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Brasília, v. 20, n. 4, p. 694-717, 2025

https://doi.org/10.33240/rba.v20i4.57537

Como citar: MATTOS, Vinicius F. Agroecologia e Planejamento Urbano e Regional: potenciais para a transição agroecológica na região metropolitana do Rio de Janeiro. Revista Brasileira de Agroecologia, v. 20, n. 4, p. 694-717, 2025.

Agroecologia e Planejamento Urbano e Regional: potenciais para a transição agroecológica na região metropolitana do Rio de Janeiro

Agroecology and Urban and Regional Planning: Potentials for Agroecological Transition in the Metropolitan Region of Rio de Janeiro

Agroecología y Planificación Urbana y Regional: Potenciales para la Transición Agroecológica en la Región Metropolitana de Río de Janeiro

 

Vinicius Ferreira Mattos1

 

1 Docente no Programa de Pós-Graduação em Arquitetura Paisagística da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Doutor em Urbanismo  pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil. Orcid: https://orcid.org/0000-0001-6050-4487 e e-mail : viniciusmattos@eba.ufrj.br

 

 

Recebido em: 17 mar 2025 - Aceito em: 04 jun 2025 – publicado em: 01 nov 2025

 

 

Resumo

O presente estudo propõe uma análise do potencial agroecológico dos espaços livres de urbanização na Região Metropolitana do Rio de Janeiro (RMRJ), com o objetivo de oferecer subsídios ao planejamento regional orientado pela segurança alimentar, regeneração ambiental e enfrentamento das mudanças climáticas. Considerando o contexto da COP 30 e os desafios urbanos contemporâneos, o trabalho reafirma a Agroecologia como uma estratégia de reorganização territorial e justiça climática, capaz de integrar produção de alimentos, inclusão social e conservação ambiental. A partir de uma metodologia que combina análise cartográfica detalhada e análise paramétrica, foram mapeadas as áreas com potencial de reconversão agroecológica, e projetados cenários de uso do solo que aliam produção, habitação rural e infraestrutura. Assim, o estudo demonstra que, por meio de planejamento dos espaços periurbanos orientados à Agroecologia, é possível promover a transição para modelos territoriais mais justos e sustentáveis, contribuindo para a soberania alimentar e a adaptação climática da RMRJ.

Palavras-chave: Agroecologia, Planejamento urbano e regional, Cartografia, Região metropolitana do Rio de Janeiro.

 

Abstract

This study proposes an analysis of the agroecological potential of open spaces in the Metropolitan Region of Rio de Janeiro (RMRJ), aiming to provide inputs for regional planning focused on food security, environmental regeneration, and climate change mitigation. Considering the context of COP 30 and contemporary urban challenges, the study reaffirms Agroecology as a strategy for territorial reorganization and climate justice, capable of integrating food production, social inclusion, and environmental conservation. Based on a methodology that combines detailed cartographic analysis and parametric analysis, areas with potential for agroecological conversion were mapped, and land-use scenarios were designed to combine food production, rural housing, and infrastructure. Thus, the study demonstrates that, through peri-urban spaces planning guided by Agroecology, it is possible to promote the transition to fairer and more sustainable territorial models, contributing to food sovereignty and climate adaptation in the RMRJ.

Keywords: Agroecology, Urban and regional planning, Cartography, Metropolitan region of Rio de Janeiro.

 

Resumen

El presente estudio propone un análisis del potencial agroecológico de los espacios libres de urbanización en la Región Metropolitana de Río de Janeiro (RMRJ), con el objetivo de aportar insumos para la planificación regional orientada a la seguridad alimentaria, la regeneración ambiental y el enfrentamiento al cambio climático. Considerando el contexto de la COP 30 y los desafíos urbanos contemporáneos, el trabajo reafirma la Agroecología como una estrategia de reorganización territorial y justicia climática, capaz de integrar la producción de alimentos, la inclusión social y la conservación ambiental. A partir de una metodología que combina análisis cartográficos detallados y análisis paramétrico, se mapearon las áreas con potencial de reconversión agroecológica y se proyectaron escenarios de uso del suelo que articulan producción, vivienda rural e infraestructura. Así, el estudio demuestra que, mediante una planificación de los espacios periurbanos orientada por la Agroecología, es posible promover la transición hacia modelos territoriales más justos y sostenibles, contribuyendo a la soberanía alimentaria y a la adaptación climática de la RMRJ.

Palabras-clave: Agroecología, Planificación urbana y regional, Cartografía, Región metropolitana de Río de Janeiro.

 

INTRODUÇÃO

A realização da 30th Conference of the Parties of United Nations Framework Convention on Climate Change (COP 30 - UNFCCC), em 2025, na Amazônia brasileira, convoca o mundo, e especialmente o Brasil, a refletir sobre a urgência de enfrentar as crises climática, ambiental e social de maneira integrada e com justiça. Esse evento global, que marca dez anos do Acordo de Paris, evidencia a necessidade de repensarmos profundamente os modelos de desenvolvimento, produção e organização do território, especialmente em países como o Brasil, onde o agronegócio responde por mais de 70% das emissões nacionais de gases de efeito estufa (GEE) (Marques, 2022), e onde as desigualdades socioespaciais se aprofundam à medida que os territórios urbanos se tornam cada vez mais vulneráveis aos impactos das mudanças climáticas.

Nesse cenário, a Agroecologia emerge não apenas como um modelo agrícola sustentável, mas como uma estratégia abrangente de transição socioecológica, de enfrentamento à crise climática e de construção de justiça territorial e alimentar. Além de promover práticas agrícolas baseadas na biodiversidade e na regeneração dos ecossistemas, a Agroecologia articula-se com a luta por direitos à terra, soberania alimentar e justiça climática, especialmente a partir das experiências e saberes dos povos indígenas, comunidades tradicionais e agricultores familiares. Como denunciam Vandana Shiva (2020) e Luiz Marques (2022), a lógica de desenvolvimento baseada na exploração infinita de recursos e na desigualdade estrutural tem conduzido o planeta a um colapso ecológico e social. A Agroecologia, nesse contexto, desponta como um caminho de resistência e reconstrução de territórios resilientes, inclusivos e ecologicamente integrados.

