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Thu, 03 Sep 2020 in Linhas Críticas
Formação feminina na escola doméstica dona Júlia - Cuiabá-MT (1946-1949)
Resumo
Muitas foram as formas de educação ao longo do tempo voltadas para mulheres. Neste texto de cunho histórico, pesquisamos a formação ofertada às mulheres na Escola Doméstica Dona Júlia – EDDJ –, na cidade de Cuiabá, Mato Grosso, entre os anos de 1946, quando a instituição foi fundada, até 1949, quando a primeira turma de estudantes do Curso Doméstico se formou. Analisamos publicações da revista A Violeta, que circulou em Cuiabá entre os anos de 1916 e 1950, publicando informações referentes à EDDJ, tais como: razões para inauguração da instituição escolar, tipo de ensino ofertado, bem como a divulgação de notícias voltadas para incentivar o ingresso de moças na instituição. Evidenciamos que a EDDJ propôs escolarizar o doméstico, instruindo as moças para uma atuação eficaz nos afazeres e cotidiano do lar, contudo, parece que a instituição não conquistou as mulheres para frequentarem suas aulas, dado que, nos anos de 1950, as mulheres já buscavam outros meios de estudo e profissionalização, avançando para outras formações que lhes permitissem profissionalização, ocupação de espaços públicos e autonomia para o próprio sustento e existência além dos muros de seus lares.
Main Text
Introdução
Simone de Beauvoir (1980, p. 7), ao refletir sobre os espaços que eram destinados às mulheres, levantou alguns questionamentos intrigantes: “[…] onde estão as mulheres? […], mas antes de mais nada: que é uma mulher?”. Beauvoir apontou para uma construção da mulher segundo o olhar masculino. A elas, e a nós mesmas, sempre é repetido “[…] sejam mulheres, permaneçam mulheres, tornem-se mulheres.” Desse modo, somos sempre forçadas à compreensão de que nem “[…] todo ser humano do sexo feminino não é, portanto, necessariamente mulher; cumpre-lhe participar dessa realidade misteriosa e ameaçada que é a feminilidade.”
Muitas foram as formas de educação, ao longo do tempo, para que as mulheres adotassem determinados modos de ser, entre elas, as práticas educativas que incluíram teorias “[…] utilizadas para ‘provar’ distinções físicas, psíquicas, comportamentais; para indicar diferentes habilidades sociais, talentos ou aptidões; para justificar os lugares sociais, as possibilidades e os destinos ‘próprios’ de cada gênero” (Louro, 1997, p. 45). Assim, homens e mulheres recebiam educação diferenciada.
Para Guacira Louro (1997, p. 91) é difícil pensar os processos de escolarização de homens e mulheres sem que “[…] se considere, articuladamente todos os dispositivos, arranjos, técnicas ou procedimentos e sem que se perceba como agem sobre todos os sujeitos e, em especial sobre estudantes e mestres …” Ou seja, para que homens e mulheres sejam formados com uma determinada concepção de sociedade, é preciso “[…] dar a esses sujeitos o sentido de pertencimento à instituição – ela terá de distingui-los dos outros, daqueles que estão fora de seus muros.” (Louro, 1997, p. 91).
A escola que ora estudamos nos pareceu atender a essa singularidade institucional à qual Louro (1997) se referiu, distinguindo modos de educar, uma vez que a formação feminina ofertada pela Escola Doméstica Dona Júlia, em Cuiabá, Mato Grosso[1], preconizava escolarização diferenciada para mulheres, cujo processo de estudo já implicava a oferta de práticas educativas consideradas femininas.
Essas práticas, destacadas das considerações de Louro (1997, p. 96), referem-se ao processo de escolarização ofertados nas sociedades modernas, já que “[…] o casamento e a maternidade, tarefas femininas fundamentais, constituem a verdadeira carreira das mulheres, qualquer atividade profissional será considerada um desvio dessas funções sociais, a menos que possa ser representada de forma a se ajustar a elas.”
