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Brasília, v. 19, n. 3, p. 333-352, 2024

https://doi.org/10.33240/rba.v19i3.52643

Como citar:  MENDES, Leticia O.; SENA, José Ozinaldo A.  Sistematização de experiência: implantação de um sistema agroflorestal feito por mulheres no norte central do Paraná. Revista Brasileira de Agroecologia, v. 19, n. 1, p. 333-352, 2024.


Sistematização de experiência: implantação de um sistema agroflorestal feito por mulheres no norte central do Paraná

Experience systematization: implementation of an agroforestry system carried out by women in the central north of Paraná

Sistematización de la experiencia: implementación de un sistema agroforestal realizado por mujeres en el centro norte del Paraná

Leticia Oliveira Mendes ¹, José Ozinaldo Alves de Sena2

1 Mestre em Agroecologia. Programa de Pós-Graduação em Agroecologia, Mestrado Profissional (PROFAGROEC) da Universidade Estadual de Maringá (UEM). Maringá, Paraná, Brasil. Orcid: https://orcid.org/0000-0001-6487-1380, E-mail: mendeslt26@gmail.com

2 Professor do Programa de Programa de Pós-Graduação em Agroecologia, Mestrado Profissional (PROFAGROEC) da Universidade Estadual de Maringá (UEM). Maringá, Paraná, Brasil. Orcid: https://orcid.org/0000-0002-2852-4805, Email: ozisena@gmail.com

 

 

Recebido em: 21 fev 2024. Aceito em: 15 jul 2024

 

 

Resumo

Devido à crise socioambiental atual, é urgente uma reaproximação do humano com a natureza que resulte em comportamentos pró-ambientais. O objetivo desta pesquisa é compreender de que forma experiências em ambientes naturais e a implementação de um sistema agroflorestal experimental, podem contribuir para uma reaproximação com a natureza e para a transformação cotidiana de quatro mulheres citadinas. Para atingir este objetivo foi utilizada a metodologia de sistematização de experiências em cinco tempos. As experiências aconteceram entre janeiro e maio de 2022 e incluíram as seguintes atividades: encontros teóricos online, visita à chácara Pachamama, coleta de sementes na Universidade Estadual de Londrina e quatro atividades de implantação de um sistema agroflorestal experimental, na Chácara 09-A, no Condomínio de Chácaras Itaúna. Por fim, foi possível compreender que esse tipo de experiência tem um efeito benéfico e transformador na vida de quem participa, refletindo em comportamentos pró-ambientais.

Palavras-chave: Agroecologia, Conexão ambiental, Educação ambiental, Comportamento pró ambiental.

 

Abstract

Due to the current socio-environmental crisis, a human rapprochement with nature is urgent, resulting in pro-environmental behaviors. The aim of this research is to understand how experiences in natural environments and the implementation of an experimental agroforestry system can contribute to the rapprochement with the nature and daily transformation of four city women. To achieve this objective, the methodology of systematization of experiences in five times was used. The experiments took place between January and May 2022 and included the following activities: online theoretical meetings, visit to Pachamama farm, seed collection at the State University of Londrina and four activities to implement an experimental agroforestry system, in Chácara 09-A, in the Condominium of Chácaras Itaúna. Finally, it was possible to understand that this type of experience has a beneficial and transformative effect on the lives of those who participate, reflecting on pro-environmental behaviors.

Keywords: Agroecology, Environmental connection, Environmental education, Pro-environmental behavior.

 

Resumen

Debido a la actual crisis socioambiental, se necesita con urgencia un acercamiento humano con la naturaleza que se traduzca en comportamientos proambientales. El objetivo de esta investigación es comprender cómo las experiencias en ambientes naturales y la implementación de un sistema agroforestal experimental pueden contribuir al acercamiento con la naturaleza y con la transformación cotidiana de cuatro mujeres urbanas. Para lograr este objetivo se utilizó la metodología de sistematización de experiencias en cinco etapas. Las experiencias se desarrollaron entre enero y mayo de 2022 e incluyeron las siguientes actividades: reuniones teóricas online, visita a la finca Pachamama, recolección de semillas en la Universidad Estadual de Londrina y cuatro actividades para implementar un sistema agroforestal experimental, en Chácara 09-A, en Condominio Chácaras Itaúna. Finalmente, fue posible comprender que este tipo de experiencias tiene un efecto beneficioso y transformador en la vida de quienes participan, reflexionando sobre comportamientos proambientales.

Palabras-clave: Agroecología; Conexión ambiental; Educación ambiental, Comportamiento proambiental.

 

 

 

 

INTRODUÇÃO       

A sociedade moderna globalizada caminha para o colapso devido à crescente degradação socioambiental planetária. De acordo com o sexto relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) (Ara Begum et al., 2022), caminhamos rapidamente rumo ao desastre climático. Desta forma, é urgente buscar a transformação social e ambiental através da reaproximação do humano com a natureza, para que esta proximidade possibilite posicionamentos políticos pró-ambientais. Por meio da Agrofloresta é possível caminhar de forma mais eficiente para essa reconexão pois, ao compreender o trabalho da natureza, catalisado pelo agricultor e a cooperação entre os sistemas vivos, é possível se entender como parte desse sistema vivo, onde um contribui com o outro, rumo a complexificação do ambiente, seja do ambiente físico, seja do ambiente social e cultural (Steenbock, 2021).

