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Brasília, v. 19, n. 2, p. 191-212, 2024

https://doi.org/10.33240/rba.v19i2.51346

Como citar: VAZ, Helder  J. et al. Sistemas agroflorestais nos municípios de Pinheiral e Piraí, RJ. Revista Brasileira de Agroecologia, v. 19, n. 2, p. 191-212, 2024.

Artigo

Sistemas agroflorestais nos municípios de Pinheiral e Piraí, RJ

Agroforestry systems in Pinheiral and Pirai, RJ

 

Helder Jacob Vaz1; Cristiana do Couto Miranda2; Alexandre De Donato3

1Especialização em Desenvolvimento Regional e Sustentabilidade, pelo Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro, Pinheiral, RJ. ORCID: https://orcid.org/0009-0003-6973-8433. E-mail: heldervaz41@gmail.com;

2Professora do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro, Campus Pinheiral; Doutora em Ciências Ambientais e Florestais pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro. Pinheiral, RJ. ORCID: https://orcid.org/0000-0003-0725-0371. E-mail: cristiana.miranda@ifrj.edu.br

3Engenheiro Agrônomo do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro, Campus Pinheiral; ORCID: https://orcid.org/0000-0002-6514-2654. E-mail: alexandre.donato@ifrj.edu.br;

 

Recebido em: 27 out 2023. Aceito em: 11 mar 2024

Resumo

A região do Médio Paraíba do Sul apresenta áreas em diferentes estágios de degradação ambiental, provenientes do histórico de uso e ocupação do solo da região. Para reverter esse quadro há a necessidade da adoção de sistemas conservacionistas de manejo do solo que sejam adaptados às condições edafoclimáticas. Nesse contexto, destacam-se os Sistemas Agroflorestais (SAFs), que agregam valor à terra aliando a conservação dos serviços ecossistêmicos à produção de alimentos. O presente trabalho objetivou mapear e classificar os Sistemas Agroflorestais (SAFs) implantados nos municípios de Pinheiral e Piraí, Rio de Janeiro. O levantamento de informações sobre SAFs foi realizado por meio de pesquisa de campo, a qual se consistiu em três etapas: (1) entrevista com informantes qualificados, (2) entrevista com os agricultores que trabalham com SAFs e (3) mapeamento dos SAFs. Como resultado, foram mapeadas 12 propriedades e a unidade experimental que trabalhavam com SAFs, entre o período de setembro e novembro de 2019. Todas as propriedades rurais identificadas corresponderam à agricultura familiar. O tipo de SAF predominante foi o Agrossilvicultural, que se caracterizou por consorciar produção agrícola com arbórea e organização espacial com destaque para os mistos adensados. Em relação a sequência temporal, 92% dos SAFs foram identificados como sistema simultâneo.

Palavras-chave: degradação ambiental, mapeamento, agroflorestas.

       

Abstract

The Médio Paraíba do Sul region presents areas in different stages of environmental degradation, resulting from the history of land use and occupation in the region. To reverse this situation, is necessary to adopt conservation soil management systems that are adapted to soil and climate conditions. In this context, Agroforestry Systems (SAFs) stand out, which add value to land by combining conservation of ecosystem services with food production. The present work aimed to map and classify the Agroforestry Systems (SAFs) implemented in the municipalities of Pinheiral and Piraí, Rio de Janeiro. The collection of information about SAFs was carried out through field research, which consisted of three stages: (1) interview with qualified informants, (2) interview with farmers who work with SAFs and (3) mapping of SAFs. As a result, 12 properties and the experimental unit that worked with SAFs were mapped, between the period of September and November 2019. All rural properties identified corresponded to family farming. The predominant type of AFS was Agroforestry, which was characterized by intercropping agricultural production with trees and spatial organization with emphasis on dense mixes. Regarding temporal sequence, 92% of SAFs were identified as simultaneous systems.

Keywords:  ambiental degradation, mapping, forests and agriculture.

 

 

       

INTRODUÇÃO       

Dentre os grandes ciclos produtivos-econômicos realizados no Brasil, a monocultura cafeeira exerceu grande influência socioeconômica no país. Apesar de sua grande importância econômica, na região do Médio Paraíba do Sul, o histórico ambiental foi caracterizado por uma notória devastação e fragmentação do Bioma Mata Atlântica. Nesse contexto, destacam-se a cafeicultura e a pecuária, que contribuíram de forma significativa para o atual cenário de áreas perturbadas e degradadas (Devide, 2014; Pereira et al., 2017).

A expansão e a intensificação da cafeicultura implicaram diretamente em subtração de cobertura vegetal nativa, representada pela Mata Atlântica. Stein, (1990), Drummond (1997) e Dean (1997), apontaram a expansão da monocultura cafeeira como o principal fator de degradação da Mata Atlântica na região do Médio Paraíba do Sul. Costa (2007) destacou, ainda, que a cafeicultura ocorreu como um modelo nômade e predatório.

O intenso uso do solo e a ausência de medidas conservacionistas, diante do relevo predominante na região, que segundo Ab’Saber (2000) é caracterizado como “mares de morros”, e condições climáticas com chuvas torrenciais em períodos bem definidos (75% das precipitações ocorrem no verão), propiciaram fortemente a ocorrência de processos erosivos como sulcos, valas erosivas, além da sua forma mais grave, na região, que são as voçorocas.