Os trabalhos domésticos precisaram, assim, ser escolarizados de forma que se pudesse assegurar o confinamento de mulheres nos espaços privados, atribuindo a elas a responsabilidade pelos afazeres domésticos, essa mesma causa de confinamento e responsabilidade asseguraria aos homens preponderância em outros espaços e saberes que não os do lar, afinal, a eles a liberdade de espaços e profissionalizações.
Uma escola para formar mulheres, uma escola na qual se pregava os atributos que são tradicionalmente associados às mulheres: o amor, a sensibilidade, o cuidado com o lar e com a família. Foram esses pressupostos que nos levaram a investigar a trajetória da Escola Doméstica Dona Júlia - EDDJ e nos levaram a questionar: Que escola era essa? Como foi pensada a educação feminina entre os anos de 1946 a 1949, nos primeiros três anos do curso Doméstico?[2]
Cogitamos que estudar a história de uma instituição escolar permite compreender como se constituiu a escola em determinado período histórico, além disso, a busca e o achado de documentos escolares permitem analisar outros fatores importantes de uma instituição pesquisada. José Luís Sanfelice (2006, p. 25) afirmou que os trabalhos historiográficos sobre as instituições escolares vão além “[…] do que um prédio que agrupa sujeitos para trabalharem, ensinarem, aprenderem etc.”
Desse modo, a instituição escolar não pode ser considerada como algo isolado. Ao produzir um trabalho historiográfico sobre uma instituição escolar, é preciso que compreendamos sua singularidade, o que abrange uma análise no mínimo cuidadosa. Para isso, delimitamos o recorte temporal entre os anos de 1946 e 1949. Iniciamos em 1946, ano no qual ocorreu a inauguração da EDDJ, e finalizamos em 1949, ano de conclusão do primeiro curso doméstico ofertado pela EDDJ, com duração de três anos.
Nossa principal fonte de informações para este texto é um periódico denominado A Violeta, que foi editado pelo Grêmio Literário Julia Lopes de Almeida (GLJLA) entre os anos de 1916 e 1950, circulando por 34 anos. De acordo com Yasmin Jamil Nadaf (1993, p. 28) a periodicidade da revista A Violeta foi se modificando ao longo dos anos: “A Violeta circulou inicialmente, de forma irregular, de uma a três vezes por mês, no período de dezembro de 1916 (revista nº1) a dezembro de 1920 (revista de n°7), e, posteriormente passou a ser um periódico mensal.”
A inauguração do GLJLA ocorreu no dia 26 de novembro de 1916. O grêmio era constituído “[…] por jovens normalistas […] ligado a algumas senhoras e senhoritas simpatizantes da cultura”. (Nadaf, 1993, p. 23). As jovens integrantes do GLJLA eram oriundas de uma classe social abastada, algumas filhas e/ou membro das famílias tradicionais cuiabanas. Como conhecedoras das letras e simpatizantes da cultura, as mulheres sócias do grêmio propuseram uma revista que pudesse circular pela cidade e pelo estado mato-grossense levando "informações femininas".
Sabemos que, no final do século XIX, era comum no Brasil que muitas mulheres de classe média fundassem jornais e revistas, tanto como forma de se inteirarem dos assuntos da sociedade, de se manterem ativas, de saírem dos espaços privados, quanto para manter contato com outras mulheres, suas leitoras, bem como publicitar determinadas ações e informações que julgassem necessárias. Entretanto, tornaram-se muitas vezes campanhas pela educação feminina, embora ligadas a um modelo de mulher ideal, isto é, “[…] esses periódicos, como outros da época, fizeram campanhas pela educação da mulher. Muitas vezes apareceram ligadas ao reforço do papel de mãe, de boa esposa, de dona de casa.” (Telles, 1997/2018, p. 427).
