Acessibilidade / Reportar erro

Adolescentes, Rua, Drogas e Substâncias Psicoativas: Um Estudo sobre Risco e Proteção

Resumo

O artigo descreve o consumo de substâncias psicoativas (SPAs) por crianças e adolescentes em situação de rua (CASR) em três capitais brasileiras e compreende os eventos de vida adversos decorrentes do envolvimento com as drogas. Participaram do estudo longitudinal 108 CASR (9-18 anos; ambos os sexos), agrupados de acordo com o principal motivo de ida para a rua: drogas, cuidadores, fuga, trabalho e liberdade. Discute, ainda, o impacto da droga, do tráfico e do lugar que este tema tem ocupado nas políticas públicas, nas intervenções sociais e na trajetória de vida destes participantes por meio de um estudo de caso. Pretende-se que esses dados possam subsidiar a operacionalização de intervenções e a formulação de políticas públicas que garantam a proteção integral.

Palavras-chave:
adolescentes; rua; drogas; risco; proteção

Abstract

The article describes the consumption of psychoactive substances (PSs) by street-involved children and adolescents (SCA) in three Brazilian state capitals and examines adverse life events due to drug involvement. The longitudinal study included 108 SCA (9-18 years old, both sexes), grouped according to the main reason for going to the street: drugs, caregivers, escape, work and freedom. It also discusses the impact of drugs, trafficking and the place that this theme has occupied in public policies, social interventions and the life trajectory of these participants, through a case study. It is intended that these data can support the operation of interventions and the formulation of public policies that guarantee integral protection.

Keywords
adolescents; street; drugs; risk; protection

O presente artigo tem por objetivo descrever o consumo de substâncias psicoativas (SPAs) entre as crianças e adolescentes em situação de rua (CASR), a partir de um estudo longitudinal realizado em três cidades brasileiras (Porto Alegre, Fortaleza e Salvador). Discute, ainda, o impacto da droga, do tráfico e do lugar que o tema tem ocupado nas políticas públicas, nas intervenções sociais e na trajetória de vida destes participantes por meio de um estudo de caso.

As substâncias psicoativas são aquelas que geram mudança no sistema nervoso, modificando seu funcionamento e estado de consciência (Malbergier & Amaral, 2013Malbergier, A., & Amaral, R. A. (2013). Conceitos básicos sobre o uso abusivo e dependência de drogas. In IV Curso de Especialização em Dependência Química. UNASUS/UFMA https://ares.unasus.gov.br/acervo/html/ARES/2046/3/Mod%2003%20UNIDADE%2001.pdf
https://ares.unasus.gov.br/acervo/html/A...
), incluindo substâncias lícitas (álcool, tabaco, medicamentos de venda livre ou prescrita, dentre outras) e ilícitas (maconha, crack, cocaína, inalantes, heroína, dentre outras). Em contrapartida, o termo drogas refere-se a um contexto político, econômico e social mais amplo, muitas vezes sendo usado de forma pejorativa, restringindo-se às substâncias ilícitas, que, em geral, são apresentadas como um problema, sendo o seu uso combatido e criminalizado (Feffermann et al., 2017Feffermann, M., Figueiredo, R., & Adorno, R.C.F. (2017). Drogas e Saúde Pública: Uma relação política e complexa. In R. Figueiredo, M. Feffermann & R. C. F. Adorno (Orgs.), Drogas & Sociedade Contemporânea: Perspectivas para além do proibicionismo (1ª ed., pp. 11-19). Instituto de Saúde. ).

Ao propor a distinção entre SPAs e drogas, que comumente são usadas como sinônimos, esse artigo destaca a necessidade de compreender facetas distintas de um fenômeno complexo. O conceito de SPAs abarca as substâncias e seus efeitos, assim como os padrões de consumo, sendo abordado prioritariamente na área da saúde. Já a discussão sobre as drogas engloba a esfera social e dos direitos, aqui compreendidas como as questões sociais que influenciam o uso: a atuação da rede do tráfico, suas repercussões na vida social e comunitária e a legislação que abarca o uso, a comercialização e a intervenção.

Dito isso, ressalta-se a importância da investigação simultânea das SPAs e drogas, buscando englobar o consumo, a incidência entre a população em situação de rua, o impacto do envolvimento com atividades ilícitas e as políticas repressivas, que juntas produzem elevados números de encarceramento e extermínio da juventude pobre, em sua maioria negra (Waiselfisz, 2015Waiselfisz, J. J. (2015). Mapa da Violência 2015: Adolescentes de 16 e 17 anos no Brasil. Flacso. http://flacso.org.br/files/2017/04/mapaViolencia2015_adolescentes-1.pdf
http://flacso.org.br/files/2017/04/mapaV...
). Isso é evidenciado também no Atlas da Violência 2020, que aponta o homicídio como a principal causa de morte da juventude, correspondendo a 53,6% de todos os casos no país. Segundo o estudo, em relação à população negra, para cada pessoa não negra morta, 2,7 pessoas mortas são negras, o que representa 75,7% do total de homicídios (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, 2020Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. (Org.). (2020). Atlas da violência 2020. IPEA; FBSP. https://www.ipea.gov.br/portal/index.php?option=com_content&view=article&id=36488&Itemid=432
https://www.ipea.gov.br/portal/index.php...
).

As SPAs e as Drogas: Debates Distintos e Riscos Complementares

Em relação ao consumo de SPAs entre crianças e adolescentes em situação de rua, os dados de Embleton et al. (2013Embleton, L., Mwangi, A., Vreeman, R., Ayuku, D., & Braitstein, P. (2013). The epidemiology of substance use among street children in resource-constrained settings: A systematic review and meta-analysis. Addiction, 108(10), 1722-1733. https://doi.org/10.1111/add.12252
https://doi.org/10.1111/add.12252...
) mostram que ele varia de acordo com a localização geográfica, demonstrando o seu caráter político, econômico e social. A partir da análise de 50 estudos produzidos em diversos países mais pobres, incluindo o Brasil, os autores verificam que as SPAs mais utilizadas entre a população infanto-juvenil em situação de rua são os inalantes, seguidas do tabaco, do álcool e da maconha.

O contexto brasileiro tem sido sistematicamente pesquisado pelo Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas (CEBRID; Noto et al., 1994Noto, A. R., Nappo, S., Galduróz, J. C. F., Mattei, R., & Carlini, E. A. (1994). III levantamento sobre o uso de drogas entre crianças e adolescentes em situação de rua de cinco capitais brasileiras - 1993. CEBRID; Escola Paulista de Medicina. https://www.cebrid.com.br/category/livros/page/3/
https://www.cebrid.com.br/category/livro...
, 1998; Noto et al., 2004Noto, A. R., Galduróz, J. C. F., Nappo, S. A., Fonseca, A. M., Carlini, C. M. A., Moura, Y. G., & Carlini, E. A. (2004). Levantamento nacional sobre o uso de drogas entre crianças e adolescentes em situação de rua nas 27 capitais Brasileiras - 2003. CEBRID; UNIFESP. https://www.cebrid.com.br/category/livros/page/3/
https://www.cebrid.com.br/category/livro...
), que em seu último levantamento com a população de crianças em situação de rua demonstra um aumento no consumo de SPAs quando comparado aos estudos anteriores. O tabaco (cigarro comum) continuou a ser a SPA mais consumida na vida (63,7%), no ano (52,5%) e no mês (44,5%), seguida pelo álcool (39,6%). O solvente era a SPA ilícita mais utilizada, sendo uma prática comum e característica da população em situação de rua infanto-juvenil. De acordo com Noto et al. (2004Noto, A. R., Galduróz, J. C. F., Nappo, S. A., Fonseca, A. M., Carlini, C. M. A., Moura, Y. G., & Carlini, E. A. (2004). Levantamento nacional sobre o uso de drogas entre crianças e adolescentes em situação de rua nas 27 capitais Brasileiras - 2003. CEBRID; UNIFESP. https://www.cebrid.com.br/category/livros/page/3/
https://www.cebrid.com.br/category/livro...
), diferente do álcool e do tabaco, o consumo do solvente se dá depois da inserção do adolescente na situação de rua. Já em relação ao crack, a disponibilidade e o consumo de cocaína e derivados se destacam no Nordeste (Fortaleza e Recife), que, entre 1997 e 2003, saltaram nos índices de consumo recente de 1,0% para 10,3% e 20,3%, respectivamente.

Em um estudo mais recente realizado em Salvador (Santana & Vezedek, 2019Santana, J. P., & Vezedek, L. (2019). Cartografias dos desejos e direitos: Caracterização e modos de vida de crianças e adolescentes em situação de rua na cidade de Salvador/BA. In I. G. Barbosa & M. A. Soares (Orgs.), Por uma luta sem fronteira na defesa dos direitos das crianças: Políticas públicas e participação (pp. 500-512). Editora Vieira.), observa-se que o álcool e o tabaco continuam sendo as SPAs mais usadas por crianças e adolescentes em situação de rua, sendo que 67,5% consumiram álcool na vida, 53,2% no ano e 41,6% no mês; já 41,6% consumiram tabaco na vida, 33,1% no ano e 26,6% no último mês. Segundo o estudo, a maconha foi a SPA ilícita mais utilizada (39,6% na vida; 33,1% no ano; 30,5% no último mês). O solvente aparece como a quinta SPA mais usada (22,1% na vida; 17,5% no ano; 13,0% no último mês), considerando a lista de 7 SPAs investigadas.

