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Entre Corpo, Imagem e Palavra: O Poder da Libido

Resumo

Deixando de lado a aparente obviedade de utilizar a palavra como ferramenta para o tratamento psíquico, o presente artigo partiu do desejo de compreender como Freud formulou a importância da palavra em sua obra teórica. Para que a matéria fosse devidamente tratada, buscamos nas bases do pensamento freudiano sua elaboração. Esta pesquisa permitiu-nos entender que Freud formula a palavra como uma das dimensões em que a energia libidinal transita no aparelho psicofisiológico. Não só isso, proporcionou-nos a ponderação de que é preciso reconhecer a interdependência entre o corpo e alma [Seele] para que a função da palavra seja devidamente compreendida em sua obra.

Palavras-chave:
Corpo; imagem; palavra; libido; psicofisiologia

Abstract

This article originated from the will to understand how Freud formulates, in his theoretical work, the importance of the word, despite how obvious it may seem to use it as a tool for psychic treatment. Therefore, we researched the basis of his thoughts to check how he elaborates it so that we could address the question appropriately. Not only did we notice that Freud thinks of the word as one of the dimensions in which the libidinal energy goes through the psychophysiological mechanism, but also, it came to our attention that we should consider the interconnection between the body and the images of the soul [seele] to understand the function of the word in his work.

Keywords:
Body; image; word; libido; psychophysiological

Este artigo nasceu do desejo de compreender e responder a pergunta: “como Freud concebeu a palavra [Wort] e seus processos em sua obra teórica - e não clínica - a ponto de dar a ela lugar de ferramenta ao tratamento psíquico?”. Na pesquisa deste artigo, tornou-se clara a extensão e complexidade do assunto. Justamente pelo tema ocupar uma posição basilar na estrutura da psicanálise freudiana, merece ser esclarecido em suas fontes.

Com este intuito, as formulações freudianas sobre a palavra e sua relação com o processo psíquico foram discutidas nos textos “Tratamento anímico” (Freud, 1890/2017aFreud, S. (2017a). Tratamento psíquico [Tratamento anímico] In Fundamento da Clínica Psicanalítica. Obras Incompletas de Sigmund Freud (C. Dornbusch, Trad., pp. 19-43). Autêntica. (Texto original publicado em 1890)), “Sobre a Concepção das Afasias” (Freud, 1891/2016aFreud, S. (2016a). Sobre a concepção das afasias: Um estudo crítico. In Obras Incompletas de Sigmund Freud (E. Rossi, Trad.). Autêntica. (Texto original publicado em 1891)), “Projeto para uma Psicologia Científica” (Freud, 1895/1996aFreud, S. (1975b). Introductory lectures on psychoanalysis. Lecture XXIV: The common neurotic state. In The Standard Edition of the Complete Psychological Works of Sigmund Freud (Vol. XVI, J. Strachey, Trans. pp. 378-391). The Hogarth Press and the Institute of Psycho-analysis. (Texto original publicado em 1916)), “Carta 52” (Freud, 1896/2016bFreud, S. (1996a). Projeto para uma psicologia científica. In Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud (Vol. I, J. L. Meuerer, Trad., pp. 347-396). Imago. (Texto original publicado em 1895)), “A interpretação dos Sonhos” (Freud, 1900/1996bFreud, S. (1996a). Projeto para uma psicologia científica. In Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud (Vol. I, J. L. Meuerer, Trad., pp. 347-396). Imago. (Texto original publicado em 1895), 1900/1996cFreud, S. (1996b). A interpretação dos sonhos (I). In Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud (Vol. IV, W. I. Oliveira, Trad). Imago. (Texto original publicado em 1900)), “Formulações sobre os Dois Princípios do Acontecer Psíquico” (Freud, 1911/2004Freud, S. (2004). Formulações sobre os dois princípios do acontecimento psíquico. In Escritos sobre a Psicologia do Inconsciente (Vol. I, L. A. Hanns, Trad., pp. 65-78). Rio de Janeiro: Imago. (Texto original publicado em 1911)), “Introdução ao Narcisismo” (Freud, 1915/1996eFreud. S. (1996e). O inconsciente. In Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas de Sigmund Freud (Vol. XIV, T. Brito et al, Trad. pp. 171-215). Imago. (Texto original publicado em 1915)) e “O inconsciente” (Freud, 1916/1996fFreud, S. (1996f). Conferência XXIII, Os caminhos da formação do sintoma. In Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud (Vol. XVI, J. L. Meuerer, Trad., pp. 361-378). Imago. (Texto original publicado em 1916)). Nestes, Freud traz reflexões importantes concernentes ao tema da palavra [Wort], motivo que nos fez escolhê-los para o recorte desta pesquisa. Procuramos apresentar nosso estudo seguindo a cronologia de suas publicações, intencionando recriar o amadurecimento do assunto na produção freudiana. Pudemos observar que, em cada um dos textos, Freud adiciona camadas teóricas ao tema de forma que fomos respondemos à pergunta deste artigo gradualmente. Isso nos levou a sintetizar os pontos esclarecidos ao longo das análises apenas no tópico final “O poder da libido”.

A partir do recorte aqui proposto, refletimos que, para a compreensão da função da palavra [Wort] no tratamento psíquico proposto por Freud, é indispensável o entendimento da relação existente entre corpo e alma [Seele], além de ser necessário compreender o que permite à essas dimensões estarem relacionadas. Vale esclarecer que o termo alemão Wort, utilizado por Freud no sentido de “palavra”, se trata de um vocábulo de uso comum na língua alemã e é utilizado com o mesmo sentido da tradução brasileira. Apesar de seu uso corriqueiro, Freud formula toda uma teoria para a “palavra”, nos levando a atribuir um estatuto de noção freudiana ao termo. Para o autor, “a palavra é uma representação [Vorstellung] complexa de imagens [Bild] de origem visual, acústica e cinestésica, de forma que corresponde a um intrincado processo associativo [Assoziationsvorgang]” (Freud, S. 1891/2016aFreud, S. (2016a). Sobre a concepção das afasias: Um estudo crítico. In Obras Incompletas de Sigmund Freud (E. Rossi, Trad.). Autêntica. (Texto original publicado em 1891), p.102).

Se faz necessário esclarecer também que utilizamos como sinônimos os termos representação, imagem, imagem psíquica, imagem da alma e ideia. Englobamos com o uso destes termos tanto os elementos constituintes da representação quanto aqueles que se sucedem enquanto elaboração da excitação já no âmbito pulsional. Nos momentos do texto onde nos referimos exclusivamente aos elementos constitutivos das representações, usamos entre colchetes Bild/Bilder e as derivações de palavras compostas pelo substantivo na língua alemã. Nos momentos em que estamos nos referindo ao complexo de elementos associados e já no campo da pulsão, utilizamos entre colchetes Vorstellung/Vorstellungen e seus derivados.1 1 Utilizamos como referência para esta diferenciação os apontamentos feitos por Luiz Hanns (1996) no “Dicionário comentado do Alemão de Freud”.

A Palavra em O “Tratamento Anímico”

Em o “Tratamento Anímico” (Freud, 1890/2017aFreud, S. (2017a). Tratamento psíquico [Tratamento anímico] In Fundamento da Clínica Psicanalítica. Obras Incompletas de Sigmund Freud (C. Dornbusch, Trad., pp. 19-43). Autêntica. (Texto original publicado em 1890)), texto que se situa entre os primeiros de sua obra, Freud expõe a palavra [Wort] como um dos meios, “em primeira linha” (p.19), que “terão efeito sobre o anímico da pessoa” (p.19). Escrevendo que a palavra [Wort] é uma ferramenta essencial ao tratamento psíquico, o autor afirma que a sua importância repousa no “poder mágico” (p.19) que a elas está ligado: “as palavras [Wörter] de nossos discursos cotidianos nada mais são do que magia empalidecida. Mas será necessário trilhar mais um desvio para tornar compreensível como a ciência consegue devolver à palavra pelo menos uma parte de seu antigo poder mágico” (p.19, grifos nossos).

Com essa vocação científica já pontuada nesse texto de 1890, mas reafirmada outras vezes pelo autor (Freud, 1915/2017bFreud, S. (2017b). As pulsões e seus destinos. In Obras Incompletas de Sigmund Freud (P. H. Tavares, Trad., pp. 15-69). Autêntica. (Texto original publicado em 1915), 1915/2018bFreud, S. (2018b). Novas conferências introdutórias à psicanálise: Acerca de uma visão de mundo. In Obras Completas de Sigmund Freud (Vol. 18, P. C. Souza, Trad., pp. 321-354) Companhia das Letras. (Texto original publicado em 1933)), Freud iniciará esse texto (Freud, 1890/2017aFreud, S. (2017a). Tratamento psíquico [Tratamento anímico] In Fundamento da Clínica Psicanalítica. Obras Incompletas de Sigmund Freud (C. Dornbusch, Trad., pp. 19-43). Autêntica. (Texto original publicado em 1890)) fazendo uma espécie de compilação do pensamento médico, argumentando que sempre fora reconhecida a inter-relação [Wechselbeziehun] entre o corpo e o anímico, mas não a recíproca. Ele comenta que era mais fácil para os médicos “em [um] tempo mais antigo” (p. 21) reconhecerem a dependência do anímico com o físico do que o contrário; isso é, “o efeito do anímico sobre o corpo, pois eles pareciam ter medo de advogar para a vida anímica uma certa autonomia, como se com isso eles abandonassem o solo da cientificidade” (p. 21). O autor continua sua reflexão expondo o quadro das doenças anímicas, evidenciando o quanto de fato os sofrimentos físicos “estão claramente sob a influência de excitações, oscilações de ânimo, preocupações, etc., bem como eles podem desaparecer e dar lugar à saúde plena sem deixar rastros, mesmo após longa duração” (p.22). Nesse sentido, Freud comenta que, apesar da medicina ter concluído posteriormente que essas doenças da alma [Seele] dizem respeito a uma afecção do sistema nervoso, no exame do cérebro desses pacientes, não foi encontrado nenhum sinal material de alterações. Na tentativa de circunscrever esse fenômeno, os pacientes com tais disfunções foram chamados de neuróticos. Disto desprendeu, segundo Freud, entre as décadas de 1870 e 1890, a compreensão médica da existência de uma influência [Einfluß] anímica sobre o corpo, levando ao reconhecimento da via bidirecional do efeito interativo [Wechselwirkung] entre psique e corpo.

