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Contribuições da Noção de Crise do Senso Comum na Esquizofrenia em Stanghellini

Contributions of Stanghellini’s notion of the Crisis of Common Sense in Schizophrenia

Resumo

A noção de crise do senso comum na esquizofrenia é introduza por Wolfgang Blankenburg através do conceito de perda da evidência natural. Na contemporaneidade, Giovanni Stanghellini revista e amplia essa noção, propondo uma perspectiva panorâmica dessa crise. Este artigo apresenta as contribuições trazidas pela perspectiva de Stanghellini, introduzindo seu entendimento sobre o conceito de senso comum e a relevância deste para a compreensão da esquizofrenia. Para o autor, o senso comum é compreendido de três modos: como saber socialmente compartilhado, sintonização intuitiva e cenestesia. Através das noções de intercorporeidade e koinè aisthesis, Stanghellini entende a esquizofrenia como experiência de rompimento da relação habitual com o mundo. Sua proposta contribui para a prática clínica ao sugerir direções à psicoterapia com esquizofrênicos.

Palavras-chave:
esquizofrenia; senso comum; psicopatologia fenomenológica

Abstract

The notion of crisis of common sense on schizophrenia is introduced by Wolfgang Blankenburg through his concept of loss of natural evidence. In contemporaneity, Giovanni Stanghellini revisits and amplifies this notion by proposing a panoramic perspective on this crisis. This paper presents the contributions brought by Stanghellini’s perspective, introducing his understanding of common sense and its relevance for the comprehension of schizophrenia. For the author, common sense is understood in three ways: as a knowledge socially shared, intuitive attunement, and cenesthesia. Through the notions of intercorporeality and koinè aisthesis, Stanghellini conceives schizophrenia as an experience of disruption of the habitual relation with the world. His proposal contributes to clinical practice by suggesting directions for the psychotherapy with schizophrenics.

Keywords:
schizophrenia; common sense; phenomenological psychopathology

A esquizofrenia se destaca entre os quadros clínicos mais investigados pela psiquiatria e pela psicopatologia (Sass, 1992/2017Sass, L. (2017). Madness and modernism: Insanity in the light of modern art, literature, and thought (revised edition). Oxford University Press. (Obra original publicada em 1992)). Na história da psicopatologia fenomenológica, ela recebe uma atenção especial por se tratar de uma patologia com profundas alterações nos níveis mais básicos da experiência, os quais se desenrolam desde o reconhecimento de seu próprio self à percepção dos outros e da realidade (Stanghellini & Rosfort, 2013Stanghellini, G., & Rosfort, R. (2013). Emotions and personhood: Exploring fragility - Making sense of vulnerability. Oxford University Press.; Tamelini & Messas, 2016Tamelini, M. & Messas, G. (2016). On the phenomenology of delusion: The revelation of its aprioristic structures and the consequences for clinical practice. Psicopatologia Fenomenológica Contemporânea, 5(1), 1-21. https://doi.org/10.37067/rpfc.v5i1.985
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). Pessoas com esquizofrenia tendem a apresentar um nítido enfraquecimento de sua conexão intuitiva com o mundo social, o que, muitas vezes, torna a interação com os outros uma experiência confusa e enigmática (Minkowski 1927/1997Minkowski, E. (1997). La schizophrénie: Psychopathologie des schizoïdes et des schizophrènes. Payot. (Obra original publicada em 1927); Pereira, 2004Pereira, M. E. C. (2004). A perda do contato vital com a realidade na esquizofrenia, segundo Eugène Minkowski. Revista Latinoamericana de Psicopatologia Fundamental, 7(2), 125-129.; Sass & Parnas, 2003Sass, L., & Parnas, J. (2003). Schizophrenia, consciousness, and the self. Schizophrenia Bulletin, 29(3), 427-444.; Tatossian, 1979/2006Tatossian, A. (2006). A Fenomenologia das psicoses. Escuta (Obra original publicada em 1979)).

Wolfgang Blankenburg (1928-2002), psicoterapeuta e psiquiatra alemão, identificava essa dificuldade de compreensão das relações interpessoais como expressão de uma ‘perda da evidência natural’ ou ‘perda da obviedade’ (Der Verlust der natürlichen Selbstverständlichkeit), uma falha no reconhecimento implícito dos significados comuns às situações humanas ou, por assim dizer, da clareza intuitiva das coisas e das relações com o Outro. Esta expressão fora inicialmente cunhada por Anne Raus, uma das pacientes esquizofrênicas de Blankenburg, ao tentar comunicar a carência de um saber básico que a sustentasse e guiasse em suas ações no mundo (Blankenburg, 1971/1991Blankenburg, W. (1991). La perte de l’évidence naturelle. Presses Universitaires de France. (Obra original publicada em 1971)). Anne apresentava uma espécie de afastamento em relação às perspectivas do senso comum, isto é, dos conhecimentos básicos necessários para a compreensão do mundo social e dos outros, daquilo que é considerado conveniente e adequado às relações homem-mundo. Blankenburg compreendia a perda da evidência natural na esquizofrenia como uma perda da familiaridade do paciente com o senso comum, introduzindo na tradição da psicopatologia fenomenológica a noção de crise do senso comum na esquizofrenia (Sass, 1992/2017Sass, L. (2017). Madness and modernism: Insanity in the light of modern art, literature, and thought (revised edition). Oxford University Press. (Obra original publicada em 1992); Stanghellini, 1997Stanghellini, G. (1997). For an anthropology of vulnerability. Psychopathology, 30(1), 1-11. doi: 10.1159/000285022
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; Stanghellini & Fustar-Poli, 2012Stanghellini, G., & Fustar-Poli, F. (2012). The Vulnerability to schizophrenia mainstream research paradigms and phenomenological directions. Current Pharmaceutical Design, 18, 338-345. https://doi.org/10.2174/138161212799316109
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; Stanghellini & Rosfort, 2013Stanghellini, G., & Rosfort, R. (2013). Emotions and personhood: Exploring fragility - Making sense of vulnerability. Oxford University Press.), entendendo-se por crise o conflito ou a tensão existente entre o paciente e o senso comum.

