Typesetting
Mon, 06 Dec 2021 in Linhas Críticas
Prática docente voluntária no contexto da pandemia: o ensino médio na Bahia
Resumo
Este artigo tem como objetivo apresentar resultados de pesquisa sobre a prática docente voluntária, no ensino médio, no contexto da Pandemia, na cidade de Vitória da Conquista, Bahia. Foi utilizado um questionário semiestruturado, com onze profissionais, e a Análise de Conteúdo. Os resultados apontaram para a desigualdade, no que tange ao acesso e a forma de lidar com as tecnologias. A formação continuada foi entendida como necessária para a atuação docente, em condições adversas, nas modalidades de ensino, remoto e presencial. Por fim, a sala de aula presencial reafirma-se como espaço de interação, fundamental, na relação entre os estudantes, os professores e a família.
Main Text
Introdução
Este artigo tem como objetivo apresentar resultados de pesquisa sobre a prática docente voluntária no ensino médio, no contexto da Pandemia, na cidade de Vitória da Conquista, Bahia. Trata-se de uma pesquisa em rede de colaboração, entre pesquisadores da Fundação Joaquim Nabuco (Fundaj), Estado de Pernambuco, e docentes da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB), do Grupo de Estudo e Pesquisas em Práticas Curriculares e Educativas (GEPPCE). A pesquisa núcleo intitulada “Educação no Contexto da covid-19 em Pernambuco: o ensino médio em questão” tem como objetivo estudar a política da Secretaria Estadual de Educação de Pernambuco para as escolas de ensino médio a partir das ações voltadas para as atividades escolares no modo remoto (síncronas e assíncronas) e no modelo de ensino híbrido, no contexto da crise sanitária da covid-19. Adequamos tal objetivo para o contexto da cidade de Vitória da Conquista, na Bahia, como campo de análise para este artigo. Escolhemos essa localidade por tratar-se da terceira maior cidade da Bahia e registra, também, um grande polo de formação docente com atuação na educação básica na região sudoeste do Estado.
Na Bahia, o governador regulamentou as medidas temporárias para o enfrentamento da emergência de saúde pública do coronavírus e definiu que “as atividades letivas, nas unidades de ensino, públicas e particulares, a serem compensadas nos dias reservados para os recessos futuros” (Bahia, 2020a, s.p.) em alguns municípios do Estado. Em face do referido documento, o Conselho Estadual de Educação (CEE) da Bahia, por meio da Resolução CEE nº 27, de 25 de março de 2020 (Bahia, 2020b, s.p.):
Dentre as orientações consta no Art. 9º que:
O estado baiano planejou a revisão dos currículos e projetos pedagógicos, em adequação ao novo ensino médio, para o ano de 2020. No entanto, com a chegada da pandemia, essa implementação foi adiada nas escolas-piloto, eleitas pela Secretaria de Educação da Bahia (SEC) para testarem a arquitetura curricular prevista pelo Documento Curricular Referencial da Bahia (DCRB), que tiveram de se adequar ao modelo remoto. Conforme indica Silva (2018), desde a aprovação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) (Brasil, 1996), o ensino médio vem passando por um processo de intensa disputa sobre sua finalidade e a definição do seu público. A experiência da pandemia e os seus efeitos no acesso dos estudantes do ensino médio a ambientes virtuais de aprendizagem vieram reforçar as desigualdades já presentes no ensino médio baiano. Nesse contexto, algumas unidades escolares resolvem, de forma voluntária, desenvolver atividades remotas, cujas razões apresentaremos na sequência do texto, no item em que caracterizamos os professores.