A partir dessa perspectiva, o planejamento urbano e regional ganha um papel estratégico na viabilização de territórios agroecológicos, especialmente em contextos metropolitanos, onde a fragmentação do espaço e a separação radical entre cidade e campo tornam os sistemas alimentares vulneráveis, injustos e dependentes de cadeias globais controladas por grandes corporações. Como destacam Tornaghi e Dehaene (2014) e Bernardo Secchi (2006), é necessário superar o modelo hegemônico de urbanização, que reproduz a lógica da exploração capitalista do território, para pensar formas de integração produtiva, ecológica e social entre áreas urbanas, rurais e naturais, criando territórios autossustentáveis e cinturões produtivos agroecológicos que promovam soberania alimentar, inclusão social e regeneração ambiental.

Nesse contexto, o presente estudo propõe uma análise do potencial agroecológico dos espaços livres de urbanização na Região Metropolitana do Rio de Janeiro (RMRJ), com o objetivo de oferecer subsídios para um planejamento regional que incorpore a Agroecologia como eixo estratégico para a segurança alimentar, a regeneração ambiental e o enfrentamento das mudanças climáticas. A RMRJ, segunda maior metrópole brasileira, é um território marcado por profundas desigualdades socioespaciais, alta vulnerabilidade ambiental e um modelo urbano que se expandiu de forma desordenada, gerando grandes passivos socioambientais. Ao mesmo tempo, a região ainda conserva uma diversidade de áreas periurbanas, zonas rurais e espaços degradados com potencial de reconversão agroecológica, que poderiam ser mobilizados para a criação de cinturões agroecológicos.

O estudo parte da hipótese de que os espaços livres urbanos e periurbanos da RMRJ representam uma oportunidade concreta para viabilizar sistemas agroecológicos articulados ao planejamento regional, superando a dicotomia entre campo e cidade. Assim, o trabalho propõe mapear e avaliar essas áreas a partir de uma metodologia que combina análise cartográfica e análise paramétrica, identificando as terras com potencial de reconversão agroecológica e projetando cenários que integrem produção de alimentos, regeneração ambiental, infraestrutura e habitação rural, em diálogo com as diretrizes de planejamento urbano e regional. Por meio dessa abordagem, busca-se oferecer uma contribuição prática ao debate sobre o papel da Agroecologia no enfrentamento à crise climática, reafirmando a necessidade de que o planejamento do território seja orientado por princípios de justiça social, sustentabilidade ecológica e soberania alimentar, temas centrais para a COP 30 e para a construção de alternativas ao modelo destrutivo imposto pelo agronegócio global.

Ao trazer o foco para a RMRJ, este estudo também contribui para o debate sobre o papel das grandes metrópoles brasileiras no enfrentamento à crise climática, destacando como essas regiões, embora intensamente urbanizadas, ainda possuem territórios com potencial produtivo e ecológico significativo e subaproveitado. Nesse sentido, propõe-se discutir a Agroecologia não apenas como um modelo agrícola, mas como uma estratégia territorial e política de reorganização dos espaços metropolitanos, contribuindo para a construção de modelos urbanos e regionais resilientes, capazes de integrar produção de alimentos, justiça social e conservação ambiental como resposta concreta aos desafios colocados pela COP 30.

 

O PAPEL DO PLANEJAMENTO URBANO E REGIONAL PARA A TRANSIÇÃO AGROECOLÓGICA

Vivemos em um momento histórico em que os grandes problemas ambientais, sociais e alimentares se tornaram desafios globais interdependentes. O modo como ocupamos o território, organizamos nossas cidades e produzimos alimentos está diretamente ligado às crises climáticas, à perda de biodiversidade e à crescente desigualdade social. Por isso, o planejamento urbano e regional precisa ser ressignificado, superando seu papel tradicional de apenas ordenar o espaço urbano dentro da lógica capitalista de desenvolvimento, para se tornar uma ferramenta estratégica da transição agroecológica.

Planejar o território pode ser, antes de tudo, pensar coletivamente sobre como viver em sociedade, organizando os espaços de maneira justa, equilibrada e sustentável. Planejamento Urbano e Regional não significa apenas desenhar ruas ou bairros; significa decidir, em conjunto, como queremos habitar o planeta, respeitando os limites dos ecossistemas e garantindo o direito à vida digna para todas as pessoas. Ampliar essa visão pode ser considerar, dentro de uma perspectiva sustentável, como devemos dialogar com o campo, as florestas, os rios e todos os ecossistemas que interagem entre si e com as cidades, promovendo o equilíbrio entre áreas urbanas, rurais e naturais.

Contudo, o desenvolvimento e o modo de produção capitalista, como denunciam Vandana Shiva (2020) e Luiz Marques (2022), estão baseados em um ideal de crescimento econômico infinito, movido por uma lógica de exploração sem limites da natureza e das pessoas. Shiva (2020) o chama de "desenvolvimento para 1%", pois beneficia apenas uma minoria poderosa, enquanto gera miséria, destruição ambiental e desigualdade. Como Marques (2022) demonstra, a manutenção desse modelo nos conduz a um colapso climático e ecológico. Assim, é urgente pensar alternativas de habitar o planeta, que reorganizem a produção, a economia e o território a partir de princípios de justiça social e equilíbrio ambiental.

Um dos principais efeitos desse modelo é a ruptura profunda entre a cidade e o campo. As cidades, cada vez mais, se tornaram dependentes de cadeias produtivas globais, controladas por grandes corporações, que impõem uma lógica de produção alimentar baseada em monoculturas, uso intensivo de agrotóxicos e grandes percursos logísticos — como alerta Stephen Gliessman (2015). Os alimentos percorrem milhares de quilômetros, consumindo combustíveis fósseis e gerando poluição, ao mesmo tempo em que os produtores locais são excluídos dos mercados.