Para Steenbock (2021), aprender a partir de experiências que nos integram aos fenômenos naturais é justamente o que os seres vivos fazem. Para Carvalho e Steil (2013, p. 115), “(…) a experiência de estar em lugares naturais, realizar práticas ecológicas e rituais ligados à natureza, engendra processos educativos no sentido do desenvolvimento de habilidades e reforçam as expectativas de autenticidade”, de forma que estes processos trazem benefícios para a saúde mental e física. Seguindo esta lógica, Sistemas Agroflorestais (SAF) se manifestam como importantes aliados para recuperar, de forma produtiva, áreas degradadas, envolvendo sustentabilidade (tanto econômica, quanto social e ambiental) e proporcionando a proteção de ecossistemas locais, visto que estes sistemas integram árvores frutíferas e florestais, com os cultivos agrícolas, podendo também integrar animais, tudo em uma mesma área e com uso reduzido de insumos externos. A diversificação da produção gera diversos produtos finais, o que diminui a insegurança do produtor que não dependerá mais de um único produto para o seu sustento. Os SAF também podem ser implementados em Áreas de Preservação Permanentes (APPs) (Antonio, 2019).

De acordo com Steenbock (2021), a prática agroflorestal promove a reconexão humano/natureza, pois facilita o entendimento de como funcionam os sistemas vivos por meio de processos ecológicos na produção, trazendo a possibilidade de que seres humanos possam conviver em cooperação uns com os outros e com o organismo planetário.

Em vista disso, de que forma a implementação de uma agrofloresta pode contribuir para a reaproximação com a natureza e para a transformação cotidiana? Para responder a esse problema, utilizou-se a metodologia de sistematização de experiência em cinco tempos, conforme estabelecido por Jara-Holliday (2006). O objetivo desta pesquisa vem de encontro com a urgente necessidade de se estabelecer vínculos mais profundos com a natureza. Desta forma, busca-se promover uma transformação crítica de atitudes e valores por meio de experiências em ambientes naturais e agroflorestais.

METODOLOGIA


Localização da pesquisa

A pesquisa foi realizada na cidade de Ibiporã, município da Região Metropolitana de Londrina, no Estado do Paraná, Brasil, entre as coordenadas 23° 20’ 03. 0” S e 51° 02’ 39.4” O. Conforme a classificação de Köppen, o clima da região é do tipo Cfa (Subtropical Úmido Mesotérmico), com a ocorrência de chuvas em todas as estações, porém, podendo ocorrer diminuição da quantidade de chuvas no período de inverno. A cidade de Ibiporã possui 78 anos, 48.198 habitantes (IBGE, 2012) e 297,742 km² de extensão. Está localizada no bioma Mata Atlântica, com cobertura florestal de Floresta Estacional Semidecidual (FES), a 496 metros de altitude. Esta pesquisa aconteceu em uma chácara do Condomínio de Chácaras Itaúna, localizada na Rua Pau-brasil. Participaram deste estudo quatro mulheres, de modo que os perfis destas estão descritos no Quadro 1:

Quadro 1: Perfil participante.

Participante

Profissão

Participante 1

Administradora, empreendedora, possui uma floricultura, 48 anos.

Participante 2

Administradora, médica veterinária, doutoranda, 36 anos.

Participante 3

Bióloga, mestranda, 24 anos.

Participante 4

Médica veterinária, doutoranda, 30 anos.

Fonte: Autora, 2022.

As participantes 1 e 2 são as proprietárias da chácara 09-A.

Tipologia da pesquisa

Para o desenvolvimento desta pesquisa qualitativa utilizou-se a metodologia de sistematização de experiência em cinco tempos, conforme estabelecido por Jara-Holliday (2006), são eles: Tempo 1: o ponto de partida; Tempo 2: as perguntas iniciais; Tempo 3: recuperação do processo vivido; Tempo 4: a reflexão de fundo; Tempo 5: os pontos de chegada, conforme o Quadro 2. Cada etapa foi desenvolvida em conjunto, sendo a pesquisadora a principal animadora das reflexões. O tempo 3 contou com um roteiro de ordenação e o tempo 4 com um roteiro de perguntas críticas, ambas desenvolvidas pela pesquisadora para auxiliar o processo.

 

Quadro 2: Tempo 2.

As perguntas iniciais:

Iniciar propriamente a sistematização

Para que queremos viver esta(s) experiência(s)? (Definir o objetivo)

Compreender o impacto das experiências e como isso pode refletir no cotidiano e no contato com a natureza.

Que experiência(s) queremos sistematizar? (Delimitar o objeto a ser sistematizado)

A apresentação teórica, a visita à chácara Pachamama, a coleta de sementes na UEL e posterior implantação de um sistema agroflorestal experimental, sem irrigação, feito por muvucas de sementes, na Chácara 09 - A, entre 24/01/22 e 05/06/22.

 

Quais sãos aspectos centrais dessa experiência que nos interessa sistematizar? (Definir um eixo de sistematização).

Implementação de um sistema agroflorestal experimental a partir das experiências vividas.

Fonte: Jara-Holliday, 2006. Adaptado pela autora, 2022.

A proposta metodológica para a sistematização foi dividida em quatro momentos, seguindo a proposta de Jara-Holliday (2006): Tempos 1 e 2 - O ponto de partida e as perguntas iniciais: inicialmente foram definidas as participantes do processo, definindo quem conduziria; em seguida foi estabelecido o “para quê” e “para quem” esta seria realizada e, por último, foi elaborado o projeto de sistematização; Tempo 3 - Recuperação do processo vivido: a vivência foi reconstruída de forma conjunta, experiência por experiência, de acordo com a tabela de experiências (Quadro 3), seguindo o roteiro de ordenação para cada experiência, que foi elaborado pela pesquisadora principal. Tempo 4 – A reflexão de fundo: Porque aconteceu o que aconteceu. Esta etapa também foi feita de forma conjunta com as participantes, experiência por experiência, seguindo um roteiro de perguntas críticas para cada uma destas. Neste momento foram feitas muitas reflexões partindo de um desejo transformador. Tempo 5 – Os pontos de chegada: as conclusões formuladas na etapa anterior carregam respostas aos objetivos do início da sistematização, tendo como referência o eixo de sistematização.