A revista A Violeta seguiu um modelo semelhante ao proposto por outros periódicos brasileiros que circulavam no período. As mulheres que eram responsáveis pelas publicações no periódico representavam uma parcela da sociedade de mulheres cultas do estado de Mato Grosso, mas também promoveram ações e discussões referentes à educação da mulher para atuar no lar e aprender determinadas formas de se comportar na sociedade, determinadas formas de ser e estar como lhes pareciam mais adequadas à sociedade cuiabana -idade sede onde o periódico era editado, embora a revista A Violeta tenha circulado tanto pela capital Cuiabá quanto por outras localidades do estado de Mato Grosso.
Inaugurada em 16 de dezembro de 1916, a revista A Violeta tinha o intuito de ser uma publicação reservada à manifestação das mulheres, em especial de escritoras que publicavam seus escritos na revista A Violeta. Outros periódicos do período noticiaram o surgimento da revista, como . Jornal A Cruz (1916, p. 1), que publicou a seguinte informação: “[…] surgiu no campo da imprensa ‘A Violeta’, linda revista do ‘Grêmio literário’ que um grupo de senhoras e senhoritas desta cidade acaba de fundar para o cultivo das letras femininas e patrícias […]”.
Destacamos que periódicos como a revista A Violeta nos parecem importantes fontes de pesquisa, como dito por Tania Regina Luca (2005/2010), que nos chamou a atenção para pelo menos dois fatos. O primeiro deles é de que uma revista engloba inúmeras informações para que alcance êxito em sua circulação e um número considerável de pessoas interessadas. Um segundo fato é que uma revista pode ser tendenciosa, por isso, devemos atentar para a análise do que é noticiado para não cair nas “armadilhas” que o texto pode esconder.
Fontes como esse periódico são, portanto, relíquias preciosas para pesquisa. Marc Bloch (1997) destacou que reunir os documentos, bem como proceder à sua análise não é uma tarefa fácil. Para ele todas as análises devem ser cautelosas, avançar nos detalhes, compreender as entrelinhas, enfim, ir além do que se vê nos documentos. Embarcar na aventura de pesquisar exige, portanto, irmos ao encontro das fontes, o que só é possível se nos movermos para as bibliotecas, para os arquivos, enfim, para um local no qual mantenhamos contato com as fontes que nos darão subsídios à pesquisa que pretendemos realizar e, por certo, “[…] reunir os documentos que estima necessário é uma das tarefas mais difíceis do historiador.” (Bloch, 1997, p. 82).
A busca pelas fontes documentais não é, por conseguinte, uma tarefa simples, mas requer atenção, cuidado e esforço do pesquisador. Assim, ao nos aproximarmos de uma história que nos parece distante, fomos com essa convicção: investigar a instituição de Ensino Doméstico Dona Júlia e a formação feminina por ela ofertada.
Ensino Doméstico: escolarizar as mulheres para o “eterno feminino…”
Beauvoir (1980, p. 9) também nos alertou que uma mulher é sempre marcada e definida pelo “[…] ‘eterno feminino’ e se, no entanto, admitimos, ainda que provisoriamente, que há mulheres na terra, teremos que formular a pergunta: o que é uma mulher?”.
Percorrendo quase esse mesmo caminho, e buscando compreender a história das mulheres, Michelle Perrot (2007, p. 16), na França, enfatizou que, por muito tempo, as mulheres foram silenciadas e suas histórias, suas vidas, não eram consideradas como importantes. Os homens ocupavam e dominavam os espaços públicos, enquanto as mulheres viviam confinadas em seus lares, e a elas se impunha um silêncio profundo. Assim, histórias a respeito de mulheres são escassas ou inexistentes, pois “[…] as mulheres ficaram muito tempo fora desse relato, como se, […] estivessem fora do tempo, ou pelo menos, fora do acontecimento. Confinadas no silêncio de um mar abissal.” O silêncio das mulheres foi e é a garantia de uma sociedade tranquila.
