Brasília, v. 20, n. 4, p. 718-731, 2025
https://doi.org/10.33240/rba.v20i4.57661
Como citar: MORENO, Ximena et al. Rede Hortos Agroflorestais Medicinais Biodinâmicos: interfaces com as emergências climáticas e a promoção da saúde no SUS em territórios do Distrito Federal. Revista Brasileira de Agroecologia, v. 20, n. 4, p. 718-731, 2025.
Rede Hortos Agroflorestais Medicinais Biodinâmicos: interfaces com as emergências climáticas e a promoção da saúde no SUS em territórios do Distrito Federal
Biodynamic Medicinal Agroforests Network: interfaces with climate emergencies and health promotion in the SUS in the Federal District
Red de Huertos Agroforestales Medicinales Biodinámicos: interfaces con emergencias climáticas y promoción de la salud en el SUS del Distrito Federal
Ximena Moreno¹, Marcos Trajano2, Fabiana Peneireiro3, Rafael Barros4, Nelson Filice de Barros5
1 Pesquisadora bolsista FIOCRUZ Brasília. Mestre em Gestão e Planejamento Ambiental. Brasília. Brasil. ORCID: https://orcid.org/0000 0001-7906-387X. E-mail: xmorenosepulveda82@gmail.com
2Secretaria de Estado de Saúde do DF. Médico de Família e Comunidade. Especialista em Gestão da Clínica. Brasília, Brasil. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-0709-6063 . E-mail: trajano.bindu@gmail.com
3 Mutirão Agroflorestal. Doutora em Educação. Brasília, Brasil. ORCID: https://orcid.org/0000-0003-2449-2938. E-mail: fabiana_agroeco@yahoo.com.br
4 Pesquisador bolsista FIOCRUZ Brasília. Educador físico. Especialista em Florestas Urbanas. Brasília. Brasil. E-mail: rafafbarros@gmail.com
5LAPACIS/Unicamp, Laboratório de Práticas Alternativas Complementares e Integrativas em Saúde/Unicamp. Campinas, Brasil. Doutor em Saúde Coletiva pela Unicamp. Campinas, SP, Brasil. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-2389-0056. E-mail: nelfel@uol.com
Recebido em: 27 mar 2025 - Aceito em: 28 ago 2025 - Publicado em: 01 nov 2025
Resumo
A emergência climática representa uma ameaça global que exige ações imediatas para mitigar seus impactos devastadores. Os Hortos Agroflorestais Medicinais Biodinâmicos (HAMB) são equipamentos de saúde que integram práticas agroecológicas, saberes e comunidades, promovendo cuidado e aprendizado em diferentes territórios. A Rede HAMB (RHAMB) é formada por 31 hortos no DF, nos quais, semanalmente, acontecem mutirões de plantio, colheitas, oficinas com plantas medicinais, encontros comunitários, trocas cooperativas, integração entre comunidade e sistema de saúde, enfrentamento das desigualdades socioambientais e cuidado com o meio ambiente. A pedagogia desenvolvida na RHAMB é da aprendizagem para a emancipação e, com base nos preceitos agroecológicos, as plantas alimentícias e medicinais são cultivadas com insumos biodinâmicos não tóxicos. Na simultaneidade da transformação do ambiente para o plantio transformam-se os corpos dos participantes que, transformados, envolvem-se no manejo para produzir saúde planetária e bem-estar para todos.
Palavras-chave: Hortos Agroflorestais Medicinais Biodinâmicos, Serviços ambientais, Promoção da saúde, Direito à cidade.
Abstract
The climate emergency represents a global threat that requires immediate action to mitigate its devastating impacts. Biodynamic Medicinal Agroforestry Gardens (HAMB) are health facilities that integrate agroecological practices, knowledge and communities, promoting care and learning in different territories. The HAMB Network (RHAMB) is made up of 31 gardens in the Federal District, in which there are weekly planting sessions, harvests, workshops with medicinal plants, community meetings, cooperative exchanges, integration between the community and the health system, tackling socio-environmental inequalities and caring for the environment. The pedagogy developed at RHAMB is one of learning for emancipation and, based on agroecological precepts, the food and medicinal plants are grown with non-toxic biodynamic inputs. The simultaneous transformation of the environment for planting transforms the bodies of the participants, who become involved in the management to produce planetary health and well-being for all.