Quadro 3: Breve descrição das experiências.

Experiências vividas

Breve descrição da experiência

Apresentação teórica online:

24/01/2022 a 17/02/2022

O objetivo dessas apresentações teóricas foi trazer uma base contextual para a pesquisa. Dessa forma, estão aqui em sequência, o título de cada apresentação teórica: 1) Apresentação da pesquisa; 2) Contexto socioambiental, definição de SAF e sintropia; 3) A dinâmica do ecossistema florestal; 4) Princípios da agrofloresta sucessional; 5) Diagnóstico; 6) Planejamento e desenho; 7) Implantação da agrofloresta.

Visita à Chácara Pachamama:

13/02/2022

Esta experiência foi uma visita guiada pelo proprietário da chácara, Onaur Ruano, que nos mostrou toda a propriedade e como funciona o seu trabalho dentro da agroecologia e da agrofloresta. Seu foco de trabalho são plantas medicinais, condimentares e aromáticas, além disso, há, na propriedade, um laboratório para processar as plantas colhidas em chás, óleos essenciais, hidrolatos e temperos; esta propriedade é vizinha de fundo da propriedade foco desta pesquisa.

Coleta de Sementes na Universidade Estadual de Londrina (UEL): 20/02/2022

 

Esta experiência foi intuitiva, fizemos uma caminhada à procura de árvores que estavam com sementes. Foi um encontro com as árvores. Coletamos as sementes que encontramos e as separamos por espécie.

A intenção desta atividade foi coletar sementes para utilizar no plantio posterior.

Atividade 1 na Chácara 09-A:

27/02/2022

Esta foi a primeira atividade na chácara.

Inicialmente foi feita a primeira parte referente ao preparo da área para o plantio: todo o capim da área escolhida foi capinado, com a retirada das touceiras. Após essa etapa, todo o capim retirado foi deixado no local para ser usado como cobertura. Em seguida, foram feitas podas nos limoeiros que estão ao redor da área e também a colheita desses limões. Por último, algumas participantes fizeram uma caminhada pela mata secundária até chegar ao córrego que fica no fundo da propriedade.

Atividade 2 na Chácara 09-A:

01/03/2022

Esta foi a segunda atividade na chácara.

As mudas escolhidas foram coletadas e preparadas (banana, mandioca, napier, cana-de-açúcar) na chácara onde reside a pesquisadora e, em seguida, todas se deslocaram até a Chácara 09-A onde foram preparados os canteiros de árvores. Foi possível  plantar as bananeiras apenas de forma provisória, considerando o horário avançado. De forma que já estava escurecendo por conta da chuva que havia ocorrido no dia.

Atividade 3 na Chácara 09-A:

20/03/2022

Esta foi a terceira atividade na chácara.

Ao chegar, foram desenterradas as bananeiras para serem replantadas com a devida profundidade necessária, e as raízes que já haviam nascido na muda foram cortadas. Na sequência, foram preparados novos canteiros, cobertos e plantadas muvucas de sementes nas linhas de árvores e nas entrelinhas. Ao todo foram usadas três muvucas. Uma muvuca continha sementes de árvores e as outras duas continham sementes de hortaliças (espécies de ciclo mais curto). Fora as sementes, foram plantadas manivas de mandioca nas linhas de árvores e, ao redor da área, estacas de capim napier e cana, para que estas formassem uma barreira nas laterais.

Atividade 4 na Chácara 09-A:

01/05/2022

Esta foi a quarta e última atividade na chácara.

Ao chegar as participantes fizeram uma contemplação do plantio, observando e admirando tudo que havia nascido. Em seguida, foi realizada uma capina seletiva, retirando as plantas espontâneas que estavam brotando ao redor e no canteiro. Por fim, foram feitas podas drásticas nos limoeiros ao lado. Com essa poda foi possível colher mais limões e também fazer uma barreira com os galhos que foram cortados para proteger o plantio de predadores. (Alguns dias antes algum animal havia comido as manivas de mandioca da linha mais externa de plantio.)

Fonte: Autora, 2022.

Na atividade de coleta de sementes na UEL, a pesquisadora provocou uma reflexão sobre o valor das sementes, sobre o quão valioso é poder se multiplicar a partir de uma única semente. Sendo esta uma atividade ancestral, a coleta de sementes aproveita os recursos que a natureza produz com abundância. A convivência com as plantas acaba por ensinar muitas coisas a quem tem o olhar mais aguçado e a sensibilidade de perceber.

As espécies coletadas foram escolhidas pelas participantes que, ao avistar uma árvore semeteando, se aproximavam para conhecê-la, bem como para conhecer os seus descendentes. As espécies coletadas foram: leucena (Leucaena leucocephala), guapuruvu (Schizolobium parahyba), feijão-guandu (Cajanus cajan), tipuana (Tipuana tipu) e sete copas (Terminalia catappa L.).  Uma das maiores decepções dessa coleta foi o momento em que se visitou a árvore de pau-brasil e esta não estava sementeando. Havia uma expectativa das participantes 1 e 2 de que pudessem coletar essas sementes, pois a chácara 09-A se localiza na Rua Pau-brasil. Por outro lado, ir ao encontro das árvores e se surpreender com a quantidade de sementes, cria um vínculo e muda o olhar, mesmo que seja em um ambiente já conhecido pelas participantes. Destaca-se que nem todas as espécies coletadas foram usadas no plantio.