Jane Soares de Almeida (1998, p. 27) enfatizou que, também no Brasil, no final do século XIX e início do século XX, mesmo com as mudanças em “[…] decorrência da implantação do regime republicano e também pelo processo de urbanização e industrialização […]”, que coincidia com os movimentos de reivindicações das mulheres por direitos, envolvendo inúmeros países, a educação das mulheres ainda era tradicional, afinal, o Brasil era um país com tendências conservadoras, patriarcal, cujas concepções de educação para mulher eram [e ainda são] bem definidas.
Mesmo depois de proclamado o regime republicano, prevalecia a ideia de educação para as mulheres consoante os preceitos religiosos, patriarcal e patriótico, cujas “[…] ideias permaneceriam, por longo tempo, impregnando a mentalidade brasileira e esculpindo uma figura de mulher plasmada nesse perfil. A responsabilidade feminina nunca deveria transpor as fronteiras do lar […]”. (Almeida, 2004, p. 71).
A escolarização para as mulheres, desde a infância, mantinha-se assim vinculada ao seu dever e responsabilidade com os afazeres domésticos. Assim, aprender as primeiras letras, ler, escrever, a doutrina cristã e noções básicas eram a base do ensino para homens e mulheres, porém “[…] logo algumas distinções apareciam: para os meninos, as noções de geometria; para as meninas, bordado e costura […]”, como dito por Louro (1997/2018, p. 444). A formação feminina era voltada, portanto, a uma finalidade única.
A educação para mulheres afastava-se, assim, de uma formação intelectual mais ampla e voltava-se para uma formação mais pessoal, restrita aos conhecimentos necessários para que mulheres pudessem agir e se responsabilizar pela formação das futuras gerações, em especial a partir de princípios cristãos. Ou seja, uma educação “[…] para além dela, já que sua justificativa não se encontrava em seus próprios anseios ou necessidades, mas, em sua função social de educadora dos filhos ou, na linguagem republicana, na função de formadora dos futuros cidadãos.” (Louro, 1997/2018, p. 446).
Havia, portanto, segundo os princípios republicanos, uma dupla necessidade de escolarização do doméstico: cabia ensinar as mulheres a agir em consonância às mudanças sociais que ocorriam, ao mesmo tempo que se colocava uma necessidade de controlá-las, uma vez que elas precisaram sair de seus lares, do espaço privado e, portanto, um espaço de controle, para trabalhar. É preciso lembrar ainda que os saberes domésticos poderiam perder espaço para os saberes a serem adquiridos na escola. Isto é, uma vez independentes, trabalhando fora dos espaços domésticos, as mulheres poderiam deixar de lado os cuidados com o lar. Desse modo, a escolarização do doméstico ocorreu justamente pelo fato da “[…] saída das jovens da escola para o trabalho e seu possível despreparo para as tradicionais tarefas de dona de casa.” (Louro e Meyer, 1993, p. 45).
Escolarizar o Doméstico, como dito por Louro e Meyer (1993), incluía uma necessidade de controle da mulher, afinal, ofertando uma educação pautada no cuidado com seus lares e com o núcleo familiar, essa educação feminina facilitaria o controle e a ordem na sociedade, tanto por grupos religiosos quanto pelos grupos que ocupavam o poder. Tanto Louro (2018) quanto Almeida (1998) expuseram que a educação feminina ocorria de acordo com os planos que governantes e intelectuais católicos tinham para a família brasileira: um modelo conservador, tradicional, religioso, fundamentado em princípios morais cristãos. A partir desses posicionamentos e grupos, surgiram as instituições escolares que visavam essa formação específica. A inauguração de uma instituição de ensino doméstico em Cuiabá, capital do estado de Mato Grosso, em 1946, a exemplo, comprova que, ainda naqueles anos, pregava-se uma forma de educar diferenciada para as mulheres.
