Brasília, v. 20, n. 2, p. 195-218, 2025
https://doi.org/10.33240/rba.v20i2.55938
Como citar: SANTOS, Dayla Carolina R.; KATO, Osvaldo R.; MELO JÚNIOR, Luiz Cláudio M. Socioeconomia e reprodução social camponesa: um estudo de caso na comunidade da Travessa São Francisco, Santa Luzia do Pará, Amazônia Oriental. Revista Brasileira de Agroecologia, v. 20, n. 2, p. 195-218. 2025.
Socioeconomia e reprodução social camponesa: um estudo de caso na comunidade da Travessa São Francisco, Santa Luzia do Pará, Amazônia Oriental
Socioeconomics and Peasant Social Reproduction: A Case Study of the Travessa São Francisco Community, Santa Luzia do Pará, Eastern Amazon
Socioeconomía y Reproducción Social Campesina: Un Estudio de Caso en la Comunidad de la Travessa São Francisco, Santa Luzia do Pará, Amazonía Oriental
Dayla Carolina Rodrigues Santos1, Osvaldo Ryohei Kato2, Luiz Cláudio Moreira Melo Júnior3
1 Mestranda no Programa de Pós-Graduação em Agriculturas Amazônicas da Universidade Federal do Pará. Engenheira agrônoma pela Universidade Federal Rural da Amazônia, Belém, Brasil. Orcid: 0000-0002-6227-626X, e-mail: dayla.santos@ineaf.ufpa.br
2 Pesquisador da Embrapa Amazônia Oriental. Professor Orientador de Prog. Pós-Graduação em Ciências Agrária da Universidade Federal Rural da Amazônia. Doutorado em Agricultura Tropical pelo Universitat Goettingen, Alemanha. Belém, PA, Brasil. Orcid: 0000-0002-2422-9227, e-mail: osvaldo.kato@embrapa.br
3Professor adjunto da Universidade Federal Rural da Amazônia. Doutor em Desenvolvimento Sustentável pelo Centro de Desenvolvimento Sustentável da Universidade de Brasília (CDS/UnB), Capanema, PA, Brasil. Orcid: 0009-0009-2407-936X, e-mail: luiz.melo@ufra.edu.br
Recebido em: 31 out 2024 - Aceito em: 15 mar
Resumo
O artigo analisou a estrutura socioeconômica e a reprodução social das famílias da Travessa São Francisco, situada na BR 316, km 26, Santa Luzia do Pará. Foram utilizadas as categorias analíticas de reprodução social camponesa, propriedade camponesa e agricultura camponesa. A pesquisa teve abordagem quali-quantitativa, mobilizando o método de estudo de caso e, como instrumento de coleta dos dados primários, foram realizadas entrevistas e aplicação de questionários semiestruturados, abordando variáveis como escolaridade, composição familiar, renda, participação em organizações sociais e relações familiares. Os resultados apontaram que a reprodução social foi influenciada por aspectos históricos, demográficos e socioeconômicos, além de um forte vínculo com as práticas de trocas e redes de solidariedade. Deste modo, apesar das mudanças socioeconômicas e da desagrarização, as tradições e a organização comunitária ainda desempenham um papel fundamental na resistência e sustentabilidade das famílias, preservando a identidade camponesa e sua relação com o território.
Palavras-chave: Estrutura socioeconômica, organização comunitária, resistência comunitária, identidade camponesa.
Abstract
The article analyzed the socio-economic structure and social reproduction of families in Travessa São Francisco, located at BR 316, km 26, in Santa Luzia do Pará. It employed the analytical categories of peasant social reproduction, peasant property, and peasant agriculture. The research adopted a qualitative-quantitative approach, using the case study method. Interviews and semi-structured questionnaires were used as primary data collection tools, covering variables such as education level, family composition, income, participation in social organizations, and family relationships. The results indicated that social reproduction was influenced by historical, demographic, and socio-economic aspects, as well as a strong link to exchange practices and solidarity networks. Thus, despite socio-economic changes and the process of de-agrarianization, traditions and community organization still play a fundamental role in the resistance and sustainability of families, preserving peasant identity and their relationship with the territory.
Keywords: Socioeconomic structure, community organization, community resistance, peasant identity.
Resumen
El artículo analizó la estructura socioeconómica y la reproducción social de las familias de la Travessa São Francisco, ubicada en la BR 316, km 26, en Santa Luzia do Pará. Se utilizaron las categorías analíticas de reproducción social campesina, propiedad campesina y agricultura campesina. La investigación adoptó un enfoque cuali-cuantitativo, utilizando el método de estudio de caso. Como instrumentos para la recolección de datos primarios, se realizaron entrevistas y se aplicaron cuestionarios semiestructurados, abordando variables como nivel educativo, composición familiar, ingresos, participación en organizaciones sociales y relaciones familiares. Los resultados señalaron que la reproducción social estuvo influenciada por factores históricos, demográficos y socioeconómicos, además de un fuerte vínculo con las prácticas de intercambio y redes de solidaridad. De este modo, a pesar de los cambios socioeconómicos y del proceso de desagrarización, las tradiciones y la organización comunitaria siguen desempeñando un papel fundamental en la resistencia y sostenibilidad de las familias, preservando la identidad campesina y su relación con el territorio.