Além disso, o modo capitalista de urbanização reforça a centralização da riqueza, do poder e da infraestrutura em grandes centros urbanos, deixando as periferias e o campo em condições precárias. Essa segregação socioespacial é um dos elementos que o urbanismo tradicional reforça, criando territórios desiguais e insustentáveis. Para Bernardo Secchi (2006), a superação dessa lógica passa pela reconstrução de uma relação saudável entre cidade e campo, por meio de um planejamento que integre novamente os processos produtivos, sociais e ecológicos.

A construção dessas novas formas de viver e produzir exige também repensar o próprio desenho e funcionamento dos territórios. Secchi e Viganò (2016) trazem conceitos inovadores como isotropia e metrópole horizontal, que propõem superar as hierarquias espaciais tradicionais, nas quais o centro é privilegiado e as periferias são marginalizadas. A isotropia, para esses autores, significa uma distribuição equilibrada de funções urbanas, serviços e infraestrutura por todo o território, garantindo que não haja áreas "de primeira e segunda classe". A metrópole horizontal defende que as cidades devem funcionar em rede, integrando zonas urbanas, rurais e naturais de maneira coesa e solidária, para reduzir desigualdades e fortalecer o equilíbrio socioecológico.

Um planejamento urbano e regional para a transição agroecológica deve propor a ruptura com os paradigmas excludentes e destrutivos do urbanismo hegemônico. Como defendem Tornaghi e Dehaene (2014), o planejamento deve incorporar práticas de produção alimentar e regeneração ecológica dentro do espaço urbano e nos espaços periurbanos, rompendo a separação entre rural e urbano. A cidade não pode mais ser apenas um espaço de consumo de recursos e alimentos produzidos à distância; deve ser também espaço de produção, regeneração e cuidado com o ambiente.

Portanto, essa nova forma de planejamento deve se basear em três princípios centrais:

Nesse contexto, esse planejamento aproxima-se da noção de regiões autônomas (Alexander, 1977), ou seja, regiões que buscam ao máximo estabelecer uma autonomia produtiva, especialmente em relação à produção de alimentos, reduzindo a dependência dos mercados globais e fortalecendo a soberania alimentar. Trata-se de produzir localmente o que se consome, respeitando os limites ecológicos e sociais de cada território. Essa abordagem rompe com o modelo hegemônico de urbanização concentrada, que acumula riqueza e poder em poucos pólos metropolitanos, ao mesmo tempo em que aprofunda desigualdades. Em seu lugar, propõe a construção de territórios integrados, autônomos e resilientes, capazes de enfrentar as crises ecológicas, econômicas e sociais do século XXI.

Neste trabalho propõe-se apresentar um exemplo de aplicação prática dessa visão integrada, o cinturão agroecológico periurbano, uma proposta de planejamento que busca aproximar a produção de alimentos dos centros urbanos, através da criação de áreas de cultivo sustentável nos limites e entornos das cidades. Esses cinturões agroecológicos não são apenas zonas agrícolas comuns: são territórios pensados para integrar a produção alimentar, a regeneração ambiental e a inclusão social. Neles, agricultores familiares, cooperativas agroecológicas e comunidades urbanas podem trabalhar juntos para garantir alimentos saudáveis, frescos e produzidos localmente, reduzindo a dependência de longas cadeias produtivas globais e promovendo a segurança alimentar das cidades.

Além disso, os cinturões funcionarão como barreiras naturais contra a expansão desordenada da cidade, protegendo áreas de floresta, mananciais e ecossistemas frágeis. Assim, articulam a preservação ambiental com o direito à alimentação saudável e com o fortalecimento da economia local, constituindo um exemplo claro de como o planejamento pode viabilizar a transição agroecológica.

 

METODOLOGIA

Para alcançar os objetivos deste estudo, foram adotados dois procedimentos metodológicos principais: a cartografia e a análise paramétrica, aplicadas à escala territorial da Região Metropolitana do Rio de Janeiro (RMRJ). A combinação dessas abordagens permitiu integrar a leitura técnica e geográfica do território com a avaliação do potencial produtivo e ecológico de suas áreas, em consonância com os princípios de transição agroecológica e reorganização territorial sustentável.

A primeira etapa do estudo envolveu a elaboração de uma análise cartográfica detalhada, fundamentada em bases cartográficas atualizadas, disponibilizadas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística na escala de 1:25.000 (IBGE, 2018). Essas bases forneceram informações essenciais sobre limites territoriais, divisões administrativas, hidrografia, relevo e cobertura do solo, possibilitando uma visão abrangente e precisa do território metropolitano.

Além dessas informações físicas, foram integrados dados do Censo Demográfico de 2022, o que permitiu cruzar as características territoriais com variáveis socioeconômicas, como a densidade populacional, a distribuição das habitações e o uso do solo, aspectos fundamentais para a análise do potencial agroecológico da região. Para a delimitação das áreas com potencial de transição agroecológica, o estudo adotou o conceito de espaços livres de urbanização, focando em áreas classificadas como cobertura do solo não urbanizada. Dessa forma, foram consideradas aptas à reconversão agroecológica áreas como pastagens, cultivos, áreas degradadas, terrenos inundáveis e brejos, com a exclusão de zonas urbanizadas, áreas industriais, complexos institucionais e espaços de preservação ambiental integral. As áreas identificadas foram mapeadas e quantificadas, com o objetivo de avaliar o potencial territorial disponível para a transição agroecológica, respeitando a aptidão ecológica e a infraestrutura existente.

