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Brasília, v. 19, n. 1, p. 53-70, 2024

https://doi.org/10.33240/rba.v19i1.51713

Como citar: AMORIM, Gabriel B.B.; VOGELMANN, Eduardo S. Eficiência e segurança da utilização de biofertilizantes em mudas de alface lisa (Lactuca sativa var. capitata) e rúcula (Eruca sativa L.). Revista Brasileira de Agroecologia, v. 19, n. 1, p. 53-70, 2024.

Artigo

Eficiência e segurança da utilização de biofertilizantes em mudas de alface lisa (Lactuca sativa var. capitata) e rúcula (Eruca sativa L.).


Efficiency and safety of the use of biofertilizers in seedlings of flat lettuce (Lactuca sativa var. capitata) and arugula (Eruca sativa L.)

 

Gabriel Bizzo Barbosa de Amorim1; Eduardo Saldanha Vogelmann2

1. Graduado em Agroecologia pela Universidade Federal do Rio Grande - FURG (2023). ORCID: 0009-0006-7635-4237. E-mail: gabrielbizzo01@hotmail.com

2 Professor do Instituto de Ciências Biológicas da Universidade Federal do Rio Grande, Campus São Lourenço do Sul. Doutor em Ciência do Solo pela Universidade Federal de Santa Maria.  ORCID: 0000-0002-5333-5176. E-mail: eduardovogelmann@gmail.com

 

Recebido em: 07 set 2023. Aceito em: 14 dez 2023

 

RESUMO

A utilização de caldos microbiológicos na agricultura é uma prática milenar que se soma às práticas de manejo que proporcionam saúde ao agroecossistema. Esse trabalho apresenta uma metodologia para verificar a eficiência e a segurança de dois biofertilizantes, elaborados com ingredientes locais, na produção de mudas de alface lisa (Lactuca sativa var. capitata) e rúcula (Eruca sativa L.), e no desenvolvimento, em canteiro definitivo, dos tratamentos selecionados de rúculas. O experimento ocorreu entre março e julho de 2023, na casa do estudante universitário da FURG, em São Lourenço do Sul, RS. Todos os tratamentos resultaram na brotação mais rápida das plântulas de alfaces, quando comparados ao tratamento controle. O uso do BFM na concentração de 0,1% apresentou melhores efeitos no desenvolvimento da área foliar das plantas de rúcula avaliadas no canteiro definitivo. O processo de fermentação realizado elimina a Escherichia coli, resultando em um biofertilizante seguro para o uso agrícola.

Palavras- chave: Agroecologia; Etnobiofertilizantes; Sintropia; Saúde; Segurança alimentar.

ABSTRACT

The use of microbiological broths in agriculture is an ancient practice that adds to the management practices that provide health to the agroecosystem. This work presents a methodology to verify the efficiency and safety of two biofertilizers, made with local ingredients, in the production of flat lettuce (Lactuca sativa var. capitata) and arugula (Eruca sativa L.) seedlings, and in the development, in a definitive bed, of selected arugula treatments. The experiment was carried out between march and july 2023, at the FURG university student's house, in São Lourenço do Sul, RS. All treatments resulted in faster sprouting of lettuce seedlings when compared to the control treatment. The use of BFM at a concentration of 0.1% showed better effects on the development of the leaf area of ​​arugula plants evaluated in the final bed. The fermentation process carried out eliminates Escherichia coli, resulting in a safe biofertilizer for agricultural use.

KEYWORDS: Agroecology; Ethnobiofertilizers; Syntropy; Health; Food safety.

 

 

INTRODUÇÃO       

A complexidade da vida no planeta Terra, da forma que é conhecida, depende dos serviços ecossistêmicos oriundos das interações entre o ar, os minerais, a água e a biologia presente no solo, para sua existência (Wicander e Monroe, 2011; Primavesi, 2016;). Dentre outras funções, a capacidade dos solos para ciclar água, gases e nutrientes nas interfaces da sua estrutura, juntamente com sua capacidade de suportar o crescimento da vegetação, proporciona a segurança alimentar na cadeia trófica (Brady e Weil, 2013).