Apesar de um único estudo referir o crack como a substância ilícita mais utilizada entre crianças e adolescentes em situação de rua (Oliveira et al., 2016Oliveira, M. A. F., Gonçalves, R. M. D. A, Claro, H. G., Tarifa, R. R., Nakahara, T., Bosque, R. M., & Silva, N. N. (2016). Perfil das crianças e adolescentes em situação de rua usuários de drogas. Revista de enfermagem UFPE 10(2), 475-484. https://doi.org/10.5205/1981-8963-v10i2a10979p475-484-2016
https://doi.org/10.5205/1981-8963-v10i2a...
), isso não impede que os meios de comunicação e a população em geral construam e alimentem uma certeza acerca do “aumento expressivo” do número de usuários nesse segmento, especialmente devido ao enfoque dado pela mídia às chamadas “cracolândias” (Bastos & Bertoni, 2014Bastos, F. I., & Bertoni, N. (2014). Pesquisa nacional sobre o uso de crack: quem são os usuários de crack e/ou similares do Brasil? Quantos são nas capitais brasileiras? Editora ICICT/FIOCRUZ.). Esse aumento não é corroborado pelo levantamento nacional sobre o uso de crack, realizado pelo Ministério da Saúde em 2012, que não observou uma quantidade expressiva de crianças e adolescentes nas cenas de uso de crack (Bastos & Bertoni, 2014Bastos, F. I., & Bertoni, N. (2014). Pesquisa nacional sobre o uso de crack: quem são os usuários de crack e/ou similares do Brasil? Quantos são nas capitais brasileiras? Editora ICICT/FIOCRUZ.).

Os efeitos e prejuízos do uso abusivo de SPAs na adolescência diferem daqueles observados nos adultos de acordo com Hall et al. (2016Hall, W. D., Patton, G., Stockings E., Weier M., Lynskey M., Morley K. I., & Degenhardt, L. (2016). Why young people’s substance use matters for global health. The Lancet Psychiatry, 3(3), 265-279. https://doi.org/10.1016/S2215-0366(16)00013-4
https://doi.org/10.1016/S2215-0366(16)00...
), que afirmam que tais diferenças ocorrem devido às características psicológicas e neuroquímicas da adolescência. Ainda de acordo com eles, o uso de substâncias pode acarretar a curto prazo intoxicação aguda, com desdobramentos na saúde física e interação social e, a longo prazo, pode causar dependência química na vida adulta (Hall et al., 2016Hall, W. D., Patton, G., Stockings E., Weier M., Lynskey M., Morley K. I., & Degenhardt, L. (2016). Why young people’s substance use matters for global health. The Lancet Psychiatry, 3(3), 265-279. https://doi.org/10.1016/S2215-0366(16)00013-4
https://doi.org/10.1016/S2215-0366(16)00...
). Especificamente no que se refere a crianças e adolescentes em situação de rua, a Organização Mundial da Saúde (2000World Health Organization. (2000). Modulo 3 - Understanding substance use among street children. In World Health Organization, Working with street children: A training package on substance abuse, sexual and reproductive health including HIV/AIDS and STDs (pp. 1-56). World Health Organization. http://apps.who.int/iris/bitstream/handle/10665/66756/WHO_MSD_MDP_00.14_Module3.pdf;jsessionid=0091A126AB1AA075DC1CE9D2203AA722?sequence=4
http://apps.who.int/iris/bitstream/handl...
) ressalta as possíveis consequências de ordem física, psicológica e social quanto ao uso de SPAs. Além disso, destaca que o uso combinado de diferentes SPAs pode aumentar o risco de overdose e também de acidentes, morte, violência e suicídio.

Já no que se refere à relação entre crianças e adolescentes em situação de rua e as drogas, pode-se observar que este tema já estava presente nas pesquisas iniciais como parte da realidade das crianças e adolescentes no contexto da rua, mas havia uma distinção entre o estudo dessas crianças e daquelas que estavam envolvidas com o tráfico, seja em termos de perfil psicossocial e/ou de riscos a que estavam submetidas. A aproximação desses dois grupos pode ser observada nos dados do Mapa da Violência no Brasil de 2015 (Waiselfisz, 2015Waiselfisz, J. J. (2015). Mapa da Violência 2015: Adolescentes de 16 e 17 anos no Brasil. Flacso. http://flacso.org.br/files/2017/04/mapaViolencia2015_adolescentes-1.pdf
http://flacso.org.br/files/2017/04/mapaV...
), que demonstram que as crianças que outrora estavam nas ruas estão sendo mortas/exterminadas como um subproduto ou consequência de uma violência exacerbada pelo envolvimento com as drogas, aqui entendida como as questões sociais que influenciam o uso de SPAs, a atuação da rede do tráfico e suas repercussões na vida social e comunitária.

A aproximação dessas duas áreas de estudo (“crianças e adolescentes em situação de rua” e “crianças e adolescentes na rede do tráfico”) se justifica por três questões. A primeira delas se refere ao aumento do uso e mudança dos tipos de SPAs, principalmente ilícitas, entre crianças e adolescentes em situação de rua. Se o solvente estava facilmente acessível e disponível no mercado “seguro”, as SPAs como maconha e crack só estavam acessíveis através do mercado informal, ilícito. Ou seja, a aquisição dessas SPAs só é possível através do comércio varejista de drogas qualificadas como ilícitas ou do tráfico de drogas no varejo (Silva et al., 2006Silva, J. S, Braga, R. W., Rodrigues, F. S., Fernandes, F. L., & Silva, E. S. (2006). Caminhada de crianças, adolescentes e jovens na rede do tráfico de drogas no varejo do Rio de Janeiro, 2004-2006 - Sumário Executivo. Observatório de Favelas. http://observatoriodefavelas.org.br/wp-content/uploads/2013/12/TRAJET%C3%93RIA-DE-CRIAN%C3%87AS-ADOLESCENTES-E-JOVENS-NA-REDE-DO-TR%C3%81FICO-DE-DROGAS-NO-VAREJO-DO-RIO-DE-JANEIRO-2004-2006.pdf
http://observatoriodefavelas.org.br/wp-c...
) o que implica uma série de riscos agregados (Souza, 2017Souza, J. S. (2017). Efeitos colaterais da estratégia de “guerra às drogas”, a falência das unidades policiais pacificadoras do rio de janeiro e o aprendizado com seus erros. Olhares Amazônicos, 5(2), 1048-1057. https://ufrr.br/roa/index.php/component/phocadownload/category/61-volume-5?download=603:numero-2
https://ufrr.br/roa/index.php/component/...
).

A segunda questão refere-se à compreensão de que a situação de rua não ocorre apenas nos centros das cidades, mas também nas ruas das regiões periféricas, sendo que o envolvimento com a rede do tráfico de drogas é uma das formas de “estar na rua”. O aumento do tráfico e a cooptação de crianças e adolescentes para servir o tráfico fazem com que esses não precisem mais sair dos bairros periféricos para acessar benefícios, como os bens de consumo. De fato, a inserção na rede social do tráfico dita os “limites de mobilidade espacial na cidade” (Silva et al., 2006Silva, J. S, Braga, R. W., Rodrigues, F. S., Fernandes, F. L., & Silva, E. S. (2006). Caminhada de crianças, adolescentes e jovens na rede do tráfico de drogas no varejo do Rio de Janeiro, 2004-2006 - Sumário Executivo. Observatório de Favelas. http://observatoriodefavelas.org.br/wp-content/uploads/2013/12/TRAJET%C3%93RIA-DE-CRIAN%C3%87AS-ADOLESCENTES-E-JOVENS-NA-REDE-DO-TR%C3%81FICO-DE-DROGAS-NO-VAREJO-DO-RIO-DE-JANEIRO-2004-2006.pdf
http://observatoriodefavelas.org.br/wp-c...
, p. 57), impedindo que os envolvidos circulem pelo centro da cidade (Souza, 2017Souza, J. S. (2017). Efeitos colaterais da estratégia de “guerra às drogas”, a falência das unidades policiais pacificadoras do rio de janeiro e o aprendizado com seus erros. Olhares Amazônicos, 5(2), 1048-1057. https://ufrr.br/roa/index.php/component/phocadownload/category/61-volume-5?download=603:numero-2
https://ufrr.br/roa/index.php/component/...
). É preciso ampliar a visão sobre a rua, não avaliando apenas o afastamento do local de residência, mas entender que a situação de rua se estabelece quando esta é um espaço de violação de direitos (Rizzini et al, 2010Rizzini, I. Caldeira, P., Ribeiro, R., &, Carvano, L. M. (2010). Crianças e adolescentes com direitos violados: situação de rua e indicadores de vulnerabilidade no Brasil urbano. PUC-Rio; CIESPI. ).

Já a terceira questão refere-se ao fato de que as ameaças de morte passam a se constituir um fator de expulsão das comunidades de origem e saída dessas crianças para as ruas centrais da cidade e para a rede de proteção (Salatiel et al., 2017Salatiel, E. L., França, C. de A., Resende, J. M., & Guimarães, R. L. (2017). Desafios da proteção a crianças e adolescentes ameaçados de morte no Brasil. Revista Latinoamericana de Ciencias Sociales, Niñez y Juventud, 15(2), 1123-1135. http://dx.doi.org/10.11600/1692715x.1522220092016
http://dx.doi.org/10.11600/1692715x.1522...
; Benício et al., 2018Benício, L. F. S., Barros, J. P. P., Rodrigues, J. S., Silva, D. B., Leonardo, C. dos S., & Costa, A. F. da. (2018). Necropolítica e Pesquisa-Intervenção sobre Homicídios de Adolescentes e Jovens em Fortaleza, Ceará. Psicologia: Ciência e Profissão v. 38 (esp.2.), 192-207. https://doi.org/10.1590/1982-3703000212908
https://doi.org/10.1590/1982-37030002129...
). O fato torna evidente para aqueles que atuam com esta população que as crianças e adolescentes em situação de rua e aquelas envolvidas com a rede do tráfico de drogas não podem ser consideradas como grupos totalmente distintos.