A expressão “prática docente”, neste trabalho, é adotada como o papel do professor em sua aula, sua forma de conduzir a prática pedagógica, que se caracteriza pela intencionalidade e planejamentos da ação. No contexto da pandemia, nos contornos de um “trabalho voluntário”, pretende-se, aqui, caracterizá-lo, via escuta de professores que, até então, não tinham experiência com aulas remotas e seguiram sem nenhum tipo treinamento, ministrando aula em suas casas, ocasionando em limites de privacidade na relação entre professores e estudantes, revelando efeitos danosos da pandemia, no sentido de insuflar, ainda mais, a precarização do trabalho professoral e sua desvalorização social. A expressão “trabalho voluntário” foi assim denominada, por se tratar de um trabalho realizado em um contexto pandêmico, em que não havia obrigatoriedade da atividade docente, tendo em vista a suspensão das aulas presenciais, conforme apresentado acima. Vale ressaltar que são professores da Rede Estadual de ensino da Bahia, entre os quais 90,9% são concursados, regime estatutário, e 9,1% têm contrato temporário na modalidade de Processo Seletivo Simplificado para contratação de pessoal, por tempo determinado, em Regime Especial de Direito Administrativo (REDA).
Metodologia
Trata-se de uma pesquisa quali-quantitativa em que se busca analisar a prática docente desenvolvida no contexto da pandemia. Quantitativa na medida em que se buscou mapear, em termos estatísticos, a prática desenvolvida no contexto da pandemia e qualitativa, por se buscar o que pensam os professores sobre a prática desenvolvida no contexto mencionado (Alves-Mazzotti & Gewandsznajder, 2001). Trata-se de um estudo de caso, que se caracteriza “estudar algo singular, que tem um valor em si mesmo” (Ludke & André, 1986, p. 17, como citado em Amado & Freire, 2017, p. 124). Nesse sentido, o estudo da prática docente voluntária na Bahia é um caso singular, cuja palavra “voluntária” é uma categoria encontrada no campo empírico, conforme explicitamos acima. Acrescenta-se a essa singularidade o objetivo do investigador que “[…] vai para além do conhecimento desse valor intrínseco do caso, visando conceitualizar, comparar, construir hipóteses ou mesmo teorizar; contudo, o ponto de partida desses processos é a compreensão da particularidade do caso ou dos casos em estudo” (Amado & Freire, 2017, p. 124). Por se tratar de uma pesquisa em rede de colaboração, o que se pretende é compreender as configurações da prática docente no contexto da pandemia, nas suas singularidades, em Pernambuco e na Bahia, conceituá-las e teorizá-las.
Foi utilizado um questionário semiestruturado, com questões abertas e fechadas, com o objetivo de compreender a prática docente voluntária realizada pelos professores. A escolha, por este tipo de questionário, se deveu ao fato de pretender acionar as dimensões, coletiva e individual, da prática docente realizada.
Participaram da pesquisa 11 (onze) profissionais, sendo 10 (dez) do sexo feminino e 01 (um) do sexo masculino, do Núcleo Territorial de Educação (NTE)[1], NTE-20, do Estado da Bahia.
Para a análise dos dados, foi utilizada a Análise de Conteúdo, caracterizada pela fragmentação do conteúdo manifesto e por ser um conjunto de técnicas de análise das comunicações, marcada pelo uso de procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens (Bardin, 1977). Desse modo, o desenho da investigação começa pela escolha da categoria a priori “Prática docente voluntária no contexto da Pandemia” para nortear a análise dos dados, por entendê-la como uma categoria aglutinadora do conjunto das respostas às questões fechadas e abertas de modo a mapear a variedade das condutas pedagógicas praticadas nesse contexto e tipificá-las com base em aportes teóricos que permitiriam sua leitura. Os dados obtidos pelas questões fechadas foram organizados em gráficos e os dados oriundos das questões abertas foram organizados em torno da frase, escolhida como menor unidade de sentido (Amado et al., 2017). A Análise de conteúdo dos dados quantitativos e qualitativos teve como horizonte a busca do significado latente de todas as respostas.
