Brasília, v. 19, n. 2, p. 213-232 , 2024
https://doi.org/10.33240/rba.v19i2.51712
Como citar: RIBEIRO Márcia M. et al. A necropolítica dos agrotóxicos. Revista Brasileira de Agroecologia, v. 19, n. 2, p. 213-232, 2024.
Artigo
A necropolítica dos agrotóxicos
The Necropolitics of Agrochemicals
La necropolítica de los pesticidas
Márcia Marzagão Ribeiro¹, Marília Pinto Ferreira Murata2, Mariana Monteiro Kugler Batista3, Maria Lúcia Ferreira Rodrigues4
¹Docente, doutora em Engenharia Florestal. DSEA Universidade Federal do Paraná, Curitiba Brasil. ORCID 0000-0003-1365.9800. E-mail: marzagaomarcia@gmail.com
2Docente, Profa. Titular do departamento de Saúde Coletiva da Universidade Federal do Paraná, Curitiba, Brasil. Coordenadora do Observatório do Uso de Agrotóxicos e Consequências para a Saúde Humana e Ambiental no Paraná. ORCID 0000-0001-5790-7525. E-mail: mariliamurata@gmail.com
³Agricultora, Campo Largo, Brasil. m.kugler.b@gmail.com
4Acadêmica de Medicina, Universidade Federal do Paraná. Curitiba, Brasil. ORCID: https://orcid.org/0009-0001-6821-6508 marialuccia.rodrigues@gmail.com
Recebido em 26 nov. 2023, aceito em 14 fev. 2024
RESUMO
A cada dia o Brasil aumenta o consumo e flexibiliza a legislação para o registro e o uso de agrotóxicos. Juntamente com o desmonte das políticas públicas, responsáveis pelos mecanismos de proteção à saúde e ao meio ambiente, coloca-se em risco a população, principalmente os grupos mais vulneráveis. Contrapor o uso abusivo de agrotóxicos no Brasil, diretamente ligado à posição de economia periférica que o país ocupa, ao papel de um Estado permissivo, foi o objetivo deste trabalho. Trata-se de um estudo reflexivo sobre a caracterização de um modelo de necropolítica, com ênfase no período de 2019 a 2022, cujo crescimento exacerbado nos registros e no consumo de agrotóxicos se deu. O avanço da pauta neoliberal, o crescimento do agronegócio e o aprofundamento das desigualdades, determinam o cenário de necropolítica, colocado pelo Estado, com graves consequências para a sociedade. Assim, torna-se premente a luta por políticas públicas a favor da agricultura familiar, orgânica e da Agroecologia.
Palavras-chave: agrotóxicos, Brasil, necropolítica, saúde coletiva.
ABSTRACT
Each day Brazil increases the consumption and makes legislation more flexible for the regulation and use of pesticides. Along the dismantling of public policies, responsible for the mechanisms of public health and the environment, the population is put at risk, especially the most vulnerable groups. Oppose to the abusive use of pesticides in Brazil, directly linked to the position of a peripheral economy that the country occupies and, to the role of a permissive State, was the objective of this work. This is a reflective study on the characterization of a model of necropolitics, with emphasis on the period from 2019 to 2022, whose exacerbated growth in the records and consumption of pesticides took place. The advance of the neoliberal agenda, the growth of agribusiness, and the deepening of inequalities, determine the scenario of necropolitics, posed by the State, with serious consequences for society. Thus, the fight for public policies in favour of family farming, organic and agroecology becomes urgent.
Keywords: pesticides, Brazil, necropolitcs, public health
RESUMEN
Cada día Brasil aumenta el consumo y flexibiliza la legislación para el registro y uso de plaguicidas. Junto al desmantelamiento de las políticas públicas responsables de los mecanismos de protección de la salud y el medio ambiente, se pone en riesgo a la población, especialmente a los grupos más vulnerables. El objetivo de este trabajo fue combatir el uso abusivo de pesticidas en Brasil, directamente vinculado a la posición del país como economía periférica y al papel de un Estado permisivo. Se trata de un estudio reflexivo sobre la caracterización de un modelo de necropolítica, con énfasis en el período de 2019 a 2022, cuyo crecimiento exacerbado se produjo en los registros y consumo de pesticidas. El avance de la agenda neoliberal, el crecimiento de los agronegocios y la profundización de las desigualdades, determinan el escenario de una necropolítica, creada por el Estado, con graves consecuencias para la sociedad. Así, se vuelve urgente la lucha por políticas públicas a favor de la agricultura familiar, la agricultura orgánica y la agroecología.
Palabras-clave: plaguicidas, Brasil, necropolítica, salud pública.
INTRODUÇÃO
O conceito de Necropolítica foi cunhado por Achille Mbembe (2018), questionando os limites da soberania quando o Estado escolhe quem deve viver e quem deve morrer. Para Mbembe, quando se nega a humanidade do outro, qualquer violência se torna possível, desde agressões até a morte. Tal conceito é interligado ao conceito de biopoder, cujo autor, Michel Foucault, expõe que o poder atua na forma e na qualidade de vida do sujeito – onde o Estado governa a vida–, gerando assim, uma subjugação dos corpos e o controle de populações. Tal interação pode ser observada no modelo agroalimentar vigente regido pelo agronegócio, em que o biopoder e a necropolítica se estabelecem, sendo exemplificados pelo controle do mercado agrícola, contaminação de alimentos, mecanismos político-jurídicos de flexibilização de uso e liberação de agrotóxicos, mesmo em face dos efeitos à saúde e ao meio ambiente (Pereira et al., 2022).