A supressão da vegetação nativa influencia diretamente no ciclo da água, na qualidade do ar, na exposição do solo e na perda da biodiversidade, entre outros serviços ecossistêmicos que são diminuídos ou extintos. O desmatamento e o mau uso do solo interferem de forma muito negativa nos ciclos biogeoquímicos causando um desserviço ambiental (Gonzaga e Hurtado, 2023).

Para reverter o atual quadro de degradação, faz-se necessária à adoção de sistemas conservacionistas de manejo do solo que sejam adaptados às condições edafoclimáticas, assim como às condições socioeconômicas e culturais dos agricultores da região. Dessa forma, destacam-se os Sistemas Agroflorestais (SAFs), que são sistemas de uso da terra nos quais espécies perenes lenhosas (árvores, arbustos, palmeiras e bambus) são intencionalmente utilizadas e manejadas em associação com cultivos agrícolas e/ou animais. Esses sistemas combinam, deliberadamente, de maneira consecutiva ou simultânea, na mesma unidade de aproveitamento da terra, espécies arbóreas perenes com cultivos agrícolas anuais e/ou animais para obter, permanentemente, uma maior produção (Felipe et al., 2023).

Os SAFs conseguem agregar valor à terra e proporcionar a conservação dos serviços ecossistêmicos, como a conservação dos recursos hídricos a partir da regulação do ciclo hidrológico (quantidade e qualidade da água), a proteção do solo contra a erosão, melhorias nas propriedades físicas do solo (compactação, umidade, porosidade), restabelecimento da ciclagem de nutrientes (fixação biológica de N) e aumento da biodiversidade (colonização, sucessão secundária) (Souza e Castilho, 2022; Seoane, 2023).

O aumento da biodiversidade proporcionado pelos SAFs é especialmente importante sob o ponto de vista fitossanitário, já que estes servem como barreira à propagação de insetos e pragas, ao mesmo tempo em que favorecem a atuação de inimigos naturais (Souza e Castilho, 2022). Já a função associada ao restabelecimento da ciclagem de nutrientes, deve-se ao acúmulo de serapilheira (camada de matéria orgânica disposta na superfície do solo em ambientes florestais) associado à maior diversidade de microrganismos e maior profundidade do sistema radicular do agroecossistema de plantios agroflorestias, o que permite um resgate de nutrientes (processo denominado ciclagem de nutrientes) em profundidades do solo que não ocorreriam em sistemas agrícolas convencionais, reduzindo a necessidade de adubação e aumentando a autonomia do sistema produtivo agrícola (Rebêlo et al., 2023).

Esses sistemas são fundamentados em consórcios de espécies agrícola, florestais e/ou animais, fazendo parte de uma estratégia importante de uso da terra voltada à qualidade de vida (socialmente justa), comercialização (economicamente viável) e aos serviços ambientais, além de serem alternativas potenciais para a restauração de áreas degradadas, uma vez que apresentam altas taxas de variabilidade genética e padrões heterogêneos de ocupação dos solos (Bolfe, 2010; Altieri, 1999).

Na vertente econômica, os SAFs são responsáveis por agregar valor aos produtos e à propriedade, ganhando destaque juntamente com a regularidade e a segurança alimentar fornecida pela diversidade de espécies, as quais produzirão em diferentes períodos, reduzindo significativamente o risco de perda total da cultura em função de algum evento climático inesperado, quando comparadas a monoculturas. Dessa forma, ocorre um aumento quantitativo e qualitativo da produção vegetal aliado à preservação e recuperação ambiental (Felipe et al., 2023).

No contexto dos municípios de Pinheiral e Piraí, região Sul Fluminense do Estado do Rio de Janeiro, onde mais de 60,56% das áreas agricultáveis são ocupadas por pastagens, muitas delas subaproveitáveis, além da presença de intensos processos erosivos, em consequência do histórico de degradação ambiental da região, ampliar conhecimentos sobre os SAFs pode ser uma estratégia fundamental para contribuir com a sinergia da recuperação de serviços ecossistêmicos e propostas de agriculturas sustentáveis (IBGE, 2017). Dessa forma, a presente pesquisa objetivou identificar, mapear e classificar os Sistemas Agroflorestais implantados nos municípios de Pinheiral e Piraí, RJ, que apresentam características de relevo, edafoclimáticas e histórico de uso do solo representativas da região do Médio Paraíba do Sul, de forma a contribuir para o uso desses sistemas na recuperação de áreas degradadas ou perturbadas, assim como melhorias dos aspectos socioeconômicos da região.

 

MATERIAIS E MÉTODOS

Área de estudo

A área de estudo corresponde aos Municípios de Pinheiral e Piraí, região Sul Fluminense do estado do Rio de Janeiro (Figura 06). O município de Pinheiral, em sua totalidade, e parcialmente, o município de Piraí, localizam-se na região hidrográfica do Médio Paraíba do Sul, que compõe a bacia hidrográfica do rio Paraíba do Sul.