As atividades 1, 2, 3 e 4 da Chácara 09-A foram conduzidas pela pesquisadora. O primeiro momento da atividade 1 consistiu em observar a área que seria trabalhada. Em conjunto decidiu-se por um espaço de 50 m² de uma área próxima à borda da mata secundária que existe no local. Ou seja, observa-se que de um lado há essa mata e do outro lado, no perímetro da área escolhida, existem quatro limoeiros.

Pela manhã foi iniciada a capina do local escolhido, com enxadas. Em seguida, a pesquisadora e as demais participantes fizeram uma caminhada dentro da mata secundária até chegarem ao córrego que faz a divisa da propriedade. Esta caminhada foi sensitiva e observacional, foram avistadas borboletas, aranhas, mudas de árvores, aves e pássaros, além da dinâmica da floresta com muitos galhos caídos. Chegando no córrego foi possível molhar os pés em água corrente. No final da manhã a caminhada foi finalizada. Sendo assim, decidiu-se que o retorno à atividade ocorreria depois do horário mais quente do dia, após as 16 h.

Ao chegar, no período da tarde, primeiramente foi feita a colheita de limões. Alguns galhos dos limoeiros foram podados e destes foram colhidos os limões. Em seguida, todas as participantes voltaram à capina, de modo que foi arrastada a matéria orgânica resultante da capina do período da manhã e as touceiras que ainda restavam foram retiradas. Em sequência, a matéria orgânica foi novamente espalhada pela área para cobrir o solo capinado. Finalizada essa cobertura, mais uma colheita de limões foi realizada, retirando alguns galhos que já haviam caído ou baixado por conta do peso destes. No total, foram colhidos, aproximadamente, 35 kg de limão cravo (Citrus × limonia).

No momento inicial da atividade 2, as ferramentas para tirar as mudas de bananeira foram afiadas. Após a retirada das mudas, essas foram preparadas para o plantio. No momento seguinte a pesquisadora colheu mandiocas para o preparo das manivas, de modo que foram cortadas manivas de aproximadamente 30 cm. Além disso, a grama cortada foi recolhida em sacos grandes para ser usada como cobertura de solo. No período da tarde foram cortadas as estacas de capim napier e de cana-de-açúcar para fazer mudas. Também foram cortados bambus para serem utilizados como medidas. As medidas foram as seguintes: bambus de 40 cm (entrelinhas), 70 cm (linhas), 1 m (entre plantas) e 1,10 m (linha + entrelinha), e alguns bambus mais compridos para ajudar na visualização das bordas dos canteiros.

Ao chegar na chácara 09-A, o capim que havia sido roçado no dia 27/02/22 foi afastado para que o vizinho pudesse passar o microtrator (tobata) e preparar o solo. Como o solo estava bastante compactado, foi necessário passar o microtrator quatro vezes. Após esta etapa, medimos o ângulo dos canteiros para que estes ficassem na direção norte-sul na área trabalhada, o que totalizou 4 canteiros de diferentes comprimentos. Estes foram trabalhados pelas participantes 1 e 4, que levantaram os canteiros, os quais receberam adubação com cinzas de fogueira (uma mão para cada metro) e um material que a participante 1 tinha disponível na floricultura (terra vegetal adubada), em seguida, foram abertos os berços para receber as mudas de banana. No total, 8 mudas foram plantadas.

Contudo, neste momento, a chuva fina  que caía começou a engrossar, dessa forma, foi necessário apressar os preparativos para ir embora. Foi feita uma cobertura nos locais onde ainda não haviam sido levantados os canteiros com o capim que já estava no local, e os canteiros levantados foram cobertos com a grama cortada que foi levada da chácara da pesquisadora.

Para a atividade 3 foram coletados três sacos de 200 L de grama e de matéria orgânica na chácara onde reside a pesquisadora. Chegando na chácara 09-A, a matéria orgânica foi afastada e as bananas replantadas, uma vez que no encontro anterior estas precisaram ser plantadas às pressas. Foram feitos berços maiores, cortadas as raízes que já estavam crescendo e plantadas novamente. Depois, realizou-se a cobertura desses canteiros de árvores. Posteriormente, os canteiros que ainda não haviam sido levantados passaram pelo processo de levantamento. Estes eram os canteiros das entrelinhas de árvores, os quais também receberam adubação com a terra vegetal adubada e cinza. Os canteiros foram alinhados e cobertos. Após esse momento, foram feitas as muvucas de sementes e estas foram plantadas. Foram preparadas três muvucas diferentes, uma delas para a linha de árvores, com as espécies: vinagreira (Hibiscus sabdariffa), lichia (Litchi chinensis), pinhão (Araucaria angustifolia), laranja (Citrus sinensis), guapuruvu (Schizolobium parahyba), leucena (Leucaena leucocephala), jatobá (Hymenaea courbaril), pata de vaca (Bauhinia forficata), tipuana (Tipuana tipu) e fruta pinha (Annona squamosa). E duas muvucas com espécies de ciclo mais curto, uma delas com: tomate (Solanum lycopersicum), mamão (Carica papaya), abóbora (Cucurbita moschata), pimenta (Capsicum annuum), melancia (Citrullus lanatus), berinjela (Solanum melongena) e feijão (Phaseolus vulgaris) e outra muvuca com: abobrinha (Cucurbita pepo), abóbora (Cucurbita moschata), melão (Cucumis melo), tomate (Solanum lycopersicum), amendoim (Arachis hypogaea), ervilha (Pisum sativum), quiabo (Abelmoschus esculentus) e pimentão (Capsicum annuum).