Neste modelo predomina ainda, a injustiça social, a degradação ambiental e o impacto econômico gerado por esse modelo que acomete, de modo particular, populações e grupos em situação de vulnerabilidade (populações de baixa renda, grupos raciais, povos e comunidades tradicionais, operários e populações marginalizadas), que recebem a maior carga dos danos ambientais e sociais relacionados à saúde (Gurgel et al., 2021).
Dentre as maiores economias do mundo, segundo alguns autores, o Brasil ocupa o terceiro lugar no consumo de agrotóxicos, respondendo por aproximadamente 10% do consumo mundial em toneladas (Moraes, 2019), isto sem considerar os números não oficiais de agrotóxicos importados ilegalmente, principalmente na fronteira com o Paraguai (Fiorotti et al., 2020). Em termos de volume, Bombardi (2017) afirma que Brasil e Estados Unidos revezam o primeiro lugar em consumo desde 2008, e destaca que as diferentes metodologias utilizadas pelos países dificultam comparações científicas. Outros autores apontam o Brasil como o maior consumidor global de agrotóxicos desde 2008 (Lopes e Albuquerque, 2018; Barbosa et al., 2020; Melo et al., 2020).
O uso de pesticidas no Brasil se intensificou substancialmente a partir do início dos anos de 1990, sendo que, para cada hectare de área cultivada, a quantidade de agrotóxicos aplicada aumentou cerca de quatro vezes no mesmo período, em proporção superior a outros grandes produtores agrícolas. No entanto, para cada unidade adicional de agrotóxicos, o retorno em termos de produção agrícola decresceu (Moraes, 2019).
Determinada pelo monopólio de grandes empresas, a entrada de agrotóxicos no Brasil está estreitamente relacionada à produção de commodities agrícolas e resulta em um desequilíbrio de forças, onde o elo mais fraco – o consumidor, o trabalhador rural, as populações vulneráveis – arca com as consequências oriundas das atividades do agronegócio (Moraes, 2019).
Da relação comercial advinda desta dinâmica, Pelaez et al. (2016) afirmam que determinados ingredientes ativos, ou componentes adicionados aos agrotóxicos, podem ser proibidos em alguns países e tais restrições fazem com que as empresas instalem unidades produtivas em países que autorizam seu uso. Em decorrência da legislação brasileira permissiva aos agrotóxicos, o Brasil se torna um dos principais países consumidores desses produtos e que recebem estas unidades produtivas (Modelli, 2022).
Segundo Souza et al. (2020), desde 2019 tem-se vivenciado no Brasil ações governamentais que buscaram reduzir a atuação estatal, as quais favorecem o setor privado e minimizam a intervenção do Estado no mercado. Sendo assim, é possível observar neste período a intensificação e a flexibilização de marcos regulatórios ambientais e agrícolas, especialmente aqueles relacionados aos transgênicos e à expansão da liberação de novos agrotóxicos.
O modelo de produção agrícola brasileiro vem utilizando os agrotóxicos para compensar problemas do monocultivo predatório, no entanto, os impactos do uso desses agentes são extremos, variando desde intoxicações agudas e crônicas em trabalhadores e consumidores, até degradação ambiental e perda da biodiversidade (Melo et al., 2020).
Além disso, Souza et al. (2020), reforçam que as transformações decorrentes do avanço do capitalismo promoveram uma educação para o capital que estruturou a modernização conservadora, ou seja, uma modernização técnica da agricultura sem a democratização do acesso à terra e sem respeito aos territórios indígenas, quilombolas, de populações tradicionais e camponesas. Esses autores acrescentam que a modernização do campo brasileiro foi sustentada pelo pacote tecnológico, que se mostrou altamente nocivo às pessoas e à natureza, não podendo ser isentado dos impactos trazidos por este modelo de desenvolvimento.
Neste contexto, há, pelo menos, cinco décadas, o setor do agronegócio tem divulgado a ideia de que não é possível se produzir alimentos fora do modelo convencional de agricultura e que o combate à fome passa necessariamente pelo uso de agrotóxicos. Entretanto, o caminho apontado pelo agronegócio tem se demonstrado ineficiente para garantir alimentação adequada para todos, posto que a fome e a desnutrição persistem, agravadas por problemáticas como a obesidade, a desnutrição, o diabetes e outras doenças decorrentes da má alimentação (Souza et al., 2020).
Avaliando medidas relacionadas aos agrotóxicos, com o incremento de novas liberações nos anos recentes (destaque para 2019 a 2022), e suas consequências socioambientais sobre os direitos humanos, o presente artigo se propõe a caracterizar a necropolítica em questão.