Palabras-clave: Estructura socioeconómica, organización comunitaria, resistencia comunitaria, identidad campesina.
INTRODUÇÃO
A agricultura camponesa se destaca como uma forma de organização produtiva que, além de sustentar famílias rurais, desempenha um papel crucial na preservação de tradições culturais e práticas ecológicas (Altieri, 2010). No Brasil, o conceito é debatido academicamente, sendo diferenciado da agricultura familiar. Fernandes (2003) afirma que toda agricultura camponesa é familiar, mas nem toda agricultura familiar é camponesa, com algumas diferenciações que, para Abramovay (1992), estão, sobretudo, ligadas às políticas públicas, à adoção de tecnologias e à interação com o mercado.
As formas sociais camponesas possuem uma característica em comum, a saber: a inserção e o forte protagonismo nas lutas sociais, com acesso livre e autônomo aos recursos naturais, legitimados pela experimentação, cuja apropriação gera um valor próprio familiar e vizinhar (Motta; Zarth, 2008). Para compreender o mundo camponês, como sugere Woortmann (2009a), é essencial enxergá-lo em seus próprios termos, reconhecendo a importância das práticas agrícolas tradicionais e a profunda conexão dos camponeses com suas terras, fundamentais para a reprodução social e a preservação da diversidade ecológica e cultural.
A propriedade camponesa, segundo Chayanov (1966), caracteriza-se por um sistema no qual pequenas parcelas de terra são trabalhadas por famílias, com o objetivo de garantir o autoconsumo e, em alguns casos, gerar excedentes para venda. Este modelo é marcado pela diversificação das atividades, com diferentes culturas e criações. Os quintais, por exemplo, são áreas situadas próximas às residências. Esses espaços permitem aos agricultores escolher o que será plantado e mantido, considerando o valor utilitário das espécies, especialmente as alimentícias, conforme observado por Kumar e Nair (2006).
Além da diversidade vegetal, a presença de animais é igualmente relevante nas propriedades camponesas. Criados soltos ou em áreas cercadas, esses animais contribuem de diversas maneiras, desde a fertilização do solo até o controle de pragas, reforçando a sustentabilidade e a dinâmica ecológica desses espaços (Miranda; Kato; Sablayrolles, 2013; Lobato et al., 2017; Silva et al., 2018). Nesse contexto, o camponês emerge como o principal ator social, identificado também como cultivador, agricultor ou extrativista, cuja capacidade produtiva está diretamente vinculada ao patrimônio sociocultural e à relação entre a unidade de produção e a unidade de consumo (Motta; Zarth, 2008). Isso ressalta a importância das práticas tradicionais na estrutura familiar e produtiva.
Para compreender a reprodução social camponesa, consideram-se os estudos sobre transmissão intergeracional de saberes, relações de produção e redes de solidariedade, com base em Bourdieu (1983), Woortmann (1990b) e Costa (2020). Esse processo garante a continuidade das condições materiais de existência, valores culturais e formas de organização ao longo das gerações, abrangendo desde a transmissão de saberes e modos de produção até as estratégias de acesso a recursos e inserção em redes solidárias.
A família camponesa é a unidade central de trabalho, organizando a produção por meio da mão de obra familiar, diversificação produtiva e gestão integrada dos recursos naturais (Chayanov, 1966; Ploeg, 2008a). Diferente do agronegócio, que busca maximizar lucros e especializar a produção, o campesinato baseia seu trabalho na autonomia produtiva e na sustentabilidade socioambiental, ajustando o esforço conforme os objetivos de autoconsumo e comercialização de excedentes (Guzmán et al., 2000; Altieri, 2004).
Nesse sentido, os princípios agroecológicos orientam a produção, promovendo a conservação da biodiversidade, o manejo sustentável do solo e da água, a ciclagem de nutrientes e a valorização dos saberes tradicionais (Caporal; Costabeber, 2004). Assim, a adoção de sistemas agroecológicos fortalece a reprodução social camponesa, reduzindo a dependência de insumos externos e garantindo a soberania alimentar e produtiva (Gliessman, 2000; Altieri; Nicholls, 2012).
Dessa forma, este artigo tem por objetivo realizar uma análise da estrutura socioeconômica e da reprodução social das famílias da Travessa São Francisco, situada na BR 316, km 26, município de Santa Luzia do Pará, mesorregião Nordeste Paraense (IBGE, 2022).
METODOLOGIA
A pesquisa foi desenvolvida na Travessa São Francisco, BR 316, no km 26, sentido Pará-Maranhão, situada no município de Santa Luzia do Pará, no período de outubro de 2022 a agosto de 2024.