Giovanni Stanghellini, psiquiatra e psicoterapeuta italiano, resgata e amplia as discussões de Blankenburg sobre a esquizofrenia na psicopatologia fenomenológica contemporânea. Em diversas publicações (Mancini et al., 2014Mancini, M., Presenza, S., Di Bernardo, L., Lardo, P. P., Torato, S., Trisolini, F., Vetrugno, L., & Stanghellini, G. (2014). The life-world of persons with schizophrenia. A panoramic view. Journal of Psychopathology, 20, 423-434.; Stanghellini, 2000Stanghellini, G. (2000). At Issue: Vulnerability to schizophrenia and lack of common sense. Schizophrenia Bulletin, 26(4), 775-787., 2001Stanghellini, G. (2001). Psychopathology of common sense. Philosophy, Psychiatry & Psychology, 8(2), 201-218., 2004Stanghellini, G., & Ballerini, M. (2004). Autism: Disembodied existence. Philosophy, Psychiatry & Psychology, 11(3), 259-268. https://doi.org/10.1353/ppp.2004.0069
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, 2011Stanghellini, G. (2011). Phenomenological psychopathology, profundity and schizophrenia. Philosophy, Psychiatry, & Psychology, 18(2), 163-166. https://doi.org/10.1353/ppp.2011.0022
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, 2013Stanghellini, G. (2013). The ethics of incomprehensibility. In: G. Stanghellini & T. Fuchs (Eds.) One century of Karl Jaspers’ General Psychopathology. (pp. 166-181). Oxford University Press. ; Stanghellini & Ballerini, 2002, 2004Stanghellini, G., & Ballerini, M. (2004). Autism: Disembodied existence. Philosophy, Psychiatry & Psychology, 11(3), 259-268. https://doi.org/10.1353/ppp.2004.0069
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, 2007Stanghellini, G., & Ballerini, M. (2007). Values in persons with schizophrenia. Schizophrenia Bulletin, 33(1), 131-141. https://doi.org/10.1093/schbul/sbl036
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; Stanghellini, Ballerini, Blasi, Mancini, Presenza, Raballo, & Cutting, 2014Stanghellini, G., Ballerini, M., Blasi, S., Mancini, M., Presenza, S., Raballo, A., & Cutting, J. (2014). The bodily self: a qualitative study of abnormal bodily phenomena in persons with schizophrenia. Comprehensive Psychiatry, 55, 1703-1711. https://doi.org/10.1016/j.comppsych.2014.06.013
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; Stanghellini & Fusar-Poli, 2012; Stanghellini & Lysaker, 2007Stanghellini, G., Ballerini, M., & Lysaker, P. H. (2014). Autism rating scale. Journal of Psychopathology, 20, 273-285.; Stanghellini & Raballo, 2015; Stanghellini & Rosfort, 2013Stanghellini, G., & Rosfort, R. (2013). Emotions and personhood: Exploring fragility - Making sense of vulnerability. Oxford University Press.), Stanghellini postula a crise do senso comum na esquizofrenia como um fenômeno multifacetado que pode ser compreendido, simultaneamente, de três formas: I) como uma perda da rede de saberes socialmente compartilhados em uma dada cultura; II) como uma falha na sintonização intuitiva entre homem e mundo; e III) como uma perturbação na função integradora e sintetizadora dos sentidos (transtorno da cenestesia). Compreendendo que todos estes fenômenos presentes na esquizofrenia compartilham uma mesma raiz, Stanghellini constrói uma perspectiva panorâmica do transtorno e, por conseguinte, uma nova proposta à psicopatologia fenomenológica da esquizofrenia.

Reconhecido internacionalmente por suas pesquisas, Stanghellini representa hoje um dos maiores nomes no campo da psicopatologia fenomenológica, apresentando mais de 200 publicações científicas em diversos idiomas. Atualmente, é professor titular na Università degli Studi "Gabriele d'Annunzio" (Ud’A) em Chieti, Itália, e tem como um de seus maiores interesses de pesquisa o tema da vulnerabilidade às psicoses e sua relação com o senso comum. Apesar do grande destaque dado as contribuições do psiquiatra no cenário internacional, a obra do autor permanece pouquíssimo conhecida por pesquisadores e clínicos brasileiros. Diante deste quadro, este artigo se propõe apresentar a compreensão de Stanghellini acerca da crise do senso comum na esquizofrenia e suas contribuições à psicopatologia fenomenológica contemporânea. Para tal, iniciamos introduzindo as concepções filosóficas e clínicas revisitadas por Stanghellini que dão sustentação à sua compreensão do senso comum no campo da psicopatologia. Posteriormente, definimos o que Stanghellini entende por uma crise do senso comum na esquizofrenia, apontando, por fim, quais contribuições esta perspectiva traz à psicopatologia fenomenológica contemporânea e a prática da psicoterapia com esquizofrênicos.

O senso comum e suas dimensões na psicopatologia fenomenológica de Stanghellini

Antes de adentrar propriamente na compreensão de uma crise do senso comum na esquizofrenia, Stanghellini (2000Stanghellini, G. (2000). At Issue: Vulnerability to schizophrenia and lack of common sense. Schizophrenia Bulletin, 26(4), 775-787., 2001, 2004) realiza um breve resgate filosófico do próprio conceito de ‘senso comum’, chamando atenção para a multiplicidade de possíveis sentidos dados ao termo. Este conceito não deve ser confundido com o sentido coloquial de ‘bom senso’, dado que consiste em uma noção filosófica apropriada pela psicopatologia fenomenológica através de Blankenburg (1971/1991). Seu significado mais popular pode ser identificado nas filosofias estoica (koinè ennoia) e latina (sensus communis), que o entendem como o conjunto de saberes compartilhado entre os membros de uma dada cultura. Trata-se do senso comum em seu sentido humanístico, como rede de conhecimentos humanos; a teoria fundamental, através da qual significamos os objetos, pessoas ou situações da vida diária espontaneamente, o que permite que determinadas formas de pensar, agir ou julgar sejam consideradas óbvias, evidentes ou até mesmo inquestionáveis para pessoas de um mesmo contexto cultural.

Stanghellini e Ballerini (2002Stanghellini, G., & Ballerini, M. (2002). Dis-sociality: The phenomenological approach to social dysfunction in schizophrenia. World Psychiatry, 1 (2), 102-106., 2007) concebem esse senso comum como uma ordem interpretativa: um entendimento comum que nos atravessa como parte de nosso mundo vivido, sem, no entanto, determinar absolutamente nossa compreensão dos fenômenos. Nas interações interpessoais, essa ordem surge como um conjunto de regras implícitas que mediam os encontros entre os sujeitos, sugerindo como devemos ou não nos portar frente aos outros (Stanghellini, 2011). Nas interações interpessoais, conduzimos nossos comportamentos segundo os hábitos e/ou costumes da cultura a qual pertencemos, assim como inferimos as intenções das pessoas com quem interagimos. Evidentemente, isso não corresponde a um saber totalmente construído por nós, mas aprendido desde a infância, sendo repassado e transformado de geração a geração. Não se trata de um conhecimento rígido, plenamente pré-definido e tampouco imutável, mas que é passível de desconstrução e mudança no desenrolar de processos sócio-históricos e evolutivos da humanidade (Stanghellini, 2000).