Mesmo compreendendo a intersecção do uso de SPAs com a situação de rua, é preciso enfatizar o efeito de invisibilização causado pela sobreposição dos temas. Isso significa que a situação de rua deixa de ser o foco das preocupações sociais e políticas sendo substituída pelo “combate/guerra contra às drogas”, mais especificamente contra o crack. A consequência direta disso é a mudança dos perfis de instituições e serviços que são criados. A criança e o adolescente em situação de rua deixam de ser exclusivamente um problema social e passam a ser um problema de saúde pública e, mais comumente, de justiça, já que no Brasil o “combate/guerra às drogas” foi e continua sendo uma questão de justiça e combate ao crime (Souza, 2017Souza, J. S. (2017). Efeitos colaterais da estratégia de “guerra às drogas”, a falência das unidades policiais pacificadoras do rio de janeiro e o aprendizado com seus erros. Olhares Amazônicos, 5(2), 1048-1057. https://ufrr.br/roa/index.php/component/phocadownload/category/61-volume-5?download=603:numero-2
https://ufrr.br/roa/index.php/component/...
; Pimentel & Silva, 2020Pimentel, R. F., & Silva, M. C. C. (2020). Atenção às pessoas em situação de rua que também fazem uso de drogas: Um cuidado orientado pelos princípios da redução de danos e da reforma psiquiátrica antimanicomial. In A. M. Gonçalves, A. C. G. Bastos & L. Vezedek (Orgs.), Caderno de forma-ação e navegação social projeto Caboré: Diagnóstico, capacitação, assistência técnica, monitoramento e difusão de conhecimentos (1ª ed., pp. 54-67). Centro Projeto Axé.).

Método

Trata-se de um estudo longitudinal sobre o impacto da rua na vida de adolescentes que, para garantir a diversidade geográfica, foi realizada em três capitais brasileiras (Porto Alegre, Fortaleza e Salvador), no período de 2012 a 2014. A pesquisa atende aos princípios da Resolução nº 196/96 do Conselho Nacional de Saúde (1996Conselho Nacional de Saúde. (1996). Resolução nº. 196 de 10 de outubro de 1996. Ministério da Saúde. ) vigente na época da coleta, respeitando a autonomia, o caráter voluntário e o sigilo dos dados dos participantes. A pesquisa foi aprovada pelos Comitês de ética da University of Illinois at Urbana-Champaign, Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Protocolo n. 2011023; Registro Número: 25000.089325/2006-58), Universidade de Fortaleza (Protocolo n. 397/2011; CAAE: 0526.0.037.165-11) e Universidade Salvador (Protocolo n. 04.11.73; FR: 482281), assim como foi apresentado aos Ministérios Públicos Estaduais das três cidades, como forma de garantir o conhecimento das redes de atenção a crianças e adolescentes em situação de rua municipais.

Participantes

Participaram da pesquisa 113 crianças e adolescentes em situação de rua, atual ou institucionalizados há menos de 12 meses (com experiência anterior de rua), sendo 39,8% em Fortaleza, 35,4% em Salvador e 24,8% em Porto Alegre. Os dados demográficos dos participantes não diferiram nas três cidades. Para este artigo, foram considerados os casos com dados completos sobre o uso de SPAs de 108 participantes, com idades entre 9 e 18 anos (M=14,2; DP=2,44), sendo 82,4% do sexo masculino e 91,6% de não brancos. Os participantes foram recrutados em unidades de acolhimento institucional (78,7%), serviços abertos que oferecem atendimento à população infanto-juvenil em situação de rua (17,6%) ou na rua (3,7%).

Instrumentos

No presente artigo, são analisados os dados provenientes dos seguintes instrumentos, adaptados e validados por estudos prévios com crianças e adolescentes em situação de rua (Santana et al., 2018Santana, J. P., Raffaelli, M., Koller, S. H., & Morais, N. A. (2018). “Vocês me encontram em qualquer lugar”: Realizando pesquisa longitudinal com adolescentes em situação de rua. Psico, 49(1), 31-42. https://doi.org/10.15448/1980-8623.2018.1.25802
https://doi.org/10.15448/1980-8623.2018....
):

  1. Entrevista de experiência de vida, formada por cinco partes (história pessoal e familiar; saída de casa; vida nas ruas; experiência escolar e de trabalho; histórico de institucionalização). O instrumento e diários de campo e dados de acompanhamentos registrados numa planilha denominada Tracking possibilitaram a construção da Ficha do Participante. Esse documento inclui a avaliação da motivação da ida para a rua e da intensidade do vínculo com a mesma; da intensidade do contato e da qualidade do vínculo com os cuidadores; dos tipos de instituições frequentadas e da intensidade do vínculo com as mesmas; do tipo e da intensidade da circulação dos participantes entre os espaços de tutela.

  2. Checklist de eventos adversos, contendo uma lista de 36 eventos, avaliando a adversidade nos domínios individual, socioeconômico, familiar e relacionado à violência, sendo que para cada evento ocorrido foi atribuído um valor de um (1) e uma pontuação global foi gerada por soma (Raffaelli et al., 2007Raffaelli, M., Koller, S. H., & Morais, N. A. (2007). Assessing the development of Brazilian street youth. Vulnerable Children and Youth Studies, 2(2), 154-164. https://doi.org/10.1080/17450120701403128
    https://doi.org/10.1080/1745012070140312...
    ).

  3. Entrevista de Status Corrente: composta por nove dimensões, que analisam os modos de relação dos participantes com a rua. Para este artigo, é discutido um item referente à Venda de drogas (parte de uma escala que investiga Estratégias de Subsistência) e o Uso de SPAs, a partir de uma escala adaptada de Noto et al. (2004Noto, A. R., Galduróz, J. C. F., Nappo, S. A., Fonseca, A. M., Carlini, C. M. A., Moura, Y. G., & Carlini, E. A. (2004). Levantamento nacional sobre o uso de drogas entre crianças e adolescentes em situação de rua nas 27 capitais Brasileiras - 2003. CEBRID; UNIFESP. https://www.cebrid.com.br/category/livros/page/3/
    https://www.cebrid.com.br/category/livro...
    ). Em relação ao primeiro item, os participantes responderam a frequência com que se envolveram na venda de drogas durante o último mês, numa escala de 1 (nunca) a 5 (sempre). Já sobre o uso de SPAs, foi avaliado o histórico de uso de álcool, cigarro, maconha, solvente, cocaína e crack, considerando o uso na vida, no último ano e no último mês. Foi gerado também uma variável do total de SPAs usadas na vida, sendo atribuído o valor um (1) a cada SPA usada pelo participante e o escore total era a soma, assim como o total de SPAs usadas no último ano, seguindo o mesmo princípio do escore anterior.

Procedimentos

As informações detalhadas dos procedimentos da pesquisa estão descritas em Santana et al. (2018Santana, J. P., Raffaelli, M., Koller, S. H., & Morais, N. A. (2018). “Vocês me encontram em qualquer lugar”: Realizando pesquisa longitudinal com adolescentes em situação de rua. Psico, 49(1), 31-42. https://doi.org/10.15448/1980-8623.2018.1.25802
https://doi.org/10.15448/1980-8623.2018....
), sendo que, neste artigo, é feita uma breve apresentação dos mesmos. A pesquisa foi executada em cinco etapas: 1) a formação conjunta das equipes de pesquisa (compostas por estudantes de graduação e pós-graduação), com a construção de um protocolo comum que era adaptado, quando necessário, aos contextos de cada cidade; 2) um mapeamento das redes de atendimento a crianças e adolescentes em situação de risco e vulnerabilidade social; 3) inserção ecológica (Koller et al., 2016Koller, S. H., Morais, N. A., & Paludo, S. S. (Orgs.) (2016). Inserção ecológica: Um método de estudo do desenvolvimento humano. Pearson Clinical Brasil.), estratégia metodológica baseada na Teoria Bioecológica do Desenvolvimento Humano (Bronfenbrenner, 1996Bronfenbrenner, U. (1996). A ecologia do desenvolvimento humano: Experimentos naturais e planejados. Artes Médicas. (Original paper published in 1979)/1979), que consiste na inserção dos pesquisadores nos contextos naturais de vida dos participantes por períodos prolongados de tempo, com o objetivo de estabelecer vínculos e potencializar a validade ecológica do estudo; 4) coleta de dados e acompanhamento dos participantes, que engloba a composição da amostra, a aplicação de instrumentos estruturados, em três momentos específicos (T1, T2 e T3), com intervalos de 6 meses entre as ondas (cada aplicação) e o acompanhamento dos participantes entre os momentos de coleta (Tracking); e, 5) a sistematização dos dados e a devolução dos resultados da pesquisa.

Resultados

Este artigo apresenta, primeiramente, uma análise quantitativa sobre o padrão de uso de SPAs e suas relações com a vivência de eventos adversos na infância, intensidade do vínculo com cuidadores, a rua e a instituição. Tal análise utilizou como base uma categorização construída a partir do principal motivo de ida pra a rua, conforme identificado pelos participantes e pesquisadores (Rua Drogas; Rua Cuidadores; Rua Fuga; Rua Trabalho; e Rua Liberdade). Em seguida, apresenta também um estudo de caso, integrando elementos quantitativos e qualitativos que possibilitam compreender o impacto das drogas e do uso de SPAs na trajetória de vida de um adolescente em situação de rua.

O consumo de SPAs entre os participantes está apresentado na Tabela 1. Observa-se que as SPAs mais utilizadas na vida e no último ano pelas crianças e pelos adolescentes em situação de rua são álcool e cigarro, seguidos de maconha. Verifica-se que há uma diminuição geral no número de participantes que fizeram uso de SPAs no último mês, sendo que esta pode decorrer do fato da maior parte dos participantes (78,7%) encontrar-se inserida em unidades de acolhimento institucional no momento da coleta.

Tabela 1
Consumo de SPAs: Uso na Vida, no Ano e Último Mês e Idade do Primeiro Consumo

Na amostra como um todo, houve uma correlação positiva e significativa do total de tipos de SPAs utilizadas no último ano, com idade (r=0,36; p <0,01) e o número total de eventos adversos (r=0,52; p <0,01). Ao comparar as cidades em relação ao consumo dos diferentes tipos de SPAs ao longo da vida, o total de SPAs utilizadas no último ano e a idade do primeiro consumo, observou-se que há diferenças significativas entre as três capitais, sendo que essas diferenças são sempre maiores em Fortaleza.