Keywords: Biodynamic medicinal agroforestry gardens, Environmental services, Health promotion, Right to the city.
Resumen
La emergencia climática representa una amenaza global que requiere acciones inmediatas para mitigar sus devastadores impactos. Los Huertos Agroforestales Medicinales Biodinámicos (HAMB) son equipamientos de salud que integran prácticas agroecológicas, saberes y comunidades, promoviendo cuidados y aprendizajes en diferentes territorios. La Red HAMB (RHAMB) está formada por 31 huertos en el Distrito Federal, donde semanalmente se realizan plantíos, cosechas, talleres con plantas medicinales, encuentros comunitarios, intercambios cooperativos, integración entre la comunidad y el sistema de salud, abordaje de las desigualdades socioambientales y cuidado del medio ambiente. La pedagogía desarrollada en la RHAMB es de aprendizaje para la emancipación y,
basada en preceptos agroecológicos, los alimentos y las plantas medicinales se cultivan con insumos biodinámicos no tóxicos. La transformación simultánea del entorno para la siembra transforma los cuerpos de los participantes, que se implican en la gestión para producir salud planetaria y bienestar para todos.
Palabras-clave: Huertos agroforestales medicinales biodinámicos, Servicios ambientales, Promoción de la salud, Derecho a la ciudad.
O potencial de exercer o protagonismo em seu devir pessoal, que existe em cada ser humano, atribuído pela ipseidade a partir de um pensamento dicotômico pode levar a uma percepção de separação entre o indivíduo e o meio em que vive. Assim, profundas contradições vêm sendo produzidas a partir da modernidade. Então, o que deveria engajar o ser humano a partir da razão produz o antolho social que impede que os indivíduos reconheçam a condição de interdependência na relação com o ambiente.
Assim, como em uma miragem, em que o indivíduo, em uma condição inóspita de risco à vida, é levado a perseguir um objetivo vão no consumismo, o pensamento humano e, por consequência a ação humana, tem afetado não apenas a medicina, mas a agricultura, a educação, a indústria, bem como toda e qualquer área.
No século XIX, o foco exclusivo da tecnologia na ciência materialista e no lucro levou ao uso intensificado dos solos, com a introdução de produtos sintéticos, a rápida decadência das habilidades agrícolas tradicionais e a perda íntima da relação e sensibilidade para com o mundo natural (Sepúlveda et al., 2022). Observa-se a insustentabilidade das práticas de cuidado humano e ambiental, uma vez que estas não são permeadas por um compromisso de longo prazo com a conservação de recursos, com o uso de tecnologias leves e leve-duras, independência econômica e inclusão social, política e econômica das comunidades (Trajano et al., 2023).
As mudanças climáticas têm despertado interesse na relação entre saúde coletiva e meio ambiente, especialmente diante das crises ambiental, social e planetária (Baklanov; Molina; Gauss, 2016). Infraestruturas verdes em áreas urbanas são essenciais para a saúde pública, adaptação climática e manutenção dos serviços ecossistêmicos. Coutts e Hahn (2015) destacam que as áreas verdes deveriam ser consideradas como ferramentas básicas na saúde pública. No entanto, a falta de integração entre saúde e meio ambiente, no Brasil, compromete o sucesso de muitos projetos.
Esta nota agroecológica vai tratar de uma experiência de sucesso no Distrito Federal (DF): os Hortos Agroflorestais Medicinais Biodinâmicos (HAMB) e seu potencial para promoção da saúde no contexto das mudanças climáticas.
Estes equipamentos públicos, propostos a partir de um projeto desenvolvido em parceria entre a Secretaria de Estado de Saúde do Distrito Federal (SES - DF) e a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz Brasília), vêm sendo implantados desde 2018, principalmente dentro de unidades de saúde. Constitui-se como uma iniciativa capaz de promover o cultivo de plantas medicinais, visando insumos farmacêuticos ativos vegetais (IFAV) como matéria-prima para a produção de fitoterápicos, além de promover um espaço para a integração da comunidade com as pessoas que trabalham no serviço de saúde, fomentar as relações humanas cooperativas, promover o cuidado com o meio ambiente e a utilização de plantas medicinais nos territórios (Trajano et al., 2021).