Enquanto essa compreensão humanística do senso comum faz menção a um saber reflexivo, uma vez que se refere a uma apropriação de informações sobre condutas, valores e costumes de uma cultura, Stanghellini (2000Stanghellini, G. (2000). At Issue: Vulnerability to schizophrenia and lack of common sense. Schizophrenia Bulletin, 26(4), 775-787., 2001, 2004, 2011) considera haver outra espécie de senso comum: um saber do mundo e dos outros anterior a essa rede de conhecimentos culturalmente compartilhados (Stanghellini & Ballerini, 2002, 2004). Trata-se do senso comum em um nível intuitivo, referente a sintonização pré-objetiva existente entre homem e mundo, discutida tanto pela fenomenologia filosófica (Merleau-Ponty, 1945/2011Merleau-Ponty, M. (2011). Fenomenologia da percepção. WMF Martins Fontes. (Obra original publicada em 1945), 1964/2014Merleau-Ponty, M. (2014). O Visível e o invisível. Perspectiva. (Obra original publicada em 1964)) como pela fenomenologia clínica (Blankenburg, 1961/2001Blankenburg, W. (2001). First steps toward a psychopathology of "common sense". Philosophy, Psychiatry, & Psychology, 8(4), 303-315. https://doi.org/10.1353/ppp.2002.0014 (Obra original publicada em 1961)
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, 1971/1991; Minkowski, 1927/1997). Trata-se da capacidade de perceber os outros como similares a si próprio, de compreendê-los diretamente e intuitivamente antes da execução de algum esforço reflexivo ou comunicação explícita. Expressa a habilidade para o estabelecimento de contato emocional com as pessoas, o que ocorre a partir de uma percepção direta de gestos e expressões faciais (Stanghellini, 2009). É o que permite o compartilhamento interpessoal de experiências, possibilitando que o mundo não seja percebido como vivido individualmente, mas intersubjetivamente (Stanghellini, 2011).

Esta noção de senso comum aproxima-se do que é compreendido por Blankenburg (1971/1991) como ‘evidência natural’: a noção básica e pré-reflexiva de todo comportamento humano, algo banal que possibilita o “sentimento do que é conveniente e adequado, o conhecimento do Outro, antes mesmo de seu reconhecimento, a capacidade de reconhecer o que é pertinente do que não é” (p. 79). Para Blankenburg (1961/2001), “senso comum aqui é compreendido como a habilidade de colocar as coisas em seus lugares próprios. Sem isso, toda maneira do que é correto simplesmente paira no ar” (p. 306). Refere-se a sintonia pré-reflexiva com o mundo e com os outros, a qual consiste na condição de possibilidade para a construção da rede de saberes compartilhados socialmente.

Ao interagir com os outros, somos capazes de compreender tacitamente suas intenções ou seus estados emocionais. Não é necessário analisarmos os elementos que compõem a expressão afetiva de alguém para sermos afetados por ela. Há uma sensibilidade que nos comunica em um só golpe que algo se passa com o outro através da percepção de suas expressões corporais. Somos afetados pelas expressões de outras pessoas, assim como nossas expressões os afetam, estabelecendo uma relação de mútuas afetações que se desenrolam em um mesmo campo de experiências (Froese et al., 2013Froese, T., Stanghellini, G., & Bertelli, M. O. (2013). Is it normal to be a principal mindreader? Revising theories of social cognition on the basis of schizophrenia and high functioning autism-spectrum disorders. Research in Developmental Disabilities, 34, 1376-1387. http://dx.doi.org/10.1016/j.ridd.2013.01.005
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; Stanghellini, 2004Stanghellini, G. (2004). Disembodied spirits and deanimated Bodies: The psychopathology of common sense. Oxford University Press. , 2009; Stanghellini & Ballerini, 2004Stanghellini, G. (2016). Phenomenological psychopathology and care: From person-centred dialectical psychopathology to the PHD method for psychotherapy. In G. Stanghellini, & M. Aragona (Eds.) An experiential approach to psychopathology (pp. 361-378). Springer.). Desta maneira, a experiência se constitui como coexperiência e o mundo, como mundo comum ou intersubjetivo. Segundo Stanghellini e Ballerini (2004), é essa sintonização tácita com os outros que nos permite a própria percepção da realidade, uma vez que o real só é reconhecido como tal sob a condição de ser vivido em um mundo compartilhado com os outros:

A “realidade” da vida diária é compartilhada com os outros: Algo se apresenta para mim como real quando sei que minha experiência corresponde (apesar de não identicamente) a experiência dos outros. [...] Portanto me sinto sintonizado com o mundo fenomenal quando o experiencio enquanto mundo comum (“real”); e o mundo fenomenal aparece como tal quando me sinto sintonizado aos outros, isto é, quando experiencio os outros, assim como a mim mesmo, enquanto organismos vivos relacionados ao mundo e aos outros tal qual eu estou relacionado a eles (Stanghellini, 2001Stanghellini, G. (2001). Psychopathology of common sense. Philosophy, Psychiatry & Psychology, 8(2), 201-218., p. 207).

Sob esta perspectiva, o senso comum se aproxima da ideia de uma impressão ou intuição; uma sensibilidade voltada a socialização e constituição de um mundo comum. Está necessariamente enraizado ao fenômeno da intercorporeidade; a experiência de união pré-reflexiva entre meu corpo e o do outro que permite que nos reconheçamos mutuamente (Stanghellini, 2009Stanghellini, G. (2009). Embodiment and schizophrenia. World Psychiatry 8 (1), 56-59.). Advinda da filosofia de Merleau-Ponty (1945/2011), a noção de intercorporeidade expressa a ideia da união antepredicativa entre homem e mundo estabelecida pelo corpo vivido; o qual é sempre tocante e tocado, visível e vidente. Um corpo que nos situa no mundo e nos conecta aos outros, encarnando-nos a existência. Stanghellini (2009) dialoga com essa noção, concebendo o senso comum como a sintonia pré-objetiva do corpo vivido; e a intercorporeidade, como pedra angular da intersubjetividade ou intersubjetividade fundamental que possibilita essa sintonização.

Indo além em suas discussões, Stanghellini (2004Stanghellini, G., & Ballerini, M. (2004). Autism: Disembodied existence. Philosophy, Psychiatry & Psychology, 11(3), 259-268. https://doi.org/10.1353/ppp.2004.0069
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, 2011) considera que o senso comum ainda pode ser compreendido de um terceiro modo, sob uma concepção naturalística: como cenestesia ou, utilizando o termo aristotélico, como koinè aisthesis - traduzido como ‘senso comum’, ‘sentido comum’ ou ‘sensação comum’. A cenestesia corresponde à sinfonia estabelecida entre os sentidos do corpo, a qual fornece a consciência tácita de meu posicionamento no mundo e possibilita o fenômeno da propriocepção. Constitui a base para a consciência de nós mesmos como sujeitos e donos de nossa própria percepção, uma vez que concede a experiência interna do próprio corpo e de sua organização.

Cenestesia, (derivada do grego koinè aisthesis, sensação comum) é definida como a experiência global na qual cada uma das sensações corporais é sintetizada, o cruzamento de toda sensibilidade na qual a consciência é fundada, incluindo a sensação de existir, de ser um self e de estar separado do mundo externo (Stanghellini, 2009Stanghellini, G. (2009). Embodiment and schizophrenia. World Psychiatry 8 (1), 56-59., p. 57).