METODOLOGIA
O presente trabalho é considerado, em sua metodologia, um estudo teórico reflexivo sobre o uso indiscriminado de agrotóxicos no Brasil e da supressão do monitoramento dos efeitos nocivos decorrentes de tal uso. Para tal análise considera-se a relação entre o uso de agrotóxicos e o processo de desmonte da estrutura normativa, com maior destaque no período de 2019-2022. Questões pertinentes à saúde e ao meio ambiente e ações derivadas do setor do agronegócio são relacionadas.
Procurou-se refletir como as políticas públicas contribuíram para a caracterização de uma necropolítica caraterizada pela contaminação ambiental (água e alimentos), pelo aumento dos registros de agrotóxicos, pelos efeitos da transgenia e da descontinuidade do Programa de Análise de Resíduos em Alimentos (PARA), bem como da subnotificação de casos de intoxicação aguda e crônica. É descrita a ausência de limite seguro de uso, caracterizados pelos limiares de contaminação permitidos no Brasil, em relação ao observado nos países europeus. Utilizou-se os bancos de dados oficiais e dados de artigos científicos no período pré-determinado pela metodologia.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Quando se compara a quantidade de agrotóxicos registrados no Brasil, relativamente a outros países, no período de 1991-2015, observa-se que: (1) o Brasil esteve entre os países que ampliaram o consumo (de forma que o oposto ocorreu, em vários países desenvolvidos); (2) os interesses econômicos associados ao mercado de agrotóxicos impediram o estabelecimento de regulações mais protetivas à saúde, restritivas à utilização no Brasil, de agrotóxicos proibidos em outros países.
Segundo Pelaez et al. (2016), cerca de 90% do mercado mundial de agrotóxicos é controlado por 13 empresas multinacionais que se inserem nos mercados comercialmente relevantes, nos quais as especificidades ambientais, culturais e marcos regulatórios locais são considerados vantajosos. Os principais aspectos para a dinâmica do comércio internacional de agrotóxicos são: a evolução da produção das commodities agrícolas; as diferenças entre as barreiras tarifárias e não tarifárias; as estratégias de crescimento e de concorrência entre as empresas que controlam a produção e o comércio mundial; as características da cadeia produtiva e as disparidades dos marcos regulatórios adotados. Este último aspecto tem impacto significativo em países como o Brasil, por sua dependência econômica na exportação de commodities agrícolas. Assim, determinados ingredientes ativos ou componentes adicionados aos agrotóxicos podem ser proibidos em alguns países. Tais restrições fazem com que as empresas direcionem sua produção e inclusive busquem instalar suas unidades produtivas em países que autorizam seu uso.
O incentivo ao uso dos agrotóxicos no Brasil se dá de diferentes formas, sendo uma delas a isenção de impostos às indústrias fabricantes, na Lei nº 10.925, que reduz as alíquotas do PIS/PASEP e da COFINS, incidentes na importação e na comercialização do mercado interno de fertilizantes e defensivos agropecuários e dá outras providências (BRASIL, 2004). Outra forma é a propaganda tendenciosa, praticada por meio dos canais de informação, e ainda, pela falta de políticas públicas e de incentivos a Agroecologia.
Desde o ano 2000 (data de início da contagem dos registros de agrotóxicos no Brasil) até o ano de 2022, o Governo Federal liberou 5.266 produtos agrotóxicos. No período do Governo Bolsonaro (2019 a 2022), foram liberados 2.182 agrotóxicos. Isto corresponde a cerca de 50% do total para os 22 anos da série histórica. De acordo com o relatório do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), no período de 2019 a 2022 as liberações foram crescentes, chegando a 652 registros em 2022 (aumento de 5.563% em relação ao primeiro ano de registro da série histórica) (Brasil, 2023).
No Brasil, de acordo com Friedrich et al. (2021), o registro dos agrotóxicos seguia um regime tripartite, de modo que seu uso, consumo, comercialização, produção, importação e exportação estavam sob autorização da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), do Ministério da Saúde, do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) e do MAPA. Segundo estes autores, para ter o registro proibido e/ou o banimento do agrotóxico em revisão, o composto deve apresentar efeitos maléficos comprovados sobre a saúde humana, como mutações, teratogenicidade, câncer e distúrbios reprodutivos e hormonais.
As taxas para o registro de ingredientes ativos de agrotóxicos são substancialmente menores que as de outros produtos, sendo cerca de 50 vezes inferiores às cobradas para medicamentos, 3 vezes para alimentos e 1,5 vezes para cosméticos, sendo que as empresas dominantes no setor precisam arcar com um capital em torno de U$ 20 mil no Brasil, um montante muito inferior em relação a outros países como Estados Unidos (US$ 600 mil), Reino Unido (US$ 70 mil) e Canadá (US$ 136 mil) (Moraes, 2019).
Dentre as formas de incentivos destaca-se a questão dos benefícios fiscais, pois, segundo Souza et al. (2020), a dimensão econômica dos agrotóxicos e os benefícios fiscais relativos ao Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços (ICMS) e ao Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), estão sob análise judicial do STF na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5.553, ajuizada pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), que tem por objetivo a declaração de inconstitucionalidade das cláusulas que reduzem 60% da base de cálculo do ICMS sobre os agrotóxicos e autorizam a ampliação de isenções de alíquotas de até 100% pelos estados e o Decreto n° 7.660/2011, que concede isenção total do IPI.