A partir do dito, começa-se a proceder uma leitura flutuante vertical dos dados (leitura individual de cada questionário) em busca de possíveis indicadores e, em seguida, a leitura horizontal (comparação entre os dados de cada questionário), em busca de indicadores que permitissem revelar a “Prática docente voluntária no contexto da Pandemia”. Os indicadores (sentidos próximos ao que foi dito pelos informantes) permitiram a realização de inferências interpretativas e apontaram para a seguinte organização lógica de apresentação dos resultados: caracterização dos professores participantes da pesquisa e condições e acontecimento da prática docente.
Prática docente voluntária no contexto da pandemia: sobre os professores participantes da pesquisa
Os dados mostraram que, no que concerne ao contexto socioprofissional dos pesquisados, 90,9% dos entrevistados trabalham em Escola Regular e 9,1% em Escolas Técnicas Estaduais. A maioria está na faixa etária acima de 50 anos, perfazendo um total de 54,5%, sendo que 36,4% estão entre 40 e 50 anos e 9,1% abaixo de 40 anos. Todos os entrevistados residem em Vitória da Conquista, Bahia.
Quando perguntados sobre a carga horária semanal total e a carga horária semanal na rede estadual, as respostas foram:
Do universo de entrevistados, 72,7% lecionam em uma escola da Rede Estadual e 27,3% em duas escolas e nenhum em mais de duas escolas. Já a distribuição de turno de trabalho apresenta a repetição de atividade em mais de um turno: 09 (nove) informantes responderam que lecionam no noturno, 08 (oito) lecionam no matutino e 06 (seis) lecionam no vespertino.
Quanto ao vínculo dos pesquisados com a Rede Estadual, 90,9% são concursados, regime estatutário e 9,1% têm contrato temporário, na modalidade de Processo Seletivo Simplificado para contratação de pessoal, por tempo determinado, em REDA. A maioria, entre os concursados, tem entre 15 e 25 anos de atuação profissional na rede estadual, cerca de 63,7%. Com 28 anos ou mais de tempo de serviço tem 18,2%, o mesmo percentual com menos de 15 anos que lecionam na Rede Estadual de ensino. Todos os pesquisados são formados em licenciatura, sendo a mais representativa a área de Geografia, com 27,3%. As disciplinas mais lecionadas pelos entrevistados estão relacionadas à licenciatura em Letras, que é língua portuguesa, literatura e inglês, com o quantitativo de 54,6%.
A pergunta sobre o quantitativo de turmas em que os pesquisados lecionam apresentou um leque de respostas, sendo que 18,2% lecionam entre 03 (três) e 05 (cinco) turmas, 54,6% lecionam entre 06 (seis) e 10 (dez) turmas e 27,3% lecionam em mais de 10 (dez) turmas, chegando a 18,2% dos entrevistados a ministrar aulas para 18 (dezoito) turmas.
No que se refere à formação continuada dos pesquisados, 72,7% são especialistas, 27,3% são mestres e nenhum entrevistado tem doutorado. Entre os entrevistados, 9,1% apontaram não ter pós-graduação, conforme indica a tabela a seguir.
Ao serem questionados sobre as razões que os levaram a trabalhar remotamente e como desenvolveram suas atividades, obtivemos as seguintes respostas: “A necessidade de interagir com os estudantes e a possibilidade de ajudá-los, uma vez que a rede estadual não proporcionou os meios necessários para a efetivação das aulas remotas. Fiz grupos de Whatsapp e socializei os conteúdos”; “Comprometimento com alunos”; “O vínculo com o aluno”; “Necessidade de manter os alunos ligados à escola”; “Satisfação em vê-los querendo aprender, mesmo nas dificuldades. Trabalhamos via Whatsapp”; “Consciência da necessidade de que a educação deve ser para todos. Desenvolvi o trabalho utilizando principalmente o google sala de aula e Whatsapp”; “A necessidade de manter o aluno mais próximo da escola e acolhido nesses momentos tão difíceis”; “Preocupação com a aprendizagem dos alunos”; “Fiz algumas atividades, mas não houve devolutiva por parte dos alunos”; “Tentativa de manter os alunos vinculados à escola, motivados e agregados durante o período de isolamento social”. Tais respostas nos levam a pensar no compromisso desses profissionais com a docência, ainda que se trate de um pequeno grupo se comparado ao número de professores efetivos da rede, um total de 1132 (um mil, cento e trinta e dois), quantitativo indicado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP, 2021), pois mesmo o ensino não sendo obrigatório, em tempos de pandemia, eles se dispuseram a trabalhar.