Diversos microrganismos interferem diretamente nos atributos do solo. Eles podem secretar enzimas e ácidos orgânicos que possibilitam e catalisam reações químicas, atuando na transformação das características do material mineral e orgânico do solo (Manahan, 2013). Tais contribuições ocorrem, desde escalas micro e nanométricas, com a liberação de íons nutrientes para a solução do solo, por meio da degradação dos tecidos orgânicos e das partículas minerais que interagirão com os complexos coloidais de trocas de cargas dos solos (argilas, óxidos e substâncias húmicas) (Brady e Weil, 2013). A polimerização microbiológica dos compostos do solo favorece a formação de substâncias húmicas que tem alta capacidade de retenção de água e íons nutrientes (Brady e Weil, 2013). O ácido fúlvico, uma das substâncias húmicas presentes no húmus do solo, atua ativamente na quelação de íons minerais, formando complexos moleculares solúveis em água, os quais são extremamente reativos com outras moléculas orgânicas e inorgânicas, com excelente permeabilidade nas membranas celulares. Isso faz com que a mobilidade dos íons nutrientes, das vitaminas, das enzimas e dos hormônios seja facilitada nas interfaces do solo e nas plantas (Pinheiro, 2015).

Alguns subprodutos do metabolismo microbiológico, assim como os corpos microbianos em decomposição, podem servir como alimento e substrato para outros organismos do solo. Exsudatos radiculares também fazem parte da alimentação microbiológica, da mesma forma que as plantas também podem aproveitar as substâncias bioativas de origem microbiana. Tais interações fomentam relações ecológicas de comensalismo, simbiose e protocooperação, que contribuem para a saúde no solo (Brady e Weil, 2013; Siqueira e Siqueira, 2013; Matos, 2016; Primavesi, 2016). Como exemplo, esse fato pode ser observado na produção do ácido poliurônico por algumas bactérias que degradam a celulose. Esse ácido serve de alimento para as bactérias de vida livre do gênero Azotobacter que, por sua vez, fixam nitrogênio do ar e disponibilizam para as plantas. O ácido poliurônico também funciona como um aglutinante das partículas do solo, estimulando a formação de agregados estruturantes do solo, melhorando sua capacidade de infiltração, de retenção de água, de aeração e de resistência à erosão (Primavesi, 2016). Ao mesmo tempo, substâncias produzidas pelos microrganismos podem atuar como antibióticos no controle de comunidades de outros organismos fitopatogênicos (Kim et al., 2007).

A manutenção da diversidade e da atividade biológica do solo pode ser estimulada por meio de práticas ecológicas de manejo do agroecossistema. Diversificar os cultivos, buscando seguir os princípios da sucessão natural das espécies vegetais, otimizando a fotossíntese por área cultivada, visando maior produção de biomassa, sempre mantendo a cobertura vegetal e minimizando o revolvimento do solo, são estratégias fundamentais de manejo que proporcionam benefícios à saúde dos solos e do agroecossistema a curto e longo prazo (Corrêa Neto et al., 2016; Rebello, 2021).