De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2022), a sede municipal de Santa Luzia do Pará foi fundada em 1991, após o desmembramento dos territórios municipais de Bragança, Ourém e Viseu. O município, localizado na microrregião do Guamá, mesorregião do Nordeste Paraense, fica a 208,7 km de Belém, com coordenadas de 1° 29' 52'' S e 46° 55' 27'' O. Em 2022, sua população foi estimada em 20.370 habitantes, distribuídos em 1.346,502 km², com densidade de 15,13 habitantes /km² (IBGE, 2022). A área estudada corresponde à Travessa São Francisco, que se estende por 2 km a partir da BR-316 e abrigava, no período da pesquisa, 12 (doze) famílias.
A pesquisa é de natureza exploratória e adota o método de estudo de caso, com coleta de dados in loco por meio de pesquisa de campo, possibilitando a observação dos fenômenos e das demandas da comunidade. Foram realizadas entrevistas e aplicação de questionários semiestruturados, com perguntas abertas e fechadas, permitindo maior aprofundamento das questões (Marconi; Lakatos, 2010). O objetivo foi levantar informações para a caracterização socioeconômica das famílias da comunidade, identificadas no texto como família (F) seguida do número correspondente à ordem da entrevista.
As entrevistas e os questionários abordaram temas como escolaridade, composição familiar, renda, mão de obra, divisão do trabalho, participação em organizações sociais e formação técnica. Essas informações permitiram traçar um perfil social e compreender as dinâmicas familiares relacionadas à propriedade e ao quintal. Além disso, possibilitaram identificar tendências de permanência dos filhos na atividade camponesa, trabalho externo e as diferentes formas de transmissão do saber local, fundamentais para a reprodução social camponesa.
A análise dos dados foi conduzida com base na triangulação de métodos, combinando a sistematização das respostas obtidas nos questionários, a análise de conteúdo das entrevistas (Bardin, 2011) e a observação participante (Geertz, 1989). Para examinar as redes de reprodução social, foram analisados aspectos como a troca e doação de sementes, mudas e animais, o envolvimento dos idosos na transmissão de saberes agrícolas e culturais e o papel das organizações sociais na manutenção das atividades produtivas e na defesa dos direitos da comunidade, conforme recomendado por Flick (2009) e Minayo (2014), em estudos de abordagem quali-quantitativa.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Origens históricas da comunidade
A formação da Travessa São Francisco teve início na década de 1930, quando era apenas um caminho na mata, conhecido como "cabeça de porco" devido ao rio que corta a comunidade. Nos primeiros anos houve uma forte migração do Nordeste do Brasil para a sede municipal de Santa Luzia do Pará e para a vila do Muruteua. A família Ramos foi a primeira a se estabelecer, seguida pelas famílias Sousa e Almeida que, ao longo do tempo, fortaleceram laços por meio de casamentos. Essas famílias trouxeram não apenas tradições nordestinas, mas também sementes de diversas plantas como, por exemplo, o angico (Anadenanthera peregrina (L.) Speg.), que foram adaptadas ao ambiente amazônico, dando início às primeiras roças e quintais.
Com o crescimento populacional, os descendentes da geração fundadora formaram novas famílias, muitas vezes com migrantes vindos de centros urbanos como Belém, Ourém e Capanema. Esse movimento se intensificou entre 2000 e 2020, quando a formação de novas famílias se tornou mais expressiva. Durante a pesquisa de campo de 2022, observou-se que a maior parte da população atual nasceu na comunidade, formando a terceira geração. Esse grupo representa 47% da população total, enquanto os migrantes (pais e avós) correspondem a 53%, sendo 22% vindos da vila do Muruteua. Esse movimento reflete um processo migratório mais amplo do Nordeste para a Amazônia, evidenciado no Mapa de Migração (Figura 1).
Esses eventos fizeram a população amazônica crescer de 1 (um) milhão para 5 (cinco) milhões, entre 1950 e 1960, com um aumento ainda mais acelerado nas décadas seguintes. A expansão da conectividade regional, por meio de estradas e telecomunicações, permitiu transformações econômicas significativas, substituindo, gradativamente, a economia agroextrativista por uma estrutura mais diversificada e integrada a mercados nacionais (Becker, 2005).
Além dos fatores econômicos e infraestruturais, Lacerda (2006) destaca o papel das condições climáticas na intensificação da migração nordestina. As secas recorrentes no Nordeste, associadas à fome e ao desemprego, levaram muitos migrantes a buscar alternativas na Amazônia, onde, mesmo após o término da estação seca, poucos retornavam às suas regiões de origem, consolidando novas frentes de ocupação.
Nesse contexto, Loureiro (1992) argumenta que a migração nordestina para o Pará segue um modelo itinerante, no qual os migrantes se deslocam até encontrar condições adequadas de terra e trabalho. Historicamente, muitos se moviam entre os estados do Maranhão, Goiás e Pará, alternando atividades como a extração de borracha, o manejo do coco babaçu e a criação de gado. Ao receberem informações sobre novas oportunidades econômicas, esses trabalhadores se dirigiam para locais como os garimpos do Pará ou se assentavam em áreas férteis, nas quais iniciavam cultivos agrícolas e se dedicavam ao comércio.