A partir desse levantamento, foi realizada uma análise paramétrica, com o propósito de simular diferentes cenários de uso agroecológico do solo, considerando uma série de parâmetros técnicos, ecológicos e sociais, com vistas a garantir a viabilidade do processo de transição. Essa análise buscou avaliar como o território poderia ser reorganizado para abrigar sistemas agroecológicos integrados, conciliando produção de alimentos, regeneração ambiental e a criação de núcleos habitacionais articulados a esses novos sistemas produtivos. Além das áreas de cultivo, foram consideradas as necessidades de infraestrutura de suporte, como acesso, armazenamento de água, espaços para serviços comunitários e corredores ecológicos, fundamentais para a conectividade entre os fragmentos ambientais e para o equilíbrio dos sistemas agroecológicos.

Com o intuito de analisar a viabilidade social e produtiva da transição, o estudo também incorporou variáveis demográficas, projetando cenários de ocupação populacional das áreas destinadas à agroecologia. Considerando o alto índice de emprego de mão de obra em sistemas agroflorestais e agroecológicos, a análise demográfica tornou-se essencial para avaliar a relação entre o território disponível, a capacidade produtiva e a necessidade de mão de obra, indicando o potencial de geração de emprego, habitação rural e fortalecimento de economias locais sustentáveis.

O primeiro cenário foi desenvolvido com o objetivo de estimar a área mínima necessária para garantir a autossuficiência alimentar da população da Região Metropolitana do Rio de Janeiro, com base exclusivamente em sistemas de produção agroecológicos. A partir da população registrada no Censo Demográfico de 2022, foram utilizadas médias ajustadas de produtividade agroflorestal, levando em conta dados empíricos adaptados à realidade ecológica e climática regional. Também foram considerados os padrões de consumo alimentar per capita, definidos a partir de referências nacionais que apontam para dietas equilibradas e adequadas nutricionalmente. Com isso, o cenário permite compreender a extensão territorial que seria necessária para suprir integralmente a demanda alimentar metropolitana, oferecendo uma perspectiva teórica sobre a viabilidade produtiva da transição agroecológica e contribuindo para o debate em torno da importância estratégica dos cinturões agroecológicos periurbanos como suporte alimentar para as grandes cidades.

O segundo cenário, por sua vez, aprofunda a análise ao incorporar uma série de variáveis ambientais, sociais e territoriais essenciais para a adaptação real do território. Essa abordagem considera a necessidade de preservar áreas de proteção permanente e reservas legais, recuperar encostas e margens de rios com reflorestamento, destinar espaços para infraestrutura e serviços públicos, criar áreas para habitação rural integrada a sistemas agroecológicos, bem como estabelecer corredores ecológicos para garantir a conectividade ambiental e a funcionalidade dos ecossistemas. Também foram levadas em conta as limitações físicas do território, como declividades acentuadas e restrições de acesso e manejo. Com essas considerações, a área efetivamente disponível para a produção agroecológica foi significativamente reduzida em relação ao potencial inicial, refletindo os ajustes necessários para garantir a sustentabilidade ambiental e social do processo. Assim, o segundo cenário permite avaliar, de maneira mais realista, a capacidade produtiva do território, estimando o número de pessoas que poderiam ser atendidas com a produção local, ainda que considerando todas as restrições e demandas complementares ao uso produtivo do solo.

Por fim, os cenários resultantes foram integrados às diretrizes de planejamento urbano, regional e ambiental, oferecendo subsídios técnicos para a formulação de políticas públicas voltadas à transição agroecológica, segurança alimentar, regeneração ambiental e reorganização territorial da Região Metropolitana do Rio de Janeiro. A metodologia proposta, portanto, articula análise espacial detalhada, simulações territoriais e cenários de transição agroecológica, compondo uma base sólida e operativa para a construção de modelos territoriais integrados, que respondam simultaneamente às crises ambientais, alimentares e sociais que marcam o território metropolitano contemporâneo.

REGIÃO METROPOLITANA DO RIO DE JANEIRO

A Região Metropolitana do Rio de Janeiro (RMRJ) (Figura 1), localizada no Sudeste do Brasil, é a segunda maior aglomeração urbana do país, com 22 municípios e uma população de aproximadamente 12.294.491 (12,3 milhões) de habitantes, distribuídos em uma área de 538.500 hectares. Inserida no bioma mata atlântica, a RMRJ combina uma paisagem diversa, composta por planícies, baixadas, serras e maciços costeiros, além de áreas de encosta e morros, que definem um território fragmentado e ambientalmente sensível.

 
Figura 1. Limites administrativos da Região Metropolitana do Rio de Janeiro.
Fonte:
Autores, 2025; sobre base do IBGE, 2018.
 

A região abriga importantes corpos hídricos, como a Baía de Guanabara e a Baía de Sepetiba, além das Baixadas do Rio Guandu, Fluminense e do Rio Macacu, que integram bacias hidrográficas fundamentais para o abastecimento de água e o equilíbrio ecológico da metrópole. Embora seja uma das regiões mais urbanizadas e industrializadas do Brasil, a RMRJ ainda conserva remanescentes florestais, áreas rurais e de produção agrícola, especialmente em zonas periurbanas e encostas, com destaque para pastagens, áreas cultivadas, Áreas de Preservação Permanente (APP) e terras degradadas com potencial de recuperação agroecológica.

Apesar de seu papel econômico estratégico, com forte presença industrial, portuária e de serviços, a RMRJ enfrenta profundas desigualdades socioespaciais, refletidas na coexistência de áreas de alta renda com periferias e favelas marcadas pela precariedade habitacional, falta de infraestrutura e serviços.

Frente a esses desafios, o território metropolitano apresenta áreas relevantes para práticas agroecológicas, que podem contribuir para a segurança alimentar, regeneração ambiental e desenvolvimento de economias locais sustentáveis, integrando a produção de alimentos com estratégias de preservação ambiental e justiça social. Assim, a RMRJ oferece condições concretas para a construção de modelos territoriais sustentáveis, articulando cidade e campo em resposta às crises contemporâneas.

