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Brasília, v. 19, n. 1, p. 53-75, 2024

https://doi.org/10.33240/rba.v19i1.51706

Como citar: Santos, Isabelle S.; BERRETA, Márcia S.R.; TREVISAN, Adriana C.D.. Do roçado para a merenda escolar: agrobiodiversidade e o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) em Boca do Acre/AM. Revista Brasileira de Agroecologia, v. 19, n. 1, p. 53-75, 2024.

Artigo

Do roçado para a merenda escolar: agrobiodiversidade e o programa nacional de alimentação escolar (PNAE) em Boca do Acre/AM

From roçado to school meals: agrobiodiversity and the National School Food Program at Boca do Acre/AM

Isabelle Sucena Santos¹, Márcia dos Santos Ramos Berreta², Adriana Carla Dias Trevisan³

¹Graduada em Ecologia pela UNESP, Rio Claro, SP, Brasil. Pós-graduanda em Agroecologia pela Universidade Estadual do Rio Grande do Sul/ Universidad de La República - Uruguay. E-mail: isabellesucena@gmail.com

² Docente no Programa de Pós-Graduação em Ambiente e Sustentabilidade e da Especialização Binacional em Agroecologia da Universidade Estadual do Rio Grande do Sul. Doutora em Geografia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, São Francisco de Paula, Brasil. Orcid <https://orcid.org/0000-0001-8302-091X >  E-mail: marcia-berreta@uergs.edu.br

³ Docente no Programa de Pós-Graduação em meio ambiente e Sustentabilidad da Universidade estadual do Rio Grande do Sul Doutora em Engenharia Ambiental  pela Universidade Federal de Santa Catarina- Florianópolis, SC.. Orcid <https://orcid.org/0000-0002-5192-6431 >  E-mail adriana-trevisan@uergs.edu.br

 

 

Recebido em 03 jun 2023. Aceito em 30 nov 2023

 

 

Resumo

No contexto da extensão rural e da assistência técnica, frente à busca de soluções coletivas para problemas como a geração de renda para comunidades rurais, a preservação da agrobiodiversidade, a segurança alimentar e o bem viver, essa Pesquisa-Ação foi realizada em Boca do Acre, sul do estado do Amazonas. Apresenta-se no formato de um relato da experiência vivida por uma extensionista durante este processo, o qual envolveu diversas atividades e articulações entre a gestão pública, instituições de ensino e comunidades rurais com objetivo de implantar o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) no município, e atender a inclusão da agrobiodiversidade na alimentação escolar. Os passos executados garantiram a implantação desta política no município com participação social e inclusão de produtos locais diversos. Como foi uma experiência coletiva inicial, ainda precisa ser monitorada e aprimorada, mas, de maneira fundamental, preservada nos direitos da população local.

Palavras-chave: Amazônia; Extensão Rural; Comunidades Rurais; Segurança Alimentar.

Abstract

In the context of rural extension and technical assistance in the search for collective solutions to problems such as income generation for rural communities, preservation of agrobiodiversity, food security and the good life, this Action Research was carried out in Boca do Acre, south of the state of Amazonas. It is presented in the format of a report of the experience lived by an extensionist during this process, which involved several activities and articulations among public management, educational institutions, and rural communities with the purpose of implementing the National School Meals Program (PNAE) in the municipality that would serve the inclusion of agrobiodiversity in school meals. The steps taken ensured the implementation of this policy in the municipality with social participation and inclusion of diverse local products. However, as it was an initial collective experience it still needs to be improved, but, fundamentally, preserved in the local rights.

Keywords: Amazon; Rural Extension; Rural Communities; Food Security.

 

 

INTRODUÇÃO       

Este artigo nasceu das observações advindas da atuação de uma mulher, ecóloga e extensionista rural no Instituto de Desenvolvimento Agropecuário e Florestal Sustentável do Amazonas (IDAM), no município de Boca do Acre. Trata-se de uma narrativa participante sobre o processo de luta coletiva das comunidades ribeirinhas, que vem ocorrendo no município desde junho de 2021, para incluir os alimentos da agrobiodiversidade (a diversidade de alimentos que resulta da complexidade social, cultural, dos sistemas de cultivos, ecossistemas e variedades/raças/espécies) na alimentação escolar por meio do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), uma das mais importantes políticas para a segurança alimentar, saúde coletiva e Agroecologia no Brasil.

Para atender a essas comunidades tradicionais, agricultores familiares e produtores rurais, o Governo do Amazonas, por meio do IDAM, provê assistência técnica e extensão rural no município. Para Paulo Freire (1983), a extensão rural pode ser explicada, entre outras perspectivas e interesses em disputa, como um trabalho de mediação ou de comunicação, no qual a pessoa denominada extensionista atua no meio rural como uma educadora não-formal. O extensionista rural compartilha conhecimentos, planeja e realiza atividades ligadas às demandas locais, inclusive em relação ao acesso às políticas públicas.

Uma dessas políticas públicas é o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) que a Lei n°11.947 de 16 de junho de 2009, pilar do programa, associada a uma série de notas técnicas e resoluções, começou a exigir que, pelo menos 30% do orçamento para a alimentação escolar, fosse utilizado na aquisição de gêneros alimentícios diretamente da agricultura familiar. Esta medida, além de estimular o desenvolvimento econômico e sustentável das comunidades, traz benefícios como maior qualidade alimentar aos estudantes em instituições públicas, melhor renda da agricultura familiar, desenvolvimento da economia local, redução de resíduos (embalagens), criação de circuitos curtos/economia circular, entre outros (Brasil, 2009).