A comunidade estudada se insere diretamente nesse processo migratório. Os primeiros moradores, vindos majoritariamente do Nordeste, estabeleceram-se na região ao identificarem possibilidades de trabalho e condições favoráveis para a agricultura. A fundação das primeiras roças e a diversificação dos sistemas produtivos refletem esse movimento de adaptação e permanência, marcando a identidade da comunidade. A análise do Mapa de Migração (Figura 1) reforça essa dinâmica, evidenciando como os fluxos migratórios influenciaram diretamente a composição social e econômica do local.
Outro fator que influencia a migração são os conflitos de terras e interesses, que refletem a disputa entre os modos de produção camponês e capitalista. Coy (1988) aponta que essa competição se manifesta na fronteira por meio da disputa pelo uso dos recursos naturais, resultando em conflitos fundiários e de interesses entre diferentes grupos sociais. Esse embate gera violência e dominação socioeconômica, no qual grupos dominantes impõem sua organização espacial sobre os dominados. No contexto amazônico, o conflito entre “centro” e “periferia” é evidenciado pela expulsão de camponeses de seus territórios, diante do avanço do capital e da exploração dos recursos humanos e naturais.
Na comunidade da Travessa São Francisco, por exemplo, a pressão pela terra e a expansão da monocultura impactaram diretamente a produção camponesa. A região, antes conhecida pela alta produtividade de mandioca, sofreu um declínio significativo, associado à pulverização aérea de agrotóxicos realizada por um produtor de soja vizinho:
Acho que foi do veneno que ele jogava na soja, jogava de avião, queria que você visse como as manivas ficavam, o veneno era tão forte que morria caça, tatu, cutia, os passarinhos todos mortos (P. Camponês. 51 (cinquenta e um) anos, F9).
Relatos de camponeses indicam a mortandade de animais e o comprometimento das plantações, evidenciando a vulnerabilidade dos modos de vida rurais frente à intensificação agrícola e à disputa territorial que, outrora, também aconteceram nas suas comunidades de origem, contribuindo para a migração. Essa dinâmica, além de alterar a paisagem e os sistemas produtivos locais, reforça a desigualdade entre camponeses e latifundiários, com repercussões indesejadas na reprodução social camponesa (Loureiro, 2009).
Estado civil, idade e gênero
A comunidade possuía, em 2022, cerca de 51 moradores, sendo 31 homens e 20 mulheres. Deste total, 45% eram solteiros, 51% casados e 4% viúvos. A distribuição etária revela um equilíbrio entre idosos e adolescentes, enquanto os adultos formam o grupo majoritário, representando 47% da população. Esse grupo constitui a principal força de trabalho, atuando tanto em atividades agrícolas, como o cultivo em roças e quintais, além da criação de animais, quanto em atividades não agrícolas, como comércio local e serviços públicos.
As crianças representam 25% da população, os adolescentes 12% e os idosos 16%. Estes últimos desempenham papel central na transmissão de saberes, conhecimentos agrícolas e decisões comunitárias, garantindo a continuidade das práticas tradicionais. Como destaca Bosi (1979, p. 32), a transmissão intergeracional é essencial para a preservação da memória cultural, pois "há dimensões da aculturação que, sem os velhos, a educação dos adultos não alcança plenamente [...]".
A organização produtiva da comunidade reflete um sistema de pluriatividade. Schneider (2003) explica que, no meio rural, a força de trabalho se diversifica entre atividades agrícolas e não agrícolas, permitindo que as famílias complementem a renda. No contexto local, isso se manifesta na realização de múltiplos ofícios, como a oferta de serviços de táxi, a gestão de pequenos mercados e empregos no setor público e privado. Dessa forma, a jornada de trabalho não se restringe ao campo, mas se estende para espaços urbanos próximos.
Os jovens exercem um papel crescente nesse cenário, combinando a participação na produção agrícola com a inserção em atividades educacionais e sociais. Ferrigno (2010) enfatiza a importância da juventude na adaptação às novas tecnologias e às mudanças socioculturais, o que fortalece tanto o setor produtivo quanto a dinâmica comunitária. Na prática, isto foi visualizado por meio da participação ativa dos jovens nas atividades agrícolas junto aos pais, na atuação junto aos movimentos sociais e na informatização, como, por exemplo, a utilização das redes sociais no processo de comercialização dos produtos.
Já as mulheres desempenham um papel central na agricultura, especialmente nos quintais, embora sua contribuição ainda seja desvalorizada. As famílias 3,5,10,11 e 12 relataram que as atividades do quintal são exclusivamente femininas, acumuladas com as tarefas domésticas. Perrot (2007) e Siliprandi (2013) destacam que, apesar de essenciais na produção de alimentos, as mulheres são vistas como auxiliares, reforçando desigualdades estruturais, como aponta Lagarde (2011).
Ainda assim, o trabalho feminino sempre foi expressivo na comunidade, ao ponto de algumas mulheres se tornarem também chefes de família. Este dado corrobora a abordagem de Rossini (1993) em torno da importância do reconhecimento da mulher como trabalhadora e sua participação em organizações sociais, aspectos cruciais para o fortalecimento do movimento feminista e suas lutas pela ampliação do acesso às políticas públicas.