Em abril de 2020, em meio à pandemia, os secretários de Fazenda dos 26 estados e do Distrito Federal (DF), aprovaram a renovação do Convênio nº 100/97 do Conselho Nacional de Política Fazendária pela 20ª vez, prorrogando o Convênio com a isenção no ICMS (Brasil, 2020; Souza et al., 2020). Ainda em relação à não tributação relacionada ao ICMS junto aos agrotóxicos, os estados e o DF deixaram de arrecadar R$6,22 bilhões em 2017 (Souza et al., 2020).
Embora a flexibilização da legislação que regula os agrotóxicos no Brasil não tenha se iniciado no Governo Bolsonaro, é na gestão deste governo que se observou uma maior ocorrência atrelada a redução da atuação estatal, a partir da adoção de um conjunto de medidas que efetivam o disposto no Projeto de Lei nº 6.299/2002 (denominado por entidades e movimentos sociais de “PL do Veneno”), cujo texto substitutivo foi aprovado na Câmara dos Deputados e que, na prática, representa o desmonte do sistema normativo de regulação dos agrotóxicos no Brasil (Souza et al., 2020).
A Associação Brasileira de Saúde Coletiva (ABRASCO), em seu dossiê “Contra o Pacote do Veneno e em Defesa da Vida!”, expõe as propostas perversas do agronegócio e das empresas de produtos químicos agrícolas, com seus apoiadores no Executivo e no Legislativo, visando aumentar a comercialização e o uso de agrotóxicos, o que, por conseguinte, resultaria em uma maior intoxicação da vida (vegetal, animal e ambiental) no território brasileiro.
Em virtude das críticas e da pressão da sociedade para a não aprovação do PL do Veneno na Câmara dos Deputados, em 2021, o Governo Federal flexibilizou as regras de aprovação de agrotóxicos e aprovou um decreto para alterar a lei, criando uma tramitação emergencial, para a aprovação de novos registros. Em fevereiro de 2022, a Câmara dos Deputados aprovou o PL 6299/2002 e este retornou ao Senado para nova votação, embora, em dezembro de 2022, este tenha tido um relatório favorável à sua efetivação pela Comissão de Agricultura e Reforma Agrária (CRA).
O PL 6299/2002 foi substituído pelo Projeto de Lei nº 1.459/2022, proposto pelo deputado Blairo Maggi (PP-MT), um dos principais nomes do setor ruralista, que também visa modificar e flexibilizar o sistema de registro e uso de agrotóxicos no Brasil. O PL 1459/2022 visa flexibilizar as normas para aprovação e comercialização de agrotóxicos no Brasil, além de tratar de outros temas relacionados como pesquisa, produção, comercialização, importação, exportação, entre outros. Flexibiliza regras de fiscalização, de utilização e controle de agrotóxicos no Brasil, além de alterar a classificação explícita de produtos nocivos à saúde humana e ambiental, fixar prazos para obtenção de licenças e de fornecê-las temporariamente além de alterar a nomenclatura (Friedrich, 2021).
A Lei nº 1.459/2022 foi aprovada pelo Congresso em novembro de 2023 e enviada à sanção presidencial, na qual o Presidente Lula vetou 14 trechos. Entre os trechos vetados está aquele que concedia autoridade exclusiva ao MAPA para autorizar e supervisionar as modificações na formulação de agrotóxicos, retirando a atribuição do IBAMA e da ANVISA nesse processo. Lula também rejeitou uma parte que poderia permitir a reutilização de embalagens de agrotóxicos e que flexibilizava a divulgação de informações sobre os riscos à saúde nos rótulos dos produtos.
Os vetos do presidente Lula desempenharam um papel crucial na preservação da proteção à saúde dos trabalhadores, da população em geral e no respeito ao direito a um ambiente equilibrado, conforme estabelecido na Constituição Federal de 1988, nos artigos 196 e 225. Além disso, restauraram o papel do setor de Saúde e Meio Ambiente na avaliação dos agrotóxicos para seu registro.
Outra mudança relevante do PL do Veneno é que a lei anterior, em vigor desde 1989, proibia o registro de produtos com características teratogênicas, carcinogênicas ou mutagênicas, já a proposta do PL do Veneno restringe a proibição somente a produtos que apresentem risco inaceitável para seres humanos ou para o meio ambiente, embora a quantificação de um risco inaceitável para a população e para o meio ambiente seja vaga e o próprio PL não defina os critérios para tal.
O PL do Veneno pode trazer diversas consequências, como danos à saúde pública, à saúde do trabalhador, ao meio ambiente e, consequentemente, aumentar os custos tanto para os cofres públicos, quanto privados, para mitigar os danos causados por essas substâncias tóxicas (Lima, 2023).
Ainda sobre o risco inaceitável, Bombardi (2017) cita que ao analisar os níveis de resíduos permitidos na água e nos alimentos no Brasil, em relação a União Europeia, pode-se dizer que no Brasil temos uma exposição crônica da população aos agrotóxicos.