Outro dado considerado refere-se à relação entre o motivo de ida para a rua e os aspectos das trajetórias de vida dos adolescentes. Por meio da análise das fichas dos participantes, foi possível categorizá-los em cinco grupos a partir do principal motivo de ida para a rua, identificado por eles e pelos pesquisadores. Na “Rua Drogas” (28,4%), o motivo de ida para rua está diretamente vinculado ao uso/abuso de SPAs e/ou participação no tráfico, além dos casos em que os adolescentes eram ameaçados de morte pelo tráfico e, por isso, viveram a situação de rua e/ou a inserção na rede de acolhimento institucional com experiência de rua concomitantemente. “Rua Cuidadores” (18,3%) inclui os casos que a ida para a rua está relacionada a um histórico de vivência de rua da família daquela criança/adolescente, ou quando toda a família e/ou cuidadores do participante se encontram em situação de rua. A categoria “Rua Fuga” (22,9%) foi utilizada quando a criança é “expulsa” de casa por fatores como morte ou prisão dos pais, violência, negligência, etc. A “Rua Trabalho” (11%) refere-se aos casos em que a criança/adolescente vai para a rua para realizar alguma atividade de geração de renda, seja ela trabalho ou mendicância. Por fim, a “Rua Liberdade” (19,3%) engloba os casos em que a criança/adolescente é atraída para a rua pela dimensão de liberdade que ela representa (possibilidade de vivência da sexualidade, escapar das regras de casa, da obrigação de cuidar dos irmãos ou da casa, etc.).

Uma vez que o presente artigo pretende compreender de que forma a relação com as drogas influencia as trajetórias de vida das crianças e adolescentes em situação de rua, as análises comparativas tomam como referência o grupo Rua Drogas. Não são verificadas diferenças de gênero ou cidade de coleta entre os cinco grupos, mas diferenças significativas de idade (p <0,05) foram encontradas entre o grupo “Rua drogas” (M=15,40; DP=1,66) e “Rua cuidadores” (M=12,50; DP=2,52).

Os dados de comparação entre os grupos estão sistematizados na Tabela 2. É possível verificar que o número total de SPAs utilizadas na vida é significativamente superior no grupo Rua Drogas, quando comparado com Rua Cuidadores e Rua Liberdade. Quanto ao total de tipos de SPAs utilizadas no último ano, o grupo Rua Drogas apresenta um valor significativamente superior do que os grupos Rua Cuidadores, Rua Fuga e Rua Trabalho. O grupo Rua Drogas tem um envolvimento maior na venda de drogas comparado aos grupos Rua Cuidadores, Rua Fuga e Rua Liberdade. Das demais variáveis analisadas, observa-se que a intensidade do contato com os cuidadores do grupo Rua Drogas é maior que do grupo Rua Fuga.

Tabela 2
Comparação dos Grupos de Motivo de ida pra Rua: Uso de SPAs, Eventos Adversos na Infância e Intensidade dos Vínculos com os Cuidadores, a Rua e Instituições

Discussão

Um número significativo de participantes (85,2%) usou pelo menos uma SPA ao longo da vida. Esse achado é corroborado por dados nacionais (Bastos & Bertoni, 2014Bastos, F. I., & Bertoni, N. (2014). Pesquisa nacional sobre o uso de crack: quem são os usuários de crack e/ou similares do Brasil? Quantos são nas capitais brasileiras? Editora ICICT/FIOCRUZ.; Neiva-Silva, 2008Neiva-Silva, L. (2008). Uso de drogas entre crianças e adolescentes em situação de rua: um estudo longitudinal. [Tese de Doutorado, Universidade Federal do Rio Grande do Sul]. UFRGS Lume Repositório Digital. https://lume.ufrgs.br/handle/10183/13708
https://lume.ufrgs.br/handle/10183/13708...
; Noto et al., 2004Noto, A. R., Galduróz, J. C. F., Nappo, S. A., Fonseca, A. M., Carlini, C. M. A., Moura, Y. G., & Carlini, E. A. (2004). Levantamento nacional sobre o uso de drogas entre crianças e adolescentes em situação de rua nas 27 capitais Brasileiras - 2003. CEBRID; UNIFESP. https://www.cebrid.com.br/category/livros/page/3/
https://www.cebrid.com.br/category/livro...
; Oliveira, 2016Oliveira, M. A. F., Gonçalves, R. M. D. A, Claro, H. G., Tarifa, R. R., Nakahara, T., Bosque, R. M., & Silva, N. N. (2016). Perfil das crianças e adolescentes em situação de rua usuários de drogas. Revista de enfermagem UFPE 10(2), 475-484. https://doi.org/10.5205/1981-8963-v10i2a10979p475-484-2016
https://doi.org/10.5205/1981-8963-v10i2a...
; Santana & Vezedek, 2019Santana, J. P., & Vezedek, L. (2019). Cartografias dos desejos e direitos: Caracterização e modos de vida de crianças e adolescentes em situação de rua na cidade de Salvador/BA. In I. G. Barbosa & M. A. Soares (Orgs.), Por uma luta sem fronteira na defesa dos direitos das crianças: Políticas públicas e participação (pp. 500-512). Editora Vieira.; Silvestre & Carvalho, 2016Silvestre, T. C., & Carvalho, M. H. (2016). Perfil social de crianças e adolescentes em situação de rua em Manhuaçu/MG. In: Anais do II Seminário Científico do UNIFACIG (N. 2, pp. 01-11). UNIFACIG. http://pensaracademico.facig.edu.br/index.php/semiariocientifico/article/view/224
http://pensaracademico.facig.edu.br/inde...
) e internacionais (Embleton et al., 2013Embleton, L., Mwangi, A., Vreeman, R., Ayuku, D., & Braitstein, P. (2013). The epidemiology of substance use among street children in resource-constrained settings: A systematic review and meta-analysis. Addiction, 108(10), 1722-1733. https://doi.org/10.1111/add.12252
https://doi.org/10.1111/add.12252...
; Hills et al., 2016Hills, F., Meyer-Weitz, A., & Asante, K. O. (2016). The lived experiences of street children in Durban, South Africa: Violence, substance use, and resilience.International Journal of Qualitative Studies on Health and Well-being, 11(1) 30302. https://doi.org/10.3402/qhw.v11.30302
https://doi.org/10.3402/qhw.v11.30302...
; Paul et al., 2020Paul, B., Thulien, M., Knight, R., Milloy, M. J., Howard, B., Nelson S., & Fast, D. (2020). “Something that actually works”: Cannabis use among young people in the context of street entrenchment. PLoS ONE, 15(7), 0236243. https://doi.org/10.1371/journal.pone.0236243
https://doi.org/10.1371/journal.pone.023...
; Tyler et al., 2016Tyler, K. A., Handema, R., Schmitz, R. M., Phiri, F., Kuyper, K. S., & Wood, C. (2016). Multi-level risk and protective factors for substance use among Zambian street youth.Substance Use & Misuse,51(7), 922-931. https://doi.org/10.3109/10826084.2016.1156702
https://doi.org/10.3109/10826084.2016.11...
), que evidenciam um elevado consumo de SPAs entre crianças e adolescentes em situação de rua. O tabaco e o álcool são as SPAs mais utilizadas pelos participantes do estudo, sendo este um dado similar aos resultados apresentados por Noto et al. (2004Noto, A. R., Galduróz, J. C. F., Nappo, S. A., Fonseca, A. M., Carlini, C. M. A., Moura, Y. G., & Carlini, E. A. (2004). Levantamento nacional sobre o uso de drogas entre crianças e adolescentes em situação de rua nas 27 capitais Brasileiras - 2003. CEBRID; UNIFESP. https://www.cebrid.com.br/category/livros/page/3/
https://www.cebrid.com.br/category/livro...
) e Santana e Vezedek (2019Santana, J. P., & Vezedek, L. (2019). Cartografias dos desejos e direitos: Caracterização e modos de vida de crianças e adolescentes em situação de rua na cidade de Salvador/BA. In I. G. Barbosa & M. A. Soares (Orgs.), Por uma luta sem fronteira na defesa dos direitos das crianças: Políticas públicas e participação (pp. 500-512). Editora Vieira.) sobre o uso de SPAS por crianças e adolescentes em situação de rua. No entanto, em relação à terceira SPA mais usada, verificou-se uma maior incidência do uso de maconha, conforme resultados encontrados por Neiva-Silva (2008Neiva-Silva, L. (2008). Uso de drogas entre crianças e adolescentes em situação de rua: um estudo longitudinal. [Tese de Doutorado, Universidade Federal do Rio Grande do Sul]. UFRGS Lume Repositório Digital. https://lume.ufrgs.br/handle/10183/13708
https://lume.ufrgs.br/handle/10183/13708...
). Já nos estudos de Noto et al. (2004Noto, A. R., Galduróz, J. C. F., Nappo, S. A., Fonseca, A. M., Carlini, C. M. A., Moura, Y. G., & Carlini, E. A. (2004). Levantamento nacional sobre o uso de drogas entre crianças e adolescentes em situação de rua nas 27 capitais Brasileiras - 2003. CEBRID; UNIFESP. https://www.cebrid.com.br/category/livros/page/3/
https://www.cebrid.com.br/category/livro...
) e Santana e Vezedek (2019Santana, J. P., & Vezedek, L. (2019). Cartografias dos desejos e direitos: Caracterização e modos de vida de crianças e adolescentes em situação de rua na cidade de Salvador/BA. In I. G. Barbosa & M. A. Soares (Orgs.), Por uma luta sem fronteira na defesa dos direitos das crianças: Políticas públicas e participação (pp. 500-512). Editora Vieira.), a terceira SPA mais utilizada é o solvente.