Escolaridade
A comunidade segue uma estrutura educacional na qual 33% da população não concluiu o ensino fundamental, com destaque para os idosos, que precisaram trabalhar desde muito jovens e não tiveram oportunidade de estudar, e os adultos, que constituíram família ainda na adolescência, tendo que optar entre o cuidado com o lar e a continuidade dos estudos. Outra parcela que compõem este grupo são as crianças (18%), que estão em fase escolar e se deslocam diariamente para a comunidade da Estiva, que fica a 4 km de distância.
Aproximadamente 16% concluíram o ensino fundamental, porém não deram prosseguimento aos estudos. Em relação ao ensino médio, 20% não concluíram este nível de ensino, pois tiveram que sair em busca de trabalho, em função da necessidade de auxílio na renda da família; 2% concluíram o ensino médio e ingressaram no ensino superior; já 4% concluíram o ensino superior, com formação nas áreas de pedagogia e agronomia (Tabela 1).
Tabela 1. Nível educacional dos moradores da Travessa São Francisco, Santa Luzia do Pará.
Fonte: Autores, 2024.
Embora a população idosa não tenha tido acesso à educação formal, muitos participaram de cursos e ações coletivas, o que trouxe benefícios diversos, incluindo o retorno de pessoas profissionalizadas à comunidade. Esse cenário reflete a inserção precoce de crianças e jovens no trabalho rural e urbano, especialmente nas décadas de 1970 e 1980, impulsionada por fatores políticos, sociais e econômicos, como a pobreza. Essas condições dificultaram a continuidade da escolarização para essa geração (Sousa; Alberto, 2008; Ferraro, 2010).
Nesse contexto, a educação se torna um elemento central de luta e transformação social. Magalhães (2021) destaca que a dimensão cultural é um dos pilares da vida social dos trabalhadores do campo, moldada pela identidade e mobilização popular. Esses fatores são essenciais na busca pela educação, vista como caminho para o progresso. A educação do campo, em particular, coloca a terra no centro do debate, articulando questões de reprodução social e de classe em uma luta coletiva.
Essa discussão nos remete à questão da educação “no” e “do” campo, pois, houve aprimoramento, por meio de cursos que foram realizados a partir de ações coletivas de educação popular de crianças, jovens e adultos, cada um com sua especificidade metodológica. A saber, as crianças por meio da ciranda (ambiente para o acolhimento e aprendizado sobre o campesinato), aos jovens e adultos por meio dos encontros de formação política e técnico produtivas. Um exemplo dessa interação é o caso de uma jovem da comunidade que, por meio do Movimento Camponês Popular (MCP), está cursando medicina na Venezuela.
Essa trajetória reflete a busca por qualificação como um meio de fortalecimento da comunidade e de garantia da reprodução social, demonstrando como o acesso à educação se conecta com a possibilidade de permanência dos jovens no campo e com o próprio desenvolvimento rural sustentável.
Composição de renda
A renda das famílias é composta por diversas atividades, como roças, quintais, criação de animais, auxílios governamentais e outras atividades fora da propriedade camponesa. Isto garante uma renda média igual ou maior que um salário-mínimo na cotação atual estabelecida pelo Decreto Nº 11.864, de 27 de dezembro de 2023 (R$1.412,00) (Brasil, 2023). A média da renda bruta por família está distribuída da seguinte forma: famílias que ganham até 1 salário-mínimo (25%), entre 1.1 a 2 salários mínimos (17%), de 2.1 a 3 salários mínimos (25%) e mais de 3 salários mínimos (33%).
Segundo as famílias entrevistadas, apesar das variações na renda familiar causadas pela sazonalidade da produção, condições climáticas e oscilações no preço dos insumos, a agricultura permanece como base de seu autoconsumo. Além disso, desenvolvem estratégias para enfrentar adversidades, como a substituição de alimentos para os animais quando o milho está caro, utilizando folhas de embaúba (Cecropia spp.). Essas adaptações refletem a resiliência dos agricultores, que, segundo Altieri e Nicholls (2012), empregam conhecimentos tradicionais e práticas agroecológicas para garantir a sustentabilidade de seus sistemas produtivos.
Vale destacar a importância dos auxílios governamentais e benefícios sociais, como o Programa Bolsa Família e a aposentadoria, cujas participações oscilam entre 23% e 28%, respectivamente (Figura 2). As famílias que possuem idosos e/ou crianças tendem a apresentar uma maior renda em comparação às demais, como as famílias F1, F4, F6, F7 e F11, que estão na faixa de renda a partir de 2.1 salários-mínimos. As demais composições se limitam à alimentação da família e venda dos excedentes, correspondendo às médias mais baixas, salvo a F12, que obtém da roça a sua renda principal.
Nesse contexto, os auxílios governamentais e aposentadorias desempenham um papel importante ao minimizar as instabilidades econômicas e permitir maior segurança na organização do trabalho familiar. Nos sistemas sociais amazônicos essas estratégias também incluem a diversificação produtiva, o fortalecimento das organizações sociais e o manejo sustentável dos recursos naturais (Costa, 2020). No entanto, altos níveis de tensão podem gerar vulnerabilidade e até êxodo rural, dependendo das condições estruturais e do suporte disponível (Martins, 2003; Neves, 2013).