No estudo de Baldisera et al. (2018), realizado em Mato Grosso, conclui-se que um dos elementos-chave para incrementar e facilitar a participação nas chamadas públicas de fornecimento de alimentos é o oferecimento acessível de assistência técnica de qualidade, tanto para os agricultores próximos ao núcleo urbano quanto para os mais distantes. Isso nos provoca, em relação a importância do trabalho do extensionista rural que apoia os agricultores nesse acesso e em sua formação e disposição, a contribuir para esse tipo de acesso.

Pensando a contribuição do PNAE para a Agroecologia, segundo Christoffoli et al. (2021), este atua como uma política indutora de transformação nos processos produtivos, utilizando o poder de compra do Estado para induzir modelos agroecológicos através da compra direcionada para a agricultura familiar.

Sua fundamentação legal vincula a alimentação escolar tanto ao aspecto de incentivar a alimentação saudável quanto ao apoio à agricultura familiar e aos mercados locais.

No entanto, essa política está muito aquém do seu potencial de aumento da renda da agricultura familiar, da valorização da produção local e da melhora da qualidade da merenda escolar. Bonduki e Palotti (2021) explicam que 85% (dos estados e municípios que entregaram a prestação de contas ao PNAE) declararam formalmente estar realizando compras de agricultores familiares em algum percentual, enquanto 41% declararam haver alcançado o mínimo de 30% de compras da agricultura familiar estipulado em lei.

O PNAE deve ser acompanhado pelos Conselhos de Alimentação Escolar (CAEs) dos municípios, junto com o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), o Tribunal de Contas da União (TCU), a Secretaria Federal de Controle Interno (SFCI) e com o Ministério Público (MP). O repasse dos recursos monetários é transferido diretamente aos estados e municípios, e cabe a eles administrar o dinheiro repassado pela União, como também a complementação financeira para a melhoria do cardápio escolar, conforme estabelece a Constituição Federal (Ripp e Dutra, 2017). O montante destinado depende do número de matriculados em cada rede de ensino, com base no censo escolar.

Há um valor para cada aluno/dia letivo que varia entre R$ 0,41 e R$ 2,56, a depender da modalidade de ensino (educação de jovens e adultos, pré-escola, escolas indígenas e quilombolas, ensino integral) (FNDE, 2023).

O município de Boca do Acre (AM) contava, segundo o censo escolar de 2021 (IBGE Cidades, 2021) com 897 matrículas no ensino infantil, 6.335 no ensino fundamental e 1.676 no ensino médio. Esses números são importantes para estimar a proporção que o PNAE pode tomar no município, lembrando que o valor disponível para a merenda escolar deve ser um investimento do município/estado, com suplementação pelo recurso federal.

Entre 2021 e 2023, realizamos, localmente, um processo participativo de Pesquisa-ação, que envolveu diversas comunidades, instituições e atores, impulsionado principalmente pela CATRAPOA - Comissão de Alimentos Tradicionais dos Povos no Amazonas. A CATRAPOA é uma admirável força impulsora da Agroecologia e da alimentação tradicional, especialmente por meio do PNAE, no Estado do Amazonas. Criada em 2016 e coordenada pelo Ministério Público Federal (MPF), ela vem realizando um trabalho importante na defesa dos alimentos tradicionais e na alimentação escolar em terras indígenas e comunidades tradicionais. Participam dela, membros da sociedade civil e representantes de diversos movimentos sociais, associações rurais e instituições. A partir dessa articulação, foi possível somar os esforços das comunidades e dos demais agentes envolvidos e interessados no município Boca do Acre.

A Pesquisa-ação foi escolhida por ser esta uma modalidade de pesquisa comprometida com a construção coletiva de soluções para problemas locais. Tripp (2005) afirma que por este método se planeja, implementa-se, descreve-se e avalia-se uma mudança para a melhora de sua prática, aprendendo mais, no decorrer do processo, tanto a respeito da prática quanto da própria investigação. Para esse autor, pela Pesquisa-ação é possível compreender as situações, planejar melhorias eficazes e explicar resultados. Foi baseada nas etapas propostas por Thiollent (2011), divididas em: Diagnóstico, Planejamento, Ação e Observação.

O interesse em contribuir com esse movimento se relaciona ao potencial do PNAE em criar a conservação, a difusão e a valorização da agrobiodiversidade, assim como a geração de renda e o combate à fome e à insegurança alimentar, além do fortalecimento local da Agroecologia. Neste sentido, oferecer alimentos da agrobiodiversidade, provenientes das comunidades direto para a alimentação escolar, além de ser uma questão de saúde e bem viver (Krenak, 2020), relaciona-se à luta pelo revés do desaparecimento do saber local e da biodiversidade atrelada a esse saber. A destruição da diversidade é intrínseca ao paradigma reducionista, que, segundo Shiva (2009) está presente na ciência quando esta, em prol da exploração capitalista, ignora os efeitos nocivos das tecnologias criadas; ou ainda quando subjuga sistemas tradicionais complexos de conhecimento e vida.