 

COBERTURA DO SOLO POTENCIAL PARA A TRANSIÇÃO

A partir da análise do mosaico de coberturas do solo do território (Figura 2), a partir da cartografia da RMRJ (IBGE, 2018), foram identificados e agrupados os conjuntos de categorias com potencial para a transição agroecológica, com base nos seguintes critérios: exclusão de áreas destinadas à conservação ambiental ou associadas a biomas em bom estado de preservação; exclusão de áreas urbanizadas ou em processo avançado de urbanização (semi urbanizadas); e exclusão de áreas relacionadas a atividades potencialmente poluentes do solo, como zonas industriais ou de mineração.

 
Figura 2: Coberturas do solo dos espaços livres de urbanização da RMRJ.
Fonte:
Autores, 2025; sobre base do IBGE, 2018
 

Essa análise evidencia uma predominância expressiva de áreas destinadas a pastagens, que totalizam 241.150 hectares, correspondendo a 73,74% do território total avaliado. Considerando que a atividade pecuária na região não possui grande relevância econômica ou produtiva, essa extensão de terras destinadas a pastagens revela uma subutilização significativa do território rural metropolitano para a produção de alimentos. Tal predominância aponta para um enorme potencial de transição agroecológica, especialmente diante da ampla disponibilidade de terras passíveis de serem convertidas para práticas de manejo sustentável e regeneração ambiental, contribuindo tanto para a segurança alimentar quanto para a restauração dos ecossistemas locais.

As áreas destinadas a cultivos agrícolas totalizam 25.471 hectares, correspondendo a 7,79% do total, refletindo uma presença relativamente reduzida da agricultura convencional frente à extensão das pastagens. Esse dado ressalta a necessidade de diversificação produtiva e de fortalecimento de sistemas agroecológicos que possam ampliar a oferta de alimentos em equilíbrio com o ambiente.

Além disso, as áreas classificadas como macega e chavascal, que são vegetações arbustivas associadas a processos de degradação e regeneração, ocupam 17.402 hectares, ou 5,32% da área total, sinalizando regiões que poderiam ser potencialmente recuperadas por meio de práticas de restauração ecológica e agroflorestal.

No que se refere às áreas inundáveis, que abrangem regiões sujeitas a alagamentos naturais, foram identificados 38.716 hectares, equivalentes a 11,84% da área total. Essas zonas, de alta importância ecológica, desempenham funções fundamentais para o equilíbrio hidrológico, conservação da biodiversidade e serviços ecossistêmicos, sendo também espaços com potencial para formas adaptativas de agricultura, como sistemas agroecológicos de base aquática.

Por fim, brejos e pântanos somam 4.269 hectares, o que representa 1,31% do território, configurando áreas de grande sensibilidade ambiental e relevância para o armazenamento de carbono, regulação climática e manutenção da biodiversidade.

Ao todo, a área total analisada compreende 327.008 hectares, distribuídos entre essas diferentes categorias de uso e cobertura do solo. A leitura integrada desses dados demonstra um cenário dominado por pastagens, mas com a presença de áreas agrícolas, zonas de vegetação degradada e ecossistemas alagados, compondo um mosaico territorial que oferece amplas possibilidades para a implementação de práticas agroecológicas, restauração ambiental e desenvolvimento sustentável.

Quadro 1: Áreas potenciais para a transição.

Pastagem

241.150 Ha

73,74%

Cultivos

25.471 Ha

7,79%

Macega e Chavascal

17.402 Ha

5,32%

Terreno Inundável

38.716 Ha

11,84%

Brejo e Pântanos

4.269 Ha

1,31%

Total

327.008 Ha

100,00%

Fonte: Autores, 2025; a partir da base IBGE 2018.

A partir desses dados iniciais, foram considerados dois cenários paramétricos distintos para a análise. No primeiro cenário, partiu-se da totalidade da demanda alimentar da Região Metropolitana, com o objetivo de calcular a área necessária de produção agroecológica capaz de atender integralmente à população atual. Este cenário busca estimar a dimensão territorial mínima necessária para garantir a autossuficiência alimentar regional, tomando como base parâmetros de produtividade vinculados a sistemas agroecológicos e agroflorestais.

No segundo cenário, a análise se concentrou na capacidade produtiva do território mapeado, estabelecendo uma relação entre a população potencialmente atendida por meio da transição agroecológica das áreas identificadas e a população total da Região Metropolitana. Com isso, buscou-se avaliar o potencial real do território disponível para atender às necessidades alimentares locais, considerando as atuais limitações e oportunidades para a transição agroecológica (Figura 3).

 
Figura 3: Urbanização e áreas potenciais para a transição agroecológica da RMRJ.
Fonte:
Autores, 2025; sobre base do IBGE, 2018.
 

CENÁRIO 1 - SOBERANIA ALIMENTAR

O cenário paramétrico proposto neste estudo tem como objetivo estimar a extensão de área produtiva necessária para garantir a autossuficiência alimentar da população da Região Metropolitana do Rio de Janeiro, considerando exclusivamente sistemas de produção agroecológica. Para isso, a análise parte da população registrada no Censo Demográfico de 2022 (IBGE, 2022) e utiliza como referência a eficiência produtiva de sistemas agroflorestais, associada à demanda alimentar média por pessoa com valor nutricional adequado.

A estimativa da produtividade média dos sistemas agroflorestais foi realizada com base em dados obtidos a partir de sete Unidades de Produção Agroflorestal (UPs), estudadas pelo Professor Marcelo Arco-Verde e sua equipe de pesquisa (Ewert et al., 2021). As unidades analisadas estão localizadas em assentamentos do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), na região norte do Paraná e região central de São Paulo, e servem como referência prática da capacidade produtiva de agroflorestas.

A produtividade dessas UPs foi calculada com base na média anual de toneladas produzidas por hectare. Os dados revelaram uma variação significativa entre as unidades, relacionada principalmente aos diferentes arranjos produtivos e às culturas predominantes. Unidades com foco na produção de frutas apresentaram maiores volumes de alimentos, enquanto aquelas dedicadas à produção de madeira para construção registraram produtividades alimentares mais baixas.