O município de Pinheiral, RJ, está localizado entre as coordenadas geográficas, 22º31’12” Sul e 43º59’48” Oeste; com população de 24.298 habitantes. Esse município possui área de 82,254 km², e a utilização das áreas dos estabelecimentos agropecuários estão distribuídos da seguinte forma: 6,9 % são utilizados com lavouras, 59,4 % são pastagens, 33,24 %, matas ou florestas, sendo APP ou RL, e 0,4% são Sistemas Agroflorestais (IBGE, 2022; IBGE, 2017). Possui clima subtropical úmido, com inverno seco e verão quente com classificação Cwa, temperatura média de 21ºC e pluviosidade de 1331 mm (CEIVAP, 2017).

O município de Piraí, RJ, está localizado entre as coordenadas geográficas, latitude 22º38’1” Sul e 43º54’17” Oeste; com população de 27.474 habitantes. A área do município corresponde a 490,255 km², e a utilização de suas terras está distribuída da seguinte maneira: 7,2% são utilizadas com lavouras, 60,8 % são pastagens, 26,8% são matas ou florestas, sendo 23,8 % destinados a APP ou RL, e 5,2% são Sistemas Agroflorestais. Possui clima quente e temperado com classificação Cfa, temperatura média de 21,2ºC e pluviosidade de 1362 mm (IBGE, 2022; IBGE 2017).

A área de estudo está inserida no Bioma Mata Atlântica, com predominância de Florestas Ombrófilas Densas e Florestas Estacionais Semideciduais (AGEVAP, 2013). Os fragmentos florestais remanescentes mais expressivos estão localizados nas regiões de altas declividades, pois nas áreas baixas predominam monoculturas, pastagens, capoeiras e vegetações menos expressivas (AGEVAP, 2013). De acordo com os dados do IBGE (2017), na área de estudo, pode-se verificar que o uso do solo com lavoura e pastagens representa cerca de 67,7 %, enquanto as matas e florestas representam 27,8%.

O relevo predominante nesses municípios é o de mares de morros, formado por topos arredondados ou alongados, gradiente de vertente médio a elevado. Os mares de morros apresentam sua morfologia do relevo, o predomínio de vertentes convexo-convexas e convexo-côncavas intensamente atingidas por erosões (AGEVAP, 2013). Estas áreas possuem alta densidade de drenagem e padrões de drenagem variável (dendrítico a treliça ou retangular). Os relevos de morros podem favorecer o aparecimento de movimentos de massa, particularmente em áreas onde ocorrem intervenções humanas, como a construção de loteamentos e a abertura de estradas (AGEVAP, 2014).

Segundo a AGEVAP (2014), os solos apresentam conjuntos pedológicos diferentes conforme sua posição no relevo. Nas elevações, dominam os Latossolos Vermelho- Amarelos, Cambissolos Háplicos Tb distróficos típicos e também Cambissolos Háplicos Tb distróficos latossólicos, enquanto os fundos de vale apresentam, nos terraços, Argissolos de textura muito argilosa, sendo os leitos maiores constituídos por solos aluviais de textura geralmente fina, algumas vezes em associação com Neossolos Flúvicos, Neossolos Flúvicos distróficos gleicos, Gleissolos Háplicos Tb distróficos típicos.

Metodologia

A presente pesquisa possui natureza aplicada, abordagem baseada em aspectos quali-quantitativos e objetivo exploratório, conforme Gil (2002). O levantamento de informações sobre SAFs, em ambos os municípios em estudo, foi realizado por meio da pesquisa de campo. A pesquisa de campo consistiu em três etapas: (1) entrevista com informantes qualificados, (2) entrevista com os agricultores que trabalham com SAFs e (3) mapeamento dos SAFs.

Para identificar a localização dos SAFs presentes nos municípios de Pinheiral e Piraí, e dos agricultores que trabalhavam com esses sistemas, foram realizadas entrevistas com 12 informantes qualificados, que incluíram as Secretarias de Meio Ambiente, Agricultura e Habitação, a EMATER, o IFRJ, associações e feiras livres, com auxílio de um questionário semiestruturado 1.  

A partir da identificação dos agricultores foram realizadas visitas às propriedades rurais dos municípios de Pinheiral e Piraí, RJ, para caracterização dos SAFs, entre o período de setembro e novembro de 2019. Essa segunda etapa foi realizada a partir das entrevistas feitas com os agricultores, com o auxílio de um questionário semiestruturado 2. As características do levantamento foram relacionadas ao tamanho da propriedade e do SAF, objetivo e idade dos SAFs, dificuldades de implantação, motivação, assistência técnica, tipos de espécies cultivadas e mão de obra utilizada. Tais informações estão relacionadas às questões ambientais, socioeconômicas e culturais.

Os tipos de SAFs foram classificados em relação aos componentes estruturais ou funcionais.  Nesse contexto, considerou-se os tipos descritos por Abdo et al. (2008), que os classifica como agrossilvicultura (onde espécies florestais e culturas agrícolas são cultivadas); silvipastoril (onde estão presentes espécies florestais e forrageiras para alimentação animal, ou espécies florestais, forrageiras e animais) e agrossilvipastoril (onde têm-se espécies florestais, culturas agrícolas e forrageiras para alimentação animal).