A EDDJ instituiu, em suas normas, o modelo de educação para as mulheres consoante o que vigorava na sociedade no período e noticiou: “A escola Doméstica dona Júlia prepara a mulher para o lar e para a sociedade.” (A violeta, 1949, p. 3).
A formação ofertada para as mulheres abrangia a organização e administração do lar e modos de comportamento na sociedade, não como um ser público, mas uma educação que fosse coerente com as “aspirações masculinas”, isto é, as mulheres deveriam ser “[…] uma companhia mais agradável para o homem que transitava regularmente no espaço urbano […]”, como dito por Almeida (1998, p. 19). Em suma, a EDDJ reforçava a escolarização para o cuidado com o núcleo familiar, seguindo as concepções patriarcais do período.
Escola Doméstica Dona Júlia em Cuiabá-MT: “A construção de um sonho”
Maria Dimpina, idealizadora da EDDJ, expressou, por entre as letras, a sua satisfação em falar sobre a formação escolarizada da mulher para as lides domésticas, mencionando que a construção de uma escola Doméstica era um sonho pensado em conjunto com a escritora Júlia Lopes de Almeida[3], patrona da escola. Para Dimpina, a instituição escolar era “[…] um ideal que o Grêmio Júlia Lopes concebeu e alimentou desde o início de sua formação, quer pelos conselhos de sua dedicada Patrona, quer pelos ideais elevados de suas fundadoras: a Educação da mulher para as lides domésticas.” (Dimpina, 1945, p. 1). As fundadoras do Grêmio Júlia Lopes de Almeida, sócias da revista A Violeta eram escritoras assíduas que publicavam no periódico seus textos. Entre os temas abordados, aquelas mulheres exploravam e divulgavam seus ideais de criação e instalação de uma escola doméstica em Cuiabá, Mato Grosso.
A inauguração da EDDJ, em Cuiabá, constituiu para elas “[…] uma pedra a mais no alicerce da nossa formação moral e cívica.” (Dimpina, 1946b, p. 5). A cerimônia de inauguração da escola Doméstica Dona Júlia, em 26 de novembro de 1946, foi marcada por atividade solene, na qual, ao desatar de uma fita que dava acesso à cozinha, o Interventor Federal do estado de Mato Grosso, Júlio Strübing Müller, marcou a inauguração da EDDJ.
Curiosamente, ou, talvez propositalmente marcando o lugar da mulher, o acesso à cozinha da EDDJ, um homem, o interventor do estado, proferiu um discurso referindo-se aos motivos pelo qual a fita dava acesso à cozinha: “[…] não vos admireis, snrs, o porquê deste meu gosto. A cozinha deve ser o salão de honra da Mulher. Queremos elevá-las em Cuiabá à altura que elas merecem.” O discurso foi transcrito por Maria Dimpina e publicado pela revista A Violeta, na página 5, da edição especial de número 337, em 30 de novembro de 1946 (Dimpina, 1946b, p. 5).
O excerto transcrito do discurso proferido pelo interventor mostra-nos como era pensada a educação feminina ofertada pela EDDJ. A expressão utilizada pelo interventor ao se referir à cozinha como um salão de honra da mulher chamou-nos à atenção, uma vez que ele se referiu às ditas notabilidades femininas: a elas, os serviços da cama, da cozinha, da lavanderia. No caso, para o interventor, o lugar de honra da educação feminina seria a cozinha, lugar no qual as mulheres cultivam, cuidam, alimentam e nutrem sua família. Desse modo, o governador, um homem do seu tempo, expressou suas convicções para a EDDJ, manifestando-se a favor de o ensino das mulheres para as práticas domésticas. Ao desatar a fita na porta da cozinha, na verdade, afirmou que ali era o lugar das mulheres de bem, de mulheres honradas, cuidadoras de seus lares e famílias.