Freud (1890/2017aFreud, S. (2017a). Tratamento psíquico [Tratamento anímico] In Fundamento da Clínica Psicanalítica. Obras Incompletas de Sigmund Freud (C. Dornbusch, Trad., pp. 19-43). Autêntica. (Texto original publicado em 1890)) argumenta que grande parte dos estados anímicos - como tristeza, ira, luto, preocupação, felicidade - têm correspondentes corporais que “se manifestam nas tensões e nos relaxamentos de seus músculos faciais, na focalização de seus olhos, na vascularização da pele, no uso de seu aparelho fonador e na postura de seus membros” (p.24). Assim, para ele, os estados corporais são “sinais confiáveis que permitem deduzir os processos anímicos e nos quais se confia mais do que nas manifestações quase simultâneas e intencionais em forma de palavras” ( p. 24).

Freud (1890/2017aFreud, S. (2017a). Tratamento psíquico [Tratamento anímico] In Fundamento da Clínica Psicanalítica. Obras Incompletas de Sigmund Freud (C. Dornbusch, Trad., pp. 19-43). Autêntica. (Texto original publicado em 1890)) é claro quanto à "relação muito especial” (p.25) entre afetos e processos somáticos. Pondera que “(...) a rigor, todos os estados anímicos (...) são ‘afetivos’ em certa medida e nenhum deles prescinde das manifestações corporais e da capacidade de transformar processos corporais” (p.25). Após este explícito apontamento do efeito interativo [Wechselwirkung] entre corpo e alma, Freud pontua que a palavra é acesso às representações [Vorstellung] e, por isso, é via, ao mesmo tempo, ao psíquico e ao somático.

De fato, outros argumentos são expostos por Freud (1890/2017aFreud, S. (2017a). Tratamento psíquico [Tratamento anímico] In Fundamento da Clínica Psicanalítica. Obras Incompletas de Sigmund Freud (C. Dornbusch, Trad., pp. 19-43). Autêntica. (Texto original publicado em 1890), p.31), corroborando a ideia de que o anímico é influenciável por outros meios além da palavra: pela vontade, atenção, expectativa e fé. Mas o autor dedica algumas páginas para se referir às peculiaridades da influência da palavra por meio da hipnose e, nesse ponto, deixa mais claro o poder mágico ao que se refere ao vinculá-las às representações:

“A representação [Vorstellung] que o hipnotizador deu ao hipnotizado através da palavra provocou justamente aquele comportamento anímico-corporal [seelisch-körperliche Verhalten] que corresponde ao seu conteúdo. Por um lado, há aí a obediência, mas por outro há um aumento da influência física de uma ideia. A palavra aqui volta a se transformar em magia.” (Freud, 1890/2017aFreud, S. (2017a). Tratamento psíquico [Tratamento anímico] In Fundamento da Clínica Psicanalítica. Obras Incompletas de Sigmund Freud (C. Dornbusch, Trad., pp. 19-43). Autêntica. (Texto original publicado em 1890), p.36)

É neste sentido que Freud fala de magia: procedimentos de natureza imaterial - posto que se utilizam de representações [Vorstellung] - que impactam a matéria; palavra que impacta fisicamente o corpo e vice-versa. Algumas questões aprofundadas posteriormente na obra freudiana aparecem já no texto de 1890: primeiro, a interdependência [Wechselbeziehung] entre corpo e psique; segundo, o poder terapêutico da palavra que repousa no fato de esta ser meio de conexão às representações [Vorstellungen] que, por sua vez, influenciam [Einfluß] corpo-psique conjuntamente, na medida em que veiculam uma ideia e, à ideia, uma excitação que reside no corpo.

Mas, afinal, como é possível algo de ordem imaterial - como processos da alma [Seele] - influenciar algo material - como o corpo? Pelo que a obra freudiana nos indica, tomando corpo e psiquismo como um só objeto de estudo que compartilham a mesma função. Nesse sentido, Freud, teorizando a partir de seu Phantasieren2 2 A “singular ‘racionalidade’ que, em Freud, denomina-se Phantasieren (...) significa, aqui, ‘transpor’, ou seja, encontrar analogias com registros diferentes e mesmo 'adivinhar', o que nos leva aos confins da racionalidade de forma ‘científica' do saber” (Assoun, 1983, p.105) , usa em “Tratamento Anímico” (Freud, 1890/2017) o recurso da referência à magia para inserir uma mudança sobre a perspectiva biológica estritamente mecanicista, tal como era concebida pela medicina de sua época, isto é, donde um efeito se liga à uma causa, de forma que este texto parece ser a primeira pista do movimento que perdura em sua obra: cria uma proposta que não é magia - no sentido do misticismo - e nem mecanicismo, para que fosse possível entender a influência funcional do psíquico sobre o material e vice-versa. Essa influência ficará ainda mais explícita em seus textos “Sobre a Concepção das Afasias” (Freud, 1891/2016aFreud, S. (2016a). Sobre a concepção das afasias: Um estudo crítico. In Obras Incompletas de Sigmund Freud (E. Rossi, Trad.). Autêntica. (Texto original publicado em 1891)) e “Projeto para uma Psicologia Científica” (Freud, 1895/1996aFreud, S. (1975b). Introductory lectures on psychoanalysis. Lecture XXIV: The common neurotic state. In The Standard Edition of the Complete Psychological Works of Sigmund Freud (Vol. XVI, J. Strachey, Trans. pp. 378-391). The Hogarth Press and the Institute of Psycho-analysis. (Texto original publicado em 1916)). Nesses escritos, Freud deixa evidente que não seguirá a proposição vitalista na qual a energia que anima o corpo é insondável. Tomará a proposição de que a energia pode ser estudada a partir das excitações que impressionam os órgãos sensitivos. Assim, para ele, o anímico não está na esfera mística: o que é característico da alma [Seele], as representações [Vortellungen], são associações de impressões sensórias. De forma complementar, Freud retira a influência biológica da perspectiva mecanicista promovendo uma teoria de fundamentação funcional, por exemplo, em sua refutação ao localizacionismo e em sua formulação sobre os processos associativos.

A Palavra em “Sobre a Concepção das Afasias”

Freud inicia seu texto “Sobre a Concepção das Afasias” (Freud, 1891/2016aFreud, S. (2016a). Sobre a concepção das afasias: Um estudo crítico. In Obras Incompletas de Sigmund Freud (E. Rossi, Trad.). Autêntica. (Texto original publicado em 1891)) perpassando a teoria de Broca, Wernicke e Lichtheim, de forma a fazer um apanhado dos esquemas de explicação sobre as afasias existentes até então. Analisando a lógica das proposições desses autores, Freud explicita contradições inerentes aos esquemas de cada um deles. A partir disso, faz uma crítica contundente: os esquemas postulados por esses autores estão baseados em uma pré-noção ligada à doutrina localizacionista3 3 O termo alemão Lokalisationslehre é utilizado por Freud e traduzido em “Sobre a concepção das afasias (1891/2016a) como doutrina localizacionista. [Lokalisationslehre] das representações [Vorstellungen], fato que coloca seus esquemas em contradições internas, uma vez que se aplicam a certos casos de afasia, mas não explicam outros.

Nesse ponto da argumentação, em “Sobre a Concepção das Afasias” (Freud, 1891/2016aFreud, S. (2016a). Sobre a concepção das afasias: Um estudo crítico. In Obras Incompletas de Sigmund Freud (E. Rossi, Trad.). Autêntica. (Texto original publicado em 1891)), já se anuncia a saída teórica que Freud dará ao localizacionismo: a concepção funcional da linguagem. Vale notar que parte do vocabulário posteriormente utilizado em suas formulações psicológicas aparecem nesse texto de 1891: a conceituação sobre as imagens mentais [Bilder] e representações [Vorstellung] são obtidas do diálogo com a neurologia e mantidas em suas noções psicanalíticas. Além disso, desse texto emerge também uma noção basilar da psicanálise: o processo de associação. É importante notar que, apesar da neurologia ter nesse momento pressupostos de uma ciência mecanicista, precisou abrir mão de trabalhar com noções estritamente causais introduzindo a ideia de algo imaterial (imagens, representações e energia), embora tenha utilizado explicações para esses conceitos dentro da lógica mecanicista, sinalizando sua posição no embate da chamada querela dos métodos4 4 Para um estudo mais aprofundado sobre a querela dos métodos e a posição freudiana perante esse embate, ver “Introdução à Epistemologia Freudiana” (Assoun,1983). . Deixando de lado a famosa querela, Freud teoriza uma terceira possibilidade: corpo e psique são inter-relacionados [Wechselbeziehun], não havendo necessidade de utilizar formulações que separem Ciências da Natureza das Ciências Humanas.

