SILVA, Kelly, PALMER, Lisa, CUNHA, Teresa. Introduction. In: Economic Diversity in Contemporary
Timor-Leste. Leiden University Press, 2023.
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capitalista de produção de forma a tentar desenraizar a economia. Ou seja, isolar a vida econô-
mica, o que levou a alterações sociais.
Em seguida, também apresentarei a lógica contrária, isto é, como alterações sociais pro-
movidas pelas diferentes governamentalidades (Foucault, 1979) que também ocasionaram
transformações econômicas. Em suma, demonstrarei como a vida econômica e demais esferas
de relações sociais são interdependentes e enraizadas umas às outras.
2. Das relações econômicas
Na introdução, as organizadoras definem economia a partir de Polanyi (2000), arranjos
de produção, troca, distribuição e consumo por meio dos quais populações e instituições se
reproduzem ao reabastecerem-se de coisas e pessoas (Silva et al., 2023, p. 13). Apoiando-se
nos apontamentos de Gibson e Graham (1996), expõem que a economia se faz por meio de
articulações entre diversos sistemas lógicos de organização de práticas que respondem às ne-
cessidades e às aspirações de um todo social.
Ainda na introdução, é apresentado o que se faz ver em Timor-Leste como ecologias
econômicas: partes de certa forma autônomas que coexistem no espaço e no tempo paralela-
mente constituindo um sistema complexo e heterogêneo (Silva et al., 2023, p. 30). Algo que
Tsing (2022) chamaria de uma assembleia polifônica.
A partir de Polanyi (2000), vejo a economia tradicionalmente realizada em Timor en-
quanto enraizada (embedded) na vida social, e não deve ser entendida como algo avulso e se-
parado da sociedade, enquanto, ao contrário, o mercado capitalista pretende fazer ver-se como
tal. Isso pôde ser visto no capítulo 2, em que Hicks (2023) descreve as mudanças ocorridas em
50 anos no basaar (feira ao ar livre) de uma aldeia.
Ao focar em gênero, classe social, etnia e identidade dos feirantes, ele demonstra como
as mudanças ocorridas ao longo de várias alterações de conjuntura política com a sucessão de
diferentes formas de governo alteraram não somente o dia a dia da feira, mas toda a lógica que
a guiava tradicionalmente e vários aspectos da vida social atrelados intrinsecamente a ela. O
uso cada vez maior do dinheiro, imposto como política de governo pelos portugueses, e refor-
çado nas décadas seguintes pelos indonésios, transformou a lógica das trocas realizadas nas
feiras. Isso fez com que se enfraquecesse a lógica anterior que fazia a manutenção dos laços de
interdependência que conectavam as pessoas umas às outras por meio das trocas, e que passa-
ram a realizar transações nos moldes de uma economia de mercado – o dinheiro simboliza
trocas que se findam no momento da transação e não implicam a manutenção das relações no
tempo como na lógica da dádiva (Mauss, 1974).