Tomaremos como exemplo o caso do Glifosato, o agrotóxico mais consumido no Brasil. Este agrotóxico tem uso permitido no Brasil, sendo proibido na Áustria, Dinamarca, Suécia e Noruega, e autorizado nos EUA. Este herbicida possui índices de permissão de uso bem diferentes dependendo do país considerado. Segundo Bombardi (2017), na Europa é recomendado usar até 2 kg de Glifosato por hectare, enquanto que a média brasileira está entre 5 kg e 9 kg por hectare, sendo que nos estados do Paraná, Rio Grande do Sul, Mato Grosso e Goiás esta média é entre 9 kg e 19 kg por hectare.
O Glifosato possui seu uso majoritário na agricultura, principalmente em lavouras de soja e em especial, em culturas transgênicas. O composto possui um resíduo chamado AMPA (ácido aminometilfosfônico), o qual, apesar de não monitorado na água pode ser encontrado na urina humana, e seus efeitos na intoxicação crônica vão desde infertilidade, câncer, obesidade, diabetes, doenças cardíacas, até depressão e autismo (Hess e Nodari, 2015).
Em março de 2019 a ANVISA abriu o prazo de contribuições para a “Proposta de resolução de diretoria colegiada que dispõe sobre a manutenção do ingrediente ativo Glifosato em agrotóxicos no País e sobre as medidas decorrentes de sua reavaliação toxicológica”. O grupo temático “Saúde e Meio Ambiente” da ABRASCO (2019) elaborou um parecer técnico que apontou a existência de estudos que comprovam a relação do princípio ativo com problemas de saúde tais como câncer e distúrbios reprodutivos e endócrinos, além de reiterar a presença de surfactantes e outros metabólitos nos produtos à base de Glifosato, que podem ter efeito ainda mais tóxico que o princípio isolado, sendo necessária a avaliação em processos que repercutem na saúde humana. O parecer ainda aponta que muitos dos estudos foram manipulados a fim de esconder os impactos negativos do Glifosato, objetivando assegurar interesses corporativos, principalmente da Monsanto, maior produtora do composto. Dessa forma, o parecer recomenda a proibição de registro, uso e pulverização aérea à base de Glifosato. Apesar de tais indicações, a ANVISA decidiu por manter o registro e a continuidade do uso do Glifosato no Brasil, com restrições que incluem o valor de Ingestão Diária Aceitável (IDA) e a sugestão de certificação prévia dos trabalhadores que vierem a manipular o produto.
Em relação a contaminação dos alimentos por agrotóxicos, o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (IDEC), para trazer informações sobre a contaminação por agrotóxicos em produtos ultraprocessados, desenvolveu duas pesquisas. A primeira, em 2021, analisou 27 produtos ultraprocessados divididos em 8 categorias de alimentos e bebidas, como: refrigerantes e sucos industrializados, biscoitos, pães, salgados e cereais matinais, sendo constatado em 59% dos produtos analisados, a presença de resíduos de agrotóxicos, sendo que 51% apresentavam resíduos de Glifosato e Glufosinato. A segunda fase da pesquisa, em 2022, analisou 24 produtos ultraprocessados de origem animal, como: empanados de frango, hambúrguer de carne, linguiça suína, mortadela, salsicha, iogurte, bebida láctea e requeijão, sendo constatados pelo IDEC, em 60% dos produtos, resíduos de agrotóxicos, sendo que o Glifosato e seu metabólito AMPA foram os que mais apareceram (9 em 24 produtos). Nesta pesquisa também foi constatada a presença de resíduos de agrotóxicos em 100% dos produtos das categorias: empanados de frango, hambúrguer de carne bovina e salsicha (IDEC, 2021; IDEC, 2022).
Cabe ressaltar que a ANVISA, órgão responsável pela fiscalização dos resíduos de agrotóxicos nos alimentos, por meio do Programa de Monitoramento de Resíduos de Agrotóxicos (PARA), tem como foco de atuação os alimentos in natura, e analisa apenas alguns produtos com determinado nível de processamento (Brasil, 2019).
Segundo Lopes e Albuquerque (2021), dos 25 alimentos já analisados pelo PARA, 14 registraram médias acima de 50% de ingredientes ativos não autorizados, são eles: arroz, beterraba, couve, alface, cebola, abacaxi, manga, goiaba, morango, uva, abobrinha, repolho, farinha de mandioca e pimentão. Os autores também destacaram que o PARA usa o Limite Máximo de Resíduos (LMR) como referência, no entanto, o LMR existe nas culturas nas quais são autorizados os diversos agrotóxicos, sendo que, no Brasil, os resultados apresentados demonstram que o perfil de irregularidades prevalentes nos alimentos é de ingredientes não autorizados para a cultura ou não autorizados no país, o que aumenta a exposição e o risco.
O PARA foi criado em 2001 para avaliar e monitorar os níveis de resíduos de agrotóxicos nos alimentos de origem vegetal, pelo método multi-resíduos e outros métodos específicos. A ANVISA anunciou, em dezembro de 2023, os resultados do PARA. Ao todo, foram monitorados 25 alimentos em um total de 5.068 amostras, contando os ciclos de 2018/2019 e 2022. O relatório mostrou que 25% das amostras analisadas nos dois ciclos apresentam inconformidade, que pode ser a presença de um agrotóxico não autorizado ou com resíduos acima do limite permitido, e 0,17% apresentam risco agudo (Brasil, 2023).