Outras estratégias que visam promover a saúde dos solos e das plantas também são utilizadas milenarmente pela humanidade. Como é o caso da produção e da aplicação de caldos microbiológicos (biofertilizantes) nos agroecossistemas. Esses caldos são oriundos da metabolização microbiológica da energia contida nos hidratos de carbono da matéria orgânica e das interações e transformações dos elementos nela contida, podendo contar, também, com as interações com materiais minerais que forem adicionados no preparo (Pinheiro, 2015). Entre outras substâncias benéficas à saúde dos solos e das plantas, elementos nutrientes são liberados na solução do biofertilizante nesse processo de transformações químicas da matéria orgânica e mineral (Siqueira e Siqueira, 2013). No contexto de tecnologias sociais, diferentes receitas e formas de preparo dos caldos microbiológicos são adotadas, variando de acordo com o território, a cultura, o clima e as necessidades de cada comunidade. Caracterizando assim, o caldo microbiológico como um Etnobiofertilizante. A utilização de materiais presentes no ecossistema local para a formulação dos Etnobiofertilizantes tem a grande vantagem de multiplicar microrganismos autóctones adaptados às condições locais (Pinheiro, 2015). Os biofertilizantes podem ser produzidos de forma aeróbica ou anaeróbica (Primavesi, 2016).

A coleta e a multiplicação de microrganismos presentes em florestas nativas locais, de estágio sucessional que se aproxime ao clímax, também pode ser uma estratégia adicional no preparo dos Etnobiofertilizantes. Tais microrganismos, chamados de microrganismos eficientes, estão sendo testados a campo com sucesso desde 1982, segundo os registros na literatura (UFV, 2020). Esses grupos de microrganismos coletados nas florestas incluem bactérias produtoras de ácido lático, leveduras, actinomicetos e bactérias fotossintetizantes, que são seres aeróbios facultativos e podem se reproduzir e interagir em meio de respiração anaeróbia. O efeito da utilização desses microrganismos, em culturas vegetais, tem se mostrado melhor quando utilizados em conjuntos diversos de espécies do que quando isolados (Higa, 1994). Além disso, também é necessário avançar no conhecimento relacionado à qualidade e segurança dos biofertilizantes utilizados por agricultores (Pinheiro, 2015).

O presente trabalho visa verificar a segurança e os efeitos de diferentes concentrações de dois biofertilizantes fermentados elaborados com ingredientes locais e microrganismos autóctones, no desenvolvimento de mudas de alface lisa (Lactuca sativa var. capitata) e rúcula (Eruca sativa L.)

METODOLOGIA

O experimento aconteceu entre março e julho de 2023, na casa do estudante universitário (CEU) da FURG, em São Lourenço do Sul/RS, localizada nas coordenadas: -31.373149267049424, -51.96342937865969, com clima classificado como Cfa (subtropical de verão quente) segundo a Köppen. Toda água utilizada no experimento foi oriunda do sistema de coleta de água da chuva.

Preparo do caldo fermentado de Microrganismos Selvagens (MS)

Para a captura dos microrganismos selvagens (MS) e para o processo de fermentação realizado neste trabalho foram seguidas as orientações metodológicas sugeridas por Siqueira A. e Siqueira M. (2013). Exceto pela utilização da batata-doce e do farelo de milho como fonte de amido alternativa, como também a opção pelo uso da tela somente em alguns recipientes, almejando perceber a diferença entre o uso, ou não, dessa proteção. Como estamos no Brasil, o termo do inglês, Effective Microorganisms (EM), citado no trabalho de Siqueira e Siqueira (2013), é tratado aqui neste trabalho como Microrganismos Selvagens (MS).

Para a coleta dos MS foram cozidas, em água, porções de arroz branco polido, farelo de milho e batata-doce roxa, sendo estas, em seguida, resfriadas em temperatura ambiente. No dia seguinte, as porções de cada material foram colocadas em onze recipientes feitos de bambus partidos ao meio, formando calhas. Cada ingrediente foi colocado separadamente em cada um dos recipientes e, posteriormente, cobertas com tecido voil e bambu, visando à proteção do material cozido alojado no recipiente e à manutenção da abertura necessária para a colonização eficiente do material pelos microrganismos (Figura 1).

Figura 1. Iscas abertas recheadas com fontes de amido cozido (à esquerda). E as mesmas iscas prontas para serem instaladas (à direita).

Fonte: Autor, 2023.