Em suma, a implantação de Hortos Agroflorestais Medicinais Biodinâmicos no SUS representa a criação de um equipamento de saúde que fomenta um espaço onde se promovem relações seguras, saudáveis, solidárias e sustentáveis no contexto da saúde pública, e inclui, preferencialmente, práticas de saúde coletivas, democráticas, agroecológicas e biodiversas (Trajano et al., 2021). É urgente promover relações verdadeiramente sanadoras com a capacidade de fortalecer vínculos de apoio para a superação conjunta de desafios coletivos (Trajano et al, 2023), como é o caso da urgência climática.
Cada horto é concebido como um organismo socioagrícola inserido no território, onde a saúde do solo, do vegetal, do animal e do ser humano depende de um relacionamento mais amplo entre as forças que impulsionam os processos naturais (Trajano et al., 2023).
A dimensão local, com seu potencial endógeno de conhecimentos e saberes, recursos e interações sociais, pode contribuir para a implementação de formas de agricultura que potencializam a biodiversidade ecológica e a diversidade sociocultural. Ademais, a busca por uma agricultura menos dependente de insumos químicos sintéticos é parte de um desenvolvimento sustentável, que concilia as necessidades econômicas e sociais das populações humanas com a preservação da sua base natural (Miklós, 2019).
Nos últimos anos observaram-se eventos catastróficos de origem ambiental, com repercussão sanitária, em diversas cidades litorâneas, e também enchentes em grandes cidades como Itabuna, São Paulo e Porto Alegre, além de deslizamentos na serra fluminense e em Ubatuba. Em contrapartida, as queimadas e o processo de desertificação têm atingido grandes áreas dos biomas Cerrado, Amazônia e Pantanal.
Assim, faz-se necessária a oferta de espaços de convívio, tais como equipamentos públicos em que as soluções baseadas na natureza sejam o elemento fundamental para o cuidado. Neste aspecto, a rede de Hortos Agroflorestais Medicinais Biodinâmicos (RHAMB), no Sistema Único de Saúde (SUS), desponta como oferta sistemática, especialmente em uma conjuntura de Insegurança Alimentar e Nutricional, racismo ambiental e apartheid alimentar, devido aos pântanos e desertos alimentares que atingem grande parte do território do DF.
Cada HAMB é planejado a partir das demandas locais por plantas medicinais, das interações da Unidade de Saúde com a comunidade, e do potencial do espaço de plantio, considerando melhorias na fertilidade do solo, sua posição em relação à trajetória do sol, à direção do vento, dentre outras especificidades do contexto. Os hortos agroflorestais são compostos por plantas herbáceas, arbustivas e arbóreas, utilizadas como medicinais, alimentícias (como hortaliças, frutíferas, raízes) e adubadeiras, em consórcios. Com base nos preceitos agroecológicos, os hortos são cultivados sem utilizar insumos agroquímicos tóxicos (fertilizantes solúveis e agrotóxicos), pelo contrário, utilizam-se estratégias como manejo da matéria orgânica, com generosa cobertura do solo, visando sua proteção, manutenção da umidade e promoção da vida. O grande número de espécies garante o equilíbrio ecológico dinâmico e a evolução do sistema de produção em um processo sucessional por meio de manejos frequentes. Além disso, a aplicação de preparados biodinâmicos potencializa ainda mais a saúde do HAMB. Os 31 HAMB implantados, até o momento, em espaços públicos, formam a RHAMB, os quais, além de se articularem em rede, são espaços que permitem a realização de diversas atividades, semanalmente, junto à comunidade.