Além dessa classificação principal, os SAFs também foram classificados considerando a organização espacial (configuração/layout da disposição das espécies na área), a sequência temporal e segundo critérios ecológicos ou econômicos, conforme Abdo et al. (2008).De acordo com esses autores, considerando o arranjo espacial, os SAFs podem ser classificados como sistemas mistos adensados, como quintais caseiros; mistos de baixa densidade, como os sistemas agrissilvipastoris; em faixas ou contínuos ou ainda ao acaso. Em relação a disposição das espécies no tempo (sequência temporal), os SAFs podem ser sequenciais (ocorrem de forma que haja um intervalo de tempo entre a colheita da primeira cultura e a semeadura da cultura subsequentes) ou simultâneos (nos quais ocorrem duas culturas com a mesma época de plantio e colheita, denominados SAFs coincidentes, ou quando ocorrem culturas de mesma época de semeadura e épocas diferentes de colheita, denominados concomitantes). Por fim, os SAFs também foram classificados segundo critérios ecológicos (SAF protecionista) ou critérios econômicos (SAF produtivo) Santos (2000) e Abdo et al. (2008).

Todas as classificações foram realizadas a partir das informações coletadas nas entrevistas realizadas com os informantes qualificados e com agricultores entrevistados, assim como por observação in loco, considerando-se as definições de Dias Filho et al. (2023), Abdo et al. (2008) e May e Trovatto (2008). Os dados coletados foram digitados e analisados em planilhas do Excel.

Para georreferenciar os SAFs identificados, terceira etapa da pesquisa de campo, foram realizadas coletas de pontos de coordenadas geográficas, com auxílio do GPS de navegação Garmin e Trex 10, durante as visitas às propriedades rurais, cujos agricultores foram entrevistados. Esses dados foram utilizados para a confecção de um mapa temático de distribuição e localização das propriedades rurais com SAFs nos municípios, e para agregar informações sobre os tipos de SAFs identificados. Para o mapeamento dos SAFs, foi utilizada a geotecnologia do Software computacional QGIS na versão 2.18, Datum SIRGAS 2000, onde fica evidenciada a localização e definição da área de estudos, bem como os gradientes de incidência dos tipos de SAFs através de mapas temáticos.

 RESULTADOS E DISCUSSÃO

A partir das entrevistas com os informantes qualificados, foram identificadas um total de 15 propriedades rurais e uma unidade experimental do IFRJ – Campus Pinheiral, que trabalhavam com SAFs no período analisado, nos municípios de Pinheiral e Piraí. Dessas, 12 propriedades e a unidade experimental foram visitadas, georreferenciadas e mapeadas conforme Figura 1 e Tabela 1. Um produtor identificado manifestou o direito de não participar, e dois não foram encontrados em suas propriedades nas três tentativas de contato (propriedades sem moradores frequentes).

Figura 1. Localização das propriedades rurais que possuem Sistemas Agroflorestais, municípios de Pinheiral e Piraí, RJ.

Fonte: Elaborado pelo autor.

 

 

Tabela 1. Coordenadas geográficas, municípios de localização e classificação dos Sistemas Agroflorestais das propriedades rurais dos Municípios de Pinheiral e Piraí, RJ.

Propriedades

Coordenadas geográficas

Município

Tipo de SAFs

1

603059 m E, 7507075 m S

Pinheiral

Agrossilvicultura

2

604226 m E, 7506751 m S

Pinheiral

Agrossilvicultura

3

602476 m E, 7506982 m S

Pinheiral

Agrossilvicultura

4

601762 m E, 7505878 m S

Pinheiral

Agrossilvicultura

5

601738 m E, 7506751 m S

Pinheiral

Agrossilvicultura

6

611118 m E, 7503157 m S

Piraí

Agrossilvicultura

7

611067 m E, 7503157 m S

Piraí

Agrossilvicultura

8

610 231 m E, 7502433 m S

Piraí

Agrossilvicultura

9

609823 m E, 7500215 m S

Piraí

Agrossilvicultura

10

610676 m E, 7498056 m S

Piraí

Agrossilvicultura

11

601729 m E, 7504502 m S

Pinheiral

Agrossilvicultura

12

601917 m E, 7506610 m S

Pinheiral

Agrossilvicultura

13

603287 m E, 7508569 m S

Pinheiral

Agrossilvicultura

Fonte: Elaborado pelo autor

 

Foi verificado que 83% das instituições não possuíam cadastro de propriedades rurais. As informações disponíveis são parciais e oriundas de levantamentos, ainda em andamento, por parte das instituições. Dessa forma, foi possível verificar que as instituições entrevistadas ainda possuem poucas informações formalizadas sobre propriedades rurais que trabalham com Sistemas Agroflorestais nos municípios. De acordo com a Secretaria Municipal de Habitação de Pinheiral, o município estava passando por um processo de regularização fundiária, no qual os limites entre meio rural e urbano ainda não estavam bem definidos. Isso, por sua vez, dificulta o cadastro das propriedades rurais e fomenta as especulações imobiliárias.