Na atividade 4 da chácara 09-A, após descarregar o carro, todas desceram até a área implantada para observar o crescimento das plantas. Foi observado que elas estavam vigorosas e crescendo bem sem irrigação. Em seguida foi feita uma capina seletiva, retirando as plantas espontâneas e também podado o pé de limão rosa próximo à área. No período da tarde foi dada continuidade com as podas dos limoeiros, que foram trabalhosas pois, além de tomar cuidado com os espinhos, a escolha dos galhos que seriam podados exigiu uma postura criteriosa. Tinham muitos rebrotes e as árvores estavam doentes, além de haver a presença de folhas enroladas e de fungos. Sendo assim, foram feitas podas de condução e de limpeza. Em seguida, os galhos que foram retirados passaram por uma colheita dos limões e, posteriormente, foram cortados para ficarem menores. Após esta etapa, foi feita a organização desse material ao redor do plantio como uma barreira para proteger o SAF da entrada de porcos selvagens que visitaram o local e reviraram alguns pontos do canteiro.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Para elucidar melhor os resultados, serão expostas as impressões de cada atividade na chácara 09-A nos trechos a seguir.

Em relação à atividade 1, no primeiro momento as expectativas eram baixas pois o capim estava bem alto, o que foi visto como uma dificuldade por parte das participantes. Contudo, ao longo do desenvolvimento do trabalho, foi possível perceber que este estava prosperando e foi possível realizar o que havia sido proposto no tempo desejado. Foi um processo trabalhoso que trouxe um resultado imediato na mudança do ambiente, de modo que essa mudança brusca foi bastante animadora para todas que estavam envolvidas. A colheita de limões trouxe a reflexão a respeito da abundância da natureza, o que foi importante para se pensar sobre como a produção é intensa, e deve ser destinada com responsabilidade, para que não haja desperdício. A caminhada na mata secundária também trouxe a reflexão sobre como a floresta está em constante transformação e como a dinâmica desta envolve uma série de processos que acontecem a todo momento. Ao chegar no córrego, a água corrente também trouxe um sentimento de calma e frescor.

A atividade 2 foi pesada e cansativa, mas muito bem aproveitada. As participantes aprenderam com curiosidade tanto sobre a retirada de muda das bananeiras, quanto sobre o processo de limpeza, com a remoção das brocas, quando estas estavam presentes. A participante 2 teve interesse em aprender a afiar um facão. Todas as participantes perceberam o quanto é dificultoso esse trabalho de preparo de mudas pré plantio, percebendo que este é o tipo de trabalho que requer mais mãos trabalhando juntas. Foram muitas horas de trabalho, exigindo muito do físico de cada uma. Contudo, vemos que este nem sempre está preparado para bater um canteiro ou para carregar o material de uma chácara para outra, por exemplo. Porém, o processo tem seus encantos. Foram esclarecidas dúvidas sobre o plantio e também foi entendido o porquê de algumas das decisões tomadas pela pesquisadora. Apesar da sobrecarga de trabalho, esse processo de entender as dificuldades da produção rural e deste estilo de vida é importante, assim como a compreensão acerca das dificuldades em torno da transformação de uma paisagem e da recuperação de um solo sem o uso de irrigação.

Durante a atividade 3, a participante 1 teve insights sobre como é trabalhoso fazer essa preparação e sobre o plantio em uma área pequena, imaginando como deveria ser realizar tal atividade na propriedade inteira. Todas as participantes atuaram em todas as etapas — exceto na mistura da muvuca, uma vez que a pesquisadora fez esta etapa sozinha para adiantar o processo, pois o tempo era curto. Não foi possível plantar as manivas de cana, mas houve o desejo, por parte das participantes, de plantar um mamoeiro que tinham em um vaso. Faz-se importante destacar como foi interessante analisar como seria o desenvolvimento do sistema sem irrigação e quebrar alguns paradigmas que existem acerca de espécies de árvores. A estratégia de muvuca veio justamente por não ter irrigação, de forma que as sementes vão germinar em um momento propício para tal.

Na atividade 4 as participantes se mostraram impressionadas com o crescimento e com a beleza do sistema. Todas estavam calmas, trabalhando com alegria e o clima estava leve. Poder acompanhar esta transformação de ambiente foi realmente marcante. Todas se mostraram muito animadas pela possibilidade de poder colher um alimento em alguns meses. Foi emocionante perceber a abundância e a produção materializada na figura dos limoeiros.

O tempo 3 foi dividido em tópicos conforme seu roteiro de ordenação. Por se aproximarem, e para facilitar a compreensão, alguns tópicos foram unidos. Porém, é importante destacar como todas as categorias se entrelaçam e fazem parte umas das outras.

Quadro 4 - Roteiro utilizado para ordenação de cada experiência.

ROTEIRO DE ORDENAÇÃO PARA CADA ATIVIDADE

Momentos de alegria e contemplação;

Momentos de superação;

Momentos de aprendizado;

Momentos de surpresa;

Momentos de desafio;

Momentos de tensão;

Sentimentos e atividades inéditas;

Opiniões sobre a atividade;

Qual o aspecto mais significativo desta experiência.

Fonte: Autora, 2022.