Desde a sua exposição sobre as primeiras teorias sobre as afasias (como a de Broca e a de Wernecke), Freud (1891/2016aFreud, S. (2016a). Sobre a concepção das afasias: Um estudo crítico. In Obras Incompletas de Sigmund Freud (E. Rossi, Trad.). Autêntica. (Texto original publicado em 1891)) toma como a priori a existência de representações5 5 Luiz Hanns (1996), no “Dicionário comentado do Alemão de Freud”, comenta no verbete “Representação” o uso do conceito de Vorstellung no contexto da medicina. [Vorstellung] tal como as teorias que critica. No entanto, a refutação na qual se detém é direcionada ao entendimento dessas imagens/representações como função estritamente ligada a locais cerebrais, ou seja, não é uma refutação geral das bases biológicas ligadas a esses conceitos, muito menos uma recusa das bases imateriais destes, de modo que as representações [Vorstellungen], característica primordial do psiquismo, já estavam presentes na obra freudiana em 1890, sendo reafirmadas no estudo sobre as afasias. O que esse texto acrescenta ao “Tratamento anímico” (Freud, 1890/2017aFreud, S. (2017a). Tratamento psíquico [Tratamento anímico] In Fundamento da Clínica Psicanalítica. Obras Incompletas de Sigmund Freud (C. Dornbusch, Trad., pp. 19-43). Autêntica. (Texto original publicado em 1890)) é o entendimento da associação funcional no processo representativo; e daí, mais uma vez podemos averiguar na obra freudiana o porquê das palavras possuírem efeito sobre o psíquico e o soma: dentro da ótica funcionalista, corpo e alma são inter-relacionados [Wechselbeziehun].

A análise de Freud (1891/2016aFreud, S. (2016a). Sobre a concepção das afasias: Um estudo crítico. In Obras Incompletas de Sigmund Freud (E. Rossi, Trad.). Autêntica. (Texto original publicado em 1891)) sobre a afasia de condução de Wernicke introduz o pensamento de que a parafasia colocada por esse autor como decorrente da ruptura de uma via nervosa (a-b/sensório-motor) em nada se diferencia dos sinais de confusão e mutilação de palavras observadas em pessoas saudáveis por consequência de estresse, cansaço, perturbação afetiva ou atenção dividida. Nesse sentido, Freud infere: “Parece-nos apropriado considerar a parafasia em sua abrangência mais ampla, um sintoma puramente funcional, um indício da capacidade de desempenho menos acurada do aparelho associativo de linguagem.” (p.31). Assim, a parafasia não é um adoecimento meramente de ordem anatômica/material, o que “não exclui o fato de que ela possa ocorrer, em sua forma mais típica, como um sintoma orgânico focal” (p.32). Tal argumento é o primeiro sinal de que as afasias de forma geral não são consequências, unicamente, de um distúrbio em uma região anatômica, mas das alterações das condições do funcionamento cerebral como um todo solidário.

Freud (Freud, 1891/2016aFreud, S. (2016a). Sobre a concepção das afasias: Um estudo crítico. In Obras Incompletas de Sigmund Freud (E. Rossi, Trad.). Autêntica. (Texto original publicado em 1891)) trará a teoria sobre a excitabilidade de Charles Bastian para dar uma possível explicação para o fenômeno da afasia: as lesões funcionais ocorrem de forma associativa, ou seja, “solidária” (p.51); o enfraquecimento de uma função de dada parte isolada é respondido com um distúrbio de função como um todo, que poderia surgir tanto por uma lesão quanto por um dano de ordem da excitabilidade cerebral. A colocação dessa solidariedade anunciará o conceito de associação presente na teoria psicanalítica posterior, evidenciado de forma radical na análise dos sonhos. Portanto, o estudo das afasias assegurou ao Freud um embasamento sólido sobre os processos imagéticos e representacionais do funcionamento psíquico, na medida em que pôde ancorar sua teorização sobre o funcionamento somático. Por esse motivo, sua teoria, incluindo a metapsicologia, aparece-nos, neste presente estudo, como uma proposta de raiz psicobiológica que ultrapassa a noção de causa/efeito.

Ainda nesse sentido, para responder mais profundamente, Freud vai introduzir de forma clara a relação recíproca [Wechselbeziehung] entre psíquico/imagem [Vorstellung] e excitação captada pelo corpo: “...sempre que o mesmo estado do córtex for novamente estimulado, surge mais uma vez o psíquico em forma de imagem de lembrança [Erinnerungsbild]” (p.79-80). A ideia de uma relação recíproca parte da compreensão do processo psicofisiológico como sendo unitário e funcional; psique e corpo fazem parte de um só objeto de estudo6 6 Para aprofundar no estudo sobre o objeto unitário (monista) da psicanálise freudiana, ver “Introdução à Epistemologia Freudiana” (Assoun,1983). :

Sensação e associação são dois nomes com os quais recobrimos diferentes aspectos do mesmo processo. Sabemos, contudo, que ambos nomes são abstraídos de um processo único e indivisível. Não podemos ter sensação alguma sem associá-la imediatamente (p.80).

Uma vez que a linguagem não possui vias diretas na periferia do corpo (p. 91), pode-se averiguar em seu funcionamento a relação das vias de sensação e os mecanismos de representação de memória [Erinnerungsbild] provenientes da estimulação corporal. Por ser um processo eminentemente associativo (associa a energia proveniente de estímulos por meio de imagens), a linguagem é mote para a compreensão de processos de natureza psicofisiológica de forma geral. Ao entendê-la, podemos averiguar como o corpo se vincula aos montantes de excitação e como a excitação se liga às imagens anímicas:

“A palavra [Wort] é, então, uma representação complexa [Vorstellung] que consiste nas imagens mencionadas ou, dito de outra forma, à palavra corresponde um intrincado processo associativo [Assoziationsvorgang] para o qual concorrem os referidos elementos de origem visual, acústica e cinestésica” (Freud, 1891/2016aFreud, S. (2016a). Sobre a concepção das afasias: Um estudo crítico. In Obras Incompletas de Sigmund Freud (E. Rossi, Trad.). Autêntica. (Texto original publicado em 1891), p.102).

O complexo associativo Wort, originado de impressões ligadas à experiência no mundo, é uma associação entre representação de palavra [Wortvorstellung]7 7 “Freud usa, para se referir aos elementos constituintes da representação-palavra, tanto o termo Bild (imagem) como Vorstellung (ideia ou representação), termo este que é sempre usado para se referir à representação-palavra (Wortvorstellung) e à de objeto (Objektvorstellung)” (Caropreso, 2010). e representação de objeto [Objektvorstellung] sendo que essa associação se dá via imagem de som (Freud, 1891/2016aFreud, S. (2016a). Sobre a concepção das afasias: Um estudo crítico. In Obras Incompletas de Sigmund Freud (E. Rossi, Trad.). Autêntica. (Texto original publicado em 1891), p.102). Embora a palavra ganhe sentido a partir da “relação simbólica” (p.103) ao se associar às representações de objeto, podemos supor que Wort seja passível de uma aproximação quase que total de representação de palavra - na medida em que esteja desligada do significado advinda da realidade -, como na linguagem esquizofrênica, em alguns casos de afasias ou em situações cuja ação da fala ou do pensamento não possuem um objeto que lhes dá sentido.8 8 Em Totem e Tabu (Freud, 1913/2018a) o nascimento da palavra se dá perante a morte do pai. Lembremos que a morte é irrepresentável apontando o desligamento da representação de objeto inerente à não possibilidade do sujeito experienciá-la em si mesmo. Além do que, Freud termina este texto supondo que “no princípio foi o Ato”, corroborando para a origem somática das representações.

Por meio de tais considerações, é possível pensar o motivo da palavra ser mote do tratamento anímico: ora, todos os tipos de excitações que impressionaram o corpo durante a vida dão origem a imagens e as palavras são fruto justamente destas imagens [Bilder] múltiplas associadas. Uma palavra tem o poder de carregar consigo uma gama de excitações que, por meio dela, podem ser expressas. Por esse motivo, a palavra é acesso às imagens de memórias [Erinnerungsbild] e, consequentemente, é acesso a toda carga de excitações gravadas no corpo. Dá-se especial atenção, no tratamento anímico, às excitações (e palavras) que ganharam ligação afetiva, aquelas que têm importância maior para a alma [Seele]. Ao utilizar a linguagem, nos servimos justamente dos caminhos associativos; isso quer dizer que lidamos com as vias experienciadas pelos sentidos, pelo corpo como um todo e, assim, podemos por meio delas revisitar uma trama de excitações que guiaram nossas ocupações psíquicas. Nesse sentido, Freud salienta que “... nós também [colocamos] em prática cada uma das funções da linguagem pelos mesmos caminhos associativos por meio dos quais nós as adquirimos” (Freud, 1891/2016aFreud, S. (2016a). Sobre a concepção das afasias: Um estudo crítico. In Obras Incompletas de Sigmund Freud (E. Rossi, Trad.). Autêntica. (Texto original publicado em 1891), p.101). Destarte, além de podermos entender o motivo da utilização da palavra enquanto ferramenta da psicanálise, podemos inferir no que reside sua magia: o fato de estar associada ao elemento imaterial - a enigmática libido que age no corpo. A intervenção do psicanalista pode restabelecer a “magia da palavra” (Freud, 1890/2017aFreud, S. (2017a). Tratamento psíquico [Tratamento anímico] In Fundamento da Clínica Psicanalítica. Obras Incompletas de Sigmund Freud (C. Dornbusch, Trad., pp. 19-43). Autêntica. (Texto original publicado em 1890)) pois, para todos os efeitos, influencia a libido de seu paciente a fim de reconectá-la a processos representativos cuja destinação propicie mais saúde, tal como um mágico manipula princípios ocultos para modificar a realidade.