A noção de cenestesia é compreendida por Stanghellini (2001Stanghellini, G. (2001). Psychopathology of common sense. Philosophy, Psychiatry & Psychology, 8(2), 201-218., 2004, 2009, 2011), mediante o conceito de koinè aisthesis de Aristóteles (2010); entendido como o dispositivo sintetizador dos sentidos que nos concede a percepção unitária do mundo e de nós. Ele proporciona a conscientização tácita e imediata que temos de nós mesmos como sujeitos da experiência; ou seja, como aqueles que percebem e agem no mundo. “Esta função sintética tem a tarefa de comparar e discernir as sensações dos vários sentidos, de relacionar as várias imagens fornecidas com os objetos e de apresentar-nos as percepções como as nossas” (Rosenfeld, 1993/2013Rosenfeld, A. (2013). O Pensamento psicológico. Perspectiva. (Obra original publicada em 1993), p. 19). Tal conceito se aproxima intimamente da noção de ipseidade da fenomenologia filosófica de Michel Henry (1965/2012Henry, M. (2012). Filosofia e fenomenologia do corpo: Ensaio sobre a ontologia biraniana (L. P. Rounaet, Trans.). Realizações Editora. (Obra original publicada em 1965)), na medida em que representa esta experiência primária que temos da presença de nós mesmos no mundo, o fundamento de toda subjetividade.

Stanghellini (2000Stanghellini, G. (2000). At Issue: Vulnerability to schizophrenia and lack of common sense. Schizophrenia Bulletin, 26(4), 775-787., 2001, 2004, 2011) ao conceber o senso comum segundo estes múltiplos sentidos, não considera suas variadas definições como conceitualmente divergentes, mas como constituintes de um mesmo fenômeno e, portanto, como distintas dimensões ou facetas do senso comum. Em sua obra, considera essa noção indispensável para a compreensão da esquizofrenia, sofrendo fortes influências do trabalho de Wolfgang Blankenburg e de seu conceito de ‘perda da evidência natural’ (Mancini et al., 2014Mancini, M., Presenza, S., Di Bernardo, L., Lardo, P. P., Torato, S., Trisolini, F., Vetrugno, L., & Stanghellini, G. (2014). The life-world of persons with schizophrenia. A panoramic view. Journal of Psychopathology, 20, 423-434.; Stanghellini, 1997; Stanghellini & Ballerini, 2007; Stanghellini & Fusar-Poli, 2012; Stanghellini & Raballo, 2015).

Na obra de Stanghellini (1997Stanghellini, G. (1997). For an anthropology of vulnerability. Psychopathology, 30(1), 1-11. doi: 10.1159/000285022
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, 2000, 2001, 2004, 2011), a noção de perda da evidência natural trazida por Blankenburg é revisitada e enaltecida como característica prodomal da esquizofrenia; um fenômeno fundamental na constituição da experiência vivida do paciente (Stanghellini & Ballerini, 2002, 2007; Stanghellini & Fustar-Poli, 2012; Stanghellini & Raballo, 2015; Stanghellini & Rosfort, 2013). Neste sentido, antes mesmo do amadurecimento do quadro, ainda em fases pré-psicóticas do transtorno, a perda da evidência natural - entendida como uma das facetas da crise do senso comum - já se revela sutilmente na relação do paciente esquizofrênico com o mundo.

Ampliando o conceito inicialmente desenvolvido por Blankenburg (1971/1991) com sua paciente Anne, Stanghellini (2001Stanghellini, G. (2001). Psychopathology of common sense. Philosophy, Psychiatry & Psychology, 8(2), 201-218., 2004, 2011) busca desenvolver o que acredita ser uma perspectiva panorâmica da crise do senso comum na esquizofrenia, na medida em que compreende as implicações desta crise em suas diversas dimensões. Para tal, utiliza-se das noções filosóficas já descritas de intercorporeidade em Merleau-Ponty (1945/2011; 1964/2014) e de koinè aisthesis em Aristóteles (2010) como formas de iluminar sua compreensão da experiência da esquizofrenia.

A esquizofrenia como transtorno ou crise do senso comum

Para Stanghellini (1997Stanghellini, G. (1997). For an anthropology of vulnerability. Psychopathology, 30(1), 1-11. doi: 10.1159/000285022
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, 2000, 2001, 2004, 2011, 2013), a esquizofrenia pode ser entendida como um transtorno, patologia ou crise do senso comum, considerando este conceito em suas diferentes interpretações possíveis (Mancini et al., 2014Mancini, M., Presenza, S., Di Bernardo, L., Lardo, P. P., Torato, S., Trisolini, F., Vetrugno, L., & Stanghellini, G. (2014). The life-world of persons with schizophrenia. A panoramic view. Journal of Psychopathology, 20, 423-434.; Stanghellini & Ballerini, 2002; 2004; 2007; Stanghellini, Ballerini, Blasi, Mancini, Presenza, Raballo, & Cutting, 2014; Stanghellini & Fusar-Poli, 2012; Stanghellini & Raballo, 2015; Stanghellini & Rosfort, 2013). No campo da psicopatologia fenomenológica contemporânea, a própria compreensão da esquizofrenia como crise do senso comum assume sentidos diversos. A primeira delas define a esquizofrenia como um transtorno da cenestesia, “um comprometimento da sinfonia funcional na qual todas as sensações são sintetizadas” (Stanghellini, 2011, p. 165), mais próxima da definição naturalística do senso comum, advinda da filosofia de Aristóteles (2010). Trata-se da experiência de perturbação na interseção dos sentidos, uma fragmentação da percepção do mundo e dissolução da experiência básica de si mesmo como aquele que experiencia.

A segunda interpretação, por sua vez, compreende o transtorno do senso comum na esquizofrenia em termos de uma perda dos saberes práticos constituídos intersubjetivamente, uma dificuldade em “compartilhar com os outros os axiomas da vida diária” (Stanghellini, 2011Stanghellini, G. (2011). Phenomenological psychopathology, profundity and schizophrenia. Philosophy, Psychiatry, & Psychology, 18(2), 163-166. https://doi.org/10.1353/ppp.2011.0022
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, p. 165), mais próxima da noção de evidência natural em Blankenburg (1961/2001, 1971/1991). Esta interpretação possui um significado duplo, pois se refere tanto à carência de saberes culturalmente compartilhados quanto à perda da familiaridade antepredicativa com o mundo e com os outros, fazendo menção ao senso comum em seus sentidos reflexivo (sensus communis ou koinè ennoia) e intuitivo (sintonização pré-objetiva) (Stanghellini, 2004Stanghellini, G. (2004). Disembodied spirits and deanimated Bodies: The psychopathology of common sense. Oxford University Press. , 2011).

Na esquizofrenia, é comum que o paciente apresente dificuldades em compreender normas ou regras que mediam as relações humanas. Os significados do senso comum não são tomados como certos, óbvios ou inquestionáveis. Ao contrário: podem ser alvo de intensa investigação do esquizofrênico. Como descrito por alguns pacientes de Stanghellini: “Os outros conhecem as regras, eu necessito estudá-las” (Stanghellini & Ballerini, 2007, p. 137), “Eu careço da espinha dorsal de regras da vida social. Passo tardes inteiras em parques observando como os outros interagem entre si” (Stanghellini, 2004Stanghellini, G. (2004). Disembodied spirits and deanimated Bodies: The psychopathology of common sense. Oxford University Press. , p. 99) e “As pessoas têm um sistema; eu estou tentando compreendê-lo. Mas logo acabo não entendendo nada” (Stanghellini, 2004Stanghellini, G. (2004). Disembodied spirits and deanimated Bodies: The psychopathology of common sense. Oxford University Press. , p. 99).