A palavra honra, enraizada no vocabulário social, indica para as mulheres a ideia de pureza, ideia que aparece relacionada à sexualidade como, por exemplo, o resguardo da virgindade. O conceito de honra como “[…] sexualmente localizado do qual o homem é legitimador, uma vez que a honra é atribuída pela ausência do homem, através da virgindade, ou pela presença masculina no casamento.” (Soihet, 1997/2018, p. 391). Ou seja, a honra precisaria ser defendida, mulheres honradas mantinham-se em seus “lugares” honrados como o interior dos lares, o convívio familiar e religioso, afinal, “[…] a identidade sexual e social da mulher através de tais informações molda-se para atender um sistema de dominação familiar e social.” (Soihet, 1997/2018, p. 391).
A fala do interventor do estado, considerando sua posição social como uma autoridade de Mato Grosso, representou o discurso masculinizado comum no período, uma vez que homens em espaços privilegiados da sociedade, ao se referirem às mulheres, associavam a palavra honra a suas vidas social e sexual.
A partir de 1946, Cuiabá, capital de Mato Grosso, passou a contar com uma escola de ensino doméstico. A EDDJ foi instalada no centro da cidade, na rua Pedro Celestino, nº 32, em um prédio doado por Maria de Arruda Müller[4], esposa do interventor Federal Júlio Strübing Müller.
O Grêmio Literário Júlia Lopes de Almeida e a Escola Doméstica Dona Júlia receberam o mesmo nome em homenagem à patrona do Grêmio, a romancista carioca Júlia Lopes de Almeida, que, desde o início do Grêmio Literário ‘Júlia Lopes’, em 1916, até 1934, ano no qual faleceu, manteve contato com as associadas da revista A Violeta, bem como incentivava a criação de uma escola doméstica em Cuiabá,
O contato permanente que havia entre Júlia Lopes de Almeida e as sócias do grêmio se dava por meio de cartas e muitas dessas correspondências foram publicadas em edições da revista A Violeta.
Dona Júlia, como era chamada a patrona da Escola Doméstica, aconselhou que Maria Dimpina, ao construir o programa de ensino da EDDJ, seguisse o modelo de ensino adotado pela Escola Doméstica de Natal. Um trecho da carta recebida da escritora referendava o ensino ministrado na Escola Doméstica de Natal, que era “[…] a melhor no gênero no País, se não conseguirem o desenvolvimento de seu programa, à risca, procurem adaptá-lo às possibilidades do momento” (Dimpina, 1946b, p. 4). A escola de Natal foi considerada por Dona Júlia como uma escola modelo de ensino ideal para a formação das mulheres.
A Escola Doméstica de Natal, mencionada por Júlia Lopes de Almeida, havia sido inaugurada no início do século XX, “[…] destinada a formar um novo tipo de mulher civilizada para uma nova sociedade que despontava com os primeiros indícios de desenvolvimento social e econômico” (Rodrigues, 2007, p. 83). A carta que indicava o modelo para a EDDJ havia sido enviada nos anos de 1920, aproximadamente, mas no Literário ‘Júlia Lopes’, capitaneado por Dimpina nos anos de 1946, a ideia de construir uma escola doméstica em Cuiabá permanecia.
O Jornal A Cruz (1946) publicou uma notícia intitulada “A Escola Doméstica Dona Júlia” evidenciando que seu “[…] programa é nos moldes da Escola Doméstica de Natal” (A cruz, 1946, p. 4). Desse modo, parece-nos que Maria Dimpina seguiu as recomendações de Júlia Lopes de Almeida ao estabelecer a Escola Doméstica Dona Júlia. O funcionamento da instituição escolar há muito era defendido pelas associadas do Grêmio, em especial, por Maria Dimpina. A cerimônia inaugural contou com a presença de autoridades de todo o estado e de outras localidades do Brasil.