Oito dos recipientes de bambu foram colocados sob a serrapilheira de local com vegetação florestal na área urbana, e outros três recipientes de bambu foram colocados sob a serrapilheira de um círculo de bananeiras que recebe água da pia de uma cozinha em uma residência.

Transcorridos doze dias, as iscas foram coletadas e fotografadas. Somente as porções colonizadas, que posteriormente foram utilizadas para a formulação do MS, foram mensuradas neste experimento. As porções cozidas que apresentaram colonizações microbiológicas visualmente mais heterogêneas, com relação às cores e formas, foram utilizadas em sua totalidade para o processo posterior de fermentação (Figura 2). Já as colonizações de microrganismos que apresentaram cor e textura visualmente mais homogêneas, com aparente capacidade de prevalecer hegemonicamente no substrato, foram utilizadas em uma fração de até 1% do total dessas colonizações microbianas homogêneas (Figura 2G).

Em seguida o material selecionado foi pesado e colocado em uma garrafa pet de cinco litros, totalizando 142 gramas desse material que foi misturado com 300 gramas de açúcar cristal branco diluídos em três litros de água (Figura 3).  Passados dois dias, um litro dessa mistura foi reservado para ser adicionado ao preparo do biofertilizante fermentado misto.

 
Figura 2. (A) Fotografia de colonização microbiológica diversificada. (B, C, D, E, F) Fotografias com zoom das colonizações microbiológicas com características de cor e textura heterogêneas, utilizadas no preparo dos MS. (G) Fotografia da comparação entre uma colonização microbiológica de cor e textura homogênea, mais à esquerda, com uma colonização diversificada, na lateral à direita.

Fonte: Autor, 2023.

 

 

Figura 3. (A) Material colonizado selecionado. (B) Fermentação em garrafa pet de 5 litros. Fonte: Autor, 2023.

 

Preparo do Biofertilizante Fermentado Misto (BFM)

A metodologia utilizada no preparo do biofertilizante fermentado misto (BFM) deste trabalho foi adaptada de formulações como as do biofertilizante de ervas nativas e esterco bovino, proposto por Restreppo (2014) e as do Supermagro simples, desenvolvido pelo pesquisador Delvino Magro (Pinheiro, 2015), que pode ser produzido de forma aeróbica e anaeróbica (Primavesi, 2016). O processo de produção do BFM foi predominantemente anaeróbio, e sua formulação foi adaptada para a realidade de insumos disponíveis no local.

Para essa formulação o esterco bovino foi coletado, enquanto ainda fresco e pastoso, sendo deixado em repouso por vinte e quatro dias antes do uso. A cama de aves, composta por maravalha e esterco, foi coletada em um aviário móvel no mesmo dia em que se deu o início do preparo do BFM.

O material líquido oriundo da decomposição dos resíduos orgânicos alimentares (lixiviado) foi coletado em dois baldes de composteiras domésticas, que foram posteriormente homogeneizados e mensurados.

Para o preparo do BFM foi utilizado um galão plástico com capacidade de 80 litros, sendo adicionados nesse galão: 28 litros de material lixiviado da compostagem doméstica de resíduos alimentares; 18 kg de esterco bovino pastoso; 1,5 kg de cama de aves e 1 kg de açúcar cristal branco. O líquido foi misturado até o ponto em que os grumos do material sólido se tornassem, visualmente, o mais homogêneo possível. O galão foi mantido tampado por três dias, até o momento em que foi aberto para adição dos materiais restantes.

Para obtenção de cinzas e carvão, foi feita uma fogueira sobre o solo com material vegetal proveniente de podas. O material oriundo da queima foi peneirado, em uma peneira com malha de 1mm², com a finalidade de remover partículas minerais mais grosseiras da porção das cinzas e separar os carvões, que foram posteriormente macerados com um pilão improvisado com um macete de madeira e um copo plástico resistente. No total foram obtidas 70 g de carvão macerado grosseiramente e dois quilos de cinzas, misturadas com porções minerais do solo (Figura 4). Todo esse material foi adicionado à mistura do galão.