Os pacientes costumam apresentar complicações para tipificar objetos, ações humanas ou mesmo eventos segundo a ordem interpretativa do senso comum, não sendo raro que realizem interpretações drasticamente descontextualizadas sobre fenômenos cotidianos (Stanghellini, 2000Stanghellini, G. (2000). At Issue: Vulnerability to schizophrenia and lack of common sense. Schizophrenia Bulletin, 26(4), 775-787., 2001, 2004). O estabelecimento de relações interpessoais torna-se um desafio na medida em que gestos ou comportamentos culturalmente comuns a um grupo tendem a ser dificilmente compreendidos pelo paciente1 1 Cabe ressaltar que Stanghellini e Ballerini (2011a; 2011b), assim como outros autores da fenomenologia (Fuchs, 2015; Gallagher, 2012, 2017), sustentam uma tese distinta à proposição da Teoria da Mente (Premack & Woodruff, 1978) quanto à compreensão dos prejuízos na cognição social de pessoas com esquizofrenia. Sob o viés dessa teoria, a dificuldade do esquizofrênico para compreender as intenções dos outros se justificaria fundamentalmente por um prejuízo na habilidade para inferir ou predizer o estado mental de outras pessoas (Brüne, 2005), situando o cerne da patologia no nível reflexivo das interações interpessoais. Em contrapartida, sob um olhar fenomenológico, o sustentáculo dessa perturbação se dá ao nível pré-reflexivo que, como explanado neste artigo, funda-se na intercorporeidade (ver Froese et al., 2013 e Fuchs, 2015). O olhar fenomenológico, portanto, oferece uma outra intepretação desse fenômeno na esquizofrenia. (Stanghellini & Ballerini, 2002, 2007, 2011aStanghellini, G., & Ballerini, M. (2011a). What is like to be a person with schizophrenia in the social world? A first-person perspective study on schizophrenic dissociality - Part 1: State of art. Psychopathology, 44, 172-182. https://doi.org/10.1159/000322637
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, 2011bStanghellini, G., & Ballerini, M. (2011b). What is like to be a person with schizophrenia in the social world? A first-person perspective study on schizophrenic dissociality - Part 2: Methodological issues and empirical findings. Psychopathology, 44, 183-192. https://doi.org/10.1159/000322638
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). Em razão disso, os comportamentos e discursos esquizofrênicos são percebidos por outros como esdrúxulos ou bizarros, na medida em que não se orientam sobre as mesmas certezas do mundo admitidas por um senso comum.

Evidentemente, o que falta à pessoa com esquizofrenia não se resume a um mero desconhecimento das normas sociais de um grupo, mas a uma inabilidade para percebê-las e apropriar-se delas em um mesmo espaço intersubjetivo, o qual se constitui desde a esfera pré-objetiva da experiência (Stanghellini, 2005Stanghellini, G. (2005). Schizophrenic consciousness, spiritual experience, and the borders between things, images and words. Transcultural Psychiatry, 42 (4), 610-629., 2009; Stanghellini & Ballerini, 2011a; 2011b). Verifica-se no sujeito uma desvinculação com o senso comum ao nível intuitivo, tendo a sintonização ou familiaridade pré-reflexiva com o mundo e com os outros dissolvida. Ao invés de manter essa sintonia, o paciente se sente alienado da realidade compartilhada com os outros (Stanghellini et al., 2012Stanghellini, G., Ballerini, M., Poli, P. F., & Cutting, J. (2012). Abnormal bodily experiences may be a marker of early schizophrenia? Current Pharmaceutical Design, 18, 392-398.). Para ele, o contato com outras pessoas pode soar como um jogo frio e incompreensível, ordenado por regras aparentemente desconhecidas e sem sentido. A conexão básica e implícita com o mundo, outrora estabelecida intersubjetivamente, é perturbada, podendo tornar os encontros interpessoais confusos e misteriosos (Mancini et al., 2014Mancini, M., Presenza, S., Di Bernardo, L., Lardo, P. P., Torato, S., Trisolini, F., Vetrugno, L., & Stanghellini, G. (2014). The life-world of persons with schizophrenia. A panoramic view. Journal of Psychopathology, 20, 423-434.).

Não raramente, há um comprometimento na habilidade do sujeito em estabelecer contato emocional com as pessoas, de percebê-las e de compreendê-las como seres semelhantes a ele próprio. Stanghellini nomeia esse fenômeno como dessocialidade (dis-sociality); uma perturbação no envolvimento intuitivo e espontâneo com o mundo social, corroborando a uma experiência de incompreensão das relações interpessoais (Stanghellini, 2009; Stanghellini & Ballerini, 2002, 2011aStanghellini, G., & Ballerini, M. (2011a). What is like to be a person with schizophrenia in the social world? A first-person perspective study on schizophrenic dissociality - Part 1: State of art. Psychopathology, 44, 172-182. https://doi.org/10.1159/000322637
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, 2011bStanghellini, G., & Ballerini, M. (2011b). What is like to be a person with schizophrenia in the social world? A first-person perspective study on schizophrenic dissociality - Part 2: Methodological issues and empirical findings. Psychopathology, 44, 183-192. https://doi.org/10.1159/000322638
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):

O cenário interpessoal se torna semelhante a um palco de teatro, permeado por uma sensação de irrealidade, no qual o autor principal não está ciente do enredo, está fora de contato com o papel que está representando e é incapaz de significar os objetos e o que as pessoas estão fazendo (Stanghellini & Fustar-Poli, 2012Stanghellini, G., & Fustar-Poli, F. (2012). The Vulnerability to schizophrenia mainstream research paradigms and phenomenological directions. Current Pharmaceutical Design, 18, 338-345. https://doi.org/10.2174/138161212799316109
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, p. 338).