O Jornal O Estado de Mato Grosso publicou, na primeira página, uma matéria referente à participação das autoridades na inauguração da EDDJ, na qual descreveu que a inauguração daquela instituição escolar “[…] despertou, como não podia deixar de acontecer, grande interesse em nosso meio, vendo-se presentes ao concorrido ato, além das pessoas mais representativas do nosso mundo social, o exmo. Sr. Interventor Federal e demais altas autoridades estaduais e federais.” (Jornal o Estado de Mato Grosso, 1946, p. 1).
Dirigida por mulheres que integravam a elite cuiabana, também na EDDJ percebemos que as classes sociais mais abastadas influenciaram e moldaram modelos para instituições escolares, o que nos leva a comprovar que “[…] os interesses de uma mesma classe social moldam as instituições diferentes que se articulam na formação da ‘elite’” feminina de uma cidade […]” (Nosella e Buffa, 1996, p. 34).
A cerimônia de inauguração comprovou que a existência da instituição encontrava respaldo e estava diretamente articulada ao governo federal, estadual e municipal, pois representantes tanto dos poderes federal, estadual e municipal estiveram presentes.
No que se refere à documentação analisada, nenhum documento foi encontrado afirmando que a escola era pública, mas podemos conjeturar que a escola se constituía como uma instituição de cunho filantrópico, ou seja, arrecadava e dependia quase exclusivamente de recursos financeiros oriundos dos órgãos públicos, de doações de outras instituições ou individuais como, por exemplo, de pessoas das famílias mais ricas que poderiam contribuir financeiramente com a escola e, consequentemente, influenciar ou opinar sobre o ensino que ali era ofertado.
Modelo de Ensino Ofertado na EDDJ: “os seus serviços a favor da educação da mulher para o lar…”
A EDDJ se constituiu como uma instituição que ofertava um ensino escolarizado para os afazeres relacionados ao meio doméstico, no qual as moças ali matriculadas aprendiam “[…] tudo enfim que, sendo necessário a sua educação e a habilite para seu grato mister que, quer queiram quer não é o de ser dona de casa”, como descrito por Maria Dimpina em A Violeta (Dimpina, 1946a, p. 9).
Seguindo a visão conservadora das gestoras, a EDDJ trilhou caminhos pré-estabelecidos na sociedade para formatar um modelo de educação feminina conveniente aos interesses das mulheres que a comandavam. Em 1947, no primeiro ano do curso, com duração de três anos, a chamada para a matrícula trazia as seguintes exigências: “a […] candidata deve preencher as seguintes condições além de saúde, vacina e boa conduta: a) Idade mínima de 14 anos; b) haver completado o ensino primário (Diário Oficial, 1946, p. 8).
Podemos evidenciar que o modo com que as moças se comportavam e suas ações em sociedade eram requisitos para ingresso na escola, isto por que a EDDJ, desde seu início, queria, entre suas estudantes, um modelo de mulher: “boas moças” e “mulheres de família”.
Lembramos que, no Brasil, nesse período, para as mulheres, o casamento, ter e criar seus filhos, o domínio dos afazeres domésticos, a responsabilidade pela família eram o destino natural. Desse modo, as mulheres precisariam seguir regras e condutas, ou seja, “dar-se ao respeito”. Com isso, as boas moças e de boas condutas, como certificado por Carla Bassanezi Pinsky (2018, p. 610), eram “[…] as que se portavam corretamente, de modo a não ficarem mal faladas. Tinham gestos contidos, respeitavam os pais, preparavam-se adequadamente para o casamento”.
Para essa primeira turma na EDDJ, foram ofertadas 30 vagas para estudantes, pois a escola funcionava em modelo de semi-internato sob patrocínio da Legião Brasileira de Assistência –(LBA), o que comprova, de certo modo, o cunho filantrópico, cujas “[…] alunas existentes são mantidas pela Legião e as despesas com semi-internato exigem esse limite.” (A violeta, 1946, p. 7).