Em paralelo, a maior flexibilização e aprovação de registros recorde de agrotóxicos, a falta e/ou dificuldade de acesso às informações e a diminuição dos espaços de participação social, dificultam uma atuação crítica, e a percepção dessa atuação, em prol da transformação desta realidade, além de comprometer ações de garantia do Direito Humano à Alimentação Adequada e de apresentar um retrocesso (Lopes e Albuquerque, 2021).
Nesse cenário destacam-se também os organismos geneticamente modificados (OGM), também chamados de transgênicos, os quais, segundo Marinho (2003), são constituídos a partir da modificação do seu genoma, através da inserção ou eliminação de um ou mais genes por meio da engenharia genética, a fim de alterar alguma característica.
Aliado aos agrotóxicos, os OGMs se potencializam e ampliam os efeitos na saúde (Melo et al., 2018). Das 114 variedades aprovadas para comercialização, 72% apresentam resistência a herbicida (Brasil, 2022), tornando evidente a alavanca dos OGMs para a venda de agrotóxicos. O debate sobre segurança no consumo humano destes alimentos está baseado no fato da análise de risco para a saúde humana não considerar a exposição prolongada a estes alimentos, o que exclui os riscos crônicos à saúde de uma alimentação à base de transgênicos (Cortese et al., 2021).
Atualmente no Brasil podemos encontrar culturas transgênicas de soja, milho, algodão, eucalipto, feijão, trigo e cana-de-açúcar (Brasil, 2022). Segundo Cortese et al. (2021), o Brasil é o segundo país que mais cultiva plantas transgênicas no mundo, ocupando uma área de 51,3 milhões de hectares, o que equivale a aproximadamente 70% da área cultivável brasileira, sendo que, do total da área de soja, milho e algodão cultivados no Brasil, 97%, 88,9% e 84%, respectivamente, são variedades transgênicas.
O agrotóxico, além de estar no alimento, também está na água. A água, que embora seja comercializada e taxada pelas empresas de tratamento, não apresenta a segurança adequada ao consumo, dada a deficiente avaliação dos resíduos de agrotóxicos na água distribuída. Isto porque a legislação brasileira aceita limites para resíduos de agrotóxicos – como o Glifosato –, na água, cinco mil vezes maiores que na legislação europeia (Bombardi, 2017; Freitas e Regino, 2020).
De acordo com o Relatório Nacional da Vigilância de Populações Expostas aos Agrotóxicos (VSPEA) (Brasil, 2018), quanto aos resíduos de agrotóxicos na água do Paraná, dos 399 municípios que compõe o estado, 81 municípios foram monitorados (20,3%); no Mato Grosso, dos 141 municípios, somente 7 municípios foram monitorados (4,9%); no Rio Grande do Sul, dos 497 municípios do estado, 33 foram monitorados (6,6%). Segundo este relatório, todos os três estados apresentaram 100% das análises dentro do padrão (Brasil, 2018). Apesar da maioria dos agrotóxicos encontrados na água estarem abaixo do limite máximo permitido – segundo a legislação brasileira –, estes estão acima dos limites estabelecidos na União Europeia, sendo que do total de 27 pesticidas presentes na água dos brasileiros, 21 estão proibidos na União Europeia devido aos riscos que oferecem à saúde e ao meio ambiente e, no caso do Glifosato, a concentração permitida no Brasil é 5 mil vezes maior que o permitido na Europa (Bombardi, 2017).
Um exemplo deste fato é o estudo realizado em Cachoeira do Sul no Rio Grande do Sul, em que foram identificados 18 princípios ativos de agrotóxicos nas amostras de água, sendo que os poluentes analisados persistiram mesmo após o tratamento da água, expondo a população aos riscos potenciais pela ingestão diária destes componentes (Lucas et al., 2020).
A esse respeito, a nota técnica da Fiocruz (2020) sobre a presença de agrotóxicos na água potável no Brasil reforçou e recomendou que os limites de resíduos de agrotóxicos tolerados na água fossem revistos, além de serem incluídos novos resíduos antes não analisados. Desta forma, a portaria GM/MS 888, de 04 de maio de 2021, aumentou o número de agrotóxicos a serem avaliados para potabilidade da água, de 27 para 40 princípios a serem investigados (Brasil, 2021), porém, apesar de representar um avanço pelo aumento do número de princípios investigados, ainda não garante a segurança da água, uma vez que representa um valor pequeno em relação ao vasto espectro de princípios ativos liberados no Brasil, além de não considerar o somatório dos princípios, sua interação e nem seu efeito crônico.