A RHAMB está presente em todas as sete regiões de saúde do DF. A Tabela 1 apresenta a relação da área dos HAMB implementados até agosto de 2025:
Tabela 1. Hortos Agroflorestais Medicinais Biodinâmicos implantados em serviços públicos no Distrito Federal
|
LOCAL |
REGIÃO DE SAÚDE |
ANO |
|
UBS 1 Lago Norte |
Central |
2018 |
|
Centro de Referência em Práticas Integrativas em Saúde (CERPIS) – Planaltina |
Norte |
2021 |
|
Casa de Parto - São Sebastião |
Leste |
2021 |
|
Farmácia Viva - Riacho Fundo |
Centro-Sul |
2021 |
|
UBS 1 Itapoã |
Leste |
2023 |
|
Subsecretaria de Vigilância à Saúde - Asa Sul |
Central |
2023 |
|
UBS 1 Asa Sul |
Central |
2023 |
|
UBS 6 Samambaia |
Sudoeste |
2023 |
|
UBS 8 Ceilândia |
Oeste |
2023 |
|
Diretoria de Vigilância Ambiental em Saúde (DIVAL) – Noroeste |
Central |
2023 |
|
UBS 10 Santa Maria |
Sul |
2023 |
|
UBS 3 Santa Maria |
Sul |
2023 |
|
UBS 1 Brazlândia |
Oeste |
2023 |
|
Escola Classe Beija-Flor - SQN 316 Asa Norte |
Central |
2023 |
|
UBS 2 Sobradinho |
Norte |
2024 |
|
UBS 9 Ceilândia |
Oeste |
2024 |
|
UBS 1 Jardins Mangueiral |
Leste |
2024 |
|
Fiocruz Brasília - Asa Norte |
Central |
2024 |
|
Hospital Universitário de Brasília (HUB) |
Central |
2024 |
|
UBS 3 Recanto das Emas |
Sudoeste |
2024 |
|
UBS 1 Vila Planalto |
Central |
2024 |
|
UBS 1 Núcleo Bandeirante |
Centro -sul |
2024 |
|
UBS 1 Candangolândia |
Centro-sul |
2024 |
|
UBS 7 Santa Maria |
Sul |
2024 |
|
UBS 1 Varjão |
Central |
2024 |
|
UBS 2 Areal |
Sudoeste |
2025 |
|
UBS 2 Guará |
Centro-sul |
2025 |
|
Anexo Ministerio da Saúde |
Central |
2025 |
|
UBS 11 Ceilandia |
Oeste |
2025 |
|
UBS 5 Samambaia |
Sudoeste |
2025 |
|
CREAS Ceilandia |
Oeste |
2025 |
Fonte: Autores
No Brasil, os impactos das mudanças climáticas têm acentuado as desigualdades socioeconômicas e afetam, principalmente, mulheres, idosos, pretos, pardos e pessoas com menor nível educacional (Monteiro dos Santos, et.al, 2024). Nesse contexto, a escassez de áreas verdes, a intensa urbanização, a falta de acesso a serviços públicos, como escolas e serviços básicos de saúde, agravam essa desigualdade e os impactos gerados nessas populações.
O racismo ambiental se configura de várias formas e com diferentes prejuízos às suas vítimas, que suportam, de algum modo, um impacto ambiental negativo muito maior que as outras pessoas (Abreu, 2013). De acordo com Acselrad (2010), a população de baixa renda é mais exposta a riscos ambientais, como enchentes, deslizamentos e contato com esgoto, devido à localização precária de suas moradias. Essa desigualdade, enraizada na distribuição de poder sobre os recursos ambientais, permite que os mais ricos evitem tais riscos, enquanto os mais pobres permanecem presos a um ciclo contínuo de vulnerabilidades.
No Distrito Federal (DF), as características urbanísticas e socioeconômicas das Regiões Administrativas (RA) refletem a desigualdade social e amplificam os impactos das mudanças climáticas. Das 33 Regiões Administrativas (RA), 10 apresentam “alta” ou “muito alta” vulnerabilidade social, entre elas: Estrutural, Sol Nascente, Fercal, Varjão, Itapoã, São Sebastião, Planaltina, Paranoá, Recanto das Emas e Brazlândia (Codeplan, 2020).
Além dos desafios socioeconômicos, essas regiões tendem a sofrer mais com os impactos das mudanças climáticas, como o aumento da temperatura, formação de ilhas de calor, alteração dos padrões de chuva – incluindo secas prolongadas e enchentes – e insegurança alimentar e nutricional. Esses fatores agravam ainda mais as vulnerabilidades dessas regiões que já enfrentam uma carência estrutural e social.
A implementação de áreas verdes pode mitigar esses impactos. Todavia, a desigualdade social, por sua vez, é refletida na distribuição de cobertura vegetal e de áreas verdes. Há uma correlação direta entre a renda e o índice de áreas verdes no DF. As áreas verdes públicas, bem como as privadas, nas áreas periféricas, de baixa renda e com ocupação irregular, são escassas, enquanto nas RA mais ricas a cobertura vegetal por habitante é significativamente maior (IPEDF, 2021).