A Palavra no “Projeto para uma Psicologia Científica”

No “Projeto para uma Psicologia Científica” (1895/1996a), como o próprio nome sugere, Freud pretende construir uma estrutura científica para a psicologia: “A intenção é prover uma psicologia que seja ciência natural: isto é, representar os processos psíquicos como estados quantitativamente determinados de partículas materiais especificados, tornando assim esses processos claros e livres de contradição” (p. 347). Para isso, Freud toma como base duas ideias, uma de base imaterial e outra de base material: a primeira supõe uma energia sujeita às leis físicas do movimento, distinguindo a ação ou fluxo do repouso, chamada de Q (quantum de energia); a segunda, base material da teoria, se refere aos neurônios. Nesse ponto, a questão da matéria (corpo) e do fator imaterial (Seele) referidos desde o texto “Tratamento anímico” (Freud, 1890/2017aFreud, S. (2017a). Tratamento psíquico [Tratamento anímico] In Fundamento da Clínica Psicanalítica. Obras Incompletas de Sigmund Freud (C. Dornbusch, Trad., pp. 19-43). Autêntica. (Texto original publicado em 1890)) aparece: a natureza somática/material é, por si, evidenciada pelos neurônios; a natureza de Q, apesar de ser quantitativa, só pode ser inferida, pois que energética/imaterial. Entre matéria e energia, o funcionamento anímico se daria: Freud postula leis que explicariam, então, os fenômenos clínicos patológicos - os casos especialmente visíveis deste funcionamento - como os da histeria e obsessão. Assim, “Processos, como estímulos, substituição, conversão e descarga que tiveram de ser ali descritos [em conexão com esses distúrbios] sugeriram diretamente a concepção da excitação neuronal como uma quantidade em estado de fluxo” (Freud, 1895/1996aFreud, S. (1975b). Introductory lectures on psychoanalysis. Lecture XXIV: The common neurotic state. In The Standard Edition of the Complete Psychological Works of Sigmund Freud (Vol. XVI, J. Strachey, Trans. pp. 378-391). The Hogarth Press and the Institute of Psycho-analysis. (Texto original publicado em 1916), p.347).

Em consonância com a observação clínica, onde ficava especialmente evidente o fator quantitativo excessivo presente nas ideias (como nas obsessões) e na excitação sobre o corpo (como nas histerias de conversão), Freud se utiliza, em sua teorização, de uma das leis básicas do funcionamento dessa unidade psicofisiológica: o princípio da inércia. Ou seja, a tendência de igualar Q a zero, o que explicaria a necessidade e tendência visível de descarga do organismo para a manutenção da saúde. Nesse sentido, o princípio da inércia seria uma tendência do organismo de desviar do desprazer, isto é, de ter prazer ou de descarregar. Mas, de fato, o organismo não chega à inércia, ou seja, ao Q=0. Freud explica isso com a origem das excitações: em resposta a estímulos externos, o princípio da inércia seria possível, uma vez que o organismo pode se afastar do estímulo ou liberá-lo de forma reflexa por ação. Mas em relação aos estímulos provenientes do ambiente interno do organismo - incessantes enquanto há vida -, a única possibilidade seria o organismo descarregar Q parcialmente mediante o que ele chama de “ação específica” (Freud, 1895/1996a, p.349), mantendo-se desta forma estável, mas nunca com um Q=0. Assim, por exemplo, ao estímulo “fome”, buscar alimento possibilita a descarga do estímulo, mas não a anulação completa e intermitente deste. O autor fala então de um princípio da constância, que seria uma modificação do princípio básico da inércia, mas adaptado às condições de excitação interna permanente do organismo vivo. O organismo tenderia à manutenção de um nível mínimo de excitação interna. Esses dois princípios - da inércia e da constância - agiriam como uma tendência para satisfazer a necessidade de descarga do organismo da forma mais eficaz possível para o seu funcionamento. A descrição destes dois princípios econômicos dará embasamento para afirmações metapsicológicas mais adiante na obra de Freud (Freud, 1916/1996gFreud, S. (1996g). Conferência XXIV, O Estado Neurótico Comum. In Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud (Vol. XVI, J. L. Meuerer, Trad., pp. 379-392). Imago. (Texto original publicado em 1916)): que a patologia psíquica deriva de um fator conflitivo no processo de descarga, o que corrobora para a identificação de um alto nível de excitação com o desprazer e a descarga correspondente, como o prazer.

Para pensar a dinâmica entre o elemento material passível de excitação (e, por consequência, a dinâmica carga-descarga dessa excitação) e o fator psíquico, Freud (1895/1996aFreud, S. (1975b). Introductory lectures on psychoanalysis. Lecture XXIV: The common neurotic state. In The Standard Edition of the Complete Psychological Works of Sigmund Freud (Vol. XVI, J. Strachey, Trans. pp. 378-391). The Hogarth Press and the Institute of Psycho-analysis. (Texto original publicado em 1916)) vai descrever o aparelho neuronal como receptáculo do estímulo até a formação do elemento propriamente psíquico: a representação [Vorstellung]. Ele formula os sistemas phi (ϕ), psi (ψ) e Ômega (ω). Essa descrição pormenorizada não cabe no presente artigo pois que o ponto a que pretendemos chegar é a inserção da palavra dentro dessa dinâmica psicofisiológica. De forma sintética, o sistema ϕ teria a função de receber os estímulos exógenos e transmiti-los para o sistema ψ funcionando como um filtro, na medida em que refreia os estímulos recebidos do mundo externo antes de transmiti-los ao sistema ψ. Desta forma, ϕ fraciona e conduz os estímulos exógenos para diversos caminhos aferentes além de dar encaminhamento a eles também pela via de descarga motora. Por isso, o sistema ψ recebe menor quantum de energia se comparada à quantidade que adentra o organismo inicialmente via sistema ϕ. O sistema ψ também capta, diretamente, os estímulos endógenos e, assim, é responsável por formar representações [Vorstellungen] e mantê-las por meio da memória. Freud faz uma diferenciação entre o sistema ψ, que recebe estímulos de ϕ (externos), e o ψ, que recebe estímulos endógenos: o primeiro seria o sistema ψ da periferia e o segundo, do ψ do núcleo. Até esse ponto, os sistemas dizem respeito à recepção de quantidade, ou seja, são meios de sensibilidade que elaboram este Q em representação - em um primeiro momento, na entrada da excitação como elementos da representação [Bild] e, posteriormente, na associação destes em complexos representacionais [Vorstellung]. Mas para que haja uma expressão plena destas representações, o Q de carga sobre esses sistemas deve se somar e ultrapassar certo limite (sendo inferior ao limite da dor).

Para compreender a dinâmica complexa das representações [Vorstellungen], é necessário citar o terceiro dos sistemas neuronais, ω, “cujos estados de excitação produzem as diversas qualidades, ou seja, são sensações conscientes” (Freud, 1895/1996a, p.361). De posse da compreensão dos três sistemas neuronais que Freud propõe podemos compreender os diversos tipos de representação [Vorstellung] e seus elementos constituintes [Bild] que utiliza em sua teorização já de 1891, representações tanto no nível do sistema ψ quanto no nível do sistema ω: de forma geral, “representações mnêmicas” [Erinnerungsbilder] e, de forma mais específica, “representação de palavra” [Wortvorstellung] (complexo de imagem acústica [Klangbild] e cinestésica da fala [Sprachbewegungsbild], visual das letras [visuelle Buchstabenbild] e cinestésica da escrita [Schreibbewegungsbild]; e “representação de objetos” [Objektvorstellung] (complexo associativo composto pelas mais diversas representações [Bild] das coisas cujas características impressionam os sentidos abarcando, por exemplo, “representação de movimento” [Bewegungsbild] , representação tátil [Tastbild], imagem acústica [Klangbild].

Por meio dessas diversas nomenclaturas utilizadas por Freud, pode-se compreender a dinâmica das imagens: as representações de objetos [Objektvorstellungen] permanecem em nível inconsciente (sistema ψ) até se associarem às representações de palavras [Wortvorstellungen], e as imagens [Vorstellungen] só não são inconscientes enquanto são ação e impressionam a percepção, de forma que as representações (de origem endógena) são inconscientes caso estejam desvinculadas das representações de palavras, ou caso não estejam acionadas pela ação atual. Sobre isso, Caropreso e Simanke (2011aCaropreso, F., & Simanke, R. T. (2011a). Entre o corpo e a consciência: Ensaios de interpretação da metapsicologia freudiana. EduFScar.) comentam:

Portanto, enquanto houvesse apenas representações de objeto em psi, os processos que aí ocorressem seriam inconscientes, com exceção dos que resultam diretamente de percepções, das representações de eliminação motoras (imagens de movimento) e das alucinações. Em todos esses casos, a consciência seria imediata (…) com a linguagem, surgiria uma segunda forma de consciência: uma consciência mediata, isto é, intermediada pelos signos linguísticos. Sendo assim, antes da constituição das associações linguísticas, só seria possível haver pensamento consciente se este consistisse em uma ação. (p. 107)