Sobre essa biodiversidade específica de cada local, é importante pontuar que a sazonalidade dos alimentos, intrínseca ao processo produtivo, muitas vezes não é levada em consideração nas chamadas públicas para a compra dos alimentos. A não consideração deste fator pode dificultar a participação da agricultura familiar no programa. Portanto, a construção de um cardápio coerente com a realidade camponesa também é um fator determinante para a participação dos agricultores e precisa ser construído com cautela e conhecimento, levando em consideração a diversidade da produção e vocação agrícola do local (Castro, 2014). Para lograr que essa sazonalidade seja respeitada, se faz, então, necessário o levantamento da agrobiodiversidade de cada local para subsidiar os profissionais nutricionistas na estruturação de cardápios, bem como a atuação do Poder Público na elaboração da chamada para a compra pública. Esse foi um dos processos envolvidos nessa pesquisa.

Essa pesquisa gerou aprendizados sobre a implantação dessa política pública a nível local. Foi necessário olhar para questões como: quem são os atores locais envolvidos? Quais as comunidades e escolas interessadas e qual a agrobiodiversidade disponível? Quais são as ações necessárias? Como aliar a extensão rural e o indigenismo a essa luta comunitária?

A partir dessa conjuntura, o objetivo neste trabalho foi relatar como ocorreram os processos envolvidos para a implementação do PNAE no município da Boca do Acre, a partir das demandas coletivas locais. Queremos contribuir para a discussão e para o fortalecimento dessa política pública por meio do levantamento de questões relevantes dos processos coletivos vivenciados. Ao final, é apresentado o levantamento da agrobiodiversidade realizado com as comunidades ribeirinhas e indígenas do município, ilustrando a diversidade atual disponível de alimentos locais para as escolas do município.

METODOLOGIA

Local de estudo

O município de Boca do Acre (Figura 1) está localizado na calha do rio Purus, entre os limites territoriais dos estados do Amazonas e do Acre. Esta região apresenta índices elevados da biodiversidade amazonense, com registro de mais de 170 espécies de mamíferos e 550 espécies de aves (Clark, 2015). Contudo, também faz parte do chamado Arco do Desmatamento ou Arco do Fogo, que teve início nessa região, mais particularmente ao sul, entre os municípios de Boca do Acre e Lábrea, estendendo-se até o sul do estado do Maranhão (Amazonas, 2011).

Conforme estimativa do IBGE em 2021, Boca do Acre tem 34.958 habitantes ocupando uma área de 21.938,583 km², ou seja 1,40 hab./km². Porém, somente 8% da área do município é urbanizada (IBGE Cidades, 2022), concentrando a maior parte do contingente populacional. Cerca de 40% da população habita a área rural, sendo essa composta por agricultores, pecuaristas, pescadores, extrativistas, ribeirinhos, povos indígenas e produtores rurais. Segundo dados do IDAM (2023) existem 195 comunidades no município. É importante salientar que a região foi historicamente marcada pelo ciclo produtivo da borracha, sendo hoje movimentada, principalmente, pela pecuária (Amazonas, 2010). Essa atividade se concentra principalmente ao longo das faixas de estradas e ramais, enquanto as de extrativismo e de agricultura familiar ocorrem com maior intensidade ao longo da calha do Purus, nas Unidades de Conservação de Uso Sustentável e Terras Indígenas, habitadas principalmente pelos povos Apurinã e Jamamadi.

A agricultura familiar local se caracteriza principalmente por culturas de ciclos curtos, como melancia, feijão, milho, banana e pelas roças de macaxeira e mandioca (matéria prima da farinha). A farinha tem sua produção destinada para o próprio consumo familiar, com a venda do eventual excedente na região. Já a pecuária é caracterizada por dois tipos de criadores: o pequeno, que tem a criação de bovinos de corte como uma poupança complementar a outros usos da terra; e os grandes pecuaristas, com atuação comercial em maior escala, pois estes são proprietários de grandes extensões de terras. Os pescadores da região vivem ao longo das margens dos rios e lagos, praticando a pesca tanto para seu consumo quanto para o comércio. Essa atividade para fins de comércio depende do “atravessador”, o qual compra o peixe para abastecer tanto o mercado local, regional, quanto o externo como a Colômbia, a Bahia, o Pará, a Rondônia e o Acre. O extrativismo madeireiro é caracterizado principalmente pela extração de madeira nativa; já o extrativismo não madeireiro, pela coleta de produtos da floresta como a castanha do Brasil, a seringa, o açaí, e óleos (andiroba, copaíba, entre outros), além de sementes e cipós da floresta para a produção do artesanato (Amazonas, 2010).

 
Figura 1. Mapa de localização do município Boca do Acre no estado do Amazonas.

Fonte: Hoffmann, 2023.

 

Procedimentos

O método de pesquisa utilizado foi a pesquisa-ação, o qual vem sendo utilizado para transformar realidades e produzir conhecimentos relativos a essas transformações. Para Thiollent (2011) a Pesquisa-ação é um tipo de pesquisa social com base empírica, concebida e realizada em estreita associação com uma ação ou com a resolução de um problema coletivo, na qual os pesquisadores e os participantes, representativos da situação ou do problema, estão envolvidos de modo cooperativo ou participativo. As etapas da Pesquisa-ação passam por uma organização da investigação que leva em conta as prioridades de pesquisa, o desenrolar das atividades propostas e a avaliação das ações planejadas. São elas as ações: Diagnóstico, Planejamento da Ação, Tomada de Decisão, Avaliação e Aprendizado.