Quadro 2: Capacidade produtiva comparada.

UP

1

2

3

4

5

6

7

Média Geral

Média Produtividade (ton/ha/ano)

11,5

25,0

25,8

35,0

30,4

19,8

4,4

21,7

Fonte: Autores, 2025; Compilado de: dados de Ewert et al.,2021.

 

Com base nesses dados, foi obtida uma média geral de produtividade de 21,7 toneladas por hectare por ano. No entanto, reconhecendo as diferenças ecológicas, climáticas e socioeconômicas entre o Paraná e a Região Metropolitana do Rio de Janeiro, foi aplicado um ajuste de 20% para baixo, resultando em uma produtividade ajustada de 17,5 toneladas por hectare por ano, mais adequada à realidade da região analisada.

Para calcular a demanda alimentar anual da população, foram utilizados dados da Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF), realizada pelo IBGE em 2018. Segundo a POF, a média nacional de consumo de alimentos foi de 261,45 kg por pessoa por ano, enquanto, na Região Metropolitana do Rio de Janeiro, o valor médio registrado foi de 224,9 kg por pessoa por ano, refletindo o perfil socioeconômico da população local. No entanto, para garantir um padrão alimentar ideal, compatível com uma dieta equilibrada, foi considerada a estimativa de 428 kg por pessoa por ano, valor correspondente à média de consumo da população com renda superior a quinze salários mínimos, também reportado pela POF.

Considerando que a população segundo o Censo de 2022 corresponde a 12.294.491 (12,3 milhões) de habitantes, a demanda anual total de alimentos necessária para garantir a autossuficiência alimentar seria de aproximadamente 5.262.042,15 toneladas de alimentos por ano. Com base na produtividade ajustada de 17,5 toneladas por hectare por ano, a área necessária para atender integralmente essa demanda foi estimada em 300.688,12 hectares.

CENÁRIO 2 - POTENCIAL DE PRODUÇÃO DA REGIÃO METROPOLITANA

O segundo cenário avaliado busca explorar o potencial de produção sob a hipótese de implementação de um planejamento ambiental e territorial integrado que favoreça a transição para práticas agroecológicas em toda a Região Metropolitana do Rio de Janeiro (Figura 4). Esse cenário considera a conversão de todo o território potencialmente adequado para o desenvolvimento de atividades agroecológicas, abrangendo uma área total de 327.008 hectares. Esse limite é estabelecido a partir de uma série de fatores ecológicos e de infraestrutura essenciais para suportar essa transformação, contemplando critérios ambientais, técnicos e sociais.

 
Figura 4: Sequência de análise da paisagem: 1) Imagem aérea, 2) Áreas potenciais para transição agroecológica e 3) Áreas para Reforma Agrária, áreas potenciais menos as Áreas de Proteção Permanente (APPs).
Fonte:
Autores, 2025; sobre base do IBGE, 2018
 

Entre os aspectos geométricos considerados, destaca-se a declividade topográfica, com a identificação de áreas com declividade superior a 25%, que foram classificadas como de uso restrito e recomendadas para reflorestamento, priorizando o cultivo de frutas nativas e o manejo agroflorestal em zonas atualmente utilizadas como pastagens ou vegetação rasteira. Além disso, o cenário respeita integralmente as áreas de proteção permanente (APPs), conforme o estabelecido pelo Código Florestal Brasileiro, Lei 12.651 (Brasil, 2012), o que inclui faixas de proteção ao longo de rios, lagoas, lagos, picos de montanhas e encostas com alta declividade. Considera-se também uma faixa de 5 metros ao longo de infraestruturas críticas existentes, como redes de alta tensão, oleodutos, ferrovias, rodovias e demais vias estruturantes, destinadas à proteção e adequação do uso do solo. Assim, dos 327.008 hectares identificados como área de referência, 138.328 hectares foram destinados ao reflorestamento ou a intervenções paisagísticas de borda, e 188.680 hectares foram designados para o planejamento produtivo e urbano do território.

Quanto aos aspectos paramétricos, o cenário propõe diretrizes específicas para urbanização e adensamento rural, reconhecendo a importância de reservar áreas para moradia, articuladas com a expansão das práticas agroecológicas. O modelo considera que, em média, um trabalhador é capaz de manejar um hectare de território agroecológico, englobando atividades de produção, prestação de serviços, regeneração ecológica e manejo sustentável, conforme apontam os estudos de Caporal e Costabeber (2004). Com base nesse parâmetro, a transição agroecológica em 188.680 hectares exigiria, aproximadamente, 188.680 de trabalhadores, o que, ao considerar a média de três habitantes por família (Magalhães e Izaga, 2017) e um habitante trabalhador rural por família, implicaria em uma população estimada de 5,1 milhões de pessoas vivendo em função do novo modelo territorial, o que inclui tanto habitantes já residentes na metrópole quanto migrantes oriundos de outras regiões, estados ou países. Esse adensamento populacional no território implica a necessidade de planejar a constituição de novos núcleos urbanos, vilas camponesas e habitações rurais, de modo a garantir moradia adequada e integrada às práticas agroecológicas. Considerando uma população estimada em 566.040 habitantes e adotando a referência de uma média de 60 habitantes por hectare em tecido urbano de baixa densidade demográfica (Mattos, 2021), verifica-se a necessidade de destinar aproximadamente 9.500 hectares para a ocupação urbana, distribuídos em assentamentos planejados que respeitem as dinâmicas ecológicas e produtivas do território.

Além do adensamento rural, o planejamento propõe a criação e ampliação da infraestrutura de serviços essenciais nas zonas periurbanas e rurais, incluindo sistemas de abastecimento de água, energia, saneamento básico, gestão sustentável de resíduos sólidos, pecuária de base ecológica, compostagem, reservatórios de água, espaços para produção energética, bem como áreas de lazer e parques urbanos que garantam a convivência social e o equilíbrio ambiental. Consideramos uma média de 15% do território, similar ao trabalhado por planos diretores urbanos para sistema viário.