Em consequência da contaminação dos alimentos e da água, ocorre a contaminação crônica da população. Segundo Fonseca e Rohden (2022), o estudo realizado pela Agência Pública e Reporter Brasil, com dados de 2019 a 2022, do sistema de notificações do Ministério da Saúde, constatou que durante o governo de Jair Bolsonaro, 14.549 pessoas foram intoxicadas por agrotóxicos no Brasil, de forma que estas intoxicações levaram a 439 mortes (o que equivale a um óbito a cada três dias), sendo que os homens negros são as principais vítimas de agrotóxicos, além disso, os estados da região Sul concentraram a maioria das notificações por número de habitantes, sendo que os três estados da região registraram 4,2 mil intoxicações. Segundo este estudo, esse fato pode se tornar ainda mais grave se considerarmos as modificações nas recentes normativas brasileiras (mudanças nos critérios de classificação e nas embalagens dos agrotóxicos, feitas pela ANVISA em 2019), que vulnerabilizam ainda mais a população ao retirar informações de alerta dos rótulos e de bulas, e o pictograma da caveira de vários agrotóxicos comercializados no Brasil, dificultando a identificação do perigo e podendo levar ao aumento do número de casos de intoxicação (Fonseca e Rohden, 2022).
Cabe ainda tratar sobre os equipamentos de proteção individual (EPI), que são citados como essenciais para evitar as intoxicações (Meirelles et al., 2016). Segundo Veiga et al. (2007a), grande parte dos EPIs não são adequados à sua utilização e/ou finalidade e, na maioria das vezes, não conseguem evitar a contaminação, o acidente ou a lesão, podendo, inclusive, ser a própria fonte de contaminação, fazendo com que a função do EPI passe a ser reduzir o risco ou mitigar a consequência, divergindo da expectativa legal e, no que diz respeito ao risco de utilização dos agrotóxicos, as medidas de prevenção são mais recomendadas que as de proteção envolvendo EPIs.
A adesão ao discurso de culpabilização do agricultor que não utiliza o equipamento e se intoxica é recorrente e se faz necessário desmistificá-la. Neste sentido, as indústrias químicas, amparadas pela legislação brasileira referente aos agrotóxicos, incentivam a expansão do uso dos seus produtos através de marketing e comercialização agressiva. Ao mesmo tempo estas se desresponsabilizam pelos impactos à saúde dos agricultores, promovendo as medidas de “uso seguro”, que descrevem medidas a serem adotadas em cada uma das atividades de trabalho com risco potencial de intoxicação (aquisição, transporte, armazenamento, preparo e aplicação, destino final das embalagens vazias e lavagem de roupas e do EPI), creditando os perigos e acidentes envolvidos na manipulação dos agrotóxicos ao “uso incorreto” por parte do trabalhador. Sem considerar a toxicidade das formulações e a imposição do modelo agroquímico de produção no país, sem que as distintas realidades sociais, econômicas, culturais e geográficas da agricultura sejam consideradas (Abreu e Alonzo, 2014).
Ainda, a exposição na cadeia de produção e no consumo dos alimentos diferem em relação ao gênero, acesso à educação no campo e assessoria técnica para um cultivo sustentável e saudável (Carneiro et al., 2015).
Evidências científicas demonstram uma relação entre o uso indiscriminado de agrotóxicos e repercussões negativas à saúde humana e ambiental. Em Bombardi (2017) observa-se que a maior intensidade de uso, corresponde ao maior adoecimento nos estados onde a agricultura é o alicerce econômico, evidenciando uma relação inversa entre o uso dos venenos e a saúde da população.
Existe disponibilidade de evidência científica sobre os impactos negativos de vários agrotóxicos, no entanto, segundo Moraes (2019), não há necessariamente uma relação direta entre a disponibilidade de evidência científica e a regulação de agrotóxicos, isto porque, de acordo com este autor, as regras quanto ao uso de agrotóxicos resultam, não apenas de evidências científicas, mas também do confronto de forças sociais que defendem ou se opõem ao seu uso. O setor de produção de agrotóxicos é concentrado em poucas empresas e possui apoio de grandes produtores rurais, de forma que há um desequilíbrio entre os que se opõem e os que defendem uma regulação restrita. Além disso, o autor acrescenta que, grupos que concentram interesses econômicos possuem mais incentivos para a mobilização do que grupos que se opõem, havendo assim um desequilíbrio de forças que favorece produtores de agrotóxicos e produtores rurais que deles fazem uso intensivo das substâncias. Dessa forma, não é por falta de confirmação dos efeitos nocivos à saúde e ao ambiente que não ocorre a reversão da situação de uso indiscriminado de agrotóxicos no Brasil, embora ainda seja fundamental alertar acerca dos agrotóxicos em face de tentativas de invisibilidade da questão do impacto de tais produtos sobre a saúde humana (Carneiro et al., 2015).
Além disso, as informações produzidas são importantes nos processos de educação em saúde junto às populações expostas, trabalhadores e outras entidades, visando o fortalecimento das ações de vigilância, bem como ações integradas de órgãos de fiscalização da agricultura, meio ambiente, trabalho e saúde, além de poder auxiliar na formação de redes de promoção à saúde e de motivar ações de Vigilância em Saúde visando à transformação do atual processo produtivo agrícola, em que ocorreria uma substituição dos agrotóxicos por outras práticas de produção de alimentos e controle de doenças agropecuárias (Pignati et al., 2017).