A ação a ser desencadeada corresponde àquilo que é necessário ser realizado (ou transformado) para a solução do problema e “ocorre somente se for do interesse dos grupos e concretamente elaborada e praticada por eles” (Thiollent, 2011, p. 8). Neste estudo, em especial, participaram os sujeitos advindos de diferentes comunidades do município de Boca do Acre, que apresentam muitas diferenças entre si mas, ao mesmo tempo, compartilham afinidades de um mesmo ecossistema e de uma base alimentar comum, com as devidas variações sócio culturais; além de partilharem do interesse de viabilizar, materializar e acessar a política pública do PNAE no município.

No Quadro 1, encontra-se o método descrito conforme as quatro fases propostas, com as ferramentas e técnicas aplicadas em cada uma delas, bem como o cronograma utilizado, a partir do método da Pesquisa-ação.

Quadro 1. As quatro fases propostas com as ferramentas e o cronograma da pesquisa. Fonte: elaborado pelas autoras (2023).

Fase do Estudo

Técnicas Utilizadas

Período de Execução

Diagnóstico

Atendimento aos comunitários ribeirinhos no IDAM e participação em audiência pública realizada na terra indígena Kamikuã.

janeiro a dezembro de 2021

Planejamento

Oficinas com as comunidades;

Elaboração carta de compromisso;

Levantamento participativo da agrobiodiversidade;

Reuniões com a CATRAPOA;

Reuniões com o poder público local.

janeiro a maio de 2022

Ação

Reuniões com poder público local;

  1. Mutirão de emissão de Declaração de Aptidão ao PRONAF (DAPS) e Cartão do Produtor Primário (CPP);

Levantamento em campo da agrobiodiversidade local;

Rodas de diálogo sobre o PNAE nas comunidades;

Campanha para chamada pública.

maio a dezembro de 2022

Observação

Mediação das entregas dos alimentos.

fevereiro a abril 2023

 

O processo de investigação, detalhado nos resultados, iniciou-se em 2021, durante o atendimento aos ribeirinhos, pelo contato com as demandas existentes, e se solidificou, no entanto, a partir da participação na audiência pública realizada na Terra Indígena Kamikuã. A partir deste diagnóstico, da sequente articulação em rede e das mobilizações das comunidades e da CATRAPOA, geraram-se reuniões e discussões que culminaram na realização, em 2022, da I Oficina Regional da Agricultura Familiar Indígena e Comunidades Tradicionais, um evento de três dias de atividades. Nesta oficina, para levantar os dados relativos à agrobiodiversidade, foram realizadas dinâmicas de grupo onde cada comunidade foi convidada a sistematizar em cartazes duas questões primordiais, que foram:

 

(a) Quais são os alimentos disponíveis em quantidade e qualidade suficiente para oferecer ao PNAE que estão em nosso território? Incluindo os produtos dos roçados, dos seringais, das hortas e da pesca.

(b) Qual a sazonalidade destes alimentos, ou seja, em que período do ano poderiam ser fornecidos para a alimentação escolar?

 

Essa metodologia foi proposta pela parceira (via CATRAPOA) Deutsche Gesellschaft für Internationale Zusammenarbeit (GIZ) e facilitada pelos organizadores do evento, que foram: CATRAPOA, IDAM, GIZ e Centro Colaborador de Alimentação e Nutrição Escolar (CECANE) da Universidade Federal do Amazonas (CECANE-UFAM).

Neste mesmo evento, foi elaborada, a partir das orientações do CECANE-UFAM e de debates e reivindicações dos participantes, uma carta de compromisso, onde se firmaram atribuições e papéis para os atores ali presentes. Esta carta foi importante para registrar as demandas acordadas entre a sociedade civil presente e o Poder Público, na qual ficaram documentadas as problemáticas, análises, necessidades e ações necessárias levantadas durante as discussões.

Após a Oficina, foram realizadas regularmente reuniões de elaboração de um plano de ação baseado nas demandas e compromissos acordados. Foram distribuídas responsabilidades e criou-se uma agenda que incluía oficinas, reuniões, planejamentos, elaboração de documentos, rodas de diálogo, mutirões de emissão de documentos necessários e levantamentos em campo da agrobiodiversidade e dos preços locais. Todos esses esforços, por fim, culminaram no lançamento da chamada pública.

Uma vez que foi realizado o levantamento aqui apresentado, publicada a chamada pública e realizadas as contratações, atualmente está em curso a etapa de aplicação: a realização da entrega dos alimentos nas escolas.

Outra etapa importante após as aplicações previstas, em andamento no ano de 2023, é a etapa de Avaliação, que subsidia a revisão e o aprimoramento das ações realizadas, tanto por parte das comunidades quanto do Poder Público, para mobilizações e chamadas públicas futuras.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Iniciamos o trabalho como extensionistas em Boca do Acre no IDAM em janeiro de 2021, aplicando agendas de projetos e demandas do governo já em andamento e realizando a lida cotidiana no atendimento ao público. Nesses atendimentos surgiram as demandas dos ribeirinhos e agricultores por programas/políticas geradoras de renda, que valorizassem seus produtos e facilitassem as etapas de produção e escoamento.