Nesse sentido, a implementação de Hortos Agroflorestais Medicinais Biodinâmicos nesses territórios de maior vulnerabilidade pode ser uma estratégia importante no contexto da adaptação às mudanças climáticas, por meio da promoção da saúde frente às desigualdades sociais e ambientais no Distrito Federal.
Desde 2021, com a oficialização da Rede de Hortos Agroflorestais Medicinais Biodinâmicos, novos Hortos foram implementados nas periferias do Distrito Federal. Inicialmente, a rede se expandiu do Lago Norte para o Centro Referência em Práticas Integrativas em Saúde (Cerpis) em Planaltina, para a Casa de Parto em São Sebastião e para a Farmácia Viva do Riacho Fundo. Em 2023, outros territórios periféricos foram contemplados, como Itapoã, Santa Maria, Ceilândia, Samambaia e Brazlândia e, em 2024, Samambaia, Sobradinho, Recanto das Emas, Candangolândia, Varjão, Núcleo Bandeirante, Vila Planalto e Jardim Mangueiral também foram incluídos na Rede.
Atualmente, dos 31 HAMB implementados, 23 estão localizados em Regiões Administrativas periféricas com certo grau de vulnerabilidade social. Nesse sentido, a implantação dos Hortos Agroflorestais Medicinais Biodinâmicos (HAMB) é contextualizada de acordo com a realidade específica de cada região. O planejamento dos desenhos, a escolha das espécies e a disposição e formato dos canteiros refletem as características e necessidades socioculturais e geográficas de cada território, bem como os serviços ambientais que podem desempenhar naquela realidade.
Os HAMB são coletivamente preparados, plantados e cuidados, por meio de mutirões, e tornam-se verdadeiras salas de aula vivas ao ar livre, disponíveis para as comunidades. Oficinas de identificação de plantas, manejos agroflorestais, rodas de conversa, vivências de plantio, colheita e beneficiamento de plantas são exemplos de atividades desenvolvidas semanalmente nos 31 HAMB até então implantados no DF. A participação de crianças, jovens e idosos possibilita uma aprendizagem intergeracional.
Os serviços ecossistêmicos são benefícios que os seres humanos obtêm dos ecossistemas. Incluem: os serviços de provisão, que fornecem recursos como alimento, água, madeira; os serviços de suporte, essenciais para formação do solo, fotossíntese, ciclagem de nutrientes; os serviços de regulação, que contribuem com a purificação do ar, equilíbrio hídrico e mitigação de eventos climáticos; e os serviços culturais, que englobam recreação, turismo, identidade cultural e benefícios espirituais (Millennium Ecosystem Assessment, 2005; Brasil, 2021).
Por outro lado, os Serviços Ambientais referem-se a ações humanas voltadas para o manejo, preservação e aprimoramento dos ecossistemas e, assim, garantem a manutenção de seus serviços ecossistêmicos por meio de estratégias resilientes e de infraestrutura ecológica. Embora interligados, esses conceitos devem ser diferenciados, enquanto os Serviços Ecossistêmicos ocorrem naturalmente, independentemente da intervenção humana, os Serviço Ambientais envolvem práticas ativas para potencializar ou conservar esses benefícios (Distrito Federal, 2017).
Nesse sentido, apesar dos hortos possuírem áreas pequenas, com média de 250m² cada, o plantio adensado, biodiverso e estratificado pode contribuir localmente com a provisão de alimentos e plantas medicinais, a regulação do microclima, a redução do escoamento superficial, a evapotranspiração e a regulação do ruído. Além disso, como a manutenção dos hortos ocorre de forma comunitária, com enfoque educacional, social e na promoção de saúde, o serviço ecossistêmico cultural é o principal desempenhado pelos HAMB.
Essa perspectiva é corroborada por Bolund e Hunhammaar (1999), que destacam que, embora os serviços ecossistêmicos urbanos sejam mais limitados em comparação aos de áreas rurais, é essencial que parte desses serviços seja gerada localmente, tanto por razões de eficiência quanto por aspectos éticos e educacionais.