Diante do exposto, pode-se pensar que a teoria dos sistemas neuronais proposta por Freud (1895/1996aFreud, S. (1975b). Introductory lectures on psychoanalysis. Lecture XXIV: The common neurotic state. In The Standard Edition of the Complete Psychological Works of Sigmund Freud (Vol. XVI, J. Strachey, Trans. pp. 378-391). The Hogarth Press and the Institute of Psycho-analysis. (Texto original publicado em 1916)) aponta para dois extremos do sistema psicofisiológico. Por um lado, o ponto de entrada da quantidade, o aparelho sensitivo que possibilita a percepção ou excitação do organismo (sistema ϕ e ψ do núcleo) e, no outro extremo, a consciência (sistema ω) que introduz a qualidade à essa experiência quantitativa/sensitiva; no intervalo entre ϕ e ω, se encontra ψ, portador das imagens [Vorstellungen] múltiplas, todas elas derivadas do aparelho somático, pois não há outra porta de entrada aos estímulos além do próprio corpo. Mas essas imagens múltiplas se diferenciam pela qualidade do objeto que causa a excitação: palavras faladas ou escritas, objetos/corpos (animados ou inanimados) ou o próprio corpo (Freud, 1895/1996a). Segundo Caropreso e Simanke (2011aCaropreso, F., & Simanke, R. T. (2011a). Entre o corpo e a consciência: Ensaios de interpretação da metapsicologia freudiana. EduFScar.), a palavra, dentro da dinâmica que Freud teoriza, tem a função de tornar consciente de forma mediata a representação [Vorstellung], aumentando a possibilidade de consciência, tanto em relação às experiências desprazerosas quanto às experiências que não estão em movimento. Assim, somente por meio da associação das representações de objeto [Objektvorstellungen] às representações de palavra [Wortvorstellungen] é possível pensar/ter consciência das experiências psicofisiológicas de extrema excitação (dor) e de excitações passadas (Freud 1895/1996aFreud, S. (1975b). Introductory lectures on psychoanalysis. Lecture XXIV: The common neurotic state. In The Standard Edition of the Complete Psychological Works of Sigmund Freud (Vol. XVI, J. Strachey, Trans. pp. 378-391). The Hogarth Press and the Institute of Psycho-analysis. (Texto original publicado em 1916)). Sem a ligação à representação de palavra [Wortvorstellung], as experiências/imagens permanecem inconscientes, mas ainda exercendo pressão no sistema ψ como um todo. Além disso, a palavra, em sua representação [Wortvorstellung], aparece no texto freudiano de 1895 como vínculo às imagens [Vorstellungen] das experiências internas e externas ao organismo; imagens essas que são um índice de organização da quantidade introduzida no corpo pela porta do aparelho sensitivo.

Se por um lado o elemento material (não somente os neurônios, mas o corpo como um todo) é de natureza mais evidente, tanto por se constituir de tecidos quanto por ser excitável, por outro lado, o elemento qualitativo da vida psíquica é enigmático. No entanto, a interface corpo-consciência é tanto ou ainda mais enigmática, pois é justamente a imagem [Vorstellung] (em ψ) que faz ponte entre quantidade e expressão de qualidade. A ideia de uma dinâmica psicofisiológica pode dar alento à questão, na medida em que a natureza desse processo for reconhecida. A resposta está naquilo que transita e relaciona psique e corpo: a energia libidinal. É ela que possibilita a continuidade da física à psicologia: “é a redução do universo a um complexo de sensações que torna possível um continuísmo psicofísico” (Assoun, 1983Assoun, P. (1983). Introdução à epistemologia freudiana (H. Japiassu, Trad.). Imago., p. 85).

A Palavra em “A Interpretação dos Sonhos”

Em “A Interpretação dos Sonhos” (Freud, 1900/1996bFreud, S. (1996a). Projeto para uma psicologia científica. In Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud (Vol. I, J. L. Meuerer, Trad., pp. 347-396). Imago. (Texto original publicado em 1895), 1900/1996cFreud, S. (1996b). A interpretação dos sonhos (I). In Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud (Vol. IV, W. I. Oliveira, Trad). Imago. (Texto original publicado em 1900)), a representação [Vorstellung] e sua dinâmica é pensada como no “Projeto para uma Psicologia Científica” (Freud 1895/1996aFreud, S. (1975b). Introductory lectures on psychoanalysis. Lecture XXIV: The common neurotic state. In The Standard Edition of the Complete Psychological Works of Sigmund Freud (Vol. XVI, J. Strachey, Trans. pp. 378-391). The Hogarth Press and the Institute of Psycho-analysis. (Texto original publicado em 1916)), ou seja, como uma organização complexa de um fato quantitativo proveniente da excitação dos órgãos sensitivos, carga essa que ocupa imagens de memória. A palavra [Wort], portanto, enquanto complexo de representação, permanece como um intricado processo associativo de imagens provenientes de excitações e possíveis significados dados a elas. Nesse texto, Freud (1900/1996b, 1900/1996c) descreve de outra forma a dinâmica psíquica, onde a interação da extremidade sensorial/perceptiva (entrada de excitação) até a consciência, incluindo a função motora (abrangendo o ato de falar), se dá de outro modo. Apesar de a representação de palavra [Wortvorstellung] manter seu papel fundamental para o estabelecimento da consciência, este não é o único fator para tanto como no “Projeto para uma Psicologia Científica” (Freud 1895/1996aFreud, S. (1975b). Introductory lectures on psychoanalysis. Lecture XXIV: The common neurotic state. In The Standard Edition of the Complete Psychological Works of Sigmund Freud (Vol. XVI, J. Strachey, Trans. pp. 378-391). The Hogarth Press and the Institute of Psycho-analysis. (Texto original publicado em 1916)). No texto de 1900, acrescenta-se outros dois fatores para que consciência fosse possível: a intensidade do estímulo, que deveria ser superior a certo nível, e a necessidade de os conteúdos ultrapassarem a censura (que está atuando entre o pré-consciente e o consciente).

Além disso, o autor vai formalizar, em “A interpretação dos Sonhos” (1900/1996bFreud, S. (1996a). Projeto para uma psicologia científica. In Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud (Vol. I, J. L. Meuerer, Trad., pp. 347-396). Imago. (Texto original publicado em 1895), 1900/1996cFreud, S. (1996b). A interpretação dos sonhos (I). In Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud (Vol. IV, W. I. Oliveira, Trad). Imago. (Texto original publicado em 1900)), o aparelho psíquico composto pela interação entre corpo [Körper] - ponto de entrada perceptiva para os estímulos -, imagem [Vorstellung] - que circulam o interior do aparelho - e a extremidade motora - onde a palavra [Wort] se situa:

“Toda a nossa atividade psíquica parte de estímulos (internos e externos) e termina em inervações. Por conseguinte, atribuiremos ao aparelho uma extremidade sensorial e uma extremidade motora. Na extremidade sensorial, encontra-se um sistema que recebe as percepções; na extremidade motora, outro, que abre as comportas da atividade perceptual para a extremidade motora” (Freud, 1900/1996cFreud, S. (1996b). A interpretação dos sonhos (I). In Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud (Vol. IV, W. I. Oliveira, Trad). Imago. (Texto original publicado em 1900), p.568).

Neste aparelho a tópica do inconsciente e do pré-consciente/consciente seria onde as imagens [Vorstellung] são representadas; o primeiro, porém, estaria localizado anteriormente ao locus da pré-consciência que, por sua vez, antecede a extremidade motora ligada à consciência. Dentro desse esquema, continua a ser condição necessária para o estabelecimento da consciência a vinculação da representação de objeto [Objektvorstellung] à representação de palavra [Wortvorstellung] e a ser necessário no processo da consciência a atenção estar voltada para o que é representado.

Ademais, Freud continua a sustentar a ideia de que, com a associação dos processos psíquicos às palavras, surgiria um novo tipo de consciência, intermediado especificamente pelas associações linguísticas e que, antes da constituição das representações-palavra, os processos psíquicos seriam regulados automaticamente pelas sensações de prazer e desprazer (Caropreso, 2008Caropreso, F. (2008) Representação, atenção e consciência na primeira teoria freudiana do aparelho psíquico. Natureza Humana, 10(1), 47-72. http://pepsic.bvsalud.org/pdf/nh/v10n1/v10n1a03.pdf
http://pepsic.bvsalud.org/pdf/nh/v10n1/v...
), de forma que a palavra é responsável pela adição de uma nova forma de consciência que ultrapassa o processo primário e que dispensa a necessidade da concomitância da ação dos processos sensoriais (que ocorre na consciência vinda de um fluxo de excitação progressiva). Essa forma de consciência só passa a ser possível na medida em que a palavra baliza também o fluxo de excitação “regressivo” (da extremidade motora em direção à perceptiva/sensitiva).

Se o que permite a consciência do pensamento, a rememoração da representação, é sua associação com palavras e se a rememoração ocorre pela via regressiva, as palavras seriam nesse processo transpostas em percepções e, como todas as percepções, poderiam alcançar a consciência e atrair sobre si a atenção. Sendo assim, a consciência do pensamento seria possibilitada pela reativação alucinatória da representação-palavra (Caropreso, 2008Caropreso, F. (2008) Representação, atenção e consciência na primeira teoria freudiana do aparelho psíquico. Natureza Humana, 10(1), 47-72. http://pepsic.bvsalud.org/pdf/nh/v10n1/v10n1a03.pdf
http://pepsic.bvsalud.org/pdf/nh/v10n1/v...
).