Dentre diversas questões relevantes, surgiram muitos questionamentos sobre quando abriria o PAA (Programa de Aquisição de Alimentos) ou outro programa similar. Isso porque diversos comunitários e agricultores já haviam acessado anteriormente este programa com mediação do IDAM, mas ele já não estava sendo reaberto há um tempo considerável.

Embora existam abordagens e profissionais capacitados e comprometidos com a Agroecologia, ainda prevalece, na extensão rural pública do Amazonas, uma lógica tecnicista, acrítica dos modelos desenvolvimentistas. É marcadamente concentradora, monocultural, patronal e voltada para uma agricultura e pecuária de larga escala. Isso não se deve apenas a paradigmas e desafios políticos, afinal temos nosso passado recente de colonização, escravidão, coronelismo e suas heranças, mas também a questões logísticas, educativas, mercadológicas, culturais, dentre outras.

No entanto, existem nas comunidades rurais, associações que resistem e defendem os interesses coletivos, assim como há indivíduos e grupos que realizam extensão rural agroecológica no estado do Amazonas, organizados em coletivos, comissões, campanhas e redes, sendo um deles a CATRAPOA. Entrei no grupo de Whatsapp organizado por eles em junho de 2021, onde também estavam as lideranças indígenas de Boca do Acre, adicionadas pela colega e amiga Thayná da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (FUNAI).

Em novembro de 2021 foi realizada uma Audiência Pública na Terra Indígena Kamikuã, localizada à margem do rio Purus, onde os órgãos do Poder Público foram provocados a atender demandas que estavam sendo negligenciadas, dentre elas a assistência técnica e o apoio à agricultura e ao extrativismo em terras indígenas, inclusive atrelado às chamadas públicas.

Desse momento (que reforçou o diagnóstico dessa demanda) em diante, através da comunidade virtual da CATRAPOA — grupo de WhatsApp, reuniões on-line e presenciais e e-mails trocados — nossa rede de lideranças comunitárias locais, atores institucionais locais e agentes experientes do PNAE se engajou para criar reuniões e diálogos e construir, em conjunto, soluções para as demandas bocacreanas1. A organização virtual é extremamente relevante para um cenário tão geograficamente amplo e diverso quanto o do estado do Amazonas. Nesse contexto de colaboração, o assunto do PNAE se tornou um foco de ação possível.

Nessas reuniões, realizadas em média a cada quinzena, foi possível mapear, com as lideranças comunitárias, profissionais e pesquisadores, a situação do município em relação a essa política pública e sistematizar os passos necessários para provocar e facilitar sua aplicação. Durante este período, além das “pesquisas de campo”, que consistiam nos diálogos com as coletividades envolvidas diretamente na agricultura e no extrativismo, realizamos consultas bibliográficas ao histórico do PNAE em outros municípios para buscar referências empíricas, em diagnóstico de potencialidades e entraves na implantação desta política, procurando alinhamento com os casos bem-sucedidos.

A partir destas reuniões, influenciada também pelas leituras, foi possível apontar algumas problemáticas encontradas sobre a aplicação do PNAE no município, que foram:

  1. (a)Necessidade da efetivação e constância de políticas geradoras de renda para a agricultura familiar, povos indígenas e comunidades tradicionais; 

  2. (b)Desconhecimento popular e institucional local sobre o funcionamento efetivo do PNAE; 

  3. (c)A não realização, por um período relevante, das chamadas públicas do PNAE. Sua publicização, quando realizada, foi considerada ineficiente, levando a uma não participação histórica de comunidades ribeirinhas, de agricultores familiares e indígenas; 

  4. (d)Dificuldade alegada pela gestão do município em relação a implantação dessa política por fatores como infraestrutura de estradas e nas escolas, logística, acesso à informação, valor per capta insuficiente; 

  5. (e)O fato de muitos comunitários não possuírem DAP (Declaração de Aptidão ao PRONAF) e Cartão do Produtor Primário (CPP), documentos necessários para participar no PNAE. 

 

A partir do diagnóstico sobre as dificuldades da aplicação do PNAE no município, foram apontadas pelos agentes institucionais e pelas lideranças comunitárias as seguintes ações a serem realizadas:

  1. (a)A oficina sobre o PNAE; 

  2. (b)Mutirões para emissão de DAPs e CPPs, em especial em territórios indígenas; 

  3. (c)Reuniões constantes entre membros da CATRAPOA e atores locais do Poder Público, para construir a chamada pública dentro das normativas legais e de acordo com a agrobiodiversidade, a sazonalidade e as demais caraterísticas do contexto levantadas na Oficina; 

  4. (d)A sensibilização e a mobilização das comunidades para participação ativa e consciente na chamada pública. 

 

Essa articulação engajada culminou, em maio de 2022, na realização da I Oficina para o PNAE em Boca do Acre (Figura 2), com três dias de programação, incluindo atividades de formação oferecidas pelo CECANE-UFAM, IDAM e GIZ, alternadas com atividades de diálogo, debate, articulação, e uma atividade prática.