Condições e acontecimento da prática docente
Com a suspensão das aulas em março de 2020 (Bahia, 2020a), as rotinas escolar e doméstica de professores e estudantes foram alteradas em função da reorganização de estratégias de ensino remoto por meio de atividades on-line. Dois desafios se apresentam neste contexto: de um lado, a manutenção da rotina de trabalho e, de outro, o desfaio da utilização das ferramentas digitais.
De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), houve um aumento dos relatos de ansiedade e estresse entre profissionais de várias áreas:
Conforme indicam os dados desta pesquisa, na área de educação houve o aumento da ansiedade, da depressão e da exaustão física. Temos um quadro de impacto emocional e físico em razão do aumento do trabalho doméstico, da intensificação da atividade profissional e, consequentemente, a necessidade de apreender e utilizar as ferramentas simultaneamente. O “aprender fazendo” impacta nas relações, docente e pessoal, em que a separação entre o público e privado aparece subsumida na exigência de práticas de docência em limites extremos.
A transição do ensino presencial para a modalidade remoto expôs a categoria docente a uma série de desafios e situações que impactaram a saúde mental. Observa-se, nos dados construídos nesta pesquisa, que o contexto pandêmico acarretou uma sobrecarga de trabalho que alterou substancialmente as relações de trabalho, que passaram a inserir diretamente o ambiente familiar de professores e professoras. É importante ressaltar que
Todos os entrevistados estavam ministrando aula na modalidade remota. Com relação aos equipamentos utilizados para produzir atividades e interagir com os estudantes, 81,8% utilizam notebook/netbook, 81,8% usam smartphone, 54,5% usam computador pessoal, 27,3% usaram câmera/webcam e nenhum entrevistado usa tablet. Para executar o trabalho remoto, a maioria, 90,9% usa o plano de internet residencial (Wi-fi), 45,5% usam plano de dados móveis do celular e 9,1% usam módulo de operadora e nenhum dos entrevistados usa internet via rádio ou Wi-fi público. Esses dados nos levam a refletir que:
O aumento das atividades domésticas se configura como um dos efeitos do trabalho remoto. Podemos também, extrair, da Tabela 4, que o aumento do trabalho doméstico foi e tem comparecido na vida das professoras de ensino médio no município como um dos impactos causados pela covid-19, devido ao fato de as mulheres ainda serem as principais responsáveis por atividades domésticas. A casa virou espaço de trabalho e, portanto, a gestão do tempo para atividades laborais e da organização familiar se unificaram, rompendo com a cisão entre tempo e local de trabalho versus casa e tempo da vida doméstica transformada como o lugar do trabalho.
Na realização do questionário direcionado aos professores e às professoras da rede estadual baiana, situados no município de Vitória da Conquista, recebemos o retorno de 11 (onze) entrevistados, sendo 10 (dez) mulheres e 01 (um) homem. Dessas mulheres, 05 (cinco) possuem 01 (um) filho e 01 (uma) delas tem 02 (dois) filhos. Todos os filhos dessas mulheres estão em idade escolar da educação básica.
O dado que mais chama atenção se refere às situações que mais estiveram presentes na vida desses docentes durante a pandemia. O aumento do trabalho doméstico aparece com 90,9%; a intensificação da atividade profissional, 72,7%, e a ausência de delimitação entre atividades laboral e privada com 63,6%. Já é sabido que uma leitura universal para tratar a condição feminina não consegue incluir as particularidades das experiências de vida de todas as mulheres. No entanto, em contexto de pandemia, o retorno a uma imposição destinada às mulheres parece, tendenciosamente, colocá-las em uma igualdade desvantajosa.
