i

 

 

Brasília, v. 19, n. 3, p. 380-386, 2024

https://doi.org/10.33240/rba.v19i3.54859

 

Como citar: PEREIRA, Jéssica R. Resenha: Metodologias Participativas e Sistematização de Experiências em Agroecologia. Revista Brasileira de Agroecologia, v. 19, n. 3, p. 380-386, 2024.

 


Resenha de livro

 

Metodologias Participativas e Sistematização de Experiências em Agroecologia

Participatory Methodologies and Systematization of Experiences in Agroecology

Metodologías Participativas y Sistematización de Experiencias en Agroecología

 

 

Jéssica Rodrigues Pereira¹

¹Doutoranda em Sociologia pela Universidade de Brasília (UnB), Brasília-DF, Brasil. Orcid 0000-0003-0712-5490. E-mail: rodriguesjessicapereira@hotmail.com

 

Submetido em: 18 jul 2024, Aceito em: 04 ago 2024

 

 

Resenha do livro:

BRACAGIOLI NETO, Alberto.; DAL SOGLIO, Fábio K. (org.). Metodologias participativas e sistematização de experiências em Agroecologia. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2022. 314 p. (Série Ensino, Aprendizagem e Tecnologias). ISBN 978-65-5725-091-4.  Disponível em: https://lume.ufrgs.br/handle/10183/256104, Acesso em: 05 ago 2024.

 

 

O livro “Metodologias Participativas e Sistematização de Experiências em Agroecologia”, é organizado por Alberto Bracagioli Neto, professor da Faculdade de Agronomia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Rural (PGDR/UFRGS), e por Fábio Kessler Dal Soglio, professor aposentado da Faculdade de Agronomia da UFRGS e professor colaborador do PGDR/UFRGS.

Os autores visam contribuir para o debate sobre a utilização de métodos participativos e a sobre a sistematização de experiências na Agroecologia. O livro conta com contribuições de cinco autores envolvidos, visando o aprimoramento constante e colaborativo das bases metodológicas e do debate teórico sobre a construção do conhecimento agroecológico.

O livro está dividido em nove capítulos. O primeiro capítulo, “Análise comparativa entre o método participativo e o método difusionista”, de Décio Cotrim, expõe a Construção do Conhecimento Agroecológico (CCA), que gera a promoção da transição agroecológica por meio de processos participativos. Este processo envolve técnicas que propiciam interações entre os atores, as quais são mediadas por extensionistas rurais, promovendo debates e a formação de conhecimento agroecológico. O autor discute a emergência do método participativo na academia, além de trazer

uma comparação com o método difusionista, que tem como modelo a modernização da agricultura. No método difusionista o diálogo com o conhecimento dos atores é desvalorizado e compreendido como atraso, sendo imposta a transferência de tecnologias. Baseada na Perspectiva Orientada pelo Ator (POA), de Norman Long (2001), que valoriza a experiência cotidiana e as intervenções sociais, a construção do conhecimento requer uma imersão nas relações comunitárias bem como participação nas decisões. Nos anos 1980 os métodos participativos surgiram para avaliar projetos de desenvolvimento na África e na Ásia, proferindo falhas. Na década de 1990, o Diagnóstico Rural Participativo (DRP) foi introduzido no Brasil pela cooperação alemã Deutsche Gesellschaft für Internationale Zusammenarbeit (GIZ). O capítulo apresenta a “escada de participação” de Geilfus (1997), mostrando a evolução da passividade à autogestão dos agricultores. Nas perspectivas participativas, a valorização do conhecimento histórico e cultural dos atores fortalece o desenvolvimento rural, mas há desafios tais como a hierarquia entre agricultores e articuladores, a seleção de lideranças específicas, os processos participativos curtos e o desconhecimento do contexto político-cultural.