Figura 4. (A) Carvão macerado  e (B) cinzas, produzidas pela queima de material vegetal.

Fonte: Autor, 2023.

 

Na sequência foram coletadas plantas existentes no agroecossistema local, algumas delas com raízes e porções de solo aderidas. No total foram coletadas, aproximadamente, 4 kg de folhas e talos de margaridão (Tithonia diversifolia) picados, 1 kg de partes aéreas de outras plantas diversas, principalmente espontâneas, e 1 kg de raízes com porções de solo aderidas. A soma desse material foi adicionada gradualmente ao galão, com 15 litros de água, enquanto o biofertilizante foi sendo agitado constantemente com um bastão de madeira.

Além disso, foi colocado no recipiente um aro telado com galhos do Hibisco (Hibiscus rosa-sinensis), que ficou submerso dentro da solução. A superfície do conteúdo do galão ficou distanciada cerca de 10 centímetros de altura da borda superior do recipiente. O galão foi tampado e vedado, bloqueando a entrada de gases atmosféricos no sistema de fermentação, permitindo a saída dos gases através de mangueira instalada na tampa do galão, que permaneceu submersa dentro de uma garrafa pet com água, favorecendo assim, um ambiente redutor propício à fermentação. Passados 45 dias do início do processo de elaboração do BFM, foi percebida a ausência de produção de gases no sistema de fermentação, quando não havia mais borbulhas na garrafa pet que serviu como válvula do sistema. No mesmo dia o biofertilizante foi filtrado e a parte líquida guardada em recipiente próprio para uso posterior (Figura 5).

Figura 5. (A) Filtragem grosseira do BFM. (B) Filtragem do BFM em tecido voil. (C) BFM armazenado em galão.

Fonte: Autor, 2023.

 

Para a produção das mudas foram utilizadas nove bandejas plásticas flexíveis com 200 células de 12 ml, cada uma. Elas foram lavadas com escova e água para retirada de sujidades grosseiras e, posteriormente, submersas em solução de hipoclorito de sódio a 5%, durante 10 minutos, para garantir a desinfecção (EMBRAPA, 2019). O substrato utilizado para o preenchimento das bandejas foi uma mistura de 50% de vermiculita expandida de granulação mista e 50% do substrato Carolina Soil® (Classe interna – LXXXV). Foram plantadas sementes comerciais de alface lisa (Lactuca sativa var. capitata) e sementes crioulas de rúcula (Eruca sativa L) em todas as nove bandejas.

Cada bandeja representou um tratamento com três repetições para as mudas de rúcula. A distribuição das sementes foi pensada de forma que cada repetição fosse representada por 60 células plantadas com, no mínimo, cinco sementes de rúcula, intercaladas por uma linha de 10 células plantadas com, no mínimo, quatro sementes de alface em cada (Figura 6). Inicialmente, as células das bandejas plantadas com alfaces tinham o objetivo de separar as três repetições representadas pelas mudas de rúcula, em cada tratamento.

Figura 6. Imagem representativa de uma bandeja plantada. Rúculas representadas pela letra “R” e alfaces representadas pela letra “A”, com realce em verde.

Fonte: Autor, 2023.

 

Os tratamentos desse estudo foram constituídos por quatro percentuais de diluição (0,1%; 2%; 5% e 10 %) para cada um dos bioinsumos avaliados que foram: o biofertilizante fermentado misto (BFM 0,1%, BFM 2%, BFM 5%, BFM 10%) e o caldo fermentado de microrganismos selvagens (MS 0,1%, MS 2%, MS 5%, MS 10%), além do tratamento controle que recebeu a aplicação apenas de água da chuva. Totalizando nove tratamentos.