No município de Pinheiral, as informações mais detalhadas estão relacionadas aos produtores orgânicos. Segundo a EMATER, o município possuía 17 produtores orgânicos, no período da entrevista, dentre os quais sete trabalhavam com SAFs. Para o município de Piraí, os resultados das entrevistas demonstraram que as propriedades rurais que trabalham com SAFs estão localizadas em assentamento agrário e que dentre os desafios para escoamento das suas produções está o precário acesso ao assentamento, que é feito através de vias vicinais de terra batida de difícil acesso, apesar do município ser cortado pela principal rodovia do país (Rodovia Presidente Dutra).

A caracterização dos SAFs, a partir das entrevistas com os agricultores, demonstrou que os SAFs apresentam idades que variam entre dois e 35 anos (Figura 2). Os SAFs mais antigos podem ter passado por transições entre tipos de SAFs ou transição de um sistema agrícola não florestal para o SAF. Um exemplo disso são mudanças de quintal agroflorestal para um SAF mais complexo.

 

Figura 2. Idades dos SAFs das propriedades rurais dos municípios de Pinheiral e Piraí, RJ.

Fonte: Elaborado pelo autor.

 

O SAF 13 representa uma unidade experimental situada no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro (IFRJ), Campus Pinheiral, mais precisamente no Laboratório Espaço Ecológico Educativo (EEcoE), que possui uma área de 37 ha. Esse laboratório tem como objetivo o ensino, a pesquisa e a extensão, envolvendo as temáticas de ecologia, conservação e restauração florestal, divulgação científica e educação ambiental. Este SAF foi implantado em dezembro de 2015, compreendendo uma área total de 0,2 ha que, anteriormente, era uma pastagem perturbada. O foco dessa unidade experimental é ampliar os conhecimentos sobre o uso de SAFs na recuperação de mata ciliar, especialmente para atender as necessidades de adequação ambiental e restauração de serviços ecossistêmicos de áreas de preservação permanente (APPs) de mata ciliar, associados às demandas socioeconômicas da agricultura familiar na região do Médio Paraíba do Sul.

Os demais SAFs (1 ao 12) foram identificados em propriedades rurais. Todas essas propriedades visitadas possuem áreas que variam de 0,7 ha a 30 ha, que corresponde a uma variação de 0,04 a 1,87 módulos fiscais, respectivamente (Figura 3). Essa conversão foi realizada considerando que, para os municípios de Pinheiral e Piraí, um módulo fiscal compreende 16 ha (EMBRAPA, 2023). Nesse contexto, essas propriedades podem ser classificadas como pequenas propriedades rurais, conforme definição prevista na Lei nº 8.629/1993 (art. 4), alterada pela Lei nº 13.465/2017 (Brasil, 1993; Landau et al., 2012). Essa lei classifica como pequenas propriedades imóveis de área compreendida entre um até quatro módulos fiscais.

Esses dados demonstram que os SAFs estão relacionados às pequenas propriedades e, de acordo com as entrevistas, 100% dos entrevistados utilizam a mão de obra basicamente familiar e raramente contratam mão de obra externa quando alguma atividade demanda. Esses  dados demonstram que 100% das propriedades visitadas podem ser classificadas como agricultura familiar, considerando que contemplam os parâmetros estabelecidos pela Lei nº 11.326/2006, em seu art. 3º (BRASIL, 2006), para definição de agricultor familiar, sendo eles: I – não detenha, a qualquer título, área maior do que 4 (quatro) módulos fiscais; II – utilize predominantemente mão de obra da própria família nas atividades econômicas do seu estabelecimento ou empreendimento; III – tenha percentual mínimo da renda familiar originada de atividades econômicas do seu estabelecimento ou empreendimento, na forma definida pelo Poder Executivo;  e IV – dirija seu estabelecimento ou empreendimento com sua família.

De acordo com as entrevistas, 76,92% dos agricultores utilizam menos da metade das áreas das propriedades com SAFs (Figura 3). Apenas uma propriedade rural destacou-se com a elevada porcentagem de utilização da área para SAFs, que foi a propriedade 6. Nela, 99,33% da área é destinada a produção por meio de SAF.

Em relação à motivação para a implantação dos SAFs, os agricultores relataram sobre a preocupação com o meio ambiente e a sua preservação, assim como sobre a produção de alimentos mais saudáveis, conforme frases relatadas: “produzir sem destruir”; “ideia de  ‘preservação’”; “produção agroecológica, redução da força de trabalho”; “produzir sem desmatar, aplicar o que eu aprendi nos cursos”; “produção saudável e conservação ambiental”.

Figura 3. Área total das propriedades rurais em hectares, área de cobertura dos seus sistemas agroflorestais (SAFs) e porcentagem dos SAFs, Pinheiral e Piraí,RJ.

Fonte: Elaborado pelo autor.