A relação entre os serviços ecossistêmicos e ambientais torna-se ainda mais relevante ao considerar as particularidades das Regiões Administrativas (RA) do DF. Em localidades como Ceilândia, Taguatinga e Samambaia, por exemplo, onde 100% de suas áreas estão situadas em zonas de recarga de aquíferos e são classificadas como áreas de risco ecológico (Oliveira, 2022), os HAMB podem desempenhar um papel fundamental na manutenção do ciclo hidrológico e contribuir com a sustentabilidade hídrica desses territórios. Em contraste, no Lago Norte, onde apenas 20% da ocupação se encontra em áreas de recarga (Oliveira, 2022), a função dos HAMB pode ser direcionada para outras demandas ecológicas.
Portanto, a avaliação dos serviços ambientais proporcionados pelos Hortos Agroflorestais Medicinais Biodinâmicos deve considerar as especificidades de cada território e o potencial ecológico de cada região. Contudo, mais do que espaços produtivos, os HAMB proporcionam experiências de educação ambiental, promoção de saúde e transformação social e, com isso, fortalece a conexão entre a comunidade de cada território com a natureza. Seu papel vai além da provisão e regulação ambiental, pois destacam-se como catalisadores de conhecimento, cultura e pertencimento, fundamentais para a construção de cidades mais resilientes e inclusivas. Percebe-se claramente que os HAMB motivam e contribuem para a aprendizagem dos cidadãos e cidadãs, repercutindo em intervenções em quintais e espaços públicos, para ampliar ainda mais as áreas verdes nos centros urbanos e potencializar a segurança e soberania alimentar e nutricional.
O direito à cidade, incluindo o acesso equitativo às áreas verdes está diretamente ligado ao direito fundamental a um meio ambiente ecologicamente equilibrado (art. 225 da CF) e à função social da Cidade (art. 182 da CF) (Brasil, 1988). Além disso, o Estatuto da Cidade (Lei nº10.257/2001) reforça a importância das áreas verdes para o desenvolvimento urbano sustentável e a garantia do acesso a serviços públicos e equipamentos de saúde (Brasil, 2001). Nesse contexto, os HAMB, enquanto dispositivos de saúde integrados a áreas verdes urbanas, desempenham um papel essencial na promoção de saúde, educação ambiental e integração social. Além disso, contribuem para a garantia do direito à cidade, especialmente para populações em situação de vulnerabilidade.
Os HAMB promovem a integração da comunidade e o serviço de saúde, fomentando relações cooperativas, o cuidado com o meio ambiente e o uso de plantas medicinais em territórios saudáveis e sustentáveis (Trajano et al., 2021). Já presentes nos três níveis assistenciais de saúde do Distrito Federal, com maior concentração na atenção primária, os hortos transformam espaços subutilizados das unidades básicas de saúde em áreas verdes multifuncionais (Figura 1).
Fonte: Jhonatan Cantarelle (Fotógrafo), Agência Saúde DF.
A garantia de direito à cidade passa pelo processo de urbanização e ocupação do solo. Padrões urbanos com maior disponibilidade de áreas verdes tendem a favorecer a qualidade de vida e o equilíbrio ambiental (Nucci, 2008). Essas áreas, classificadas como “espaços livres de construção,” podem ser privadas, potencialmente coletivas e públicas, e possuem solo permeável, onde há o predomínio de vegetação arbórea (Lima, 1994). Tradicionalmente, estas são vistas como espaços de lazer, conservação ambiental e educação, e deveriam ser acessíveis a toda população, sem privilégios a determinados grupos sociais (Morero; Santos; Fidalgo, 2007). No entanto, sua distribuição e manutenção nas cidades costumam ser desiguais, reforçando desigualdades socioambientais (Amato - Lourenço et al., 2016).
Por outro lado, não basta considerar apenas a quantidade de áreas verdes nas cidades, a qualidade desses espaços também desempenha um papel essencial (Van Dillen, et al., 2012). Para isso, é fundamental que essas áreas sejam planejadas de forma a incentivar a prática de atividades físicas e o fortalecimento de vínculos e interações sociais (Van Berg et al., 2019). Nesse contexto, o caráter participativo e inclusivo dos Hortos Agroflorestais Medicinais Biodinâmicos (HAMB), aliado às atividades comunitárias propostas, contribui para a qualificação das áreas verdes urbanas. Além de ampliar o acesso das populações vulnerabilizadas a esses espaços, os HAMB fortalecem a participação social na manutenção e integração com a natureza.