Todavia, estas mudanças também podem ser caracterizadas como “desagrarização”, fenômeno no qual a atividade agrícola vai perdendo o seu protagonismo devido a fatores como competição, baixa lucratividade, degradação ambiental e oportunidades de atividades não-agrícolas (Silva, 1997).
A mandioca desempenha um papel central na renda e na segurança alimentar das famílias camponesas, sendo fundamental tanto para objetivos de curto prazo, como insumo para outras culturas, quanto para investimentos de longo prazo, como aquisição de bens. Além de seu valor econômico, faz parte da identidade cultural camponesa, mobilizando práticas tradicionais que lhe conferem características únicas. A renda gerada pode superar um salário mínimo mensal, como apontado por Lobo, Júnior e Nunes (2018). Um exemplo disso é a família 12, que obtém 80% de sua renda da roça em área cedida por outra família, evidenciando também a importância da parceria como estratégia de reprodução social (Costa, 2012).
Embora a principal função dos quintais agroflorestais seja o autoconsumo, eles também contribuem para a renda familiar, especialmente com a venda de coco verde (Cocos nucifera L.) e frutas sazonais in natura ou processadas (polpas congeladas), representando, em média, 8% da renda total das famílias. Além do papel econômico, os quintais são fundamentais para a reprodução social, garantindo a diversificação da produção e promovendo a agrobiodiversidade, por meio de práticas sustentáveis alinhadas à Agroecologia (Altieri; Nicholls, 2012; Moraes et al., 2022). Experiências relatadas por Oliveira (2011) em municípios do Pará, destacam o potencial econômico de culturas como açaí (Euterpe oleracea Mart.), cupuaçu (Theobroma grandiflorum (Willd. ex Spreng.) K.Schum.), pupunha (Bactris gasipaes Kunth.), cacau (Theobroma cacao L.) e castanha de caju (Anacardium occidentale L.), evidenciando que a diversificação produtiva é um fator essencial no planejamento agrícola.
Já a criação de animais possui uma dinâmica diferente, dependendo do tipo de animal comercializado. No caso das aves, por exemplo, a carne e os ovos são para o consumo da própria família. Quando a produção excede a capacidade de consumo e de troca com outros familiares, os produtos são vendidos, caso haja uma demanda de comercialização.
No caso dos animais maiores, como os porcos, grande parte da produção é comercializada, ficando apenas uma pequena porção para a família, como ocorre na F1 e na F3, cujo retorno exige um tempo maior para a renovação de cada plantel. No que se refere ao gado leiteiro, como no caso da F6, o leite é utilizado, exclusivamente, na alimentação. Na F11, além da alimentação, uma parte do leite é doada para a F3, utilizada para a fabricação de iogurte.
Já no caso do gado de corte, a F6 informou que esta atividade específica não compõe a renda total mensal, pois a venda dos animais só ocorre a cada geração da vacada, ou seja, são períodos longos até o retorno da atividade, ainda que tenha gastos mensais com alimentação e sanidade dos mesmos. Na F5, a vacada (bovinos de corte) é exclusiva para a venda e o plantel da família apresenta diferentes idades e peso, logo, o período de comercialização é encurtado, gerando mais renda em menos tempo. Esse modelo também se aplica aos carneiros, na F5 e na F8.
Padovan (2022) argumenta que, no planejamento da produção, o camponês precisa considerar as necessidades alimentares da família e dos animais, prevendo uma margem de excedentes de produtos e selecionando culturas ou criações com maiores potenciais. É importante pensar na produção animal e na integração dela com os demais sistemas. Ainda segundo o autor, garantir o bem-estar dos animais, melhorando sua qualidade de vida e minimizando o estresse, resulta em mais saúde, qualidade do produto e maior equilíbrio ambiental, reforçando os princípios da Agroecologia ao promover sistemas produtivos sustentáveis e integrados.
Nesta dinâmica, entende-se que, para a maioria das famílias, a destinação principal dos produtos é a alimentação e o bem-estar. Sobre a renda gerada pela venda dos produtos excedentes, o camponês M afirmou:
De tudo que tem aqui, o primeiro que sai é o de casa, casa abastecida então se vende o que fica. Isso tirando a mandioca, que é uma espécie de banco pra gente, se precisar de um dinheiro a mais, para uma emergência, é só ir na roça, fazer a farinha que sempre tem comprador, nunca falta (M. 40 (quarenta) anos, camponês, F7).
Sobre essa afirmativa, Hurtienne (2004) explica que, devido à complexidade das economias familiares e seus objetivos, não se busca a maximização da renda no curto prazo, pois a prioridade é a alimentação da família. Nesse quesito, a pluriatividade surge como uma estratégia de reprodução camponesa, levando homens e mulheres a acumular dupla ou até tripla jornada de trabalho, combinando diversas atividades formais e informais, tais como funcionalismo público, serviços diários e empreitadas.