A escolha das diluições para ambos os bioinsumos foram definidas com base nas concentrações mínimas propostas no caderno dos microrganismos eficientes, elaborado pelo Departamento de Fitotecnia da UFV (2020), para aplicação de bioinsumos em berçários vegetais e nas concentrações intermediárias e máximas propostas por Restrepo (2014).

A diluição foi realizada com o auxílio de uma seringa graduada. Para aplicação das soluções dos tratamentos foi utilizado um borrifador. As aplicações dos bioinsumos nas bandejas contaram com a distribuição de 100 ml de solução para cada tratamento, com a utilização de uma barreira física para não aspergir as bandejas vizinhas (Figura 7). As aplicações dos tratamentos nas bandejas iniciaram um dia após a semeadura, ocorrendo nos dias 1, 5 e 11 de junho. Além disso, nos dias 5 e 11 de junho, as bandejas tiveram suas posições alternadas aleatoriamente sobre a estrutura de arame, de forma que não ocupassem o mesmo lugar que ocuparam anteriormente.

Figura 7. (A) Diluição com seringa graduada. (B) Aplicação da solução de bioinsumo com o borrifador. Fonte: Autor, 2023.

 

Em junho o canteiro foi preparado para o transplante das mudas. O solo do canteiro foi adubado com esterco de galinha comercial, na dose equivalente a 6 t ha-1. O esterco foi misturado homogeneamente aos primeiros 10 centímetros de profundidade do solo. Foi realizada a análise do pH H2O do solo que indicou o valor de pH H2O igual a 6.4, não sendo necessário a adição de corretivo de acidez.

O canteiro foi separado em três seções por pseudocaules de bananeiras cortados ao meio, que foram parcialmente enterrados. Em cada pseudocaule de bananeira foram colocadas mudas de couve, que auxiliaram a realçar as divisões do canteiro (Figura 8A). Cada seção do canteiro ficou com a área útil de, aproximadamente, um metro quadrado, que foram cobertas com material vegetal oriundo de corte de grama. Posteriormente, o canteiro foi irrigado. Também foi construída uma estrutura de túnel baixo com lona transparente de 100 micras e hastes de Hibisco (Figura 8B). A abertura e o fechamento da lona ocorreram de acordo com as alterações de temperatura ao longo dos dias.

Como a área do canteiro definitivo era limitada, foi preciso escolher somente dois tratamentos, para além do tratamento controle, para seguirem na avaliação do desenvolvimento das plantas. No dia 17 de junho, as mudas de rúcula dos tratamentos controle, BFM 0,1% e BFM 2% foram selecionadas e transplantadas para o canteiro. Cada seção do canteiro recebeu 60 mudas de um único tratamento e foram espaçadas em aproximadamente 20 centímetros entre linhas e 10 centímetros entre plantas.

Figura 8. (A) Canteiro já plantado com os tratamentos divididos pelos pseudocaules de bananeiras. (B) Lona plástica em forma de túnel baixo. Fonte: Autor, 2023.

 

Após o transplante, foi aplicado um litro de solução de cada um dos respectivos tratamentos, logo em seguida à irrigação. O tratamento controle recebeu somente irrigação de mais um litro de água da chuva. As aplicações posteriores ocorreram nos dias 22 e 28 de junho, e no dia 10 de julho.

A verificação da presença de E. coli ocorreu no laboratório de química da FURG, em São Lourenço do Sul, utilizando o substrato Colilert® e o sistema Quanti-Tray/2000®, que inclui o recipiente de armazenamento de amostra para análise e a máquina seladora desse recipiente. Para visualização do resultado foi utilizada uma câmara de luz U.V. SL-204 fabricado pela SOLAB®. O processo de preparo, incubação e visualização das amostras seguiu fidedignamente as instruções da fabricante do kit de teste, IDEXX®.

Os dados sobre as brotações das mudas foram submetidos à análise de variância e as médias comparadas pelo teste de Tukey (p<0,05), com auxílio do programa de análises estatísticas SISVAR (Ferreira, 2011).