A prevalência do uso de tabaco e álcool como SPAs mais utilizadas na vida e no último ano é corroborada pelos estudos de Neiva-Silva (2008Neiva-Silva, L. (2008). Uso de drogas entre crianças e adolescentes em situação de rua: um estudo longitudinal. [Tese de Doutorado, Universidade Federal do Rio Grande do Sul]. UFRGS Lume Repositório Digital. https://lume.ufrgs.br/handle/10183/13708
https://lume.ufrgs.br/handle/10183/13708...
), Noto et al. (2004Noto, A. R., Galduróz, J. C. F., Nappo, S. A., Fonseca, A. M., Carlini, C. M. A., Moura, Y. G., & Carlini, E. A. (2004). Levantamento nacional sobre o uso de drogas entre crianças e adolescentes em situação de rua nas 27 capitais Brasileiras - 2003. CEBRID; UNIFESP. https://www.cebrid.com.br/category/livros/page/3/
https://www.cebrid.com.br/category/livro...
) e Santana e Vezedek (2019Santana, J. P., & Vezedek, L. (2019). Cartografias dos desejos e direitos: Caracterização e modos de vida de crianças e adolescentes em situação de rua na cidade de Salvador/BA. In I. G. Barbosa & M. A. Soares (Orgs.), Por uma luta sem fronteira na defesa dos direitos das crianças: Políticas públicas e participação (pp. 500-512). Editora Vieira.). Destaca-se que a maconha é a segunda SPA mais utilizada no último mês, diferente desses estudos nos quais o álcool ocupa essa posição. Tanto os dados da pesquisa quanto nos três estudos analisados, o crack é a substância menos utilizada no último mês. No entanto, na pesquisa realizada por Oliveira et al. (2016Oliveira, M. A. F., Gonçalves, R. M. D. A, Claro, H. G., Tarifa, R. R., Nakahara, T., Bosque, R. M., & Silva, N. N. (2016). Perfil das crianças e adolescentes em situação de rua usuários de drogas. Revista de enfermagem UFPE 10(2), 475-484. https://doi.org/10.5205/1981-8963-v10i2a10979p475-484-2016
https://doi.org/10.5205/1981-8963-v10i2a...
), o crack aparece como a segunda SPA mais utilizada (44,4%) por crianças e adolescentes em situação de rua na cidade de São Paulo, depois do tabaco (75,3%).

Outro dado relevante tem a ver com a idade média para o primeiro uso de SPAs, identificado na pesquisa como sendo em torno dos 11,8 anos de idade. Quanto mais precoce o contato com as SPAs, mais deletérios são os seus efeitos em termos biopsicossociais, independente de considerar a Teoria da Progressão do Uso de Substâncias ou Teoria da Porta de Entrada (Gateway Theory), que afirma que o início do uso de SPAs segue uma tendência que se iniciaria pelo álcool, tabaco, seguido pela maconha e demais drogas ilícitas (Kandel et al, 1992Kandel, D. B., Yamaguchi, K., & Chen, K. (1992). Stages of progression in drug involvement from adolescence to adulthood: Further evidence for the gateway theory.Journal of studies on alcohol,53(5), 447-457. https://doi.org/10.15288/jsa.1992.53.447
https://doi.org/10.15288/jsa.1992.53.447...
).

No que se refere às análises feitas entre os motivos de ida para a rua e as trajetórias de vida dos participantes, cabe destacar que uma das contribuições deste trabalho está em propor uma forma de categorização da experiência de rua, centrada inicialmente no principal motivo de ida para a rua. Sabe-se que a experiência de rua é singular, mas é possível propor um certo modelo que possibilita o planejamento de intervenções específicas que considerem a tipologia proposta. Compreender que a distinção entre os grupos Rua Drogas, Rua Cuidadores, Rua Fuga, Rua Trabalho e Rua Liberdade tem um alcance não apenas teórico, mas respaldo empírico, possibilita um entendimento mais contextualizado da experiência de rua das crianças e adolescentes.

Essa análise por grupo, possibilitou identificar que as drogas foram o principal motivo de mais de um quarto da amostra (28,4%), sendo que os participantes pertencentes a este grupo têm consequentemente um maior envolvimento com as drogas, tanto no que se refere ao uso quanto à venda de SPAs. Dessa forma, vale ressaltar o envolvimento desse grupo de adolescentes com a rede do tráfico de drogas e as políticas repressivas, que têm como consequência estatísticas alarmantes de mortes por violência e armas de fogo (Silva et al., 2006Silva, J. S, Braga, R. W., Rodrigues, F. S., Fernandes, F. L., & Silva, E. S. (2006). Caminhada de crianças, adolescentes e jovens na rede do tráfico de drogas no varejo do Rio de Janeiro, 2004-2006 - Sumário Executivo. Observatório de Favelas. http://observatoriodefavelas.org.br/wp-content/uploads/2013/12/TRAJET%C3%93RIA-DE-CRIAN%C3%87AS-ADOLESCENTES-E-JOVENS-NA-REDE-DO-TR%C3%81FICO-DE-DROGAS-NO-VAREJO-DO-RIO-DE-JANEIRO-2004-2006.pdf
http://observatoriodefavelas.org.br/wp-c...
; Waiselfisz, 2015Waiselfisz, J. J. (2015). Mapa da Violência 2015: Adolescentes de 16 e 17 anos no Brasil. Flacso. http://flacso.org.br/files/2017/04/mapaViolencia2015_adolescentes-1.pdf
http://flacso.org.br/files/2017/04/mapaV...
; Souza, 2017Souza, J. S. (2017). Efeitos colaterais da estratégia de “guerra às drogas”, a falência das unidades policiais pacificadoras do rio de janeiro e o aprendizado com seus erros. Olhares Amazônicos, 5(2), 1048-1057. https://ufrr.br/roa/index.php/component/phocadownload/category/61-volume-5?download=603:numero-2
https://ufrr.br/roa/index.php/component/...
).

Em relação à intensidade dos vínculos com os cuidadores, pode-se perceber que há diferença significativa apenas entre o grupo Rua Drogas e o Rua Fuga. Esse resultado contradiz o senso comum de que os adolescentes que se relacionam com drogas não teriam vínculos familiares. Esta constatação é crucial em um contexto como o da cidade de Salvador, em que uma campanha governamental utiliza o slogan “Mais Família, Menos Drogas” (Governo da Bahia, 2015Governo da Bahia. (2015). Mais Família, Menos Drogas [Vídeo]. Governo da Bahia. Youtube. https://www.youtube.com/watch?v=I2HHJ_9sCVk
https://www.youtube.com/watch?v=I2HHJ_9s...
) como se as famílias fossem exclusivamente as culpadas pelo uso de SPAs dos seus filhos e filhas, desconsiderando a necessidade da implantação de políticas públicas nos âmbitos econômico e social.

O Caso Carolina2 2 Nome fictício. : Quando a Punição Supera a Proteção

Selecionou-se o caso de uma adolescente pertencente ao grupo Rua Drogas como forma de integrar elementos quantitativos e qualitativos que possibilitassem compreender o impacto do uso de SPAs e da droga na trajetória de vida dessa adolescente. Foram analisados fatores de risco e proteção presentes nos contextos de desenvolvimentos da participante, assim como o papel das políticas públicas ou das ausências e lacunas identificadas na rede de proteção da mesma.

Carolina tinha 13 anos quando iniciou a participação na pesquisa (T1). Ela é uma menina magra, considerada parda pelos pesquisadores, cabelos tingidos de vermelho e de estatura mediana. Foi acompanhada pelos pesquisadores(as) por um período de 18 meses consecutivos, de acordo com protocolo de pesquisa que previa a aplicação dos instrumentos em 3 tempos de coleta (T1, T2 e T3). Depois de 12 meses, em uma segunda etapa da investigação, foram obtidas informações da adolescente, nesse momento com 15 anos, através da rede de garantia de direitos (técnicos das instituições de acolhimento e Conselho Tutelar), dos familiares e da ex-companheira.

Ao longo da vida, Carolina fez uso de seis SPAs (álcool, cigarro, maconha, cocaína, crack e pitilho, uma mistura de crack com maconha), sendo que apenas o crack não foi utilizado no último ano. A idade de início do consumo foi aos 10 anos para o cigarro e 11 anos para as demais SPAs. Ela apresentou um total de 16 eventos adversos na infância, sendo eles: “altos níveis de conflitos em casa”; “membro da família seriamente machucado ou doente”; “morte de irmã(s) ou irmão(s)”; “falta de comida ou necessidades básicas”; “violência física por membro da família e por não membro da família”; “violência sexual por não membro da família”; “foi hospitalizada devido a um ferimento ou acidente”; “foi mal na escola (teve que repetir o ano)”; “foi expulso ou suspenso da escola”; “deixou a escola para ajudar a família”; “foi abrigado”; “dormiu na rua”; “deixou de morar com a família”; “foi atendido pelo Conselho Tutelar”; e “sofreu ameaças de morte”. Já em relação ao item “vendeu drogas” da escala de estratégias de subsistência, a adolescente escolheu a opção “às vezes”.

Ao avaliar os vínculos da adolescente com os diferentes contextos de desenvolvimento, verificou-se que há um vínculo forte com a rua e fraco com as instituições que frequentava. Os vínculos com os cuidadores são afetivamente frágeis. Além disso, a intensidade do contato com os mesmos foi caracterizada como média, uma vez que é intermitente, alternando-se com a rua e as instituições de atendimento. Ao longo da sua trajetória, teve uma circulação frequente entre a rua, as instituições e a casa dos cuidadores.

Para auxiliar na compreensão da complexa trajetória de vida de Carolina e suas passagens por diversos contextos (família, ruas e instituições), foram construídas as Figuras 1 e 2, que ilustram numa linha temporal os principais acontecimentos ocorridos na vida da adolescente, desde o seu nascimento até o momento de finalização do período de acompanhamento pelos pesquisadores(as). Buscou-se explicitar as relações entres os contextos de desenvolvimento (representados por formas geométricas) a partir de cada dado coletado.

Figura 1.
Caso Carolina - Parte I

Figura 2.
Caso Carolina - Parte II

Carolina foi abandonada pela família de origem e foi adotada aos 3 meses de idade por uma família de idosos que já tinha um filho. Ela iniciou sua experiência de rua aos 10 anos, concomitante com a experimentação de SPAs. Aos 11 anos, intensificou o uso, o que gerava, de acordo com Carolina, conflitos familiares, sendo que a mãe e o irmão passaram a agredi-la fisicamente para impedi-la de sair de casa. Além disso, a família optou por mudar para uma cidade menor, buscando alterar a situação, o que se mostrou ineficaz, já que os mesmos comportamentos permaneceram. A família retornou à cidade de origem, mas as mudanças acarretaram o rompimento definitivo da adolescente com a escola. Ao uso de SPAs se somaram outros motivos, como relata a adolescente:

Fugi de casa pra ficar com meu namorado. Aí, tinha dias que eu ficava de bobeira na rua. Cheguei a dormir na rua ... Eu também não gostava de trabalhar dentro de casa, queria ficar na rua, né? (Entrevista T1).