Houve momentos de alegria, contemplação e de surpresa, compartilhados pelas participantes nesta etapa da sistematização. Muitas informações eram novidades, o que despertou curiosidade e euforia nestas, conforme podemos constatar pela narrativa a seguir:

Senti muita alegria! Toda essa questão de fungos! Fiquei encantada, é algo que me encanta, eu quero aprender mais! Essa questão da micorriza, eu nunca tinha ouvido falar, eu achei fantástico, nem sabia que isso existia. Esse aprendizado pra mim foi algo muito feliz, muito alegre (P1, narrativa).

 

Também houve momentos de desafio, superação e aprendizado. Nas atividades da Chácara 09-A, o principal desafio foi começar efetivamente a prática. Uma vez que a prática foi iniciada, a percepção da dificuldade emergiu e, com isso, a noção acerca da importância da coletividade em atividades práticas de agricultura agroecológica.

O desafio foi aquelas touceiras que tinha que ficar voltando, então não é um trabalho rápido, não é um trabalho que dá pra fazer malfeito e não é um trabalho que é pra fazer sozinho, até dá, mas levaria muito tempo. Então, realmente, ele precisa de trabalho em equipe. O início nós vimos realmente que ele é mais difícil (P2, narrativa).

 

Como eram poucas participantes, houve um revezamento na execução das tarefas, de forma que essa cooperatividade foi de suma importância dentro do processo, atuando como uma forma de motivação, conforme P1 e P3:

 

(...) e você vai se superando mesmo né, porque quando você olha, você tem aquela expectativa, tipo: vamos chegar lá e vamos roçar e capinar e vai dar tudo certo! E você acha que vai ser rápido! Aí você começa e vem a realidade né, que não é tão simples, não é tão fácil, cansa, é exaustivo, solo compactado e aquilo vai te causando uma exaustão e você vai cansando e é igual você falou, você para e vai outro, toma o seu lugar e vai, aí você se recupera e volta e você vai se superando, o tempo todo se superando (P1, narrativa).

 

Acho que foi bem positivo mesmo, ter várias pessoas envolvidas porque daí uma vinha, não estava ali mais aguentando, aí vinha outra pessoa e ajudava, revezava e isso motivava a gente a continuar, né, sabia que: ah, agora eu não tô aguentando muito, mas a outra pessoa vai estar ali (P3, narrativa).

 

Como são pessoas citadinas, que estão participando pela primeira vez desse tipo de atividade, ficou claro que a força e a resistência são sentimentos que vem com o passar do tempo e com o desenvolver da prática, de modo que quem não tem essa vivência está mais propício a passar mal ou não conseguir terminar a atividade sem fazer pausas para se recuperar do calor, do sol e do cansaço.

Sendo assim, observa-se que momentos de tensão também estiveram presentes na atividade 1 da Chácara 09-A. A tensão se deu principalmente pela capina, processo que durou horas. Já na atividade 2, os momentos de tensão vieram principalmente porque tinham muitas atividades para serem realizadas e poucas pessoas disponíveis, por isso a dificuldade foi maior do que a esperada — na retirada das mudas de bananeiras, por exemplo. Além disso, as adversidades do tempo, como a chuva, dificultaram o desenvolvimento das atividades. A chuva trouxe a incerteza se seria possível dar continuidade às atividades. Ademais, também houve uma incerteza quanto a ajuda do vizinho que viria passar o micro trator na área, de modo que, se ele não comparecesse, seria necessário fazer o trabalho de forma manual, então a tensão era grande, como ilustrado na seguinte narrativa:

Foi uma parte bem tensa dessa atividade, muita coisa pro mesmo dia, a gente não sabia se ia dar tempo, o desgaste físico, que pega, a chuva, enfim, foram momento bem tensos..., mas aí depois foi dando tudo certo, tudo foi se ajeitando né, conseguimos fazer os canteiros, conseguimos cobrir tudo, ficou bonito, arrumado, ajeitado! Aí foi só no outro momento vir e continuar (P1, narrativa).

 

Porém, da mesma forma que houve incertezas, houve sentimentos positivos e atividades inéditas pois, para as participantes deste estudo, o assunto central e o contato com a natureza aconteceram por meio de viés inédito, conforme observado na Figura 1. Sendo assim, destaca-se que desde a parte teórica, etapa em que a base conceitual foi explorada, até as atividades presenciais foram momentos inovadores.

Figura 1: Sistema agroflorestal experimental sem irrigação com 78 dias.
Fonte: Autora, 2022.

Todas as experiências apresentaram aspectos significativos. A parte teórica trouxe o entendimento de que o planeta é um ser vivo e que para manter o equilíbrio dinâmico dos ecossistemas, a biodiversidade é necessária, de forma que “(…) o mesmo acontece com as plantas, essa diversidade faz com que o resultado também ocorra mais rápido e com maior qualidade. E a natureza é sábia. Pronto” (P2, narrativa). Sob esse mesmo ponto de vista, essa sabedoria da natureza também é caracterizada pelos fungos, uma vez que estes (…)Os fungos são o nosso futuro alimentar. A natureza é sábia, mesmo que a gente erre, a natureza consegue acertar. Se a gente erra, a gente ainda está aprendendo” (P4, narrativa).

Por outro lado, por meio destes aspectos é possível perceber a relação entre um planeta com ecossistemas doentes e uma sociedade adoecida.

A seguir, o Quadro 5 traz o roteiro de perguntas críticas que foi utilizado para o tempo 4, que tem como  reflexão de fundo: Porque aconteceu o que aconteceu.

Quadro 5 - Roteiro de perguntas críticas utilizadas nesta reflexão.