 

De acordo com Camargo Neto et al. (2022), para o êxito do SAF é fundamental a realização de atividades inerentes ao estudo prévio para preparo da área, manutenção, colheita e comercialização, preço de venda e produtividade. Isso foi feito na unidade experimental (13), onde foi realizado um estudo prévio para a implantação desse SAF, incluindo a análise das propriedades físico-químicas do solo e suas devidas correções, além do levantamento prévio das espécies que seriam implantadas. Estas espécies foram selecionadas com base na ecologia das espécies e adaptação à área de mata ciliar, assim como o potencial socioeconômico (apicultura, alimentação, medicinal, artesanal, entre outros) das mesmas, considerando a Resolução INEA nº 134/2016, que estabelece o uso não madeireiro na APP de Mata Ciliar. Todo o procedimento foi realizado por pesquisadores do IFRJ– Campus Pinheiral em parceria com a Embrapa Agrobiologia, com fomento do Programa Prociências/IFRJ e parceria com o projeto de Agroecologia – Chamada MCTI/MAPA/CNPq n2/2016 (Miranda et al., 2017).

Para esse projeto, foram utilizadas 15 espécies florestais, sendo 10 de preenchimento e cinco de diversidade (Miranda et al., 2017). As espécies agrícolas implantadas foram inhame, taioba e bananeira, além do feijão de porco, que foram selecionadas a partir da sua adaptação na área e por indicação dos agricultores da região. Nos primeiros anos da pesquisa, já foram observados benefícios, como o potencial socioeconômico dos SAFs.  Segundo esse autor, o qual relata que as espécies agrícolas utilizadas (taioba e inhame) atingem o ponto de colheita aos 3 e 9 meses, respectivamente, gerando receita de R$ 1810,50 por hectare para o inhame e R$ 1600,00 por hectare para a taioba, considerando-se valores de mercado. Fator que, aliado à utilização da mão de obra familiar, pode reduzir os custos da implantação do SAF. Ao longo dos anos, as espécies florestais passarão a integrar essa geração de renda associada aos benefícios ambientais. Nesse projeto não foi inserido o elemento pecuário, sendo este SAF classificado estruturalmente como Agrossilvicultural, organizado espacialmente de forma mista de baixa intensidade e de forma sequencial (Tabela 2).

Já na pesquisa com os agricultores, verificou-se que, nas propriedades visitadas, 75% dos SAFs implantados não passaram por nenhum estudo prévio, sendo atribuído aos conhecimentos locais a sua implantação. Os demais 25% dos agricultores realizaram algum tipo de estudo e declararam ter recebido apoio de alguns órgãos como a Emater, o Instituto Federal do Rio de Janeiro – Campus Pinheiral ou da Secretaria de Meio Ambiente. Isso evidencia a dificuldade da assistência técnica na região e a predominância e importância dos conhecimentos locais e populares para auxiliar na implantação dos SAFs, uma vez que declararam aliar o saber próprio com o externo recebido.

Em relação à inserção das propriedades em algum programa governamental, todos os agricultores entrevistados no município de Pinheiral receberam ações de educação aliadas à inclusão no Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), que oferece alimentação escolar para crianças e jovens de todas as etapas da rede de educação básica pública, atendendo às escolas do município e até de municípios vizinhos. Isso pode ser atribuído à Lei nº 11.947, de 16/06/2009, a qual prevê que, no mínimo, 30% do valor repassado pelo FNDE para execução do PNAE deve ser investido na compra direta de produtos da agricultura familiar, medida que estimula o desenvolvimento e fortalecimento econômico e sustentável das comunidades.

Foi mencionado por um único produtor a participação no Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), criado pela Lei nº 10.696 de 02 de julho de 2003, em seu art.19, no âmbito do Programa Fome Zero e alterada pela Lei nº 12.512 de 14 de outubro de 2011, com duas finalidades básicas: promover o acesso a alimentação e incentivar a agricultura familiar.

No município de Piraí os produtores não estavam inseridos individualmente em programas governamentais no período da pesquisa. Eles comercializavam seus produtos através de cooperativa ou participando de feiras livres (locais ou na cidade do Rio de Janeiro) e de comércio de cestas agroecológicas. Também foi mencionado por dois agricultores o programa Rio Rural, que foi implantado pela Secretaria de Agricultura e Pecuária do Estado do Rio de Janeiro (SEAPEC), através da Superintendência de Desenvolvimento Sustentável (SDS). Esse programa, financiado pelo Banco Mundial, incentivava a adoção de práticas sustentáveis e técnicas produtivas mais eficientes e ambientalmente adequadas, sendo a implantação de SAFs uma das práticas mais incentivadas, visando o desenvolvimento sustentável e o fortalecimento da agricultura familiar.

Em relação à assistência técnica, foi verificado que 75% das propriedades recebem assistência da EMATER, e de forma mais esporádica, recebem apoio da Secretaria de Meio Ambiente e do IFRJ – Campus Pinheiral. Dois produtores relataram não receber apoio nenhum. Cabe ressaltar que essas orientações são esporádicas, não fazendo parte de nenhuma agenda ou planilha de controle predeterminada pelas partes envolvidas.

Os agricultores que responderam ter assistência técnica, reportaram algumas dificuldades. Segundo eles, a assistência apresenta problema, seja pela demora das visitas técnicas ou pela ausência da disponibilização de maquinários. Eles relataram ainda que, na maioria das vezes, essa assistência técnica é atrelada a questões político-partidárias, o que dificulta a ampliação ou mesmo a manutenção da área de produção.