É relevante destacar o trabalho do centro colaborador, que está disponível e atuante em diversos territórios nacionais, cumprindo uma função essencial no apoio técnico e operacional ao PNAE.

 

 
Figura 2: Abertura da Oficina do PNAE em Boca do Acre. Fonte: CECANE-UFAM.

 

A Oficina, organizada pela FUNAI, GIZ, CECANE-UFAM e IDAM e construída pela presença das comunidades interessadas, teve participação de agricultores urbanos da Comunidade Lago Novo, de ribeirinhos da Reserva Extrativista Arapixi e de 14 comunidades indígenas dos povos Apurinã e Jamamadi. A Aldeia Kamikuã marcou presença no evento realizando uma apresentação cultural, que foi a mística de abertura.

Foram realizadas atividades de formação expositivas pelo CECANE-UFAM e pelo IDAM, apresentando o funcionamento do PNAE em várias etapas. Também ocorreram atividades formativas práticas, como uma simulação da entrega de projetos de venda – etapa necessária para inscrição dos agricultores na chamada pública organizada pelo GIZ. Foram utilizados materiais didáticos, tais como vídeos, slides e cartilhas, além de oportunizar discussões sobre o Conselho de Alimentação Escolar (CAE) local.

O CAE, conforme a Resolução CD/FNDE nº 06 de 08/05/20202, é um órgão colegiado de caráter fiscalizador, permanente, deliberativo e de assessoramento, instituído no âmbito dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, composto por, no mínimo, sete membros titulares e seus respectivos suplentes, representantes do Poder Executivo, trabalhadores da educação e discentes, entidades civis e pais de alunos. Sua principal função é zelar pela concretização da alimentação escolar de qualidade, por meio da fiscalização dos recursos públicos repassados pelo FNDE, que complementa o recurso dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, para a execução do PNAE.

Durante a Oficina, foi evidenciado pelos participantes o desconhecimento acerca do CAE, que deveria estar em funcionamento e assessorando, tanto o funcionamento quanto a publicização do PNAE, em contraste com o que foi apresentado nas palestras e slides. Consequentemente, não existia representatividade das comunidades ribeirinhas, indígenas e nem dos agricultores familiares na constituição do CAE. Foi então incluído, na carta assinada pelas comunidades presentes, a demanda ao Poder Público de que sejam reservadas no CAE municipal duas cadeiras, uma para representantes indígenas e uma para ribeirinhos, que ainda não sabemos quando serão atendidas.

Na realidade, o CAE constitui parte crucial para o funcionamento correto do PNAE, pois a ausência de transparência, publicidade e representatividade efetiva no Conselho afeta a política do PNAE na Boca do Acre e, certamente, em muitos outros municípios do país. No entanto, a fiscalização desse tipo de órgão da sociedade civil ainda não é uma prática garantida. Neste sentido, surge a inquietação, aqui compartilhada, mas ainda sem respostas: como garantir uma publicização efetiva para melhorar a representatividade nesses Conselhos tão cruciais?

Durante o encontro da I Oficina, as comunidades discutiram e sistematizaram dados sobre sua agrobiodiversidade e os apresentaram por intermédio de cartazes, onde constavam o nome dos alimentos e a sazonalidade, elementos-chave para construir o cardápio escolar e a chamada pública.

Esses dados foram organizados numa mandala e lista correspondentes, apresentadas nas Figura 3 e 4. São produtos que vêm dos roçados, da floresta, da pesca e das hortas, presentes em diferentes meses do ano. Esse tipo de ilustração é utilizada para mostrar, pela riqueza das diferentes cores e número de elementos, a disponibilidade de alimentos e sua diversidade ao longo do ano no município da Boca do Acre.

 

 
Figura 3. Lista de alimentos levantados na Oficina.

Fonte: Autoras (2023)

 

 
Figura 4: Mandala que associa os alimentos levantados e sua sazonalidade, ilustrando a diversidade disponível ao longo do ano.

Fonte: Autoras (2023)

 

É importante ressaltar que esses alimentos, sendo introduzidos no cardápio escolar, substituem a configuração atual, relatada pelos professores e comunitários, que é principalmente de alimentos processados, trazidos de regiões distantes e, por vezes, devido a essa logística, compromete sua durabilidade e qualidade. A ideia central é seguir rumo ao objetivo relatado pelo Instituto Socioambiental no Rio Negro:

Aos poucos, começam a sair de cena das despensas das escolas indígenas o arroz, o macarrão, o óleo de soja e os produtos ultraprocessados, como carnes enlatadas, biscoitos e refrescos em pó, contraindicados pelo próprio Ministério da Saúde, e passam a fazer parte das merendas os frutos da resistência e da cultura indígena. (ISA, 2020)

Possivelmente essa lista de alimentos da agrobiodiversidade poderia ainda ser ampliada, uma vez que ela se baseia naquilo que os comunitários trouxeram em um único dia de análise. Ademais, muitos alimentos podem ter sido esquecidos ou deixados de lado nessa etapa inicial pelo fato de serem produzidos em pequena escala e, ao serem restritos ao autoconsumo familiar, não se enquadram nas regras sanitárias exigidas pelo programa ou não são comumente consumidos (como as chamadas Plantas Alimentícias Não Convencionais), mesmo estando disponíveis.