Reconhecendo o corpo vivido como mediador da relação homem-mundo e a intercorporeidade como a pedra angular da intersubjetividade, Stanghellini (2004Stanghellini, G., & Ballerini, M. (2004). Autism: Disembodied existence. Philosophy, Psychiatry & Psychology, 11(3), 259-268. https://doi.org/10.1353/ppp.2004.0069
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, 2005, 2009, 2011, 2017) entende a perda sintonização tácita com o mundo como um transtorno da intercorporeidade; uma perturbação na experiência de encarnação do corpo vivido ao mundo que se configura como condição de possibilidade a dessocialidade (Stanghellini & Rosfort, 2013). Stanghellini (2004Stanghellini, G. (2004). Disembodied spirits and deanimated Bodies: The psychopathology of common sense. Oxford University Press. , 2005Stanghellini, G. (2005). Schizophrenic consciousness, spiritual experience, and the borders between things, images and words. Transcultural Psychiatry, 42 (4), 610-629., 2009, 2008Stanghellini, G. (2008). Schizophrenic delusions, embodiment, and the background. Philosophy, Psychiatry & Psychology, 15(4), 311-314. https://doi.org/10.1177/1363461505058919
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, 2011, 2017) e colaboradores (Doerr-Zegers & Stanghellini, 2015Doerr-Zegers, O., & Stanghellini, G. (2015). Fenomenología de la corporalidad: Estudio de um caso paradigmático de esquizofrenia. Actas españolas de psiquiatría, 43(1), 1-7.; Froese et al., 2013Froese, T., Stanghellini, G., & Bertelli, M. O. (2013). Is it normal to be a principal mindreader? Revising theories of social cognition on the basis of schizophrenia and high functioning autism-spectrum disorders. Research in Developmental Disabilities, 34, 1376-1387. http://dx.doi.org/10.1016/j.ridd.2013.01.005
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; Mancini et al., 2014Mancini, M., Presenza, S., Di Bernardo, L., Lardo, P. P., Torato, S., Trisolini, F., Vetrugno, L., & Stanghellini, G. (2014). The life-world of persons with schizophrenia. A panoramic view. Journal of Psychopathology, 20, 423-434.; Northoff & Stanghellini, 2016Northoff, G., & Stanghellini, G. (2016). How to link brain and experience? Spatiotemporal psychopathology of the lived body. Frontiers in Human Neuroscience, 10, 1-15. https://doi.org/10.3389/fnhum.2016.00172
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; Stanghellini, Ballerini, & Cutting, 2014Stanghellini, G., Ballerini, M., & Cutting, J. (2014). Abnormal bodily phenomena questionnaire. Journal of Psychopathology, 20, 138-143.; Stanghellini, Ballerini, & Lysaker, 2014Stanghellini, G., Ballerini, M., & Lysaker, P. H. (2014). Autism rating scale. Journal of Psychopathology, 20, 273-285.; Stanghellini, Ballerini, Blasi, Mancini, Presenza, Raballo, & Cutting, 2014; Stanghellini & Raballo, 2015; Stanghellini & Rosfort, 2013) descrevem essa experiência metaforicamente em termos de uma desanimação do corpo e descorporificação do espírito. O corpo desanimado (deanimated body) se refere a uma destituição do senso de propriedade da experiência; pensamentos, emoções e percepções do paciente não são imediatamente vividos por ele como seus, criando uma espécie de ausência de presença (Stanghellini, 2004Stanghellini, G. (2004). Disembodied spirits and deanimated Bodies: The psychopathology of common sense. Oxford University Press. , 2009). Há uma carência na apropriação de sua experiência sob uma perspectiva em primeira pessoa, trazendo à tona as sensações de despersonalização e desrealização (Stanghellini & Lysaker, 2007Stanghellini, G., & Lysaker, P. H. (2007). The psychotherapy of schizophrenia through the lens of phenomenology: The intersubjectivity and the search for the recovery of first- and second-person awareness. American Journal of Psychotherapy, 61 (2), 163-176.). A sensibilidade do sujeito ao mundo e a si mesmo se diluem, podendo trazer discursos como: “[s]into-me distante de mim mesmo” (Stanghellini, 2004Stanghellini, G. (2004). Disembodied spirits and deanimated Bodies: The psychopathology of common sense. Oxford University Press. , p. 154), “[e]u como e não estou consciente do que estou fazendo” (Stanghellini, 2004Stanghellini, G. (2004). Disembodied spirits and deanimated Bodies: The psychopathology of common sense. Oxford University Press. , p. 154), ou “[e]u não consigo me sentir. Eu não consigo sentir. Eu atravesso a rua, e eu não percebo, e preciso atravessar de novo. Eu me lavo, e não estou consciente disso” (Stanghellini & Lysaker, 2007Stanghellini, G., & Lysaker, P. H. (2007). The psychotherapy of schizophrenia through the lens of phenomenology: The intersubjectivity and the search for the recovery of first- and second-person awareness. American Journal of Psychotherapy, 61 (2), 163-176., p. 171).

O espírito descorporificado (disembodied spirit), por sua vez, refere-se a um afastamento do esquizofrênico em relação a própria centralidade de seu corpo vivido; o paciente se torna um mero espectador de sua experiência, estabelecendo uma relação estritamente teórica e distante dela. Uma experiência de cisão entre si e a experiência que se engendra como um dualismo mente-corpo (Stanghellini, 2004Stanghellini, G. (2004). Disembodied spirits and deanimated Bodies: The psychopathology of common sense. Oxford University Press. , 2009). Nesse sentido, podem trazer descrições como as seguintes: “[o] mundo é uma ilusão pois é visto através de um cérebro” (Stanghellini, 2009, p. 58) e “[s]e a mente está vazia, funciona como uma plotadora ou uma câmera” (Stanghellini, 2009, p. 58).

Stanghellini (2004Stanghellini, G., & Ballerini, M. (2004). Autism: Disembodied existence. Philosophy, Psychiatry & Psychology, 11(3), 259-268. https://doi.org/10.1353/ppp.2004.0069
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, 2009, 2011) considera que estas experiências anômalas do corpo vivido estão intimamente vinculadas ao conceito de koinè aisthesis em Aristóteles (2010Aristóteles -. (2010). Sobre a alma (A. M. Lóio, Trans.). Imprensa Nacional-Casa da Moeda.), na medida em que parece haver uma falha na síntese dos sentidos do corpo, não permitindo o reconhecimento de si mesmo como aquele que vivencia a própria experiência. A sinfonia pré-reflexiva entre os sentidos do corpo e entre homem e mundo se desintegram, surgindo uma perda da familiaridade com os fenômenos. Há alterações nas experiências de conexão com o mundo (transtorno da intercorporeidade) e consigo (transtorno da cenestesia) que se interpenetram e constituem a crise do senso comum na esquizofrenia como modo de estar no mundo do paciente.

Por uma psicopatologia sensível à relação paciente-experiência

A psicopatologia fenomenológica de Stanghellini (2016Stanghellini, G. (2016). Phenomenological psychopathology and care: From person-centred dialectical psychopathology to the PHD method for psychotherapy. In G. Stanghellini, & M. Aragona (Eds.) An experiential approach to psychopathology (pp. 361-378). Springer.), indo além de uma investigação da dimensão ontológica da esquizofrenia, enaltece a participação ativa do paciente na significação de sua experiência transtornada. Para o psiquiatra italiano, o indivíduo esquizofrênico não consiste em um organismo puramente passivo, como um receptor de conteúdos delirantes derivados de anomalias perceptivas típicas de sua síndrome. De outro modo, considera a pessoa com esquizofrenia um agente que dá sentido à própria experiência, participando de sua constituição (Stanghellini et al., 2013). O autor defende a existência de uma relação dialética paciente-experiência que é formadora do vivido psicopatológico, a qual não pode ser deixada de vista pelo clínico na própria condução de uma terapêutica (Stanghellini, 2013, 2016).

