i

 

Brasília, v. 19, n. 4, p. 490-494, 2024

https://doi.org/10.33240/rba.v19i4.55065

Como citar: SANTOS, Lauana V. dos. Resenha – Extensão Rural: trajetórias e desafios. Revista Brasileira de Agroecologia, v. 19, n. 4, p. 490-494, 2024.

 

Resenha de livro

 

Extensão Rural: trajetórias e desafios

Extensión Rural: trayectorias y desafíos

Rural Extension: trajectories and challenges

 

 

Lauana Vieira dos Santos¹

1  Mestra em Ecologia pela Universidade de Brasília (UnB), Brasília, Brasil. Orcid https://orcid.org/0000-0002-8260-8831.
E-mail: lauanavdossantos@gmail.com

 

Submetido em: 31 jul 2024, Aceito em: 29 out 2024

 

 

Resenha do livro:

BRACAGIOLI NETO, Alberto.; CHARÃO-MARQUES, Flávia (org.). Extensão rural: trajetórias e desafios. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2023. 224p. (Série Ensino, Aprendizagem e Tecnologias). ISBN 978-65-5725-097-6. Disponível em: https://lume.ufrgs.br/handle/10183/264046. Acesso em: 10 jul 2024.

 

O livro “Extensão rural: trajetórias e desafios”, foi organizado por Alberto Bracagioli e Flávia Charão-Marques, ambos professores na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). A professora Flávia Charão-Marques, atua com temáticas de trabalho no âmbito do desenvolvimento territorial agroecologia, transições sociotécnicas na agricultura, sociobiodiversidade na saúde e na alimentação, feminismos e o desenvolvimento. Já o professor Alberto Bracagioli trabalha com as temáticas de desenvolvimento rural e extensão rural.

O livro, organizado em sete capítulos, explora diversos aspectos fundamentais da extensão rural no Brasil. O primeiro capítulo traça a trajetória histórica da extensão rural, enquanto o segundo discute a importância da comunicação nesse campo e como ela influencia o desenvolvimento rural. No terceiro capítulo, são abordados o trabalho social e as práticas de pedagogia que contribuem para o sucesso das atividades de extensão. O quinto capítulo destaca as políticas de Assistência Técnica e Extensão Rural, com foco nas suas origens e no caráter difusionista. No sexto capítulo, é apresentada a perspectiva de múltiplos atores e seu potencial para fortalecer a relação entre pesquisa e extensão no contexto do desenvolvimento rural. O livro encerra com uma reflexão sobre os desafios atuais enfrentados pela extensão rural.

No Brasil, a extensão rural começou a se institucionalizar no final da década de 1940 e se tornou um compromisso do Estado com a promulgação da Constituição de 1988. O Artigo 187 da Constituição relaciona a extensão rural como parte da política agrícola, destacando a participação efetiva do setor de produção, incluindo produtores e trabalhadores rurais, além dos setores de comercialização, armazenamento e transporte.

Em 1948, iniciou-se a institucionalização dos serviços de extensão rural, resultando em um Programa Piloto em Santa Rita do Passa Quatro (SP) e na fundação da Associação de Crédito e Assistência Rural em Minas Gerais (ACAR-MG). Essa fase, caracterizada pelo humanismo assistencialista, seguia o modelo norte-americano, onde homens atendiam produtores agrícolas e mulheres lidavam com o ambiente doméstico, sem integração de gênero.

Na década de 1950, o presidente Juscelino Kubitschek assinou um acordo com os EUA para criar o Escritório Técnico de Cooperação Brasil-Estados Unidos (ETA), coordenando ações nacionais de extensão rural. Até 1974, foram criadas 23 ACARs, formando o Sistema Brasileiro de Extensão Rural (Siber). A fase difusionista, marcada pela Revolução Verde, promoveu a difusão de tecnologias agrícolas, culminando na criação da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) em 1973 e da Empresa Brasileira de Assistência Técnica e Extensão Rural (Embrater) em 1974.

Na década de 1980, houve uma reflexão crítica sobre a extensão rural, influenciada pelas ideias de Paulo Freire, que defendia uma abordagem dialógica. A redemocratização do Brasil e a Constituição de 1988 impulsionaram essas reflexões. Contudo, a Embrater sofreu cortes orçamentários, limitando suas operações.

Durante o governo Collor (1990-1992), a Embrater foi extinta, reduzindo drasticamente a assistência técnica e extensão rural (ATER). A Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento em 1992 influenciou práticas ambientalistas na extensão rural, inaugurando a fase de transição ambiental.

Organizações como a Emater (Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural) surgiram nos anos 1970, juntamente com a Embrater (Empresa Brasileira de Assistência Técnica e Extensão Rural), criando um sistema presente em quase todos os estados. Nos anos 1980, várias Organizações Não Governamentais (ONGs), também começaram a atuar em redes de colaboração, desenvolvendo ações de extensão rural, muitas vezes com recursos de cooperação internacional. Em 1999, algumas dessas ONGs foram qualificadas como Oscip (Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público), atuando em parceria com o Estado.

O fim da Embrater, no início dos anos 1990, levou a mudanças e rediscussões na extensão rural no Brasil. Alguns estados mantiveram organizações como a Emater, enquanto outros fundiram órgãos de pesquisa e extensão, criando novas formas de gestão e financiamento. Em 2010, a Lei 12.188 consolidou a Política Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural (Pnater), fruto de debates e amadurecimento político das duas décadas anteriores.