Poderíamos expressar, por meio de um raciocínio que nos leva a afirmar que, no contexto da pandemia, as mulheres estão mais vulneráveis e impostas com mais intensidade às obrigações domésticas, familiares e sexuais. Segundo estudos realizados na área de educação, “as mulheres foram desafiadas a se reinventar na batalha contra a pandemia do vírus SARS-CoV-2, nos mais diversos âmbitos (particular; familiar; social; profissional, entre outros) (Araújo & Yannoulas, 2020, p. 756).
No que diz respeito à adequação do espaço residencial para a atividade remota, foi perguntado se na residência havia lugar adequado para gravação de aulas para as plataformas educativas e ministrar aulas no modo remoto e 90,9% dos entrevistados responderam que não. Quando perguntados sobre as principais dificuldades no ambiente doméstico para aulas remotas, as respostas foram dadas conforme consta na Tabela 5:
Na pesquisa realizada por Araújo e Yannoulas (2020), que teve como universo respondentes uma amostra de mais de 10 (dez) mil professores e professoras da educação básica, os incômodos apontados por esses docentes, no que diz respeito à divisão do espaço doméstico e dos equipamentos com outros membros da casa, parecem coincidir com as queixas dos nossos entrevistados (72,7% afirmam ter necessidade de compartilhamento do espaço com outros membros da família). Esse tipo de compartilhamento se dá mais entre as mulheres com os outros membros da família do que entre os homens e com outros membros da família. Esse dado reforça a histórica desigualdade já existente entre a divisão sexual das atividades domésticas, a feminilização do cuidado e a constante desvalorização do trabalho invisível realizado pelas mulheres no âmbito doméstico e na sociedade.
A mimetização do espaço do habitar com o espaço do trabalho expõe uma “alteração e precarização do espaço doméstico” (Castro, 2021, p. 6) e revela que a casa tem sido um lugar onde as mulheres estão, a todo o tempo, atendendo às necessidades dos outros, não lhes restando tempo para o descanso, prazer e conforto (Castro, 2021).
Destaca-se, dessas questões, três aspectos: a) necessidade de aprender mais sobre os diferentes recursos tecnológicos aplicados à educação; b) reorganização do tempo para elaborar as atividades e c) orientação para acompanhar os estudantes.
As principais dificuldades tecnológicas percebidas pelos professores, com relação aos estudantes no acompanhamento das atividades remotas, têm destaque a falta de internet adequada, de computador e de espaço para estudo nas residências. Tais dificuldades foram seguidas pela necessidade de compartilhamento do ambiente com outros membros da família e pouco interesse dos estudantes com as atividades remotas, com o indicativo de 81,8% das escolhas dos pesquisados. A falta de celular obteve 72,7% das pontuações, a falta de tablet obteve 54,5% e a dificuldade com o uso dos equipamentos seguiu com 45,5%.
A exclusão digital foi um aspecto ainda mais evidenciado em um país marcado pela desigualdade de classe, apenas para citar um tipo, o que atravessa o acesso aos bens culturais, cuja tecnologia digital é um exemplar. De acordo com os dados, a publicização do espaço privado não se restringe apenas à “invasão” do espaço doméstico, mas, também, ao uso das ferramentas digitais particulares para o trabalho e despesas acarretadas pela sua utilização, a exemplo das mensalidades dos planos de acesso à internet, plano de dados móveis e contas de energia. Observa-se que o ensino remoto não prefigura democratização do processo ensino-aprendizagem. A adaptação à sala virtual, por parte dos professores, acarretou mudança na linguagem, no tratamento com o conhecimento, na relação professor-estudantes. As diferentes formas de linguagens e de interação face a face foram confrontadas com a sala de aula presencial. A utilização das tecnologias de forma precarizada escancarou a realidade de um país que não investe em educação para todos.