Quando perguntados sobre os desafios na implantação dos SAFs, os agricultores destacaram as dificuldades financeiras para a implantação do sistema, falta de mão de obra, ausência de informações sobre SAFs, dificuldade de assistência técnica e de escoamento da produção e a necessidade de conquistar a posse da terra, conforme declarações durante as entrevistas: “Começamos do zero, nem estrada tinha”; “A gente vai tentanto por iniciativa própria, não tem muita informação sobre SAFs”; Apesar da mão de obra ser basicamente familiar, algumas atividades demandam maior esforço e tempo; “Quando precisamos de reforço na mão de obra não encontramos”.

Dificuldades como as abordadas pelos agricultores entrevistados corroboram o estudo desenvolvido por Ventura et al. (2017), que ressalta que os grandes desafios para a implantação dos SAFs estão restritos aos altos custos iniciais, qualificação, utilização de espécies adequadas por região e a periodicidade dos manejos.

Nos assentamentos no município de Piraí, quando a necessidade de mão de obra aumenta, os assentados fazem um sistema de rodízio de acordo com a necessidade, onde todos trabalham em uma propriedade por vez, até todas as propriedades serem contempladas. Para o CETAP, Centro de Tecnologia Alternativa Popular, isso representa uma troca de experiências, uma forma coletiva de intercâmbio e de geração de conhecimento que diminui os riscos de erros e potencializa o poder de replicação a proposta de trabalhos com SAFs.

Em relação as espécies cultivadas nos SAFs, os agricultores relataram que as hortaliças se destacam e, juntamente com as raízes, os grãos e as leguminosas, chegaram a 70% das espécies cultivadas na área. Os outros 30% foram distribuídos entre frutas, sendo que estes são os representantes lenhosos, perenes arbóreos ou arbustivos do SAF.

Dos produtores entrevistados, 91,6% vêm de bases agroecológicas e/ou de boas práticas agrícolas, sendo suas atividades norteadas para o cultivo de espécies de ciclo curto, como as hortaliças, visando uma maior movimentação no fluxo de caixa. Dessa forma, há um aporte financeiro semanal que é alimentado através de feiras livres e vendas diretas, não se limitando à sazonalidade de culturas de médios e longos ciclos.

Em relação a classificação dos SAFs, avaliados por meio das entrevistas e da observação in loco, e considerando os componentes estruturais ou funcionais, o tipo de SAF que dominou em 100% das propriedades entrevistadas corresponde ao Agrossilvicultural, consórcio que envolve produção agrícola com o elemento arbóreo ou arbustivo (Tabela   1).

Não foi observada a presença de pecuária em nenhum dos SAFs analisados, mas 33,3% das propriedades apresentaram avicultura associada (pequenos galinheiros), que era destinada, principalmente, para o autoconsumo de ovos. Tanques ou pequenos lagos para a criação de peixes mostraram-se presentes em 25% das propriedades, em sua maioria da espécie Tilápia (Oreochromis niloticus), que são comercializadas esporadicamente de forma direta, associada à fins recreativos, em sistemas conhecidos como “pesque-e-pague”.

Em relação à organização espacial dos SAFs, foi verificada uma variação entre propriedades, com um pequeno destaque para os sistemas mistos adensados, que totalizaram 38% das propriedades rurais visitadas nos municípios de Pinheiral – RJ e Piraí – RJ, enquanto os sistemas mistos de baixa intensidade e ao acaso totalizaram, ambos, 31%.  Essa organização espacial está relacionada com o número de indivíduos por unidades de área, ou seja, o espaçamento entre esses indivíduos pode ser determinante para o estabelecimento da própria espécie, assim como das outras espécies implantadas, sendo fundamental para o sucesso do consórcio. Esses sistemas são muito característicos dos chamados quintais caseiros ou quintais agroflorestais, que são considerados uma prática antiga entre povos tradicionais (Abdo et al., 2008; Trevisan et al., 2019).

Em relação à sequência temporal dos SAFs, o sistema simultâneo predominou com 92% dos entrevistados. Apesar de não ter sido alvo de análise mais profunda, esse percentual pode caracterizar uma preferência dos produtores em trabalhar várias espécies com características semelhantes de semeadura, manejo e colheita. Isso pode estar relacionado com a necessidade de uma maior variedade de espécies em um mesmo tempo, a fim de atender às demandas de feiras semanais que, conforme já mencionado, são um dos destinos principais da produção da maioria dos produtores. Já os 8% representantes dos sistemas sequênciais, exigem um intervalo de tempo entre a colheita de uma cultura e a semeadura da cultura subsequente caracterizando um sistema de pousio.

Os dois municípios que compõe a área de estudo possuem características muito similares no que diz respeito ao histórico ambiental, justificado por serem municípios limítrofes e que há pouco tempo (até 1997) constituíam um único município. Tais similaridades, aliadas à leitura da paisagem atual e condições socioeconômicas, demonstram a necessidade de pensar a implantação de sistemas alternativos de produção, como os SAFs.