Neste sentido, a Agroecologia representa a alternativa para o não uso de agrotóxicos e para a produção de alimentos saudáveis, de forma justa e segura, se constituindo em uma estratégia produtiva sustentável capaz de promover a soberania e a segurança alimentar. Além disso, de acordo com Carneiro et al. (2015), considerando o uso da terra e as relações de trabalho, os processos produtivos agroecológicos são mais saudáveis e englobam relações menos conflitantes e exploratórias no campo rural, além de reconhecer os saberes do homem e da mulher do campo e valorizar formas de trabalho coletivo e participativo.
A Agroecologia se baseia em processos territoriais e promove soluções contextualizadas com os problemas locais, se diferenciando de outras abordagens de desenvolvimento sustentável, além de favorecer o diálogo entre diferentes formas de conhecimento – científico, tradicional, prático e local –, promovendo a autonomia, a capacidade adaptativa e de proposição de soluções integradas e de longo prazo, para o enfrentamento de problemas nos territórios (Sarpa e Friedrich, 2022).
A Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (PNAPO) instituída por meio do Decreto nº 7.794, de 2012 (Brasil, 2012), coloca como objetivo:
Integrar, articular e adequar políticas, programas e ações indutoras da transição agroecológica e da produção orgânica e de base agroecológica, contribuindo para o desenvolvimento sustentável e a qualidade de vida da população, por meio do uso sustentável dos recursos naturais e da oferta e consumo de alimentos saudáveis (Art. 1º). (Brasil, 2012, p. 1).
Segundo Sarpa e Friedrich (2022), a literatura aponta que o consumo de alimentos orgânicos diminui o risco de doenças, assim como ressalta o papel da Agroecologia como forma de garantir a preservação da biodiversidade, a promoção de direitos fundamentais, como o direito à saúde, de forma sistêmica nos territórios.
Segundo Carneiro et al. (2015), em relação as políticas públicas e ações de apoio à produção e ao consumo dos alimentos agroecológicos, considerando a realidade brasileira, observa-se a falta e/ou a dificuldade de implementação e manutenção de políticas de Estado que ofereçam mecanismos e ações estratégicas, à soberania e à segurança alimentar. Os autores reforçam a necessidade de priorizar a implantação de uma Política Nacional de Agroecologia em detrimento do financiamento público do agronegócio, de impulsionar debates internacionais e o estabelecimento de uma ação de enfrentamento a concentração e a oligopolização do sistema alimentar mundial, com vistas de estabelecer normas e regras que disciplinem a atuação das corporações transnacionais e dos grandes agentes presentes nas cadeias agroalimentares, de forma a combater as sucessivas violações do direito humano à alimentação de qualidade.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Tendo em vista as informações e discussões colocadas neste artigo, percebe-se que o consumo de agrotóxicos no Brasil leva a repercussões em diferentes áreas e resulta do modelo agrícola em vigor no país, baseado na monocultura e na produção de commodities. Os riscos do consumo de agrotóxicos para a saúde pública, o meio ambiente e para os direitos humanos, se mostram particularmente relevantes. Com estes fatos, demonstra-se que ações de incentivo ao uso crescente e indiscriminado de agrotóxicos no país incluem: estímulos fiscais e isenção de impostos ligados à produção e uso de agrotóxicos; pacotes vendidos aos agricultores; o desmonte de órgãos e políticas ligadas aos sistemas de fiscalização e a ampliação dos mecanismos ligados a flexibilização das leis que levam a facilitação da aprovação de produção e consumo de diversos agrotóxicos no Brasil, inclusive vários dos quais proibidos em seus países de origem. A evolução destes elementos caracteriza o acirramento da aqui denominada, necropolítica dos agrotóxicos.
A fim de assegurar o combate ao quadro de necropolítica, é necessário o incentivo às alternativas para o não uso de agrotóxicos, fortalecendo as pesquisas relacionadas, investimentos concretos na Agroecologia e o fim das isenções fiscais para os agrotóxicos. Assim, torna-se premente a luta por políticas públicas a favor da agricultura familiar, orgânica e agroecológica. Da mesma forma, se faz necessário o fortalecimento e a eficiência da rede de monitoramento dos agrotóxicos e a ampliação das análises relacionadas a este monitoramento. Ainda, se faz necessária a adoção de ações que evitem o consumo de produtos alimentícios com ingredientes transgênicos e que incentivem, priorizem e ampliem a alimentação baseada em orgânicos, ou de base agroecológica.
AGRADECIMENTOS
Agradecimento ao Observatório do Uso dos Agrotóxicos, e suas relações com a saúde e o meio ambiente, no estado do Paraná, ao NESC (Núcleo de Estudos em Saúde Coletiva da UFPR), a Campanha Permanente pela Vida e Contra o Uso dos Agrotóxicos, a todos os movimentos sociais e organizações que lutam por um alimento saudável e contra a necropolítica dos agrotóxicos.
Copyright (©) 2024 Márcia Marzagão Ribeiro, Marília Pinto Ferreira Murata, Mariana Monteiro Kugler Batista, Maria Lúcia Ferreira Rodrigues
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ISSN 1980-9735
Publicação da Associação Brasileira de Agroecologia - ABA-Agroecologia em cooperação com o Programa de Pós-Graduação em Meio Ambiente e Desenvolvimento Rural - PPG-Mader, da Universidade de Brasília – UnB
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