O início do governo Lula em 2003 marcou o fortalecimento da extensão rural com foco na agricultura familiar, através de programas como o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), Secretária da Agricultura Familiar (SEAF) e o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA). A Política Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural (Pnater) e o Programa Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural (Pronater) foram implementados, promovendo a inclusão e a sustentabilidade.

A fase de Continuidade e Descontinuidade iniciou-se com a criação da Agência Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural (ANATER) e a extinção do MDA, levando a uma estagnação do serviço de extensão rural. A PNATER de 2014 vinculou pela primeira vez a extensão rural e assistência social, buscando reduzir desigualdades no meio rural.

A trajetória da extensão rural no Brasil é marcada por descontinuidades, mas a valorização e reconhecimento das populações rurais, mantêm vivas as iniciativas extensionistas. A extensão rural enfrenta desafios contemporâneos como a sustentabilidade, mudanças climáticas, aquecimento global, crise hídrica, impactos dos agrotóxicos, perda de biodiversidade, políticas neoliberais, globalização dos mercados, disparidades sociais e digitalização da vida cotidiana.

A extensão rural permanece relevante e desafiante, necessitando de debate e trabalho contínuo para intervir nos processos de desenvolvimento. Ela é impactada pelas mudanças sociais, econômicas, tecnológicas e políticas, refletindo nos desafios enfrentados pela sociedade contemporânea. O livro traça uma linha cronológica das atividades extensionistas desde suas raízes até os dias atuais, mostrando que, embora o rótulo de extensão rural permaneça o mesmo, seu conteúdo mudou significativamente.

O livro explora a relação entre extensão e comunicação, desde a concepção de transmissão de informações, até as vertentes contemporâneas que entendem a comunicação como um fluxo de informações, processos dialógicos e influência recíproca. O trabalho social na extensão rural, é destacado, através da evolução de um enfoque assistencialista e segmentado por gênero para uma abordagem mais integrada e participativa, alinhada com as políticas nacionais de assistência técnica e social. Contextualizam as teorias pedagógicas que influenciam a extensão rural, destacando a importância das diferentes abordagens educacionais e a influência de Paulo Freire, especialmente em sua obra "Extensão ou Comunicação".

As políticas públicas de extensão rural são discutidas, analisando práticas e processos dos serviços públicos e destacando a construção histórica das ideias de moderno e as tensões e disputas que permeiam a arena pública. Explora a participação de múltiplos atores em ações de extensão rural, evidenciando a importância de valorizar o conhecimento local e promover interações entre diferentes conhecimentos para o desenvolvimento. São apontados alguns dos desafios da extensão rural, questionando a ideia de modernização homogênea na agricultura e propondo uma abordagem dialógica, participativa e agroecológica para enfrentar as questões ambientais e sociais.

Historicamente destacasse que a extensão rural no Brasil evoluiu significativamente desde o final da década de 1940, pós-2ª Guerra Mundial, quando acordos de cooperação técnica entre Brasil e Estados Unidos visavam utilizar o conhecimento técnico norte-americano para aumentar a produtividade e melhorar as condições de vida das populações mais pobres. Destacaram-se a Aliança para o Progresso, as Fundações Rockefeller, Ford e Kellog, e a Agência Internacional de Desenvolvimento (AIA), protagonistas dos ideais modernizantes e da expansão imperialista norte-americana.

A trajetória das políticas de ATER no Brasil reflete um processo contínuo de disputas políticas e ideológicas. Embora as iniciativas recentes, como a PNATER, visem criar uma extensão rural mais inclusiva e sustentável, enfrentam desafios constantes devido às mudanças políticas e econômicas. O desenvolvimento de uma extensão rural com ênfase na transição agroecológica é essencial para transformar o paradigma da produção agropecuária industrial e promover a sustentabilidade.

Os desafios incluem a necessidade de financiamento adequado, formação de profissionais multidisciplinares e a construção de uma consciência política e social para mudar o modelo produtivo. A comunicação rural e a Transição Agroecológica devem ser integradas para melhorar a qualidade de vida dos agricultores familiares, promovendo uma extensão rural dialógica, participativa e agroecológica.

A evolução da extensão rural no Brasil evidencia a complexidade e os desafios de implementar políticas públicas eficazes. A necessidade de uma abordagem que valorize a diversidade de conhecimentos e promova práticas sustentáveis é fundamental para o futuro da agricultura familiar e da extensão rural no país.

O livro "Extensão Rural" não pretende resolver todas as questões relacionadas ao tema, mas oferece uma contribuição significativa ao organizar a temática em capítulos, permitindo uma compreensão mais abrangente dos desafios e potencialidades da extensão rural no contexto contemporâneo.

 

Copyright (©) 2024 - Lauana Vieira dos Santos

 

 

i 

Revista Brasileira de Agroecologia
ISSN 1980-9735

Publicação da Associação Brasileira de Agroecologia - ABA-Agroecologia em cooperação com o Programa de Pós-Graduação em Meio Ambiente e Desenvolvimento Rural - PPG-Mader, da Universidade de Brasília – UnB

Licença Creative Commons Atribuição 4.0 Internacional (CC BY 4.0)