Roteiro de perguntas críticas para cada atividade

1. Como você se sentiu antes da atividade proposta?

2. Como você se sentiu durante a atividade proposta?

3. Como você se sentiu depois da atividade proposta?

4. Como você classifica sua relação com a natureza antes e depois dessa experiência?

5. O que foi mais surpreendente/marcante nesta atividade?

6. O que te motivou a se interessar por sistemas agroflorestais?

7. Qual foi o resultado mais esperado? E o inesperado?

8. Você destacaria uma reação ou uma relação entre as participantes?

9. Considerando o atual cenário em que estamos vivendo, pandemia, instabilidade econômica nacional e internacional e crise climática, como este cenário afetou as experiências vividas?

Fonte: Autora, 2022.

No tempo 4 foi seguido o roteiro de perguntas críticas, conforme o Quadro 5. A mudança de visão através das experiências veio mediante uma mudança na percepção sobre o modo de enxergar o ambiente natural. Inicialmente essa percepção vinha de um senso comum e de experiências já vividas, porém, sem a contextualização teórica acerca do funcionamento do ecossistema florestal e agroflorestal. Com a contextualização teórica fornecida por esta pesquisa, as mudanças foram nítidas desde o início, considerando que: “Não foi direto pra prática, eu acho que isso foi fundamental, você compreender o que você vai fazer, o porquê, tem um contexto né” (P2, narrativa).

Uma dessas mudanças, por exemplo, é a relação que temos com os capins ou também com as chamadas de ervas daninhas, a qual foi modificada após as experiências, como pode ser observado na seguinte narrativa:

Eu também tinha essa coisa de mato e agora eu penso, antes mato do que solo exposto, é a casquinha da ferida. E é a natureza respondendo, é aquela coisa, ainda que esteja dando errado a natureza volta para o certo. E a gente fica indo contra né, ter um jeito de ir a favor do que é natural é muito melhor, pra gente e pra natureza (P4, narrativa).

 

Do primeiro contato com o termo “Agrofloresta” até o final desta pesquisa, o modo de enxergar como funciona esse tipo de plantio foi transformado pois, de algo incompreensível e bagunçado, surgiu entendimento e conhecimento, como exemplifica a Figura 2 e a narrativa da P1:

 

Figura 2: Sistema agroflorestal experimental sem irrigação com 99 dias.

Fonte: Autora, 2022.

 

 

 

 

 

Em um pedacinho você conseguir plantar tanta coisa né, então pra mim isso era algo assim: não é real, não dá. Pra ser bem sincera, eu achava uma verdadeira bagunça, quando eu olhava assim aquele monte de coisa e às vezes até capim...eu falei gente esse cara tá louco, mato no meio do plantio, e aí depois eu vi, não, isso é uma cobertura...Mas isso eu só fui aprendendo durante o nosso processo, então assim, foi bem bacana porque eu olhava e falava, gente, mas isso é uma verdadeira bagunça, você não consegue ver nada do que tem ali, porque é tudo junto né, é um consórcio né. A gente tem que saber o momento de tirar, de plantar, o que vai, o que não vai, e eu não tinha absolutamente nenhum conhecimento disso. Depois da teoria que você deu, do que implantar, o que vai com que, que época do ano, que vem aquela questão dos legumes, brócolis e eu falei: nossa, que interessante isso aqui né, e que pra mim foi todo um processo de aprendizado e de mudança mesmo, de olhar, ver diferente. Hoje não, eu acho a coisa mais linda! (P1, narrativa).

 

Através do processo de sistematização foi possível compreender a dimensão da transformação crítica que as experiências representaram na vida de cada participante, como visto na seguinte fala: “Mudança de comportamento. Não vou consumir, não vou comprar tal coisa porque aquilo degrada e isso aqui polui, começar, por exemplo, a usar coador de pano” (P2, narrativa).

A partir dos dados apresentados foram definidos alguns aspectos mais relevantes, considerando o objetivo deste estudo que visou compreender o impacto das experiências descritas na vida das participantes, e como isso refletiu no cotidiano e no contato destas com a natureza pós experiências. O funcionamento do ecossistema florestal foi um catalisador para a curiosidade que esbarrou na percepção dos sistemas vivos. Ao sair da teoria e ir para essa interação real com a natureza, foi possível perceber as semelhanças entre o ser humano  — um mamífero dentre tantos outros — e o seu habitat natural  — o florestal.

De acordo com Götsch, no livro Agricultura Sintrópica Segundo Ernst Götsch (apud Rebello; Sakamoto, 2021), o entendimento de que seres humanos são superiores às outras formas de vida, sendo estes dissociados da natureza, se dá principalmente pelo desejo de dominação. Indo de forma contrária a este pensamento, é possível perceber que somos parte de um sistema inteligente e que todos compartilhamos características semelhantes para nos comunicarmos uns com os outros, formando um grande e único macro-organismo.

Neste ponto se torna claro que esta pesquisa evidenciou que a nossa relação com a natureza reflete nas nossas relações sociais. Diante disso, Steenbock (2021) nos convida a refletir sobre como podemos, como espécie, contribuir no ambiente em que habitamos, para que este fique mais abundante e diversificado. Ao nos questionar sobre essa relação, temos a chance de orientar tanto os manejos agroflorestais, quanto às relações familiares e comunitárias, rumo à conscientização da nossa função na evolução do Planeta Terra, uma prática de pedagogia de reconexão.  Para o autor, precisamos caminhar rumo a essa transição.