O planejamento dos HAMB parte da compreensão de que cada horto possui sua individualidade, ou seja, um organismo socioagrícola inserido num território específico (Trajano et al., 2021). Essa compreensão valoriza as características e potencialidades locais e fortalece o sentimento de pertencimento e os vínculos entre os participantes e os servidores envolvidos no cuidado e na construção do Horto. Um exemplo disso foi a oficina de muralismo realizada no HAMB da UBS 1 do Lago Norte e da UBS 1 do Itapoã, onde, por meio de um processo coletivo, as pessoas da comunidade foram ouvidas quanto ao significado do Horto para elas, de forma que as paredes das unidades receberam pinturas que representam a interação entre a comunidade e o horto desses territórios.
Dessa forma, os HAMB contribuem quantitativa e qualitativamente para a garantia do direito à cidade, sobretudo para as populações mais vulnerabilizadas que mais sofrem com as desigualdades socioambientais. Além de atuar como instrumento educacional, promovendo consciência ecológica e comunitária, os HAMB fortalecem vínculos sociais e valorizam a identidade de cada território. Além disso, diante das crises ambientais, os HAMB desempenham um papel estratégico na resiliência urbana, por aperfeiçoar áreas verdes e promover práticas sustentáveis que contribuem para a mitigação dos impactos climáticos e segurança alimentar da população.
A crise ambiental reflete a desconexão entre o ser humano e a natureza, além de uma percepção distorcida da realidade. Os desastres ambientais, a intensificação dos eventos extremos e a degradação dos serviços ecossistêmicos de regulação e provisão resultam do modelo de consumo e produção adotado ao longo do processo civilizatório (Ussivane; Júlio, 2024). Para reverter esse quadro, é essencial uma transformação social, política e cultural, de modo a reorientar os objetivos da produção de bens materiais e imateriais (Guattari, 1990). Assim, a participação ativa da sociedade diante das crises ambientais é indispensável para a construção de um novo paradigma de relação com a natureza (IPCC, 2021).
A Constituição Federal, em seu artigo 225 (Brasil, 1988), estabelece que o meio ambiente equilibrado é um bem de uso comum do povo, e cabe ao Poder Público, e à sociedade, o dever de protegê-lo e preservá-lo. Além disso, o artigo 7º da Lei Complementar 140/2011 (Brasil, 2011) determina que é responsabilidade da União promover a conscientização pública para proteção ambiental. Portanto, ações que incentivem a participação social e a conscientização ecológica não são apenas essenciais, mas também um dever constitucional.
Nesse contexto, a Rede de Hortos Agroflorestais Medicinais Biodinâmicas tem se destacado como uma estratégia relevante para enfrentar a crise climática. Além de transformar áreas ociosas das Unidades Básicas de Saúde em espaços produtores de alimentos, plantas medicinais e serviços ambientais, a iniciativa promove conscientização, educação e engajamento comunitário. Por meio de interações saudáveis e reflexões sobre o papel dos seres humanos como seres biológicos do planeta, o projeto fortalece a conexão entre a sociedade e o meio ambiente, contribuindo para a Saúde Planetária, com a otimização de processos de vida.
Copyright (©) 2025 - Ximena Moreno, Marcos Trajano, Rafael Barros, Fabiana Peneireiro, Nelson Filice de Barros.
REFERÊNCIAS
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BAKLANOV, Alexander.; MOLINA, Luisa. T.; GAUSS, Michael. Megacities, air quality and climate. Atmospheric Environment, v. 126, p. 235-49, 2016. DOI: 10.1016/j.atmosenv.2015.11.059.
BOLUND, Per; HUNHAMMAR, Sven. Ecosystem services in urban areas. Ecological Economics. v. 29, n. 2, p. 293–301, 1999. Disponível em: https://sheppard.ltrr.arizona.edu/envirothon/BolundHunhammar1999EcosystemServicesUrbanAreas.pdf .Acesso em 14 fev. 2025.
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COMPANHIA DE PLANEJAMENTO DO DISTRITO FEDERAL – CODEPLAN. Índice de Vulnerabilidade Social do Distrito Federal. Brasília: Codeplan, 2020.
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Revista Brasileira de Agroecologia
ISSN 1980-9735
Publicação da Associação Brasileira de Agroecologia - ABA-Agroecologia em cooperação com o Programa de Pós-Graduação em Meio Ambiente e Desenvolvimento Rural - PPG-Mader, da Universidade de Brasília – UnB
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