Os sonhos, por sua vez, também partilham das vias regressivas do funcionamento psíquico. Sonhamos com moções que entraram ou não na consciência. Apesar de, ao dormirmos, termos os processos defensivos rebaixados, há forças defensivas em conflito com montantes pulsionais que tensionam o organismo para sua realização, de forma que estes últimos aparecem nos sonhos associados de forma condensada e distorcida (Freud, 1900/1996b, 1900/1996c). A função da palavra é correlata à expressão desse jogo conflitivo também nos sonhos: enquanto representação de palavra, baliza a aparição das imagens [Vorstellungen] oníricas e dos pensamentos de fundo dos sonhos. Além do que, a palavra - por exemplo, nome próprio ou substantivo - pode aparecer como uma imagem que carrega elementos de associações presentes no conteúdo onírico. De forma geral, sonhamos com as forças pulsionais que pressionam para vir à luz da consciência. Mas a pulsão só pode se mostrar em forma de imagem [Vorstellung], pois é de natureza inicialmente quantitativa. “Quando o trabalho de interpretação se conclui, percebemos que o sonho é a realização de um desejo” (Freud,1900/1996b, p.155). Ou seja, sonhamos principalmente com aquelas imagens que se associam às moções que estão sendo mobilizadas no contexto atual e/ou aquelas que tiveram mais importância em nossa vida (principalmente as da infância). Em vários pontos do texto, Freud se refere ao fato de um sonho poder estar ligado à experiência do dia anterior, que acionaram ocupações afetivamente importantes: uma experiência real, que impacta o organismo com uma excitação suficientemente forte, sendo a causa da ‘catexia’ ou ‘ocupação’ de vias de memória que se deixam ser vistas nos sonhos. Digno de nota, a sua referência a essas excitações como “os instigadores reais do sonho”, mas pontua que “a determinação múltipla deve tornar mais fácil a um elemento se impor ao conteúdo do sonho” (p.320).

Os sonhos e os processos alucinatórios de forma geral evidenciam a função que as palavras podem cumprir: serem acesso às representações e, consequentemente, às excitações. Assim, do mesmo modo que Freud afirmou a indissociabilidade entre soma e psique em seus textos anteriores, escreve sobre a vida onírica: “A mecânica desses processos me é totalmente desconhecida; qualquer um que quisesse levar essas ideias a sério teria que procurar por seus análogos físicos e encontrar um meio de figurar os movimentos que acompanham a excitação dos neurônios”9 9 “The mechanics of these processes are quite unknown to me; anyone who wished to take these ideas seriously would have to look for physical analogies to them and find a means of picturing the movements that accompany excitation of neurones” (Freud, 1900/1975a, p.595 e seg.). Tradução Standard Brasileira: “A mecânica desses processos é-me inteiramente desconhecida; quem desejasse levar estas ideias a sério teria de procurar analogias físicas para elas e descobrir um meio de visualizar os movimentos que acompanham a excitação neuronal” (Freud, 1900/1996c, p.625) (Freud, 1900/1975a tradução Caropreso & Simanke, 2011aCaropreso, F., & Simanke, R. T. (2011a). Entre o corpo e a consciência: Ensaios de interpretação da metapsicologia freudiana. EduFScar., p.30).

A partir desses apontamentos, é possível considerar que, ao se utilizarem das palavras e se orientarem pelo processo de associação seja dos sonhos, dos chistes, dos lapsos ou da própria fala, os psicanalistas podem mobilizar novamente em seus pacientes os caminhos associativos que a pulsão trilhou entre sensação e representação. É acessando esses caminhos e buscando o redirecionamento destes para destinos mais satisfatórios nos quais o trabalho psicoterapêutico pode ser realizado.

A Palavra em “O Inconsciente”

Em “O inconsciente” (1915/1996f), Freud mantém as considerações anteriormente expostas, mas certamente aprofunda e esclarece o tema sobre a palavra e seus processos. A partir da exposição de casos e apreciação teórica da esquizofrenia, dá lugar a uma valiosa reflexão sobre a dinâmica da linguagem até então não tão explícita em seus outros trabalhos: a representação de palavra [Wortvorstellung] tem origem no corpo e, justamente pelo fato de que nesse sofrimento mental as representações de objetos10 10 Mantemos nessa parte da análise a ideia de representação de objeto e representação de palavra presente nos textos anteriores ao “O inconsciente” (Freud, 1915/1996f) para evitar possíveis confusões terminológicas. Ver nota de rodapé número 11. estão desligadas, a representação de palavra fica hipercatexizada. Na medida em que esta não tem o amparo das imagens provenientes dos objetos do mundo, dá origem a linguagem hipocondríaca, fala de órgão ou, ainda, linguagem narcísica (Freud, 1916/1996fFreud, S. (1996f). Conferência XXIII, Os caminhos da formação do sintoma. In Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud (Vol. XVI, J. L. Meuerer, Trad., pp. 361-378). Imago. (Texto original publicado em 1916)): obtém o sentido dado pelo corpo em que reside. Assim, na explicação dinâmica da representação [Vortstellung] na esquizofrenia, Freud evidencia a natureza somática da significação das palavras, bem como da origem de suas representações [Vorstellungen]:

. . . os atos de catexia que se acham relativamente distantes da percepção, são em si mesmos destituídos de qualidade e inconscientes, e só atingem sua capacidade para se tornarem conscientes através de ligação com os resíduos de percepções de palavras. Mas as apresentações da palavra [Wortvorstellung], também, por seu lado, se originam das percepções sensoriais, da mesma forma que as apresentações da coisa [Sachvorstellung]11 11 Embora o conceito não seja explicado por Freud em “O inconsciente”, “é possível inferir que o que ele chama, nos artigos metapsicológicos, de representação-coisa (Sachvorstellung) corresponde ao que é chamado de presentação-objeto [Objektvorstellung] em 1891. Em o inconsciente, a representação-palavra [Wortvorstellung] passa a designar o par constituído pela representação-palavra associada à representação-coisa” (Caropreso, 2010, p. 143). ; . . . o pensamento prossegue em sistema tão distante dos resíduos perceptivos originais, que já não retém coisa alguma das qualidades desses resíduos, e, para se tornarem conscientes, precisam ser reforçados por novas qualidades [as qualidades extraídas da sensação de órgão] (Freud, 1916/1996fFreud, S. (1996f). Conferência XXIII, Os caminhos da formação do sintoma. In Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud (Vol. XVI, J. L. Meuerer, Trad., pp. 361-378). Imago. (Texto original publicado em 1916), p.207, grifos nossos).

Dessa forma, esse texto metapsicológico freudiano está totalmente em consonância com a hipótese que procuramos evidenciar nos outros textos trabalhados neste artigo: as palavras e suas representações são o acréscimo qualitativo à expressão quantitativa da unidade psicofisiológica. Elas são, digamos, o último estágio no processo de organização psíquica pois, o que antes era essencialmente quantitativo (excitação somática) pode ganhar expressão qualitativa (imagem e palavra). Apesar de esta hipótese estar presente em seus textos anteriores, pode-se pensar que o texto “O Inconsciente” (Freud, 1916/1996fFreud, S. (1996f). Conferência XXIII, Os caminhos da formação do sintoma. In Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud (Vol. XVI, J. L. Meuerer, Trad., pp. 361-378). Imago. (Texto original publicado em 1916)), em especial, reafirma e consolida, em bases metapsicológicas, todo um pensamento biológico freudiano que auxiliam o nosso entendimento sobre as palavras e seus processos.

Ainda nesse sentido, “O Inconsciente” (Freud, 1916/1996fFreud, S. (1996f). Conferência XXIII, Os caminhos da formação do sintoma. In Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud (Vol. XVI, J. L. Meuerer, Trad., pp. 361-378). Imago. (Texto original publicado em 1916)) também é de peculiar clareza em relação a permanência de sua concepção funcional entre soma e psique presente desde 1890: uma vez que “ideias [Vorstellung] são catexias - basicamente de traços de memória -, enquanto que os afetos e as emoções correspondem a processo de descarga, cujas manifestações finais são percebidas como sentimento” (p.183). Para compreender a noção de palavra na obra de Freud e o uso que podemos fazer delas enquanto psicanalistas, é premente a necessidade de tomar as noções psicofisiológicas freudianas como basilares, uma vez que as catexias - das quais nos servimos para o tratamento anímico - são, em última análise, processos de excitação somática (endógenas ou exógenas).

Assim, a importância paradigmática da noção sobre a convergência entre psicofisiologia e metapsicologia leva Freud a reafirmá-la inúmeras vezes12 12 Para averiguar a mesma posição de Freud em outros momentos de sua obra ver Caropreso e Simanke (2011b). , o que não poderia deixar de vir à tona neste texto: "A estrutura teórica que criamos para a psicanálise é, na verdade, uma superestrutura, que, um dia, terá que ser assentada sobre seus fundamentos orgânicos. Mas nós ainda os ignoramos"13 13 “The structure of psychoanalysis that we have erected is really only a superstructure which at some future time must be placed upon its organic foundation; but what this is we do not know as yet”. (Freud, S. 1916/1975b, p. 390, grifo nosso). A tradução da Standard brasileira (1916/1996h, p.389) traduz “organic” por “essencial”. (Freud, 1916/1975bFreud, S. (1975b). Introductory lectures on psychoanalysis. Lecture XXIV: The common neurotic state. In The Standard Edition of the Complete Psychological Works of Sigmund Freud (Vol. XVI, J. Strachey, Trans. pp. 378-391). The Hogarth Press and the Institute of Psycho-analysis. (Texto original publicado em 1916) tradução de Simanke e Caropreso, 2011aCaropreso, F., & Simanke, R. T. (2011a). Entre o corpo e a consciência: Ensaios de interpretação da metapsicologia freudiana. EduFScar.. p.32).

