesar disso, há pouca prioridade política para encaminhamento dessas questões junto aos dispositivos formais de educação, saúde e segurança pública. Essa situação se traduz na desassistência percebida pelos moradores, na qual a comunidade por si só não consegue manejar tanto os determinantes sociais que aumentam os riscos do consumo prejudicial de álcool quanto os agravos resultantes desse consumo. Além disso, a presença esporádica da maior parte dos profissionais de saúde na comunidade parece ser um fator que atalha a qualidade dos serviços assistenciais, especialmente as ações coletivas para prevenção ao uso de álcool.

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  • *
    Apoio: CAPES - Financiamento Código 001.
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    Artigo proveniente da tese de doutorado do primeiro autor

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    03 Out 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    15 Mar 2021
  • Aceito
    26 Jul 2021
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