Outro fruto da Oficina foi a redação de um documento que ressalta o comprometimento da gestão municipal com a realização das chamadas públicas: uma para a agricultura familiar em geral e uma específica para as escolas indígenas. Foi assinado pelas representações locais e também pelo Secretário Municipal de Educação. Esse documento firma nove compromissos, cada um deles com seus devidos prazos e especificações. São eles, sucintamente:

  1. (a)Realizar o lançamento de cronograma para realização da chamada pública. 

  2. (b)Assegurar o acesso de agricultores indígenas e comunidades tradicionais aos documentos da DAP e CPP, também emitido pelo IDAM e propiciar a emissão facilitada e gratuita de notas fiscais. 

  3. (c)Realizar mutirões de emissão de DAP e CPP. 

  4. (d)Assessorar na elaboração dos Projetos de Venda. 

  5. (e)Efetivar as chamadas públicas, com publicação em Diário Oficial. 

  6. (f)Contratar nutricionistas e merendeiras para o município e atender uma infraestrutura mínima para o preparo da alimentação nas escolas indígenas. 

  7. (g)Manter aberto um canal de diálogo permanente acerca do PNAE, com Grupos de Trabalho. 

  8. (h)Dar suporte técnico na emissão das notas fiscais. 

  9. (i)Realizar Assembleia Extraordinária do CAE para empossar um representante indígena e verificar a possibilidade de incluir também representantes extrativistas. 

 

Esse documento foi assinado por representantes de todas as instituições e organizações presentes.

Com fundamento nesse encontro e seus desdobramentos, foi então estabelecida, entre os agentes institucionais e as comunidades, uma agenda de visitas, rodas de conversa, mutirões e entregas de documentos, assim como a continuidade das reuniões com a CATRAPOA e o Poder Público local.

A partir de maio de 2022, iniciaram-se os mutirões para emissão de DAP, documento exigido para participar no PNAE e emitido apenas por agentes credenciados junto ao MAPA, e CPP, documento estadual amazonense que facilita a emissão de notas fiscais pelos produtores rurais, tornando-a gratuita. Também, neste período, começou o levantamento da agrobiodiversidade nas comunidades. Esses mutirões consistiram na visita aos roçados dos comunitários interessados, registrando as culturas e variedades ali presentes e coletando os dados das Unidades Produtivas Familiares para a DAP. Foi possível verificar in loco os alimentos levantados pelas comunidades e suas variedades, conferindo aqueles que estavam listados na Oficina e adicionando a produção de cada Unidade Produtiva à suas respectivas DAPs.

Incrementando o processo, estava publicado na portaria pelo MAPA que, até o final de 2022, seria encerrada a emissão de DAPs pelo Ministério da Agricultura e Pecuária, que viriam a ser substituídas pelo atual CAF (Cadastro da Agricultura Familiar) – muito mais burocrático e de difícil acesso para o contexto tradicional amazônico – de forma que, tanto para participar no PNAE quanto para outras políticas, a elaboração dessa documentação para os comunitários, em especial os de comunidades tradicionais, era urgente.

Em paralelo à emissão de DAPs e CPPs, foram realizadas conversas com as comunidades para seguir dirimindo as dúvidas e explicando o funcionamento do PNAE, bem como reuniões entre o Poder Público e os membros da CATRAPOA para impulsionar a emissão das chamadas públicas. Nessas conversas, muitas dúvidas se repetiram: Como funciona a entrega dos produtos? Quem os recebe e avalia sua qualidade? Como eles podem ser calculados e pesados? Qual a infraestrutura disponibilizada para isso? Quem vai prepará-los? Como vão ser armazenados?

Já nas reuniões com o Poder Público, ressoaram as seguintes questões: Como incluir as escolas das comunidades mais distantes, se não temos condições de visitá-las com frequência para acompanhar o processo? Como elaborar cardápios tão diversos? E se as comunidades não entregarem os produtos e a merenda ficar comprometida? Entre outras que nós, também como aprendizes do PNAE, buscamos discutir e pesquisar juntos, contando com muito apoio da equipe do CECANE-UFAM e da CATRAPOA.

Outro questionamento que surgiu foi em relação a como essa substituição dos processados pelos alimentos locais in natura seria percebida e quais seriam seus benefícios. Em algumas comunidades, felizmente, no dia a dia, as crianças já têm acesso constante ao alimento local (frutas, farinha, castanhas, peixes) e, por isso, apreciam bastante a alimentação escolar industrializada como um tipo de exceção ou guloseima, afinal os aditivos e aromatizantes são agradáveis ao paladar.

Em outras comunidades, os alimentos processados já tomaram conta, também, da rotina alimentar caseira e comunitária, substituindo os alimentos mais nutritivos e tradicionais. De toda forma, é importante refletir sobre o “nutricídio”, termo cunhado por Llaila Afrika para caracterizar um processo de vulnerabilidade alimentar e cultural ao qual populações negras foram submetidas durante a colonização (Almeida, 2023). Mas que pode ainda ser aplicado, com as devidas adaptações, ao contexto atual das atuais populações indígenas, ribeirinhas, periféricas, entre outras, e suas consequências. Os alimentos processados e ultraprocessados, ainda que sejam difíceis de evitar, devem ser encarados como prejudiciais quando inseridos como base da alimentação cotidiana de um grupo, especialmente na idade infantil, que é o caso da alimentação escolar.