Aos 12 anos, Carolina fugiu para a capital do seu estado de origem em companhia de uma amiga, alegando estar em busca de um tratamento para dependência química. É a partir dessa experiência que assumiu uma identidade de adolescente em situação de rua, já que teve que esmolar comida e dinheiro a transeuntes. Após um período dormindo na rua, conheceu uma adolescente que a levou para casa e a mãe da mesma ofereceu moradia e comida em troca de “ajuda” em tarefas domésticas. No bairro em que foi morar, iniciou a relação com a rede do tráfico de drogas, pois, de acordo com Carolina, era a forma de ganhar dinheiro e sustentar o uso: “Aí eu ficava ali... ali tem tráfico de droga.... aí eu fui fumar uma droga com os menino” (Entrevista T1). Durante esse período, a sua experiência de rua foi intensa, sendo iniciado também o processo de institucionalização, marcado sobretudo pelo elevado número de evasões.

Até o momento em que foi acompanhada pela pesquisa, Carolina passou por aproximadamente nove instituições em diferentes cidades e estados, sejam elas para o tratamento do uso abusivo de SPAs, como unidades de acolhimento institucional. No entanto, a inserção e a permanência nos contextos institucionais foi se tornando cada vez mais difícil. De acordo com informações obtidas com a Conselheira Tutelar, “Por conta das frequentes evasões, intenso uso de SPA e do comportamento agressivo, [Carolina] passou a encontrar dificuldades em ser aceita nas instituições e estava ficando na rua” (Conselheira Tutelar, comunicação pessoal, 13 de setembro de 2013). A última informação obtida sobre Carolina é de que estava internada em um centro de tratamento para o uso abusivo de SPAs em um estado da região Sudeste. Cabe destacar que a vida de Carolina é marcada por inúmeros fatores de risco que estão relacionados com a rua, mas principalmente com a sua relação com as drogas e o uso abusivo de SPAs: sofreu quatro ameaças de morte, em função do envolvimento com o tráfico, foi violentada sexualmente e contraiu uma doença sexualmente transmissível (DST), além dos riscos já descritos.

Discussão do Caso

O caso Carolina pode ser compreendido, especificamente, no que se refere aos contextos de desenvolvimento, a partir dos quatro sistemas propostos por Urie Bronfenbrenner (1996Bronfenbrenner, U. (1996). A ecologia do desenvolvimento humano: Experimentos naturais e planejados. Artes Médicas. (Original paper published in 1979)/1979), nomeadamente: microssistema, mesossistema, exossistema e macrossistema. De acordo com o autor, o microssistema pode ser definido pelos contextos em que a pessoa em desenvolvimento estabelece relações face a face, sendo que, no caso de Carolina, pode-se citar a família, as diversas instituições de acolhimento que ela é inserida e a rua. O mesossistema não se refere a um contexto específico, mas sim às relações que se estabelecem entre os diferentes microssistemas. De acordo com Bronfenbrenner (1996Bronfenbrenner, U. (1996). A ecologia do desenvolvimento humano: Experimentos naturais e planejados. Artes Médicas. (Original paper published in 1979)/1979), o mesossistema pode potencializar ou dificultar o processo desenvolvimental, sendo que, no caso de Carolina, observa-se uma constante disputa de forças entre os contextos. Não parece haver uma integração entre esses contextos que possibilitem, por exemplo, a integração dos cuidados. De fato, as relações entre os microssistemas frequentados por Carolina são marcadas por tensões, rupturas e descontinuidades. Há claramente uma fragilidade entre os contextos de desenvolvimento, sendo que a rua sempre funciona como o principal contexto de atração, seja em função do envolvimento com as drogas, seja por sua característica de “acolhimento incondicional”. Pode-se dizer que a rua, apesar de apresentar inúmeras regras de convivência e as violências envolvidas, sempre acolhe.

O exossistema é caracterizado pelos contextos em que a pessoa em desenvolvimento não está presente, mas que tem um impacto direto sobre o seu desenvolvimento. No caso de Carolina, pode-se considerar as políticas de atendimento a crianças e adolescentes em situação de rua que fazem uso de SPAs, ou mais precisamente a ausência dessas políticas públicas de cuidado. Cada recusa de cuidado e desarticulação da rede de atendimento, decorrente da ausência de um investimento na área de atendimento, é um exemplo da ação do exossistema.

Por fim, o macrossistema é definido pelo contexto macrossocial, pelo conjunto de valores e crenças de uma sociedade que, no caso analisado, se referem, por exemplo, ao preconceito, à estigmatização sobre os usos e usuários de SPAs e ao racismo estrutural.

O caso apresentado evidencia diversas lacunas na rede de proteção ou possibilidades de intervenções que poderiam intensificar e ampliar o cuidado à Carolina e sua família: a escola não foi capaz de intervir no momento em que o uso de SPAs era recreativo; a família não teve suporte do Centro de Referência de Assistência Social (CRAS) ou Centro de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS) da região para poder auxiliar em uma intervenção com Carolina quando ainda não havia saído de casa. Apesar da sobreposição de motivos de ida para a rua, é possível considerar um fator central; no caso de Carolina, a relação abusiva com as SPAs e o envolvimento com as drogas. De acordo com Ramaldes et al. (2016Ramaldes, H. Q., Avellar, L. Z., & Tristão, K. G. (2016). Características de crianças usuárias de substâncias psicoativas descritas pela própria criança. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 32(4), e324220. https://doi.org/10.1590/0102.3772e324220
https://doi.org/10.1590/0102.3772e324220...
), a venda de SPAs é um fator que se associa ao consumo, “já que a comercialização da substância aparece como meio de garantir o próprio consumo” (p.6).

A família de Carolina permaneceu implicada durante toda a trajetória da adolescente, buscando opções de cuidado e não desistindo da filha. Buscaram ativamente por ela nos momentos de fuga para a rua, procurando incessantemente instituições de tratamento para o uso abusivo de SPAs e meios de proteção nos diversos momentos em que Carolina foi ameaçada de morte. Ao mesmo tempo, talvez por ausência de informações ou de estratégias para enfrentar a situação, a família utilizou da violência como forma de manter a adolescente em casa, sendo um dos motivos alegados por ela para a evasão. Esses dados corroboram a afirmação de Henriques et al. (2016Henriques, B. D., Rocha, R. L., & Reinaldo, A. M. S. (2016). Uso de crack e outras drogas entre crianças e adolescentes e seu impacto no ambiente familiar: Uma revisão integrativa da literatura. Texto & Contexto - Enfermagem, 25(3), e1100015. https://doi.org/10.1590/0104-07072016001100015
https://doi.org/10.1590/0104-07072016001...
, p.7): “O contexto familiar deve ser considerado um ambiente que atua tanto como fator de proteção como de risco”.

Após a sua saída de casa, com o uso abusivo de SPAs e o seu envolvimento com a rede do tráfico, fica ainda mais evidente a ausência ou insucesso da rede de proteção. Foram inúmeras institucionalizações e sucessivas recusas de atendimento. O caso de Carolina demonstra a dificuldade do sistema de garantia de direitos, isto é, em assegurar que os adolescentes usuários de substâncias psicoativas sejam protegidos, sendo esta dificuldade frequentemente relatada pelos profissionais que atuam nas instituições que foram contexto de realização da pesquisa. Se por um lado as instituições alegavam que Carolina sucessivamente evadia, pode-se afirmar que as instituições concomitantemente fechavam suas portas para a adolescente. Ao invés de facilitarem e promoverem a inserção cada vez que ela demonstrava um pedido de ajuda, alegavam que, em função das evasões anteriores ou pelo histórico de agressividade, Carolina já não podia mais entrar. É como se os recursos escassos, a precariedade das condições de trabalho e as dificuldades inerentes ao manejo com essa população tornassem as instituições “vingativas”. Nesse sentido, aceitam e se limitam a tratar os casos “possíveis e merecedores”, ou seja, aqueles que prontamente se submetem às regras institucionais e que jamais evadem. No entanto, Carolina é representante de um grupo de adolescentes que efetivamente precisa de serviços complexos e prontos para atender. É necessário conseguir lidar com as inúmeras recaídas e evasões, pois é essa a característica do público a ser atendido (Santana & Vezedek, 2020Santana, J. P., & Vezedek, L. (2020). Sistematizando tecnologias de cuidado: O acolhimento e acompanhamento da população em situação de rua. In A. M. Gonçalves, A. C. G. Bastos & L. Vezedek (Orgs.), Caderno de forma-ação e navegação social projeto Caboré: Diagnóstico, capacitação, assistência técnica, monitoramento e difusão de conhecimentos (1ª ed., pp. 54-67). Centro Projeto Axé.).