É preciso ressaltar que o uso das tecnologias digitais nas escolas públicas não era, até então, o principal recurso didático, o que acompanha a desigualdade social de seu uso por estudantes da rede pública de ensino. Por isso,
A principal atividade desenvolvida pelos pesquisados junto aos estudantes nas aulas remotas foi a resolução de tarefas, com 81,8%. Em seguida, vem a exposição oral de conteúdos com uso de slides. Seguindo, tem-se a leitura de textos referentes aos conteúdos trabalhados, com 54,5%. A exposição oral de conteúdo, com 45,5%; debates, com 36,4% e, por fim, apresentação de trabalhos com 18,2% das respostas. Percebe-se que houve um esforço por parte dos professores ao disponibilizarem diferentes estratégias didáticas, conforme indica a Tabela 9.
Todos os entrevistados alegaram que a carga horária de trabalho aumentou durante a pandemia. Tal fator revela e acentua a precarização do trabalho no que se refere à intensificação do trabalho docente no interior da jornada de trabalho remunerado e fora dela. No período pandêmico, os tempos-espaços da escola invadiram os tempos-espaços domésticos e acarretou em desgastes de ordem material, emocional e cognitiva.
A prática docente voluntária no Ensino Médio em Vitória da Conquista, Bahia, no contexto da pandemia, é marcada por um quadro de exclusão digital entre professores e estudantes, no que se refere ao acesso e à utilização das ferramentas para o processo de ensino e aprendizagem; pela intensificação da jornada de trabalho e pela invasão do espaço privado.
Algumas Considerações
Os dados revelaram a importância da temática para pensar práticas docentes nas suas contingências, como é o caso do Ensino Remoto Emergencial (ERE), no sentido de apontar que nos momentos de crise, as desigualdades são acentuadas e tencionam o campo das condições humanas e materiais do ensino. Os resultados apontam para uma reflexão sobre a importância da formação continuada junto à atuação de professores em condições adversas, nas modalidades de ensino remoto e presencial, seus limites e possibilidades. Sobre este último aspecto, foi observado o compromisso político e pedagógico dos informantes ao ministrarem aula de forma “voluntária”, na preocupação em manter o estudante próximo à escola e com a aprendizagem. Por outro lado, nossa pesquisa aponta para um processo continuo de precarização que nos leva a manter um certo traço de voluntarismo na prática docente. Entendemos que essa situação nos coloca mobilizados por melhores condições de trabalho docente.
Em tempos de isolamento social, a escola, como espaço de socialização secundária, tem, na sala de aula presencial, a sua importância ao apresentar-se como espaço de interação entre estudantes, professores e família. A “falta” desse ambiente acaba afetando a aprendizagem dos estudantes e desmotivando-os, pois o encontro com a comunidade escolar mobiliza professores e estudantes de forma interacional.
Como foi possível também notar, com base nos dados, as formas criativas dos docentes reiterando suas agências em promover o ensino e a aprendizagem frente ao inusitado, nesse caso, a pandemia, mas que acontece cotidianamente nas escolas da educação básica.
A limitação do estudo reside no fato de que os dados foram recolhidos durante a pandemia e facilitados pela rede de contato, o que restringiu o acesso à totalidade dos professores. Como possibilidade de pesquisas futuras, seria importante a escuta de professores que não aderiram ao trabalho docente “voluntário” para conhecer os contraditórios, as nuances, sugestões, críticas e, também, as resistências ao modelo remoto adotado no Estado da Bahia.
Espera-se que os resultados acerca do trabalho “voluntário” possam impactar sobre a rede educacional do Estado da Bahia e constituir-se fonte de pesquisa para trabalhadores da rede de educação.
Resumo
Main Text
Introdução
Metodologia
Prática docente voluntária no contexto da pandemia: sobre os professores participantes da pesquisa
Condições e acontecimento da prática docente
Algumas Considerações