Sendo assim, Steenbock e Vezzani (2013) argumentam que trabalhar com Agrofloresta é dialogar constantemente com o ambiente natural do ecossistema local, compreendendo seus processos e relações, numa busca incessante de contribuição para com o fluxo natural da vida, no qual o processo de troca por esse trabalho ocorre por meio da produção de alimentos, os quais são devolvidos pelo sistema. Ou seja, trabalhar com sistemas agroflorestais é uma forma de ser educado ambientalmente.

A relação com a natureza é uma necessidade psicológica básica e Baxter e Pelletier (2019) trazem uma analogia interessante sobre este tópico. Na analogia em questão, os autores classificam o ser humano como uma “bateria”, quando se trata de energia cognitiva, psicológica e emocional, de modo que o ambiente natural seria um “local natural de carregamento” desta bateria. Sendo assim, quando a bateria acaba é possível recarregá-la em um “local natural de carregamento”, ou seja, tendo contato com ambientes naturais, sugerindo que estes ambientes podem ser alternados, não necessitando ser sempre o mesmo local. Porém, os autores apontam que há benefícios quando este “local de carregamento” é em um mesmo ambiente que seja ao mesmo tempo natural e familiar, pois isto gera apego cognitivo, emocional e uma sensação de pertencimento muito mais forte.

Um estudo feito por Liu et al. (2022), examinou os efeitos do contato com a natureza na relação entre a conexão com a natureza, o bem-estar e comportamentos pró-ambientais. Nessa pesquisa os autores exploraram um contato com a natureza que fosse semanal e rotineiro, em espaços urbanos, bem como o tempo desse contato, utilizando análises estatísticas. Os resultados mostraram que a conexão com a natureza está associada positivamente ao bem-estar e comportamentos pró-ambientais.

Compreender as interligações entre as sociedades humanas e a natureza evidencia a conexão entre a degradação ambiental progressiva e a pandemia de Covid-19. De acordo com Artaxo (2020), em seu estudo sobre as emergências que nossa sociedade enfrenta, como a crise sanitária de Covid-19, a perda da biodiversidade e a emergência climática, o autor aborda que estas têm ligações profundas entre si e resultam de um modelo econômico que visa o lucro a qualquer custo.

Dessa forma, Tidbal (2012) em seu estudo sobre biofilia urgente, coloca que a afinidade e o desejo de estar próximos à natureza, pela criação de ambientes restauradores, além dos benefícios psicológicos e cognitivos, aumentam a função ecológica da paisagem, trazendo mais resiliência ao ecossistema de origem.

Em vista disso, foi observado neste estudo que os benefícios dessa prática aconteceram por meio da Agroecologia e da Agrofloresta, evidenciando o potencial dessas práticas para a promoção de saúde e de reconexão com a natureza, de modo que a pandemia atuou como um incentivo no desejo de fazer essa transição da cidade para um local mais próximo à natureza, favorecendo a compreensão das conexões entre pandemia e destruição ambiental.

CONCLUSÕES

Respondendo ao problema central da pesquisa, a implementação de um sistema agroflorestal experimental, sem irrigação, contribui para um posicionamento pró-ambiental mais crítico pois, ao retomar as experiências vividas com consciência, foi possível compreender o impacto destas nos detalhes do dia a dia das participantes e na relação destas com a natureza no momento pós experiências. Isso mostra que a metodologia, ao retomar e trazer uma análise crítica das experiências vividas, mudou a visão das participantes deste estudo, sugerindo que tais práticas reproduzidas, em outro contexto, poderão ter um resultado semelhante.

Concluímos que este tipo de experiência tem um efeito benéfico e transformador na vida de quem participa pois, por meio de experiências significativas e educativas com a natureza, as participantes tendem a se transformar em cidadãs mais conscientes acerca das questões ambientais, assim como traz à tona uma consciência aprofundada do que é estar vivo e fazer parte dos processos ecológicos.

A sistematização de experiências é um exercício de aprendizagem e de interpretação crítica dos processos vividos, a qual colabora na recriação das práticas para incrementá-las e, com isso, aperfeiçoar a produção teórico-científica por meio das práticas vividas nas experiências. Sendo esta uma metodologia relevante para o campo da Agroecologia, é necessário que mais experiências agroecológicas passem por esse processo dentro dos territórios, pois o compartilhamento dos aprendizados, após uma análise crítica é de suma importância. Destaca-se aqui ainda que não há receitas prontas para a implementação desta metodologia, sendo esta adaptável a cada contexto.

Por fim, recomendamos que o uso desta metodologia seja cada vez mais naturalizado e difundido, a fim de caminhar e acrescentar novas nuances às experiências agroecológicas, que são extremamente ricas, mas que nem sempre conseguem o alcance desejado no compartilhamento de seu conhecimento em outros territórios ou espaços.

AGRADECIMENTO

Agradeço a todos os envolvidos na pesquisa, principalmente a Universidade Estadual de Maringá (UEM), ao programa de Pós-graduação em Agroecologia (PROFAGROEC), as mulheres que participaram e cederam o local para a pesquisa, ao agricultor que nos recebeu em sua propriedade, a Universidade Estadual de Londrina, a qual também visitamos, ao meu orientador e aos demais que contribuíram à sua maneira (árvores, arbustos, mudas, sementes, animais etc).

Copyright (©) 2024  Leticia Oliveira Mendes

REFERÊNCIAS

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Revista Brasileira de Agroecologia
ISSN 1980-9735

Publicação da Associação Brasileira de Agroecologia - ABA-Agroecologia em cooperação com o Programa de Pós-Graduação em Meio Ambiente e Desenvolvimento Rural - PPG-Mader, da Universidade de Brasília – UnB

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