Prazer, Realidade, Defesa e Palavra

A discussão sobre o princípio de prazer e de realidade diz respeito ao funcionamento libidinal (Freud, 1911/2004Freud, S. (2004). Formulações sobre os dois princípios do acontecimento psíquico. In Escritos sobre a Psicologia do Inconsciente (Vol. I, L. A. Hanns, Trad., pp. 65-78). Rio de Janeiro: Imago. (Texto original publicado em 1911)). A teoria tecida por Freud indica o caminho que essa energia biológica parece trilhar no organismo humano. Apesar de utilizar a biologia, insere a concepção da alma no organismo; isto é, ao aparelho somático, atribui a capacidade de formular imagens na medida em que este é indissociável do psiquismo. Como dito anteriormente, essa utilização da biologia na teoria só foi possível na medida em que Freud recria um paradigma sobre o qual conceber o biológico: se utiliza de uma concepção funcionalista. Assim, entre corpo, alma e suas associações, se dá o acontecer psicofisiológico. A enigmática origem das imagens é em última análise excitatória e corporal. Essa origem, mesmo que inapreensível em sua totalidade, não nos deixa subtrair a biologia das compreensões anímicas, ainda mais pela origem somática que cumprem as palavras (Freud, 1916/1996fFreud, S. (1996f). Conferência XXIII, Os caminhos da formação do sintoma. In Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud (Vol. XVI, J. L. Meuerer, Trad., pp. 361-378). Imago. (Texto original publicado em 1916)). A inserção da palavra só se dá em nós mesmos, pois, acuados pelo limite da satisfação alucinatória que não contempla a necessidade, abrimos mão da univocidade do prazer autoerótico para entrar em contato com o mundo e interagir com os estímulos das palavras e das coisas.

A questão dos dois princípios do acontecer psíquico (Freud, 1911/2004Freud, S. (2004). Formulações sobre os dois princípios do acontecimento psíquico. In Escritos sobre a Psicologia do Inconsciente (Vol. I, L. A. Hanns, Trad., pp. 65-78). Rio de Janeiro: Imago. (Texto original publicado em 1911)) nos coloca perante à libido e aos seus destinos em direção ao prazer, mas também à impossibilidade da realização onipotente deste. Assim, o princípio da realidade (Freud, 1911/2004Freud, S. (2004). Formulações sobre os dois princípios do acontecimento psíquico. In Escritos sobre a Psicologia do Inconsciente (Vol. I, L. A. Hanns, Trad., pp. 65-78). Rio de Janeiro: Imago. (Texto original publicado em 1911)) tem uma função ambígua, pois frustra a realização do prazer sem limites ao colocá-lo em relação com o mundo, mas é justamente no vínculo com a realidade que possibilita a realização de algum prazer. O prazer alucinatório ganha estruturas e “diques” para poder entrar no jogo social. São estes “diques” - os processos defensivos que surgem a partir do princípio da realidade - que nos trazem formas de lidar com aquilo que precisamos abrir mão de maneira mais ou menos traumática. As defesas, como o próprio nome já diz, defendem-nos da realidade frustradora e também das pulsões muito intensas para o psiquismo (dor-angústia) (Freud, 1895/1996aFreud, S. (2004). Formulações sobre os dois princípios do acontecimento psíquico. In Escritos sobre a Psicologia do Inconsciente (Vol. I, L. A. Hanns, Trad., pp. 65-78). Rio de Janeiro: Imago. (Texto original publicado em 1911)). Dão-nos, assim, na mesma medida de uma restrição ao prazer, a possibilidade de emprestarmos nosso olhar ao outro e aprender os movimentos das pessoas ao nosso redor. De outra forma, a via (de atenção libidinal) que aparece nos sonhos, nas manifestações narcísicas, na via da alucinação, seria contínua e acabaria por fazer cessar a vida, pois, por exemplo, um bebê que só alucina a sucção não obtém o leite da mãe. A incessante sensação de órgão narcísica não possibilitaria ao humano aprender a falar e a pensar. O princípio da realidade impõe já nos primeiros momentos de vida a necessidade de interagir com o mundo e sobreviver, de voltar a atenção para além do próprio corpo. O processo esquizofrênico (Freud, 1916/1996fFreud, S. (1996f). Conferência XXIII, Os caminhos da formação do sintoma. In Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud (Vol. XVI, J. L. Meuerer, Trad., pp. 361-378). Imago. (Texto original publicado em 1916)) nos demonstra o que ocorre quando esta capacidade de vincular a atenção para além da experiência autoerógena não se desenvolve de forma satisfatória na infância, de forma que as palavras aparecem, aos poucos, no cenário do desenvolvimento infantil, como um artifício de interação com a realidade. Podemos pensar que, antes de comunicar aos outros, elas comunicam a nós mesmos, pois precisamos antes aprender a fazer com elas, criar imagens do mundo e de nós mesmos. Assim, elas são ferramentas para o aprendizado do processo de pensar, de representar o sentir e para a interação com o mundo social.

Em “Formulações sobre os Dois Princípios do Acontecer Psíquico” (Freud, 1911/2004Freud, S. (2004). Formulações sobre os dois princípios do acontecimento psíquico. In Escritos sobre a Psicologia do Inconsciente (Vol. I, L. A. Hanns, Trad., pp. 65-78). Rio de Janeiro: Imago. (Texto original publicado em 1911)), Freud discute a consequência, e tendência, dos adoecimentos psíquicos afastarem o sujeito da realidade. A compreensão do processo de recalque [Verdrängung] faz com que esse desalojamento da vida real possa ser entendido enquanto função econômica dentro do psiquismo, pois cumpre nos adoecimentos da alma [Seele] a função de um represamento e desvio de uma quantidade libidinal e pode-se pensar que as defesas em geral cumprem esta função de desvio. Na “Carta 52” (Freud, 1896/2016bFreud, S. (2016b). Carta 112 [52], de 6 de dezembro de 1896. In Neurose, Psicose, Perversão. Obras Incompletas de Sigmund Freud (M. R. Moraes, Trad., pp. 35-45). Autêntica. (Texto original publicado em 1896)), Freud introduz valiosas considerações a respeito das defesas: primeiro, diferenciando as defesas patogênicas das não patogênicas; depois, caracterizando o grupo das primeiras, separa as que derivam de associações não traduzidas [Verdrängung] das que foram (outras defesas). Na carta, escreve que é possível encontrar essa separação da realidade (defesa), de forma extrema, em casos de psicose alucinatória.

As ideias freudianas a respeito da sensação de órgãos da linguagem esquizofrênica (Freud, 1916/1996fFreud, S. (1996f). Conferência XXIII, Os caminhos da formação do sintoma. In Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud (Vol. XVI, J. L. Meuerer, Trad., pp. 361-378). Imago. (Texto original publicado em 1916)), evidenciam a carga majoritariamente narcísica com que funciona esse processo. A natureza econômica do delírio/alucinação é principalmente um recurso ao narcisismo (Freud, 1915/1996eFreud. S. (1996e). O inconsciente. In Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas de Sigmund Freud (Vol. XIV, T. Brito et al, Trad. pp. 171-215). Imago. (Texto original publicado em 1915)). Assim, cumpre um caminho de inconsciente transbordante no mundo. Se pudermos pensar as defesas psicóticas que, diferentemente do recalque [Verdrängung], não apartam o inconsciente, mas exprimem o narcisismo empenhado no corpo próprio, podemos entender o motivo pelo qual na expressão psicótica há quase sempre a tradução (em palavras e pensamentos) de uma percepção endógena. As defesas neuróticas, por sua vez, não traduzindo a percepção endógena dos afetos, coloca o conteúdo recalcado na esfera alucinatória do inconsciente, não precisando transferi-la para a percepção no mundo, aparta-se do corpo e suas sensações. O que esses dois tipos de defesa têm em comum parece ser tanto o afastamento da realidade como resultado de suas defesas quanto a necessidade de descarga de certas excitações (traduzidas ou não), isto é, a implicação de uma repetição. O processo defensivo e sua economia esclarecem o motivo da repetição: ao nos defendermos evitamos uma descarga ou um contato com o mundo. Esse montante energético não poderia ser anulado, pressionando pela descarga que persiste como memória. Entretanto, enquanto vivido em outra época, está desatualizado em relação à experiência atual. As defesas trabalham para estabelecer uma economia entre prazer e angústia, pois, como aponta Freud (1916/1996fFreud, S. (1996f). Conferência XXIII, Os caminhos da formação do sintoma. In Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud (Vol. XVI, J. L. Meuerer, Trad., pp. 361-378). Imago. (Texto original publicado em 1916)), o recalque [Verdrängung] atua contra conteúdos desprazerosos que são evitados, sendo levados para as vias inconscientes. Mas uma carga sempre exige a sua descarga: se fica recalcada, se expressa nos lapsos e, na linguagem, nos sonhos, nos sintomas psicossomáticos, na formação de compromisso, comportamentos e ideias, assim como uma carga que, de fato, alucina por se satisfazer em si mesmo, cindida do mundo. A céu aberto, como nos casos de psicose, a percepção do mundo é distorcida em favor do narcisismo: alucina o mundo por meio de suas sensações de órgão. A defesa é, em todo caso, narcísica e, por isso, sempre exibe um caráter de desconexão. A palavra, assim, vem como efeito do imbricado jogo pulsional entre associações a impossibilidade destas. No processo libidinal, as defesas atuam como uma moção estagnada, pois é impedida. Nesse sentido, devolver “o poder mágico das palavras” (Freud, 1890/2017aFreud, S. (2017a). Tratamento psíquico [Tratamento anímico] In Fundamento da Clínica Psicanalítica. Obras Incompletas de Sigmund Freud (C. Dornbusch, Trad., pp. 19-43). Autêntica. (Texto original publicado em 1890)) parece implicar um rearranjo econômico, onde a dinâmica entre as defesas ou diques - necessárias e não patológicas - absorvam pouca energia em relação às exigências de ternura e sensualidade do corpo que lhes anima. Pois, como reitera Freud (1916/1996g), a patologia psíquica é uma questão econômica, ou seja, depende do quanto de energia está sendo absorvida no conflito entre os processos defensivos e os caminhos de realização pulsional.