Outro ponto central desse cenário é a implantação de corredores ecológicos e matrizes paisagísticas que formam um mosaico de áreas contínuas e conectadas, promovendo a funcionalidade ecossistêmica do território e a conservação da biodiversidade. A rede de corredores ecológicos visa manter a conectividade entre as diferentes paisagens naturais e produtivas, reforçando a resiliência dos sistemas agroecológicos e contribuindo para a regulação dos fluxos hídricos, polinização, controle biológico e manutenção da fauna e flora nativas. Consideramos uma média de 5% do território, similar ao trabalhado por planos diretores urbanos para áreas verdes.

Considerando 132.010 hectares efetivamente dedicados à produção agroecológica, e assumindo uma produtividade média de 17,5 toneladas por hectare por ano, o cenário indica que a Região Metropolitana do Rio de Janeiro poderia gerar uma produção anual de aproximadamente 2.310.175 (2,3 milhões) de toneladas de alimentos. Essa quantidade seria suficiente para abastecer cerca de 5.396.605 pessoas (aproximadamente 5,4 milhões), o que corresponde a 43% da população da Região Metropolitana.

A síntese dos parâmetros e da distribuição de áreas está organizada no Quadro 3, a seguir:

 

Quadro 3: Síntese do cálculo paramétrico.

Área Potencial para a Transição Agroecológica

327.008 Ha

Área destinada ao Reflorestamento, Reservas Legais e Áreas de Proteção Ambiental

138.328 Ha

Área destinada à Reforma Agrária e à Infraestrutura de Suporte à Produção

188.680 Ha

Área destinada à Formação de Novos Núcleos Urbanos, Vilas Rurais e Habitações Camponesas

9.500 Ha

Área destinada a Equipamentos Públicos, Espaços de Convivência e Infraestruturas de Serviços Essenciais

 28.302 Ha

Área destinada à Implantação de Corredores Ecológicos intra Tecido Produtivo

 18.868 Ha

Área destinada diretamente à Produção Agroecológica

132.010 Ha

Fonte: Autores, 2025.

 

DISCUSSÃO: REFLEXÕES SOBRE OS DOIS CENÁRIOS

A partir dos cenários analisados, é possível discutir o papel estratégico do planejamento urbano e regional agroecológico na reorganização do território da Região Metropolitana do Rio de Janeiro, considerando os desafios contemporâneos de insegurança alimentar, degradação ambiental e desigualdades socioespaciais. A discussão articula os conceitos de região agroecológica autossustentável e cinturão produtivo agroecológico, apontando caminhos concretos para a transição territorial.

O primeiro cenário, voltado à soberania alimentar regional, demonstra que seria necessário converter cerca de 92% das áreas potenciais para a transição agroecológica para garantir a autossuficiência alimentar da população metropolitana atual. Essa projeção revela, por um lado, a viabilidade territorial da transição agroecológica mas, por outro, expõe limites do território urbano-metropolitano em sua configuração atual, uma vez que a plena autossuficiência exigiria quase a totalidade das áreas disponíveis, deixando pouca margem para a expansão e conexão dos mosaicos ecossistêmicos de mata atlântica, implantação de APPs e outros usos essenciais. Além disso, a adaptação funcional desse território implicaria um intenso processo de reorganização demográfica, com adensamento rural e migração de parte da população urbana para novos assentamentos agroecológicos, o que, por sua vez, demanda um planejamento integrado que ultrapasse o recorte político e administrativo da metrópole.

Nesse sentido, o conceito de cinturão produtivo agroecológico, proposto nesse trabalho, surge como uma solução intermediária e estratégica. Inspirado nas formulações de Bernardo Secchi (2006) sobre a necessidade de reconstruir a relação campo-cidade e no conceito de urbanismo agroecológico proposto por Tornaghi e Dehaene (2014), o cinturão agroecológico representa uma faixa contínua de produção de alimentos e regeneração ambiental nas bordas e zonas periurbanas da metrópole, que simultaneamente contribui para a segurança alimentar urbana, para a contenção da expansão urbana desordenada e para a criação de paisagens produtivas e resilientes. Assim, o cinturão agroecológico não esgota a questão da soberania alimentar, mas constitui um primeiro passo viável em direção à transição, enquanto o processo mais amplo de reconfiguração regional se desenha a médio e longo prazo.

Já o segundo cenário aprofunda o debate ao introduzir variáveis ecológicas e socioeconômicas mais complexas, estabelecendo que, após as devidas considerações ambientais, territoriais e de infraestrutura, 40% da área inicialmente mapeada seria efetivamente adequada para a produção agroecológica. Essa redução decorre de fatores fundamentais para a sustentabilidade do processo, tais como a necessidade de preservar áreas de proteção permanente (APPs), corredores ecológicos, áreas de alta declividade destinadas ao reflorestamento e reservas legais, além da destinação de espaços para infraestruturas de serviços públicos e núcleos urbanos rurais planejados.

Esse dado reforça a necessidade de pensar a região agroecológica autossustentável como um conceito que vai além da simples produção de alimentos, articulando produção, conservação e habitação de forma integrada. Essa possibilidade pressupõe a criação de um território onde a população, as atividades econômicas e a infraestrutura estejam equilibradas com a capacidade produtiva e regenerativa do ecossistema local. Esse conceito incorpora as ideias de descentralização, isotropia, equilíbrio entre campo e cidade e as práticas de urbanismo agroecológico, em que produção de alimentos, habitação e ecologia formam um sistema integrado, pensado a partir dos próprios limites e potenciais do território.

Nesse contexto, o segundo cenário indica que a Região Metropolitana do Rio de Janeiro, mesmo após todos os ajustes territoriais e ecológicos, ainda é capaz de atender cerca de 43% de sua população com produção local agroecológica, o que representa um avanço significativo frente ao atual modelo de dependência de cadeias alimentares globais, como alertam Stephen Gliessman (2015) e Vandana Shiva (2020) ao criticar a vulnerabilidade alimentar imposta pelo sistema capitalista agroindustrial.

