DI DEUS, Eduardo. A dança das facas: trabalho e técnica em seringais paulistas. Brasília: Editora
UnB, 2022.
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Após uma rica e extensa etnografia, bem como uma consideração sobre a história das
transformações sociotécnicas da sangria, o autor nos oferece um caso emblemático. No capítulo
4, o autor explora desdobramentos de transformações técnicas na sangria no cenário histórico
paulista. Sua análise compreende desde processos migratórios de sangradores, até diferenças
entre formas de explorar e operar na atividade.
Talvez o aspecto mais significativo de seu capítulo seja sua exploração de um fato re-
cente, que chama de “linhagem técnica” da sangria. Di Deus (2022) analisa as implicações
sociotécnicas do processo de rejeição da faca elétrica na atividade da sangria dos trabalhadores
paulistas. O autor explora essa rejeição para além de uma oposição entre tradição e moderni-
dade, ou uma cristalização teimosa por parte dos sangradores. Levar em consideração o caráter
inventivo e inovador do trabalho da sangria por parte dos paulistas é um elemento que conduz
uma análise que se atém a diferentes maneiras e formas de se apropriar ou não de certos objetos
técnicos. É uma análise que recupera as contribuições de Akrich (1987) sobre a implementação
de um sistema sociotécnico de fornecimento de energia na Costa do Marfim.
As relações de trabalho também são trabalhadas no capítulo 5 onde Di Deus expõe ca-
racterísticas ambíguas da atividade nos seringais paulistas. A primeira diz respeito a não ser
nem um trabalho totalmente artesanal, apesar da especialização, nem totalmente industrial, ape-
sar da dimensão e caráter da exploração. Mesmo sendo uma atividade rural, Di Deus (2022)
explicita que ela não se enquadra plenamente no conceito de campesinato.
O tema do trabalho também aparece de forma significativa quando discute as passagens dos
tipos de relações trabalhistas no interior paulista. Das transformações do colonato para o assalaria-
mento nos cultivos paulistas, o autor ressalta o caráter único da heveicultura: a parceria agrícola –
ou uma economia da confiança. Essa parceria “gera um compromisso, um engajamento com o ciclo
[agrícola] e com o vivente” (Di Deus, 2022, p. 334). Assim, entende que as relações com a árvore
são fundamentais para entender as relações com os patrões, e que também conectam “os processos
vivos das árvores aos patrões” (Di Deus, 2022, p. 334). Relações essas que têm sido tensionadas
por mudanças nas parcerias que buscam limitar as escolhas técnicas de sangradores.
A própria noção de trabalho é repensada pelo autor. A noção a priori de trabalho como
exploração negativa da força de trabalho é questionada e trabalho passa a ser visto, também,
como uma forma de produção engajada. Pensando trabalho como “interação com múltiplos
seres e materiais, com ênfase nas conexões promovidas por processos e objetos técnicos” (Di
Deus, 2022, p.341). Dessa forma, o autor se preocupa em lançar uma perspectiva mais holística
e ecológica da noção aplicada de trabalho ao contexto dos seringais, levando em consideração
as habilidades, conhecimentos e inventividade dos trabalhadores (Di Deus, 2022).