Vinte e um dias após o transplante das mudas selecionadas, a determinação da área foliar das rúculas no canteiro definitivo foi feita por meio de imagens digitalizadas, na resolução de 96 dpi e salvas como imagem monocromática tipo bitmap, e uso do software DDA (Ferreira et al., 2008).

 

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Quando foi realizada a coleta das iscas para os MS, os substratos de farelo de milho e batata-doce cozidos apresentaram colonizações microbianas com aparência de cor e textura mais homogêneas, quando comparadas às do substrato de arroz (Figura 9A). Também foi percebido que a proteção das iscas com tecido voil é uma estratégia eficiente para evitar o acesso de pequenos invertebrados (Figura 9B). Assim como foi possível constatar que o volume de armazenamento do recipiente isca pode determinar o tempo de degradação total do substrato que está sendo consumido pelos microrganismos. Fato observado com a degradação intensa do substrato de arroz cozido colocado em calhas de bambu mais finas, mesmo protegidas com tecido voil.

Figura 9. (A) Coleta total realizada. (B) Isca de arroz cozido protegida com tecido voil, acima, e isca de arroz cozido intercalada com batata doce cozida, sem proteção do tecido, abaixo.

Fonte: Autor, 2023.

 

Finalizado o processo de fermentação dos MS, realizado com os substratos colonizados selecionados, conforme a percepção dos autores, o odor era adocicado, lembrando algum tipo de bebida fermentada semelhante ao vinho branco, como indicado pelo departamento de fitotecnia da UFV (2020). Ainda conforme a percepção dos autores, o BFM também apresentou odor agradável após o processo de fermentação anaeróbica, lembrando uma mistura de iogurte com vinagre, como orientado por Restrepo (2014).

Para a produção de mudas de rúculas, apesar de todos os tratamentos não diferirem estatisticamente entre si em relação ao número de células com brotações nas bandejas (Tabela 1), os tratamentos de ambos os biofertilizantes na concentração de 10% proporcionaram uma redução do vigor das mudas, resultando em plântulas com desenvolvimento mais lento, quando comparadas às do tratamento controle. Fato analisado mediante visualização ocular da parte aérea das plantas.

 

Tabela 1. Número de células com brotações de rúcula e alface, no dia 17/06.

Tratamentos

% mudas de rúcula

% mudas de alface

BFM 0,1%

99

±1*

a**

50

±15

b

BFM 2%

99

±1

a

70

±15

a

BFM 5%

98

±1

a

65

±9

a

BFM 10%

98

±1

a

40

±12

b

MS 0,1%

99

±1

a

30

±10

bc

MS 2%

97

±1

a

35

±8

b

MS 5%

97

±1

a

65

±15

a

MS 10%

97

±1

a

30

±12

bc

Controle

98

±1

a

20

±8

c

BFM – biofertilizante fermentado misto; MS – microrganismos selvagens; *Desvio padrão; ** Médias seguidas de mesma letra não diferem entre si pelo teste de Tukey a 5% de probabilidade. Fonte: Autor, 2023.

 

Em relação às mudas de alface, no dia da contagem de células com brotações, observou-se nas bandejas dos tratamentos com ambos os biofertilizantes, um maior número de plântulas emergidas, quando comparados ao tratamento controle. Principalmente para os tratamentos com BFM a 2% e 5% e com MS a 5%.

As temperaturas baixas dos meses de junho e julho, às vezes inferiores a 10ºC, interferiram na velocidade de crescimento das mudas nas bandejas, principalmente das alfaces. Por isso foi adotado o uso da lona em túnel baixo no canteiro definitivo, visando manter a temperatura e favorecer o desenvolvimento das rúculas, seguindo orientações de Pereira (2002).