Além da produção alimentar direta, entendemos que a criação de um cinturão agroecológico também poderá contribuir para a gerar um território capaz de se adaptar às mudanças climáticas, regenerando e conservando ecossistemas e criando novos modos de habitar o território, como propõe Luiz Marques (2022) ao afirmar a necessidade de superação do modelo de desenvolvimento capitalista destrutivo.

Portanto, a partir dos dois cenários e dos conceitos teóricos analisados, é possível afirmar que a transição agroecológica da Região Metropolitana do Rio de Janeiro exige um planejamento territorial integrado, multifuncional e articulado regionalmente, que vá além da lógica produtivista, incorporando dimensões sociais, ambientais e culturais. A implementação do cinturão agroecológico integrado a sistemas urbanos de baixa densidade e alta funcionalidade ecológica, pode configurar uma estratégia real e viável para reverter o quadro atual de degradação socioambiental e vulnerabilidade alimentar.

Dessa forma, os cenários analisados não apenas mostram a viabilidade material da transição agroecológica, mas apontam também para a necessidade de um novo pacto territorial, baseado na reaproximação entre cidade e campo, na redistribuição do território e na adaptação socioambiental das formas de vida urbana e rural, em busca de um futuro mais justo, resiliente e sustentável.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os cenários apresentados neste estudo reafirmam a urgência de repensar o modelo territorial da Região Metropolitana do Rio de Janeiro (RMRJ) e a necessidade de incorporar a Agroecologia como eixo estruturante de um novo pacto socioecológico. Frente às crises climática, alimentar, ambiental e social, o planejamento urbano e regional não pode mais se limitar à lógica fragmentada da expansão urbana e da infraestrutura voltada à reprodução do capital, mas deve se constituir como ferramenta estratégica para a transição agroecológica, assegurando soberania alimentar, justiça ambiental e inclusão social.

As análises cartográficas e paramétricas desenvolvidas revelam que a RMRJ possui amplo potencial para a reconversão agroecológica de seus espaços livres, especialmente pastagens subutilizadas e áreas degradadas, cuja revitalização pode contribuir para o fortalecimento de economias locais, regeneração de ecossistemas e segurança alimentar. Entretanto, os dados também apontam para limites territoriais concretos — não apenas de disponibilidade de áreas, mas sobretudo de desafios sociais, políticos e institucionais para a viabilização dessa transição, o que demanda um planejamento integrado, democrático e articulado entre diferentes esferas do poder público e da sociedade civil.

Dessa forma, a implementação de cinturões agroecológicos periurbanos surge como uma estratégia intermediária viável e necessária, capaz de reaproximar campo e cidade, integrando a produção de alimentos saudáveis com a regeneração ambiental e a criação de novos espaços habitacionais e comunitários. Esses territórios, concebidos a partir de uma lógica de justiça socioambiental, podem também atuar como barreiras à expansão urbana desordenada, contribuindo para a preservação de remanescentes florestais, nascentes e Áreas de Proteção Permanente (APPs).

Além disso, este estudo contribui para o debate nacional e internacional sobre o papel das metrópoles na agenda climática, demonstrando que, mesmo em territórios altamente urbanizados e desiguais, a Agroecologia é possível, necessária e urgente. Em diálogo com as reflexões propostas para a COP 30, reafirma-se que as soluções para a crise climática não podem se restringir a mercados de carbono ou a ajustes tecnocráticos que perpetuam a lógica do capital internacional, mas devem partir de uma reconstrução profunda dos modos de vida, de produção e de organização territorial, com base em práticas agroecológicas, justiça climática e soberania alimentar.

Portanto, a transição agroecológica da RMRJ, como sugerem os cenários construídos, exige mais que políticas setoriais ou intervenções pontuais: requer uma transformação estrutural da forma como o território é pensado, habitado e governado. Exige também o reconhecimento e o fortalecimento dos sujeitos sociais que já produzem agroecologia nos territórios, agricultores familiares, povos indígenas, quilombolas, comunidades tradicionais, movimentos sociais urbanos e rurais, como protagonistas dessa transição, conectando saberes tradicionais, práticas regenerativas e inovação social.

Frente aos desafios e potenciais revelados, a Agroecologia, em sua dimensão produtiva, ecológica e política, demonstra ser uma das mais consistentes alternativas à lógica excludente e destrutiva do agronegócio, apontando caminhos concretos para a construção de territórios resilientes, justos e capazes de enfrentar as mudanças climáticas. Assim, o presente estudo reitera a importância de inserir o debate agroecológico de maneira central na agenda pública e no planejamento regional, contribuindo para o fortalecimento de políticas públicas que articulem produção local, conservação ambiental e justiça social, como resposta necessária e urgente aos dilemas do nosso tempo.

Dessa forma, espera-se que os dados, reflexões e propostas aqui apresentados possam subsidiar não apenas futuras pesquisas acadêmicas mas, sobretudo, inspirar ações concretas e políticas públicas comprometidas com a transição agroecológica, contribuindo para um horizonte de futuro no qual o direito à alimentação saudável, ao território e ao equilíbrio ambiental estejam plenamente garantidos para as presentes e futuras gerações.

AGRADECIMENTO

Agradecemos à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ) pelo apoio financeiro fundamental para a realização desta pesquisa, por meio do programa "Jovem Cientista do Nosso Estado", cujo fomento viabilizou o desenvolvimento das análises territoriais, cartográficas e paramétricas aqui apresentadas.

Copyright (©) 2025 - Vinicius Ferreira Mattos

 

REFERÊNCIAS

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Revista Brasileira de Agroecologia
ISSN 1980-9735

Publicação da Associação Brasileira de Agroecologia - ABA-Agroecologia em cooperação com o Programa de Pós-Graduação em Meio Ambiente e Desenvolvimento Rural - PPG-Mader, da Universidade de Brasília – UnB

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