O Poder da Libido

No presente artigo, decidimos nos debruçar em uma tarefa complexa e extensa que não poderia ser esgotada aqui. Para explicitar as dinâmicas concernentes às palavras, foi necessário o reconhecimento da dinâmica psicofisiológica arduamente teorizada por Freud. Com isso, ficou claro para nós que, para entender o estatuto que a palavra [Wort] possui na obra freudiana, não é possível subtrair considerações sobre essa dinâmica unitária, pois retirá-la significaria uma desconstrução total da própria origem do conhecimento sobre as representações e sobre os processos associativos nos quais se incluem as palavras, além de subverter conceitos basilares. Não por um acaso, o próprio conceito de pulsão denuncia a indissociabilidade psicofisiológica, sendo um

...conceito fronteiriço entre o anímico e o somático, como representante psíquico dos estímulos oriundos do interior do corpo que alcançam a alma, como uma medida da exigência de trabalho imposta ao anímico em decorrência de sua relação com o corporal (Freud, 1915/2017bFreud, S. (2017b). As pulsões e seus destinos. In Obras Incompletas de Sigmund Freud (P. H. Tavares, Trad., pp. 15-69). Autêntica. (Texto original publicado em 1915), p.25).

Juntamente com a exposição da dinâmica corpo-alma, destacamos gradualmente, ao longo deste trabalho, ponderações concernentes à escolha da palavra [Wort] como ferramenta ao tratamento anímico: a palavra é capaz de acessar a energia que anima o corpo, de maneira que, se há algo de mágico nas palavras, tal como apontou Freud (1890/2017aFreud, S. (2017a). Tratamento psíquico [Tratamento anímico] In Fundamento da Clínica Psicanalítica. Obras Incompletas de Sigmund Freud (C. Dornbusch, Trad., pp. 19-43). Autêntica. (Texto original publicado em 1890)), parece ser justamente a capacidade que elas possuem de acessar imagens [Vorstellungen], por estas serem elaborações da quantidade de excitação libidinal. A magia das palavras à que Freud (1890/2017aFreud, S. (2017a). Tratamento psíquico [Tratamento anímico] In Fundamento da Clínica Psicanalítica. Obras Incompletas de Sigmund Freud (C. Dornbusch, Trad., pp. 19-43). Autêntica. (Texto original publicado em 1890)) se refere parece repousar na energia libidinal, como qualquer magia (não se tratando de uma analogia) repousa em forças ocultas. Tendo sido Freud um intelectual que buscou incessantemente embasar a psicanálise como ciência, não nos parece que tenha escolhido a analogia à magia de forma impensada. A pulsão é enigmática, mas não é da ordem do insondável: sua natureza econômica aponta para uma indeterminação apenas provisória (Assoun, 1983Assoun, P. (1983). Introdução à epistemologia freudiana (H. Japiassu, Trad.). Imago., p.211). A ideia da feiticeira metapsicologia trazida por Freud (1937/1996i) parece convergir para o mesmo sentido que seu Phantasieren invoca na magia, pois é a feiticeira que pode ser o arcabouço teórico da magia que o psicanalista deve reanimar nas palavras.

Mas afinal, o que teria levado às palavras do nosso cotidiano serem nada mais que “magia empalidecida” (Freud, 1890/2017aFreud, S. (2017a). Tratamento psíquico [Tratamento anímico] In Fundamento da Clínica Psicanalítica. Obras Incompletas de Sigmund Freud (C. Dornbusch, Trad., pp. 19-43). Autêntica. (Texto original publicado em 1890))? Podemos pensar que Freud remetesse ao uso que as palavras passam a ter dentro da dinâmica de adoecimentos psíquicos. As “palavras de nossos discursos cotidianos [que] nada mais são do que magia empalidecida” (Freud, 1890/2017aFreud, S. (2017a). Tratamento psíquico [Tratamento anímico] In Fundamento da Clínica Psicanalítica. Obras Incompletas de Sigmund Freud (C. Dornbusch, Trad., pp. 19-43). Autêntica. (Texto original publicado em 1890)) parecem ser o que resta aos sujeitos da civilização em mal estar, na medida em que estão apartados do potencial mágico inerente à força pulsional. Ao perderem seu “poder mágico” (Freud, 1890/2017aFreud, S. (2017a). Tratamento psíquico [Tratamento anímico] In Fundamento da Clínica Psicanalítica. Obras Incompletas de Sigmund Freud (C. Dornbusch, Trad., pp. 19-43). Autêntica. (Texto original publicado em 1890)), as palavras são capazes de evitar sensações, representações, consciência, em suma, de evitar a realidade. Freud queria que sua ciência pudesse recobrá-las a magia e buscou criar uma maneira de tratar o mal estar humano, pois elas perdem seu encanto ao cederem sua energia motriz para os processos patológicos. Elas, que habitam a extremidade da motilidade, se tornam uma contravenção: passam a ser inexpressivas. Se a função do psicanalista é reatar o “poder mágico das palavras” (Freud, 1890/2017aFreud, S. (2017a). Tratamento psíquico [Tratamento anímico] In Fundamento da Clínica Psicanalítica. Obras Incompletas de Sigmund Freud (C. Dornbusch, Trad., pp. 19-43). Autêntica. (Texto original publicado em 1890)) em seus pacientes e no uso que faz delas, a teoria freudiana poderia levar-nos a pensar que, para tanto, há a necessidade de ser restabelecido um funcionamento não cindido, ou seja, onde a libido possa ser vivenciada de forma integrada entre corpo, imagem e palavra.

References

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  • Hanns, L. (1996) Dicionário comentado do Alemão de Freud. Imago
  • 1
    Utilizamos como referência para esta diferenciação os apontamentos feitos por Luiz Hanns (1996) no “Dicionário comentado do Alemão de Freud”.
  • 2
    A “singular ‘racionalidade’ que, em Freud, denomina-se Phantasieren (...) significa, aqui, ‘transpor’, ou seja, encontrar analogias com registros diferentes e mesmo 'adivinhar', o que nos leva aos confins da racionalidade de forma ‘científica' do saber” (Assoun, 1983, p.105)
  • 3
    O termo alemão Lokalisationslehre é utilizado por Freud e traduzido em “Sobre a concepção das afasias (1891/2016a) como doutrina localizacionista.
  • 4
    Para um estudo mais aprofundado sobre a querela dos métodos e a posição freudiana perante esse embate, ver “Introdução à Epistemologia Freudiana” (Assoun,1983).
  • 5
    Luiz Hanns (1996), no “Dicionário comentado do Alemão de Freud”, comenta no verbete “Representação” o uso do conceito de Vorstellung no contexto da medicina.
  • 6
    Para aprofundar no estudo sobre o objeto unitário (monista) da psicanálise freudiana, ver “Introdução à Epistemologia Freudiana” (Assoun,1983).
  • 7
    “Freud usa, para se referir aos elementos constituintes da representação-palavra, tanto o termo Bild (imagem) como Vorstellung (ideia ou representação), termo este que é sempre usado para se referir à representação-palavra (Wortvorstellung) e à de objeto (Objektvorstellung)” (Caropreso, 2010).
  • 8
    Em Totem e Tabu (Freud, 1913/2018a) o nascimento da palavra se dá perante a morte do pai. Lembremos que a morte é irrepresentável apontando o desligamento da representação de objeto inerente à não possibilidade do sujeito experienciá-la em si mesmo. Além do que, Freud termina este texto supondo que “no princípio foi o Ato”, corroborando para a origem somática das representações.
  • 9
    “The mechanics of these processes are quite unknown to me; anyone who wished to take these ideas seriously would have to look for physical analogies to them and find a means of picturing the movements that accompany excitation of neurones” (Freud, 1900/1975a, p.595 e seg.). Tradução Standard Brasileira: “A mecânica desses processos é-me inteiramente desconhecida; quem desejasse levar estas ideias a sério teria de procurar analogias físicas para elas e descobrir um meio de visualizar os movimentos que acompanham a excitação neuronal” (Freud, 1900/1996c, p.625)
  • 10
    Mantemos nessa parte da análise a ideia de representação de objeto e representação de palavra presente nos textos anteriores ao “O inconsciente” (Freud, 1915/1996f) para evitar possíveis confusões terminológicas. Ver nota de rodapé número 11.
  • 11
    Embora o conceito não seja explicado por Freud em “O inconsciente”, “é possível inferir que o que ele chama, nos artigos metapsicológicos, de representação-coisa (Sachvorstellung) corresponde ao que é chamado de presentação-objeto [Objektvorstellung] em 1891. Em o inconsciente, a representação-palavra [Wortvorstellung] passa a designar o par constituído pela representação-palavra associada à representação-coisa” (Caropreso, 2010, p. 143).
  • 12
    Para averiguar a mesma posição de Freud em outros momentos de sua obra ver Caropreso e Simanke (2011b).
  • 13
    “The structure of psychoanalysis that we have erected is really only a superstructure which at some future time must be placed upon its organic foundation; but what this is we do not know as yet”. (Freud, S. 1916/1975b, p. 390, grifo nosso). A tradução da Standard brasileira (1916/1996h, p.389) traduz “organic” por “essencial”.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Ago 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    30 Set 2020
  • Aceito
    25 Maio 2021
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