Mediante este olhar, Stanghellini et al. (2013Stanghellini, G., & Rosfort, R. (2013). Emotions and personhood: Exploring fragility - Making sense of vulnerability. Oxford University Press.) sustentam a necessidade de uma psicopatologia sensível a relação dialética paciente-experiência, na qual há uma ação mútua entre a experiência psicopatológica e aquilo que o sujeito elabora dela. Partindo deste olhar, o autor sublinha em sua obra o interesse pelo modo como os pacientes esquizofrênicos constroem sua própria visão de mundo no contexto de sua experiência de crise do senso comum e, a partir disso, se reorientam em sua existência, construindo seus próprios valores e filosofias de vida (Mancini et al., 2014Mancini, M., Presenza, S., Di Bernardo, L., Lardo, P. P., Torato, S., Trisolini, F., Vetrugno, L., & Stanghellini, G. (2014). The life-world of persons with schizophrenia. A panoramic view. Journal of Psychopathology, 20, 423-434.; Stanghellini, 2000, 2001, 2004; Stanghellini & Ballerini, 2007, 2011aStanghellini, G., & Ballerini, M. (2011a). What is like to be a person with schizophrenia in the social world? A first-person perspective study on schizophrenic dissociality - Part 1: State of art. Psychopathology, 44, 172-182. https://doi.org/10.1159/000322637
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; Stanghellini & Raballo, 2015).

Para Stanghellini e Raballo (2015Stanghellini, G., & Raballo, A. (2015). Differential typology of delusions in major depression and schizophrenia. A critique to the unitary concept of ‘psychosis’. Journal of Affective Disorders, 171, 171-178. https://doi.org/10.1016/j.jad.2014.09.027
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), a (re)orientação existencial do esquizofrênico se centra no sentimento de excentricidade do paciente em relação ao mundo e aos outros. Não raro, pacientes com diagnóstico de esquizofrenia podem se descrever como escolhidos para a realização de uma missão escatológica, sentindo-se detentores de uma vocação divina. Também poderão perceber-se como estrangeiros no mundo, como pertencentes a outro país, planeta ou universo. Em todo caso, o paciente tende a se sentir singular, único e capaz de alcançar um conhecimento mais profundo do mundo, representando o que Stanghellini (2000, 2001, 2004) compreende por idionomia: o sentimento de radical singularidade, excentricidade ou excepcionalidade ontológica que o indivíduo tem de si em relação ao mundo e aos outros (Stanghellini & Ballerini, 2004, 2007, 2011aStanghellini, G., & Ballerini, M. (2011a). What is like to be a person with schizophrenia in the social world? A first-person perspective study on schizophrenic dissociality - Part 1: State of art. Psychopathology, 44, 172-182. https://doi.org/10.1159/000322637
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; Stanghellini, Ballerini, & Lysaker, 2014Stanghellini, G., Ballerini, M., & Lysaker, P. H. (2014). Autism rating scale. Journal of Psychopathology, 20, 273-285.).

Conjuntamente, o paciente com diagnóstico de esquizofrenia costuma perceber o entendimento do senso comum como um adversário, uma resistência ao cumprimento de sua missão, de sua construção de um conhecimento mais amplo da realidade, ou mesmo como ameaça à sua individualidade. Ele busca se opor aos saberes convencionais do senso comum, rejeitando-os e reivindicando sua própria excentricidade, constituindo, assim, a antagonomia: o movimento de oposição e distanciamento deliberados em relação as interpretações e preceitos estabelecidos pelo senso comum (Stanghellini & Ballerini, 2004Stanghellini, G., & Ballerini, M. (2004). Autism: Disembodied existence. Philosophy, Psychiatry & Psychology, 11(3), 259-268. https://doi.org/10.1353/ppp.2004.0069
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, 2007, 2011aStanghellini, G., & Ballerini, M. (2011a). What is like to be a person with schizophrenia in the social world? A first-person perspective study on schizophrenic dissociality - Part 1: State of art. Psychopathology, 44, 172-182. https://doi.org/10.1159/000322637
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; Stanghellini, Ballerini, & Lysaker, 2014Stanghellini, G., Ballerini, M., & Lysaker, P. H. (2014). Autism rating scale. Journal of Psychopathology, 20, 273-285.).

Nesse sentido, essa crise ou hipoconexão do senso comum para Stanghellini (2000Stanghellini, G. (2000). At Issue: Vulnerability to schizophrenia and lack of common sense. Schizophrenia Bulletin, 26(4), 775-787.; 2001, 2004, 2013) não se resume a um déficit ou apenas à incapacidade do paciente para vincular-se ao mundo, mas também é compreendida como um movimento deliberado de rompimento em relação ao o que é posto pelo mundo. Há no sujeito uma valorização da autonomia, da insubmissão a esses outros que seguem uma lógica do mundo que não é evidente ao paciente com o diagnóstico de esquizofrenia. Um conflito é forjado entre o esquizofrênico e o mundo, enquanto sua existência é orientada segundo a valorização ou reinvindicação de sua excepcionalidade.

Partindo deste olhar, Stanghellini (2017Stanghellini, G. (2017). Lost in dialogue: Anthropology, psychopathology and care. Oxford University Press.) sustenta que a psicoterapia com esquizofrênicos necessita ter como ponto de partida a busca de uma recuperação do vínculo básico do paciente com o mundo, com os outros e consigo. Para tal, o tratamento deve consistir essencialmente em um processo dialógico, no qual o psicoterapeuta necessitará investir na relação terapêutica como instrumento de resgate (ainda que limitado) da integridade da encarnação do esquizofrênico com o mundo. Em outras palavras, a psicoterapia se configuraria, metaforicamente falando, como uma prótese dialógica, uma vez que busca (re)estabelecer o diálogo do paciente com o mundo através da relação terapeuta-cliente (Stanghellini & Lysaker, 2007Stanghellini, G., & Lysaker, P. H. (2007). The psychotherapy of schizophrenia through the lens of phenomenology: The intersubjectivity and the search for the recovery of first- and second-person awareness. American Journal of Psychotherapy, 61 (2), 163-176.; Stanghellini, 2017). Para a efetivação dessa abordagem dialógica em psicoterapia, o pesquisador italiano (Stanghellini, 2013, 2016, 2017) e alguns colaboradores (Stanghellini & Lysaker, 2007Stanghellini, G., & Lysaker, P. H. (2007). The psychotherapy of schizophrenia through the lens of phenomenology: The intersubjectivity and the search for the recovery of first- and second-person awareness. American Journal of Psychotherapy, 61 (2), 163-176.) enaltecem o papel de uma compreensão empática de segunda ordem.

Como já descrito, a esquizofrenia é compreendida como um transtorno da intersubjetividade ou, mais precisamente, da relação do paciente com seu mundo vivido. O cerne ou fundamento básico do vivido esquizofrênico não se situa em um suposto eu transmundano, mas na encarnação homem-mundo constitutiva da experiência, que, ao perturbar-se, dá origem a crise do senso comum típica desta patologia. Em razão disto, para que o clínico possa alcançar uma compreensão do vivido esquizofrênico, torna-se necessário um ato de compreensão empática mais radical que àquele usualmente praticado na psicoterapia com pacientes não psicóticos. Neste último caso, o psicoterapeuta buscaria compreender empaticamente a experiência do paciente ainda partindo do pressuposto de que compartilham de uma mesma experiência da realidade, o que o autor conceitua como empatia de primeira-ordem (Stanghellini, 2013Stanghellini, G., & Rosfort, R. (2013). Emotions and personhood: Exploring fragility - Making sense of vulnerability. Oxford University Press.). Na esquizofrenia, por outro lado, Stanghellini (2013; 2017) sugere a execução de uma empatia de segunda ordem; um esforço empático mais profundo, no qual o terapeuta se esforçaria para suspender sua própria familiaridade com o mundo, estando mais próximo à experiência de crise do senso comum do paciente esquizofrênico.