O segundo capítulo, “Inovação na agricultura ecológica: ampliando perspectivas”, de Flávia Charão-Marques, busca enriquecer nossa compreensão sobre a inovação na agricultura, questionando o que significa inovar nos processos de transformação social e técnica para alcançar uma agricultura baseada em princípios agroecológicos. A autora ressalta que inovar é essencial para superar desafios tecnológicos na agricultura ecológica, mas enfatiza a necessidade de valorizar todas as gerações de conhecimento. Nesse sentido, inovar não se limita apenas ao processo produtivo, mas inclui as novas formas de organização da produção, os mercados, o consumo e as novas relações de trabalho e de gênero. As mudanças necessárias vão além da substituição de técnicas e de insumos, requerendo soluções que considerem o contexto local. A verdadeira inovação depende do engajamento de novos atores (agricultores, pesquisadores, extensionistas, consumidores, agentes públicos etc.) e da incorporação de práticas e conhecimentos locais. Em resumo, a agricultura ecológica deve integrar avanços tecnológicos institucionais com a diversidade e com a singularidade dos territórios para promover uma transformação mais profunda e sustentável.

Adentrando na discussão metodológica, o terceiro capítulo, “Raízes e reveses dos processos participativos” de Alberto Bracagioli Neto, aborda as diversas origens e influências dos métodos participativos, enfatizando sua base no campo da Antropologia, área do conhecimento que busca compreender a diversidade humana e desafia a noção de um único centro do mundo. A cronologia internacional sobre os métodos participativos tem início nos anos 1950, ressaltando inicialmente o desenvolvimento comunitário com participação limitada. O autor aponta a promulgação da Constituição Federal de 1988 como o início de uma base legal para uma democracia de caráter participativo, o que permitiu a consolidação de políticas públicas de gestão baseadas em conselhos, embora também reconheça a Pedagogia de Paulo Freire e as Comunidades Eclesiais de Base como grandes influências iniciais no Brasil, na discussão acerca da gestão participativa.

No meio rural as metodologias participativas começaram a ser utilizadas na extensão rural como um aporte no trabalho realizado com comunidades e também no acesso a políticas públicas. Bracagioli Neto discute os “reveses da participação”, em que os processos participativos podem ser distorcidos e utilizados de forma contrária aos seus propósitos originais, tornando-se ferramentas de imposição e manipulação. Para mitigar tais problemas, aponta-se a necessidade de respeitar os princípios e as bases conceituais ao longo dos processos participativos. O capítulo sugere que devemos abordar as metodologias participativas com cuidado, abandonando certezas fixas e fragmentadas, buscando entender a complexidade e a dinâmica dos processos sociais. A reflexividade é essencial em todas as práticas metodológicas, as quais podem fortalecer diversos processos e projetos voltados para a construção do conhecimento agroecológico.

Já no capítulo destinado a refletir sobre “A construção do conhecimento agroecológico”, de Décio Cotrim, explora-se um processo empregado na última década por diversos autores no âmbito da Agroecologia. A Construção do Conhecimento Agroecológico, citada no primeiro capítulo, refere-se aos processos coletivos de produção e de disseminação de novos saberes, os quais envolvem pesquisadores, extensionistas e agricultores, visando melhorar a educação, a pesquisa e a extensão rural, resgatando saberes tradicionais e os integrando ao conhecimento científico, além de analisar elementos teóricos cruciais na formação do processo de construção. No capítulo em questão é abordado o papel da Associação Brasileira de Agroecologia (ABA-Agroecologia), apontada pelo autor como o principal espaço de atuação de pesquisadores da Agroecologia no Brasil, uma vez que essa vem atuando na promoção de seminários e no fomento a sistematização de experiências locais com caminhos sustentáveis para o desenvolvimento rural. O capítulo estabelece uma base teórico-metodológica novamente centrada na Perspectiva Orientada pelo Ator, que destaca a interação dinâmica entre fatores internos e externos nos processos de mudança social para uma ampliação dos limites da noção de CCA. Para além, o capítulo discute a transição agroecológica após a fase de modernização da agricultura, o qual resultou na degradação dos bens da natureza e em processos insustentáveis. O aporte contribui para reafirmar que a transição para práticas sustentáveis tem sido impulsionada por metodologias participativas adaptadas às realidades locais.