Considerações Finais

A relação de crianças e adolescentes com SPAs e drogas é um tema complexo e de difícil análise. Os dados apresentados neste artigo demonstram a importância de se considerar a multiplicidade de fatores de riscos envolvidos na trajetória de vida dos adolescentes, sendo que o uso de SPAs ou o envolvimento com a rede do tráfico de drogas é apenas mais um destes riscos. A ausência de intervenções precoces que auxiliem as famílias, assim como os fracassos e as ausências institucionais, ficam evidentes na análise do caso apresentado. A rede de garantia de direitos se mostra ineficiente em atuar na maioria dos casos (Neiva-Silva et al., 2010Neiva-Silva, L., Marquardt, J. P., López, J., & Koller, S. H. (2010). Uso de drogas por crianças e adolescentes em situação de rua e a busca de intervenções efetivas. In N. A. Morais, L. Neiva-Silva &. S. H. Koller (Orgs.), Endereço desconhecido: Crianças e adolescentes em situação de rua (pp. 325-357). Casa do Psicólogo.), pois estes envolvem a necessidade de intervenção em diversos contextos e níveis (Petersen et al., 2016Petersen, A., Koller, S. H., Motti-Stefanidi, F., & Verma, S. (2016). Global equity and justice issues for young people during the first three decades of life. In S. S. Horn, M. D. Ruck, & L. S. Liben (Eds.), Advances in child development and behavior: Vol. 51. Equity and justice in developmental science: Implications for young people, families, and communities (p. 289-320). Elsevier Academic Press. https://doi.org/10.1016/bs.acdb.2016.05.006
https://doi.org/10.1016/bs.acdb.2016.05....
), sendo necessário um aprofundamento de estudos sobre a temática. No caso de Carolina, foi possível identificar alguns fatores de proteção que minimizaram os riscos do envolvimento com as SPAs e o tráfico. Pode-se destacar o investimento familiar, com a frequente busca de “soluções” e alternativas de tratamento e talvez a própria inserção da adolescente na pesquisa, que fez com que houvesse mais um elemento na composição da rede de apoio.

Utilizou-se neste trabalho o conceito de rua risco, o que significa que os sujeitos da investigação são aqueles que utilizam os espaços urbanos não apenas como espaço de circulação e entretenimento, mas cujo uso que fazem dos mesmos se constitui como risco. Isso significa que, na compreensão do presente estudo, o envolvimento com o comércio e/uso de substâncias psicoativas nos bairros de origem se caracteriza e se configura como uma situação de rua, assim como a vivência de situações de violência e exploração sexual, mesmo quando referida pelos adolescentes como namoro ou envolvimentos românticos consensuais. Dessa forma, defende-se a ideia de que há um continuum de fatores de risco e proteção envolvidos nas trajetórias de vidas individuais e que a rua é apenas um deles.

Nesse sentido, cabe destacar que não se trata mais de uma compreensão que busca apenas analisar o tipo de vínculo familiar ou as atividades desenvolvidas pelos adolescentes nas ruas, mas compreender um sistema complexo de relações que ocorrem no contexto da rua. Por outro lado, para que não haja uma inclusão aleatória dos sujeitos nessa condição de rua, torna-se necessária a sistematização dos elementos que configuram a rua como risco ao desenvolvimento.

É urgente que a relação de crianças e adolescentes em situação de rua com SPAs e drogas deixe de ser um problema de justiça, causando uma série de violações de direitos para esses sujeitos e que, muitas vezes, culmina no extermínio deste segmento. Torna-se necessário investir em prevenção, não como se o problema fosse apenas individual, mas de forma a considerar todos os fatores sociais, econômicos e políticos envolvidos na produção do fenômeno da situação de rua. Apenas assim, será possível garantir que a punição ao uso de SPAs e o envolvimento com as drogas não supere a proteção dessas crianças e adolescentes.

O presente estudo teve algumas limitações metodológicas: 1) a perda amostral maior que a desejável; 2) a taxa de participação desconhecida, mesmo sendo empregada uma estratégia de recrutamento rigorosa, o que diminui a capacidade de generalização dos dados; 3) a construção de uma amostra por conveniência predominantemente masculina e de não brancos. Em função desse último aspecto, neste trabalho não é possível mensurar quantitativamente as diferenças sobre o padrão de uso de SPAs entre brancos e não brancos, já que 92% da amostra deste estudo é composta por pessoas não brancas. O último levantamento nacional sobre uso de SPAs por crianças e adolescentes em situação de rua (Noto et al., 2004Noto, A. R., Galduróz, J. C. F., Nappo, S. A., Fonseca, A. M., Carlini, C. M. A., Moura, Y. G., & Carlini, E. A. (2004). Levantamento nacional sobre o uso de drogas entre crianças e adolescentes em situação de rua nas 27 capitais Brasileiras - 2003. CEBRID; UNIFESP. https://www.cebrid.com.br/category/livros/page/3/
https://www.cebrid.com.br/category/livro...
), não apresenta características raciais da amostra, somente sexo e idade. No entanto, cabe destacar que, assim como a amostra desse estudo é hegemonicamente composta por pessoas não brancas, os demais estudos com a população em situação de rua demonstram a mesma composição racial. Isso pode ser considerado um reflexo do racismo estrutural no Brasil, que faz com que a pobreza e as situações de vulnerabilidades, risco e vulneração assolem, sobretudo, a população negra.

Uma das principais contribuições do presente trabalho refere-se à construção de um modelo de caracterização da população de crianças e adolescentes em situação de rua, considerando prioritariamente o principal motivo de ida para rua, identificado por elas e pelos pesquisadores. Nesse sentido, foi possível, ainda, compreender a magnitude do envolvimento com as drogas e o uso precoce e elevado de SPAs por essas crianças e esses adolescentes. Tal envolvimento tem sido recorrentemente denunciado por aqueles que atuam na rede de atenção e proteção a população em situação de rua, sendo importante verificar essas informações por meio de dados empíricos.

Além disso, espera-se que os dados e as discussões aqui apresentados possam servir de subsídio para profissionais que atuam com essa população, assim como para gestores, de modo a possibilitar um entendimento mais adequado sobre o papel que as SPAs e as drogas têm na vida de crianças e adolescentes. Dessa forma, pretende-se que esses dados possam subsidiar a operacionalização de intervenções e a formulação de políticas de atenção, mais condizentes com resultados de pesquisas científicas e menos pautadas em um conjunto de preconceitos e estigmas que circundam as relações estabelecidas com as drogas.