A partir dessa atitude, Lysaker e Stanghellini (2007Stanghellini, G., & Lysaker, P. H. (2007). The psychotherapy of schizophrenia through the lens of phenomenology: The intersubjectivity and the search for the recovery of first- and second-person awareness. American Journal of Psychotherapy, 61 (2), 163-176.) sugerem que o psicoterapeuta comunique ao cliente sua compreensão daquilo que é experienciado pelo esquizofrênico, centralizando a comunicação na pessoa do paciente e no momento vivido no presente. Os autores consideram que esses tipos de intervenções contribuam a uma reintegração da conexão pré-reflexiva do paciente consigo e com os outros, atuando no ponto nodal da experiência psicopatológica esquizofrênica. Embora esta compreensão sempre consista em uma tentativa e, como todo ato empático, jamais esgote o que se pode se conhecer do paciente (Stanghellini, 2013), trata-se de um recurso fundamental ao estabelecimento de um rapport terapêutico e do teor dialógico da psicoterapia. Mediante esta atitude, o psicoterapeuta orientado fenomenologicamente obtém um acesso mais amplo aos significados da experiência vivida pelo paciente e auxilia na recuperação da conexão paciente-mundo (Stanghellini, 2016).

Considerações Finais

Na obra de Stanghellini, a noção de senso comum assume uma importância central à compreensão do transtorno da esquizofrenia. Através de um resgate filosófico extenso, esse conceito é revisitado e compreendido pelo autor de modo multifacetado: como rede de saberes, sintonização pré-reflexiva e cenestesia. O autor amplia a noção de crise do senso comum na esquizofrenia trazida por Blankenburg ao introduzir a intercorporeidade como fundamento da intersubjetividade, construindo uma compreensão de senso comum que se expressa na dinâmica de nosso corpo vivido e na encarnação homem-mundo.

Ademais, a autonomia e a capacidade de reorientação do paciente são valorizadas, indo na direção de uma psicopatologia centrada na pessoa. Consideramos que a proposta de Stanghellini não só amplia teoricamente o arcabouço teórico que sustenta a tese da crise do senso comum, como dimensão fundamental da experiência da esquizofrenia, como nos sensibiliza a um olhar sensível a pessoa humana, uma vez que defende o lugar da compreensão empática como recurso investigativo e interventivo na abordagem ao paciente com esquizofrenia. Sob sua perspectiva, a empatia não se reduz a um ato meramente abrasador do vínculo entre psicoterapeuta e paciente, limitada a uma abertura do caminho a intervenção clínica propriamente dita. De outro modo, a proposta de Stanghellini assinala para a empatia como princípio fundamental da intervenção terapêutica fenomenológica e recurso básico à construção da compreensão da experiência vivida do paciente.

Nesse sentido, há também uma dimensão ética implícita em sua obra que nos convoca ao reconhecimento da pessoa que se mostra para além do diagnóstico de esquizofrenia. Pessoa essa que dá sentido à sua experiência sob uma lógica díspar à do senso comum, exigindo do clínico (psicólogo ou psiquiatra), uma sensibilidade diferenciada daquilo que é expresso no encontro com o paciente esquizofrênico. Por meio de aprofundamentos clínico e filosófico admiráveis, Stanghellini contribui a psicologia, a psiquiatria e ao campo da saúde mental ao oferecer uma compreensão que nos desafia a adentrar humildemente no mundo do esquizofrênico, como aqueles que necessitam suspender seus juízos e reduzirem seu olhar à emergência dos significados expressos na relação intersubjetiva entre clínico e paciente.

Referências

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  • Blankenburg, W. (1991). La perte de l’évidence naturelle Presses Universitaires de France. (Obra original publicada em 1971)
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  • 1
    Cabe ressaltar que Stanghellini e Ballerini (2011aStanghellini, G., & Ballerini, M. (2011a). What is like to be a person with schizophrenia in the social world? A first-person perspective study on schizophrenic dissociality - Part 1: State of art. Psychopathology, 44, 172-182. https://doi.org/10.1159/000322637
    https://doi.org/10.1159/000322637...
    ; 2011bStanghellini, G., & Ballerini, M. (2011b). What is like to be a person with schizophrenia in the social world? A first-person perspective study on schizophrenic dissociality - Part 2: Methodological issues and empirical findings. Psychopathology, 44, 183-192. https://doi.org/10.1159/000322638
    https://doi.org/10.1159/000322638...
    ), assim como outros autores da fenomenologia (Fuchs, 2015Fuchs, T. (2015). Pathologies of intersubjectivity in autism and schizophrenia. Journal of Consciousness Studies, 22(1-2), 191-214.; Gallagher, 2012Gallagher, S. (2012). In defense of phenomenological approaches to social cognition: Interacting with the critics. Review of Philosophy and Psychology, 3, 187-212. https://doi.org/10.1007/s13164-011-0080-1
    https://doi.org/10.1007/s13164-011-0080-...
    , 2017Gallagher, S. (2017). The significance and meaning of others. In C. Durt, T, Fuchs, & C. Tewes (Eds.) Embodiment, enaction, and culture: Investigating the constitution of the shared world (pp. 217-227). MIT Press.), sustentam uma tese distinta à proposição da Teoria da Mente (Premack & Woodruff, 1978Premack, D., & Woodruff, G. (1978). Does the chimpanzee have a theory of mind? Behavioral and Brain Sciences. 1, 515-526. https://doi.org/10.1017/S0140525X00076512
    https://doi.org/10.1017/S0140525X0007651...
    ) quanto à compreensão dos prejuízos na cognição social de pessoas com esquizofrenia. Sob o viés dessa teoria, a dificuldade do esquizofrênico para compreender as intenções dos outros se justificaria fundamentalmente por um prejuízo na habilidade para inferir ou predizer o estado mental de outras pessoas (Brüne, 2005Brüne, M. (2005). “Theory of Mind” in schizophrenia: A review of the literature. Schizophrenia Bulletin, 31(1), 21-42. https://doi.org/10.1093/schbul/sbi002
    https://doi.org/10.1093/schbul/sbi002...
    ), situando o cerne da patologia no nível reflexivo das interações interpessoais. Em contrapartida, sob um olhar fenomenológico, o sustentáculo dessa perturbação se dá ao nível pré-reflexivo que, como explanado neste artigo, funda-se na intercorporeidade (ver Froese et al., 2013 e Fuchs, 2015Fuchs, T. (2015). Pathologies of intersubjectivity in autism and schizophrenia. Journal of Consciousness Studies, 22(1-2), 191-214.). O olhar fenomenológico, portanto, oferece uma outra intepretação desse fenômeno na esquizofrenia.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Ago 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    29 Maio 2019
  • Aceito
    20 Abr 2021
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