A transição gradual e a relação dos temas abordados nos conduzem ao capítulo 5, “Desenho de processos participativos”, de Alberto Bracagioli Neto, que apresenta os métodos participativos que se desenvolvem tanto em bases teóricas quanto empíricas. É destacado que no desenho dos métodos participativos não cabe um conjunto de etapas rígidas e mecânicas pois, muitas vezes, essas são aplicadas de forma inadequada, gerando mais dificuldades do que soluções. Frequentemente os resultados duvidosos são causados pela forma de uso e aplicação, não pelo método em si. O autor apresenta um mapa mental com os componentes do desenho de processos participativos, os quais incluem: princípios, identificação, análise, continuidade, ações e planejamento. Embora exista uma sequência, o autor enfatiza a importância das dimensões transversais que permeiam essas etapas. O texto aborda as metodologias participativas, as quais se originam da percepção e da iniciativa dos atores locais, mostrando que elas promovem, ao longo do tempo, autonomia e um resultado a médio e longo prazo.

O capítulo 6, “Um diálogo sobre ferramentas participativas”, escrito por Décio Cotrim, dialoga com o capítulo 5 e aborda o método participativo como uma mediação social, originada nos anos 1980 como uma forma de superação do método difusionista, que não leva em conta as especificidades sociais e culturais dos grupos-alvo.  A principal orientação é o Diagnóstico Rápido Participativo (DRP), que conta com as ferramentas participativas para proporcionar o diálogo entre as comunidades e desenvolver uma análise compartilhada da realidade. Essas ferramentas integram desenhos, mapas, diagramas e matrizes que facilitam os processos coletivos e a autogestão das comunidades rurais. No entanto, o autor ressalta que o mero uso dessas ferramentas não garante um processo verdadeiramente participativo, sublinhando a necessidade de ampliar as capacidades dos atores para alcançar a autogestão. O autor traz como referência o guia prático de autoria de Verdejo (2006), amplamente usado como referência nos projetos de extensão rural para o uso de ferramentas participativas. Os diagramas — como o Diagrama de Venn, por exemplo —, são utilizados para compreender aspectos complexos e inter-relacionados da comunidade, mapeando relações de causa e efeito e interações institucionais. Sendo assim, essas ferramentas promovem um debate que conta com a participação democrática dos participantes, inclusive daqueles que possuem dificuldades com a linguagem escrita.

No sétimo capítulo, “A sistematização de experiências e a aplicação em Agroecologia” de Fábio Kessler Dal Soglio, temos uma abordagem que dialoga com o conhecimento científico e com o conhecimento tradicional, garantindo a participação dos atores envolvidos. Destaca-se como uma ferramenta voltada para o fomento do conhecimento agroecológico, que engloba desde os princípios até os métodos, é capaz de respeitar os atores capacitados para que esses possam participar ativamente. Esta ferramenta abrange os processos de construção do conhecimento com base na prática e em princípios como a participação ativa dos atores envolvidos e o destaque para a valorização do contexto local. É ressaltado no capítulo que a ferramenta deve ser inclusiva, valorizando a sabedoria dos agricultores e possibilitando a construção coletiva do conhecimento agroecológico. Para isso, pontos éticos, sociais e ambientais são fundamentais para assegurar a relevância e a aplicação do conhecimento construído. Nesse processo a formação dos mediadores é essencial para lidar com a complexidade do desenvolvimento da metodologia, pois é especialmente pertinente na Agroecologia para o diálogo de saberes.