Já tendo sido levantadas as variedades de alimentos e sua sazonalidade, um trabalho fundamental inclusive para apoiar a nutricionista municipal na elaboração dos cardápios que também é necessária para o PNAE, surgiu uma terceira demanda de colaboração da assistência técnica para a chamada pública: os preços. Foi realizado pela AADES, órgão parceiro do IDAM, um levantamento de preços locais junto a diferentes agricultores e estabelecimentos que embasou o preço utilizado na chamada pública, a fim de proporcionar aos agricultores preços justos adequados à realidade local.

Outro desafio encontrado foi que o corpo técnico da gestão municipal não possuía experiência prévia com a elaboração desse tipo de chamada, que é diferente de um pregão, modelo de licitação mais comum, por exemplo. Isso demandou parcerias, consultorias, reuniões, trabalhos e re-trabalhos, até que, finalmente, em dezembro de 2022, as chamadas públicas foram lançadas.

Realizamos assim, a fase de divulgação das chamadas do PNAE para as comunidades, que foram convidadas a comparecer à sede do município, elaborar os projetos de venda, preencher e entregar seus envelopes. Foram elaboradas pela Gestão Pública duas chamadas: uma específica para as escolas indígenas e outra para as escolas em geral. Foram estruturadas sete contratações indígenas e uma de associação extrativista, representando 15 agricultores familiares ribeirinhos. Dos 57 alimentos levantados, foram incluídos nessas chamadas um total de 30 alimentos.

O processo descrito até o momento está sendo considerado como uma experiência piloto que, obtendo sucesso e tendo seus erros e acertos analisados, pode ser expandida e adaptada para contemplar mais alimentos e mais escolas e comunidades.

A partir de fevereiro de 2023 iniciaram-se as entregas, que vêm sendo acompanhadas e devem durar todo o ano, para, ao final, ser realizada uma nova etapa de avaliação junto ao poder público e das comunidades.

É interessante e necessário para conclusão metodológica da Pesquisa-ação, após o término do ciclo de entregas desta chamada pública, realizar novas atividades, efetuando a avaliação em conjunto com as comunidades e as autoridades públicas para melhorias e adaptações futuras, assim como manter viva a reivindicação e o diálogo necessários para avivar as políticas públicas.

 

CONCLUSÕES

Sobre a agrobiodiversidade, podemos concluir que há uma ampla gama de alimentos locais bastante diversos, cultivados de maneira agroecológica, pertencentes às tradições alimentares e afetivas locais, que podem melhorar a qualidade do alimento oferecido nas escolas.

A quantidade de alimentos e de participantes pode ser ampliada com o tempo, mas isso dependerá da continuidade da política e da efetividade dos processos de avaliação, monitoramento e aprimoramento desta, além do prosseguimento das articulações sociais que a promoveram.

A trajetória retratada e aqui celebrada, em especial devido à participação e posterior contratação dos comunitários, configura localmente uma conquista histórica, que possivelmente pode ter seus caminhos replicados e adaptados para outras realidades.

Esse é um passo pequeno até o momento, pois a proporção de alimentos locais na alimentação escolar, e de contratações e escolas contempladas ainda poderia ser muito maior, mas é uma abertura coletiva de caminhos para que isso aconteça.

A trajetória aqui narrada contribui para o debate sobre as potencialidades da articulação social ribeirinha, de redes como a CATRAPOA e dos trabalhos de extensão rural, indigenismo e gestão pública comprometidos com práticas participativas – sem as quais essa trajetória não teria sido possível.

Espera-se que esse levantamento facilite, provoque ou inspire a implantação participativa desta política em outras localidades, além de registrar e celebrar a evolução desse processo localmente.

 

AGRADECIMENTOS

Agradecemos à Universidade Estadual do Rio Grande do Sul e Universidade da República do Uruguai, ao Instituto de Desenvolvimento Agropecuário e Florestal Sustentável do Estado do Amazonas, ao Centro Colaborador em Alimentação e Nutrição Escolar da Universidade Federal do Amazonas, a Agência Alemã de Cooperação Internacional, à Associação Bom Jesus da Resex Arapixi, a Organização dos Povos Jamamadi e Apurinã de Boca do Acre, ao Ciclovida e a Comissão de Alimentos Tradicionais dos Povos no Amazonas. Aos colegas Irailton Mota, Thayná Ferraz e Samyr da Fundação Nacional dos Povos Indígenas e, finalmente, à minha querida rede de apoio.

Copyright (©) 2024 Isabelle Sucena Santos, Márcia dos Santos Ramos Berreta, Adriana Carla Dias Trevisan.

REFERÊNCIAS

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1 Quem nasce na cidade de Boca do Acre.

2 A Resolução 38/2009 foi substituída pela 26/2013 e pela 06/2020, ainda em vigência.

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Revista Brasileira de Agroecologia
ISSN 1980-9735

Publicação da Associação Brasileira de Agroecologia - ABA-Agroecologia em cooperação com o Programa de Pós-Graduação em Meio Ambiente e Desenvolvimento Rural - PPG-Mader, da Universidade de Brasília – UnB

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