Apesar das similaridades entre os municípios, pode-se observar algumas diferenças entre os sistemas de produção deles, como a idade dos SAFs. No município de Pinheiral, eles são mais velhos, o que pode estar associado à transição, ou comunhão, da produção orgânica para o SAF ou com o SAF. No município de Piraí, os SAFs são mais novos, o que também pode ser associado à sua origem, pois tiveram início dentro de assentamentos, os quais são mais recentes, tendo sido fundados no ano de 2006.

Segundo Santos (2000), os SAFs também podem ser classificados segundo critérios ecológicos (SAF protecionista) ou critérios econômicos (SAF produtivo). Apesar de toda preocupação ambiental envolvida nos processos de produção, os SAFs encontrados na área de estudo são manejados com o objetivo de atender uma demanda econômica (SAFs produtivos). Apenas o SAF 13, foi pensando com o objetivo de recuperação de APP de mata ciliar, mas também associado a uma demanda socioeconômica da região, tendo prioridade o objetivo restaurador ou recuperador (SAFs protecionistas).

Os benefícios obtidos com a implantação dos SAFs são vários, sob os pontos de vista ambiental, social, econômico e cultural (Franke et al., 2000). Segundo a FAO (2022), os SAFs possuem uma grande importância socioeconômica, considerando a sua relação com o pequeno produtor e sua fixação no campo, já que representa um meio de produção alternativo.

Os agricultores do assentamento destacaram que a produção agroecológica, por meio de SAFs, proporciona a melhor qualidade de vida, tanto para eles como para os consumidores. Eles enfatizaram diversos benefícios dos SAFs, tais como: alimentação mais saudável (livre de agrotóxicos), melhor retorno econômico, melhoria e conservação do solo, dentre outros, conforme relatos a seguir: “A satisfação pessoal, qualidade de vida e geração de renda”; “produção saudável e qualidade de vida”; “preservação ambiental aliada à qualidade de vida”; “produzir alimento limpo, juntamente com a consciência”; “benefícios ambientais e melhora de produção, melhora a terra e diminui pragas”.

Esses sistemas representam uma alternativa para os agricultores resistentes ao modelo agroalimentar dominante atualmente que, segundo Leff (2004), nega a natureza como fonte de riqueza, suporte de significações sociais e raiz da coevolução ecológico-cultural. Silva (2013) destaca a necessidade de fundamentar novas ações de conscientização para práticas produtivas, frente à diversificação e constância da degradação dos recursos naturais. Nesse sentido, Felipe (2023) friza a importância do apoio e do fortalecimento de atividades agroflorestais em todas as regiões do Brasil, uma vez que estas iniciativas fortalecem a reciprocidade entre consumidores urbanos e a produção agroflorestal, contribuindo para avanços na soberania alimentar e resiliência socioambiental, uma vez que o agronegócio não tem se mostrado capaz de solucionar problemas ambientais e sociais graves. Essa nova racionalidade passa pela questão da reapropriação, reinserção e territorialidades, relacionados com os atores-chave, onde o agricultor familiar e os povos tradicionais, juntamente com a alternativa dos SAFs, ganham papel de destaque e já são definidos como prioridade em algumas políticas públicas e programas como: Plano ABC, plano nNacional para a consolidação de uma economia de baixa emissão de carbono na agricultura e Programa Rio Rural, o PLANAPO (Plano Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica) e o PRONAF (Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar).  

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente estudo demonstrou que todas as propriedades rurais com SAFs, identificadas e mapeadas nos municípios de Pinheiral e Piraí, RJ, correspondem à agricultura familiar. No município de Pinheiral, no período de estudo, elas estavam localizadas em propriedades com certificação de produção orgânica e em Piraí, relacionam-se aos assentamentos agrários.

No município de Pinheiral, a inserção no programa PNAE representou segurança para os agricultores através de contratos firmados e destinação assegurada de parte da produção. Enquanto em Piraí, evidenciou-se um caráter subsistencial com comercialização de excedentes. Apesar de toda preocupação com a temática ambiental, predominaram os SAFs com fins econômicos, além de restauradores ou recuperadores.

A identificação, mapeamento e caracterização da atual situação dos SAFs nos municípios de Pinheiral e Piraí podem subsidiar programas que incluam sistemas alternativos de produção como foco, propostos por instituições municipais e estaduais relacionadas à agricultura; assim como embasar a elaboração de políticas públicas de incentivo para implantação e ampliação de SAFs na região do Médio Paraíba do Sul.

Destacou-se a importância da implantação de um SAF dentro de uma Instituição de Ensino Pesquisa e Extensão (o IFRJ), de forma a ampliar conhecimentos sobre esse sistema alternativo de produção, sustentável socioeconomicamente, e com potencial de restauração de áreas de preservação permanente. Essa unidade experimental pode servir de referência na difusão de conhecimentos, recomendações de implantação e melhoria da relação agricultor versus instituições, estreitando os laços do intercâmbio de saberes.

 

Copyright (©) 2024 Helder Jacob Vaz; Cristiana do Couto Miranda; Alexandre De Donato

 

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Revista Brasileira de Agroecologia
ISSN 1980-9735

Publicação da Associação Brasileira de Agroecologia - ABA-Agroecologia em cooperação com o Programa de Pós-Graduação em Meio Ambiente e Desenvolvimento Rural - PPG-Mader, da Universidade de Brasília – UnB

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