No capítulo 8, “Princípios e aplicações da pesquisa participativa em Agroecologia”, de Fábio Kessler Dal Soglio, o autor aborda a pesquisa participativa em Agroecologia, discorrendo acerca dos pontos fortes e fracos desta metodologia, bem como suas formas de aplicação. A participação dos atores locais é o ponto chave, envolvendo-os desde o planejamento até a avaliação dos resultados, valorizando, assim, a troca de saberes.  Desse modo, ao incentivar uma ciência cidadã e contextualizada, a pesquisa participativa capacita profissionais de Agroecologia a contribuir para a diversificação de agroecossistemas e para o aumento da autonomia camponesa. Ademais, são apresentados princípios que guiam a pesquisa participativa, como a simetria nas relações entre participantes, o diálogo de saberes e o fortalecimento das comunidades envolvidas. Porém, é essencial atentar-se às limitações desta metodologia. O autor orienta que esta seja utilizada como parte de processos de desenvolvimento mais amplos, e que sejam expostos princípios gerais norteadores, tendo em mente os atributos específicos de cada uso. A pesquisa participativa se diferencia das convencionais por incorporar o conhecimento local, promovendo soluções de baixo custo e por seu caráter caso a caso, permitindo abarcar problemas particularíssimos que, por vezes, não podem ser generalizados. Por fim, o capítulo discute a confusão conceitual entre termos como investigação-ação, pesquisa participante, pesquisa-ação e pesquisa participativa, trazendo a perspectiva de autores que sinalizam que, embora os conceitos se correlacionem, estes podem indicar processos diferentes, de forma que também podem provocar discordâncias entre os autores.

Por último, o capítulo “Entre imagens, agricultores, comunidades e mediadores: o uso de imagens na sistematização de experiências”, de Rumi Regina Kubo, discute elementos que permitem a problematização de imagens em atividades com agricultores, utilizando-as como ferramentas para abordar processos de desenvolvimento rural, baseando-se nos campos da Etnoecologia e da Agroecologia. A metodologia participativa usa a imagem como um meio de reflexão e interação participativa na pesquisa, projeto e/ou ação. A sistematização de experiências através da fotografia é essencial para ordenar e reconstruir o processo vivido, realizar uma interpretação crítica e, posteriormente, extrair aprendizados e compartilhá-los. O capítulo propõe perguntas orientadoras que podem contribuir para a abordagem do processo. Dessa maneira, o uso da imagem requer tanto um conhecimento técnico de produção audiovisual quanto a interação na construção do processo imagético (narrar o processo por meio do olhar). A autora sugere olhar para a fotografia como uma dimensão narrativa, de quem conta uma história, possibilitando um meio de comunicação e a formação de um conhecimento coletivo.

Em síntese, a obra “Metodologias Participativas e Sistematização de Experiências em Agroecologia” organiza cada capítulo com temas articulados, apresentando discussões fundamentais sobre o uso de métodos participativos e a sistematização de experiências em Agroecologia de maneira nítida e crítica. Além de divulgar as ferramentas já utilizadas na geração dos processos agroecológicos, a obra auxilia na formação de profissionais atuantes em Agroecologia e de outros envolvidos, como agricultores, professores e pesquisadores, promovendo o diálogo de saberes e utilizando referências teóricas que enriquecem a construção do conhecimento agroecológico.

 

Copyright (©) 2024 Jéssica Rodrigues Pereira

AGRADECIMENTOS

Esta publicação faz parte das discussões do Grupo de Estudos do Projeto Extensão Rural e Agroecologia (ERA) em desenvolvimento na Universidade de Brasília (UnB) em parceria com o Departamento de Assistência Técnica e Extensão Rural/Secretaria de Agricultura Familiar e Agroecologia do Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (DATER/SAF/MDA).

 

REFERÊNCIAS:

 

GEILFUS, Frans. 80 hierramientas para el desarrollo participativo: diagnostico, planificacíon, monitoreo, evaluacion. El Salvador: IICA-GTZ, 1997.

LONG, Norman. Development Sociology: actor perspectives. London: Routledge, 2001.

VERDEJO, Miguel E. Diagnóstico Rural Participativo: guia prático de DRP. Brasília: MDA-SAF-DATER, 2006.

i 

Revista Brasileira de Agroecologia
ISSN 1980-9735

Publicação da Associação Brasileira de Agroecologia - ABA-Agroecologia em cooperação com o Programa de Pós-Graduação em Meio Ambiente e Desenvolvimento Rural - PPG-Mader, da Universidade de Brasília – UnB

Licença Creative Commons Atribuição 4.0 Internacional (CC BY 4.0)