References

  • Bastos, F. I., & Bertoni, N. (2014). Pesquisa nacional sobre o uso de crack: quem são os usuários de crack e/ou similares do Brasil? Quantos são nas capitais brasileiras? Editora ICICT/FIOCRUZ.
  • Benício, L. F. S., Barros, J. P. P., Rodrigues, J. S., Silva, D. B., Leonardo, C. dos S., & Costa, A. F. da. (2018). Necropolítica e Pesquisa-Intervenção sobre Homicídios de Adolescentes e Jovens em Fortaleza, Ceará. Psicologia: Ciência e Profissão v. 38 (esp.2.), 192-207. https://doi.org/10.1590/1982-3703000212908
    » https://doi.org/10.1590/1982-3703000212908
  • Conselho Nacional de Saúde. (1996). Resolução nº. 196 de 10 de outubro de 1996 Ministério da Saúde.
  • Bronfenbrenner, U. (1996). A ecologia do desenvolvimento humano: Experimentos naturais e planejados Artes Médicas. (Original paper published in 1979)
  • Embleton, L., Mwangi, A., Vreeman, R., Ayuku, D., & Braitstein, P. (2013). The epidemiology of substance use among street children in resource-constrained settings: A systematic review and meta-analysis. Addiction, 108(10), 1722-1733. https://doi.org/10.1111/add.12252
    » https://doi.org/10.1111/add.12252
  • Feffermann, M., Figueiredo, R., & Adorno, R.C.F. (2017). Drogas e Saúde Pública: Uma relação política e complexa. In R. Figueiredo, M. Feffermann & R. C. F. Adorno (Orgs.), Drogas & Sociedade Contemporânea: Perspectivas para além do proibicionismo (1ª ed., pp. 11-19). Instituto de Saúde.
  • Governo da Bahia. (2015). Mais Família, Menos Drogas [Vídeo]. Governo da Bahia. Youtube. https://www.youtube.com/watch?v=I2HHJ_9sCVk
    » https://www.youtube.com/watch?v=I2HHJ_9sCVk
  • Hall, W. D., Patton, G., Stockings E., Weier M., Lynskey M., Morley K. I., & Degenhardt, L. (2016). Why young people’s substance use matters for global health. The Lancet Psychiatry, 3(3), 265-279. https://doi.org/10.1016/S2215-0366(16)00013-4
    » https://doi.org/10.1016/S2215-0366(16)00013-4
  • Henriques, B. D., Rocha, R. L., & Reinaldo, A. M. S. (2016). Uso de crack e outras drogas entre crianças e adolescentes e seu impacto no ambiente familiar: Uma revisão integrativa da literatura. Texto & Contexto - Enfermagem, 25(3), e1100015. https://doi.org/10.1590/0104-07072016001100015
    » https://doi.org/10.1590/0104-07072016001100015
  • Hills, F., Meyer-Weitz, A., & Asante, K. O. (2016). The lived experiences of street children in Durban, South Africa: Violence, substance use, and resilience.International Journal of Qualitative Studies on Health and Well-being, 11(1) 30302. https://doi.org/10.3402/qhw.v11.30302
    » https://doi.org/10.3402/qhw.v11.30302
  • Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. (Org.). (2020). Atlas da violência 2020 IPEA; FBSP. https://www.ipea.gov.br/portal/index.php?option=com_content&view=article&id=36488&Itemid=432
    » https://www.ipea.gov.br/portal/index.php?option=com_content&view=article&id=36488&Itemid=432
  • Kandel, D. B., Yamaguchi, K., & Chen, K. (1992). Stages of progression in drug involvement from adolescence to adulthood: Further evidence for the gateway theory.Journal of studies on alcohol,53(5), 447-457. https://doi.org/10.15288/jsa.1992.53.447
    » https://doi.org/10.15288/jsa.1992.53.447
  • Koller, S. H., Morais, N. A., & Paludo, S. S. (Orgs.) (2016). Inserção ecológica: Um método de estudo do desenvolvimento humano Pearson Clinical Brasil.
  • Malbergier, A., & Amaral, R. A. (2013). Conceitos básicos sobre o uso abusivo e dependência de drogas. In IV Curso de Especialização em Dependência Química UNASUS/UFMA https://ares.unasus.gov.br/acervo/html/ARES/2046/3/Mod%2003%20UNIDADE%2001.pdf
    » https://ares.unasus.gov.br/acervo/html/ARES/2046/3/Mod%2003%20UNIDADE%2001.pdf
  • Neiva-Silva, L. (2008). Uso de drogas entre crianças e adolescentes em situação de rua: um estudo longitudinal [Tese de Doutorado, Universidade Federal do Rio Grande do Sul]. UFRGS Lume Repositório Digital. https://lume.ufrgs.br/handle/10183/13708
    » https://lume.ufrgs.br/handle/10183/13708
  • Neiva-Silva, L., Marquardt, J. P., López, J., & Koller, S. H. (2010). Uso de drogas por crianças e adolescentes em situação de rua e a busca de intervenções efetivas. In N. A. Morais, L. Neiva-Silva &. S. H. Koller (Orgs.), Endereço desconhecido: Crianças e adolescentes em situação de rua (pp. 325-357). Casa do Psicólogo.
  • Noto, A. R., Galduróz, J. C. F., Nappo, S. A., Fonseca, A. M., Carlini, C. M. A., Moura, Y. G., & Carlini, E. A. (2004). Levantamento nacional sobre o uso de drogas entre crianças e adolescentes em situação de rua nas 27 capitais Brasileiras - 2003 CEBRID; UNIFESP. https://www.cebrid.com.br/category/livros/page/3/
    » https://www.cebrid.com.br/category/livros/page/3/
  • Noto, A. R., Nappo, S., Galduróz, J. C. F., Mattei, R., & Carlini, E. A. (1994). III levantamento sobre o uso de drogas entre crianças e adolescentes em situação de rua de cinco capitais brasileiras - 1993 CEBRID; Escola Paulista de Medicina. https://www.cebrid.com.br/category/livros/page/3/
    » https://www.cebrid.com.br/category/livros/page/3/
  • Noto, A. R., Nappo, S., Galduróz, J. C. F., Mattei, R., & Carlini, E. A. (1998). IV levantamento sobre o uso de drogas entre crianças e adolescentes em situação de rua de seis capitais brasileiras - 1997 CEBRID; Escola Paulista de Medicina. https://www.cebrid.com.br/category/livros/page/3/
    » https://www.cebrid.com.br/category/livros/page/3/
  • Oliveira, M. A. F., Gonçalves, R. M. D. A, Claro, H. G., Tarifa, R. R., Nakahara, T., Bosque, R. M., & Silva, N. N. (2016). Perfil das crianças e adolescentes em situação de rua usuários de drogas. Revista de enfermagem UFPE 10(2), 475-484. https://doi.org/10.5205/1981-8963-v10i2a10979p475-484-2016
    » https://doi.org/10.5205/1981-8963-v10i2a10979p475-484-2016
  • Paul, B., Thulien, M., Knight, R., Milloy, M. J., Howard, B., Nelson S., & Fast, D. (2020). “Something that actually works”: Cannabis use among young people in the context of street entrenchment. PLoS ONE, 15(7), 0236243. https://doi.org/10.1371/journal.pone.0236243
    » https://doi.org/10.1371/journal.pone.0236243
  • Petersen, A., Koller, S. H., Motti-Stefanidi, F., & Verma, S. (2016). Global equity and justice issues for young people during the first three decades of life. In S. S. Horn, M. D. Ruck, & L. S. Liben (Eds.), Advances in child development and behavior: Vol. 51. Equity and justice in developmental science: Implications for young people, families, and communities (p. 289-320). Elsevier Academic Press. https://doi.org/10.1016/bs.acdb.2016.05.006
    » https://doi.org/10.1016/bs.acdb.2016.05.006
  • Pimentel, R. F., & Silva, M. C. C. (2020). Atenção às pessoas em situação de rua que também fazem uso de drogas: Um cuidado orientado pelos princípios da redução de danos e da reforma psiquiátrica antimanicomial. In A. M. Gonçalves, A. C. G. Bastos & L. Vezedek (Orgs.), Caderno de forma-ação e navegação social projeto Caboré: Diagnóstico, capacitação, assistência técnica, monitoramento e difusão de conhecimentos (1ª ed., pp. 54-67). Centro Projeto Axé.
  • Raffaelli, M., Koller, S. H., & Morais, N. A. (2007). Assessing the development of Brazilian street youth. Vulnerable Children and Youth Studies, 2(2), 154-164. https://doi.org/10.1080/17450120701403128
    » https://doi.org/10.1080/17450120701403128
  • Ramaldes, H. Q., Avellar, L. Z., & Tristão, K. G. (2016). Características de crianças usuárias de substâncias psicoativas descritas pela própria criança. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 32(4), e324220. https://doi.org/10.1590/0102.3772e324220
    » https://doi.org/10.1590/0102.3772e324220
  • Rizzini, I. Caldeira, P., Ribeiro, R., &, Carvano, L. M. (2010). Crianças e adolescentes com direitos violados: situação de rua e indicadores de vulnerabilidade no Brasil urbano PUC-Rio; CIESPI.
  • Salatiel, E. L., França, C. de A., Resende, J. M., & Guimarães, R. L. (2017). Desafios da proteção a crianças e adolescentes ameaçados de morte no Brasil. Revista Latinoamericana de Ciencias Sociales, Niñez y Juventud, 15(2), 1123-1135. http://dx.doi.org/10.11600/1692715x.1522220092016
    » http://dx.doi.org/10.11600/1692715x.1522220092016
  • Santana, J. P., Raffaelli, M., Koller, S. H., & Morais, N. A. (2018). “Vocês me encontram em qualquer lugar”: Realizando pesquisa longitudinal com adolescentes em situação de rua. Psico, 49(1), 31-42. https://doi.org/10.15448/1980-8623.2018.1.25802
    » https://doi.org/10.15448/1980-8623.2018.1.25802
  • Santana, J. P., & Vezedek, L. (2019). Cartografias dos desejos e direitos: Caracterização e modos de vida de crianças e adolescentes em situação de rua na cidade de Salvador/BA. In I. G. Barbosa & M. A. Soares (Orgs.), Por uma luta sem fronteira na defesa dos direitos das crianças: Políticas públicas e participação (pp. 500-512). Editora Vieira.
  • Santana, J. P., & Vezedek, L. (2020). Sistematizando tecnologias de cuidado: O acolhimento e acompanhamento da população em situação de rua. In A. M. Gonçalves, A. C. G. Bastos & L. Vezedek (Orgs.), Caderno de forma-ação e navegação social projeto Caboré: Diagnóstico, capacitação, assistência técnica, monitoramento e difusão de conhecimentos (1ª ed., pp. 54-67). Centro Projeto Axé.
  • Silva, J. S, Braga, R. W., Rodrigues, F. S., Fernandes, F. L., & Silva, E. S. (2006). Caminhada de crianças, adolescentes e jovens na rede do tráfico de drogas no varejo do Rio de Janeiro, 2004-2006 - Sumário Executivo Observatório de Favelas. http://observatoriodefavelas.org.br/wp-content/uploads/2013/12/TRAJET%C3%93RIA-DE-CRIAN%C3%87AS-ADOLESCENTES-E-JOVENS-NA-REDE-DO-TR%C3%81FICO-DE-DROGAS-NO-VAREJO-DO-RIO-DE-JANEIRO-2004-2006.pdf
    » http://observatoriodefavelas.org.br/wp-content/uploads/2013/12/TRAJET%C3%93RIA-DE-CRIAN%C3%87AS-ADOLESCENTES-E-JOVENS-NA-REDE-DO-TR%C3%81FICO-DE-DROGAS-NO-VAREJO-DO-RIO-DE-JANEIRO-2004-2006.pdf
  • Silvestre, T. C., & Carvalho, M. H. (2016). Perfil social de crianças e adolescentes em situação de rua em Manhuaçu/MG. In: Anais do II Seminário Científico do UNIFACIG (N. 2, pp. 01-11). UNIFACIG. http://pensaracademico.facig.edu.br/index.php/semiariocientifico/article/view/224
    » http://pensaracademico.facig.edu.br/index.php/semiariocientifico/article/view/224
  • Souza, J. S. (2017). Efeitos colaterais da estratégia de “guerra às drogas”, a falência das unidades policiais pacificadoras do rio de janeiro e o aprendizado com seus erros. Olhares Amazônicos, 5(2), 1048-1057. https://ufrr.br/roa/index.php/component/phocadownload/category/61-volume-5?download=603:numero-2
    » https://ufrr.br/roa/index.php/component/phocadownload/category/61-volume-5?download=603:numero-2
  • Tyler, K. A., Handema, R., Schmitz, R. M., Phiri, F., Kuyper, K. S., & Wood, C. (2016). Multi-level risk and protective factors for substance use among Zambian street youth.Substance Use & Misuse,51(7), 922-931. https://doi.org/10.3109/10826084.2016.1156702
    » https://doi.org/10.3109/10826084.2016.1156702
  • Waiselfisz, J. J. (2015). Mapa da Violência 2015: Adolescentes de 16 e 17 anos no Brasil Flacso. http://flacso.org.br/files/2017/04/mapaViolencia2015_adolescentes-1.pdf
    » http://flacso.org.br/files/2017/04/mapaViolencia2015_adolescentes-1.pdf
  • World Health Organization. (2000). Modulo 3 - Understanding substance use among street children. In World Health Organization, Working with street children: A training package on substance abuse, sexual and reproductive health including HIV/AIDS and STDs (pp. 1-56). World Health Organization. http://apps.who.int/iris/bitstream/handle/10665/66756/WHO_MSD_MDP_00.14_Module3.pdf;jsessionid=0091A126AB1AA075DC1CE9D2203AA722?sequence=4
    » http://apps.who.int/iris/bitstream/handle/10665/66756/WHO_MSD_MDP_00.14_Module3.pdf;jsessionid=0091A126AB1AA075DC1CE9D2203AA722?sequence=4
  • 2
    Nome fictício.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    03 Nov 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    17 Out 2018
  • Aceito
    01 Dez 2020
Instituto de Psicologia, Universidade de Brasília Instituto de Psicologia, Universidade de Brasília, 70910-900 - Brasília - DF - Brazil, Tel./Fax: (061) 274-6455 - Brasília - DF - Brazil
E-mail: revistaptp@gmail.com