A maior parte dos contratos informais envolve trabalhos ligados ao meio produtivo, como a função de vaqueiro e a construção de cercas. Além disso, há atividades empreendedoras, como pequenos comércios, entretenimento (jogo de bilhar) e serviços de transporte (táxi). No geral, as atividades exercidas fora da propriedade representam 15% da renda familiar, exceto para as famílias F2 e F10, nas quais este percentual pode ultrapassar 50% da renda familiar.
Para Silva (1997), esta é a nova face do rural brasileiro, uma força de trabalho que inicia sua inserção nas atividades mais cedo, devido a pressões na unidade produtiva para a sucessão do trabalho, a especialização da mão de obra e alinhamento com as tecnologias de produção, possibilidade de prestação de serviços, crescimento de profissões técnico-administrativas, típicas do meio urbano, como motoristas, e o acesso aos bens e políticas públicas. Ou seja, o rural brasileiro não é exclusivamente agrário, não sendo mais suficiente ser explicado pelo calendário agrícola, sendo necessário considerar a pluriatividade em seus diversos segmentos.
Participação em organizações sociais
A participação em organizações sociais se destaca como um diferencial para os trabalhadores do meio rural, algo evidenciado nas reuniões de movimento, encontros de formação e demais atividades comunitárias observadas em campo. Nessas interações, percebe-se que, ao se organizarem social e politicamente, esses trabalhadores desenvolvem maior consciência coletiva, ampliam seu poder de compra e intensificam o fluxo de informações. Esse processo tem refletido no acesso e na difusão de inovações sociais identificadas na Travessa São Francisco, como o uso da pimenta-do-reino (Piper nigrum L.) e da casca seca da laranja (Citrus sinensis L. Osbeck) para a preservação das sementes crioulas, entre outras técnicas compartilhadas no cotidiano comunitário e nos espaços de mobilização social.
Ao todo, 10 (dez) famílias participam de algum tipo de organização social, como cooperativas, associações ou movimentos sociais. Dentre elas, 5 (cinco) estão envolvidas em mais de um tipo de organização, enquanto apenas 2 (duas) não participam de nenhuma organização social local. As principais organizações incluem a Cooperativa Mista dos Agricultores e Agricultoras Familiares entre os rios Caeté e Gurupi (COOMAR), a Associação dos Produtores Rurais Amigos do Rio Muruteua e o Movimento Camponês Popular (MCP).
A participação em organizações sociais facilita o acesso a recursos financeiros, tecnológicos e capacitações, essenciais para modernizar práticas agrícolas e fortalecer a agroecologia. Exemplo disso é a mecanização do solo para o plantio do feijão, conquistada por pressão popular e apoio público, incluindo o fornecimento de tratores para outros cultivos. Essas organizações também promovem a comercialização coletiva, como a venda de farinha, e a troca de sementes, garantindo biodiversidade e autonomia produtiva. Além disso, fortalecem a articulação política dos camponeses, ampliando seu acesso a direitos e serviços, como ATER, por meio de redes de cooperação (Maneschy; Klovdahl, 2007; Maneschy; Maia; Conceição, 2009).
Estudos de Altemburg et al. (2015) e Battisti et al. (2017) indicam que a percepção do ambiente favorece a consciência sobre desenvolvimento sustentável, cidadania e gestão ambiental. Nesse sentido, a mobilização social é essencial para promover mudanças. Na comunidade, essa mobilização se manifesta na busca por parcerias, diálogos e formações com diversas instituições, fortalecendo práticas agroecológicas e estratégias de gestão sustentável do território.
A Travessa São Francisco foi criada há mais de 90 anos e as famílias que ali se estabeleceram organizaram as suas vidas em torno das atividades agrícolas transmitidas entre gerações. Enquanto alguns moradores buscam oportunidades fora, muitos permanecem, formando novas famílias e fortalecendo relações de troca e doação de terras, sementes, mudas e animais.
As relações na comunidade vão além dos vínculos familiares. Algumas famílias pesquisadas, mesmo sem parentes no local, constroem laços baseados em amizade e companheirismo, expressos no compartilhamento de terras, casas de farinha, produtos e serviços. Algumas dessas trocas ocorrem sem acordos formais, enquanto outras envolvem divisão da produção, como no caso da farinha.
Granovetter (1983) discute essas interações por meio da teoria dos laços sociais. Os laços fortes, comuns entre familiares e amigos íntimos, baseiam-se em apoio mútuo, confiança e cooperação, fortalecendo o pertencimento e a reprodução social, como observado na Travessa São Francisco. Já os laços fracos, mais esporádicos, limitam-se à troca de informações e oportunidades, como ocorre entre colegas de trabalho.
Nesse contexto, uma das relações mais importantes no universo camponês são as trocas (Figura 3). Esta relação familiar-vizinhar é primordial para a manutenção da agrobiodiversidade, pois é por meio dela que se iniciam as primeiras redes de troca de sementes e, posteriormente, de alimentos e animais, sendo este último em menor escala que os demais, utilizados para aumentar a variabilidade genética dos rebanhos.