A seleção do BFM como único biofertilizante a ser utilizado na continuidade do experimento no canteiro definitivo, se baseou na probabilidade desse conter maior teor e variedade de nutrientes devido à diversidade de ingredientes utilizados. E também pelo maior número de células com brotações de alfaces na maioria dos seus tratamentos, quando comparados aos tratamentos com MS e com o tratamento controle. Visando a economia do uso do biofertilizante, foram selecionados os tratamentos com concentrações mínimas eficientes. Para tal, os tratamentos com BFM a 0,1% e 2% representaram tais condições.

Já nos canteiros definitivos, as mudas de rúcula do tratamento controle sofreram mais intensamente com herbivoria, por insetos do gênero Gryllus, quando comparadas com as dos tratamentos com BFM nas concentrações de 0,1% e 2%. Isso pode estar relacionado a uma característica repelente a insetos presente em muitos biofertilizantes, porém, para essa comprovação, maiores estudos necessitam ser realizados.

O resultado da determinação do percentual de área foliar de cada tratamento após 51 dias da semeadura foi de, respectivamente, 33,9%; 29,0% e 30,1% para os tratamentos com BFM a 0,1%; 2% e o controle (Figura 10).

O resultado das análises para Escherichia coli foi negativo em ambos os biofertilizantes (Figura 11), apontando menos de um organismo por cada 100 ml de solução da amostra, segundo a tabela de resultados “IDEXX Quanti-Tray*/2000 MPN” (Tabela 2). O resultado corresponde com os resultados encontrados por Azevedo (2016) em análises de E. coli em biofertilizantes fermentados com esterco bovino na formulação e por Quadros et al., (2010) em biofertilizantes fermentados com estercos de ovinos e caprinos. Sendo possível a utilização de ambos os biofertilizantes no solo, com segurança.

 

CONCLUSÕES

Todos os tratamentos resultaram na germinação mais rápida das plântulas de alfaces, quando comparados ao tratamento controle, com destaque para os tratamentos com BFM a 2% e 5%, e para o tratamento com MS a 5%. O uso do BFM na concentração de 0,1% apresentou numericamente maior desenvolvimento da área foliar das plantas de rúcula avaliadas no canteiro definitivo. O processo de fermentação realizado elimina a Escherichia coli, resultando em um biofertilizante seguro para o uso agrícola.

 

 

Figura 10. Tratamentos fotografados no dia 21 de julho. (A)  BFM a 0,1% e a (B) 2%. (C) Tratamento controle. Com fundo preto, as respectivas imagens preparadas para determinação de área foliar com o Software DDA (FERREIRA O. et al., 2008).

Fonte: Autor, 2023.

 


Figura 11. Observação dos resultados para E. coli em câmara de luz U.V., utilizando kit IDEXX Quanti-Tray*/2000.

Fonte: Autor, 2023.

Tabela 2. Resultado da análise de presença de Escherichia coli nos biofertilizantes utilizados no estudo.

Biofertilizante

Contagem do número de células contaminadas com E. coli

Quantidade de organismos de E. Coli em 100 ml

BFM

0

<1

MS

0

<1

BFM – biofertilizante fermentado misto; MS – microrganismos selvagens. Fonte: Autor, 2023.

 

 

AGRADECIMENTOS

Agradecimentos à FURG por ceder os reservatórios que foram utilizados para armazenar água da chuva, o tambor de fermentação e pela liberação do uso dos equipamentos do laboratório de química. À professora Dra. Karina Kammer Attisano por orientar e acompanhar a análise de coliformes no laboratório da FURG.

 

Copyright (©) 2024 Gabriel Bizzo Barbosa de Amorim, Eduardo Saldanha Vogelmann

 

REFERÊNCIAS

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Revista Brasileira de Agroecologia
ISSN 1980-9735

Publicação da Associação Brasileira de Agroecologia - ABA-Agroecologia em cooperação com o Programa de Pós-Graduação em Meio Ambiente e Desenvolvimento Rural - PPG-Mader, da Universidade de Brasília – UnB

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