No caso da Travessa São Francisco, essa lógica de doação se aplica às famílias denominadas “guardiães de sementes”. As sementes crioulas são preservadas não apenas para a segurança e soberania alimentar, mas também para a conservação da agrobiodiversidade, garantindo a manutenção de sistemas produtivos sustentáveis alinhados à Agroecologia. Além disso, visam a própria preservação genética dessas espécies, mantendo-as seguras de cruzamentos não desejados, a fim de conservar suas características botânicas, como argumenta Beviláqua et al. (2014), exemplificado pelo milho ‘Pontinha’ na Travessa São Francisco (Ramos et al., 2023).
Este processo também é importante para o enriquecimento da flora e fauna das comunidades, uma vez que, quando se inicia o processo de migração das famílias, muitas constroem suas casas em áreas degradadas ou em estágio inicial de regeneração da paisagem, ficando sob responsabilidade da família recuperar a área e instalar os quintais caboclos, trazendo para próximo das casas espécies variadas (Moraes et al., 2022).
CONCLUSÃO
A reprodução social camponesa na comunidade da Travessa São Francisco, Santa Luzia do Pará, está relacionada a fatores que incluem contextos históricos, relações de gênero, estado civil e idade, escolaridade, renda, participação em organizações sociais, relações familiares-vizinhares e relações de troca, todos articulados na manutenção e continuidade das formas de vida camponesas.
Historicamente, a migração, que marcou a criação da comunidade na década de 1930, teve influência direta em torno das práticas agrícolas e da própria estrutura familiar. Essa trajetória possibilitou a construção dos quintais caboclos e incentivou estratégias de diversificação produtiva, como o cultivo da malva e da juta, que se tornaram atividades economicamente relevantes no período. Além disso, a migração consolidou redes de solidariedade e cooperação, essenciais para a reprodução social camponesa.
A estrutura demográfica da comunidade demonstra uma distribuição etária equilibrada, com destaque para a presença de adultos e idosos, atores fundamentais na transmissão intergeracional de saberes agrícolas e culturais. Nesse quesito, destaca-se o papel da educação popular e de ações coletivas na incorporação e ressignificação de novas técnicas produtivas, aliadas aos conhecimentos tradicionais, a exemplo do manejo dos quintais caboclos e roçados, baseado na diversificação de cultivos e gestão integrada dos recursos naturais, aspectos que fortalecem a reprodução social e a autonomia produtiva e alimentar dos camponeses, promovendo sistemas sustentáveis, em sintonia com a Agroecologia.
As relações familiares e de vizinhança, baseadas na solidariedade e no compartilhamento de recursos, são essenciais para a reprodução social e a preservação das práticas tradicionais. Essas redes fortalecem a identidade coletiva e a integração comunitária, especialmente, por meio da participação em cooperativas e associações. Tais organizações facilitam o acesso a recursos e tecnologias, promovendo a autonomia camponesa. A adoção de princípios agroecológicos, como o uso de insumos locais e a diversificação produtiva, reforça essas estratégias, reduzindo a dependência de modelos agrícolas externos.
Dessa forma, conclui-se que a reprodução social das famílias da Travessa São Francisco é um fenômeno complexo, influenciado por múltiplos fatores históricos, demográficos e socioeconômicos. Apesar das pressões externas e das transformações recentes no mundo rural, os camponeses da comunidade continuam a reproduzir os seus modos de vida ancorados na Agroecologia e na economia camponesa, garantindo a resistência no território e a perpetuação de suas práticas tradicionais.
AGRADECIMENTO
Às famílias da Travessa São Francisco, pela generosa partilha desta experiência de aprendizado, gratidão.
Copyright (©) 2025 - Dayla Carolina Rodrigues Santos, Osvaldo Ryohei Kato, Luiz Cláudio Moreira Melo Júnior.
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1 Segundo os registros históricos, a Tecelagem Nossa Senhora de Fátima (Tece Fátima) esteve em atividade no município de Capanema/Pará entre as décadas de 1940 a 1960. Foi considerado um ciclo têxtil de grande riqueza para a cidade, ponto que, na época, diziam que se poderia “banhar o cavalo a cerveja” (Sousa, 2010.p 62).
2 Ramal que ligava as cidades de Bragança e Ourém, nos anos de 1840, e que posteriormente se tornou vila. Em meados de 1880, já havia 3.500 habitantes instalados (Leandro; Silva; Rodrigues, 2010).
3 O termo relações familiares-vizinhares é utilizado neste estudo para descrever as interações sociais que ocorrem simultaneamente no âmbito familiar e comunitário, especialmente em comunidades rurais. Ele abrange as trocas e colaborações entre parentes e vizinhos, nas quais os laços de parentesco se entrelaçam com as relações de proximidade física e cooperação mútua entre vizinhos, fortalecendo a coesão social (interação e conexão), a reprodução social (continuidade) social e a economia dessas comunidades.
Revista Brasileira de Agroecologia
ISSN 1980-9735
Publicação da Associação Brasileira de Agroecologia - ABA-Agroecologia em cooperação com o Programa de Pós-Graduação em Meio Ambiente e Desenvolvimento Rural - PPG-Mader, da Universidade de Brasília – UnB
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