Cabe, contudo, uma ressalva. A LBA foi instituída em 1942 por Darcy Vargas, Primeira-dama do Brasil, no governo de Getúlio Vargas, sendo um programa assistencial público. A LBA foi inaugurada com o objetivo de amparar os soldados brasileiros que iriam lutar na segunda guerra mundial e suas famílias, além disso, visava combater os “[…] males relacionados à pobreza. Desenvolvia ações marcadas pela filantropia e pelo apoio voluntário a mulheres” (Barbosa, 2017, p. 18). Parece-nos que, amparada nesses objetivos de apoio às mulheres, a LBA financiou inúmeras atividades da EDDJ.
A LBA, contudo, contou com a atuação voluntária de mulheres em todo o país, já que o projeto se espalhou pelo território brasileiro, cuja “[…] participação feminina se deu por meio do engajamento de esposas de políticos, mulheres já atuantes nas práticas filantrópicas, jovens estudantes e donas de casa […]” (Barbosa, 2017, p. 19).
Em Mato Grosso, no período no qual a EDDJ foi inaugurada, a esposa do interventor federal, Maria de Arruda Müller, estava à frente dos trabalhos desenvolvido pela LBA. Podemos afirmar, por certo, que a proximidade entre Maria de Arruda Müller com a revista A Violeta foi de suma importância para o desenvolvimento das atividades educacionais ofertadas, pois, o fato de ser membro da LBA e esposa do interventor de Mato Grosso certamente facilitou a disponibilização de recursos financeiros para EDDJ.
Parece-nos razoável admitir que a EDDJ, desde sua inauguração, contou com os recursos financeiros cedidos por instituições governamentais, como a LBA e por particulares. A oferta de um número limitado de vagas devia-se aos recursos financeiros doados pela LBA para suprir as despesas referentes a 30 estudantes. Como as aulas seriam ministradas em período integral, no regime semi-internato, o custo para sua manutenção provavelmente era alto.
As aulas em modelo semi-internato eram distribuídas pelo período matutino, três horas, e no vespertino, quatro horas, exceto aos sábados, dia no qual as aulas ocorriam apenas no período matutino. Assim, as aulas eram ministradas “[…] diariamente das 8 às 11 e das 13 às 17 horas, exceto aos sábados, cujo horário é apenas das 8 às 11” (A cruz, 1947, p. 1).
A EDDJ articulava suas aulas a outros cursos ofertados em outras instituições escolares no ensino regular. O programa do curso doméstico ofertava as seguintes disciplinas: Arte culinária; Higiene de Alimentação; Matemática e Geografia; Trabalhos Manuais e Consertos de roupas usadas; Ordem Doméstica; Economia Doméstica; Corte e Costura; Português e Linguagem; História e Educação Cívica. Todas as aulas eram ministradas por professoras. Diretora e Subdiretora também eram mulheres, o que configura o curso como tipicamente feminino, afinal, a responsabilidade pelos afazeres domésticos sempre foi atribuído a elas.
No Programa de Ensino da EDDJ, prevalecia a oferta de disciplinas para os afazeres domésticos, nas quais a instrução para as moças voltava-se para atividades que privilegiavam a ordem doméstica e a sociabilidade, ou seja, os ensinamentos incluíam “[…] educar as jovens significava geralmente ensinar-lhes corte e costura, culinária, religião e algumas normas de sociabilidade, pois se considerava que ler e escrever pouco lhes valeria no futuro” (Almeida, 1998, p. 134).
No decorrer do curso, as moças participavam das aulas teóricas e realizavam determinadas práticas. Nas aulas práticas, confeccionavam os trabalhos de corte e costura e, na cozinha, praticavam arte culinária e coziam diversos pratos, uma exigência para a avaliação no curso. Mensalmente, esses trabalhos elaborados pelas moças eram expostos nas dependências da escola ou salas de aula em “[…] exposições mensais dos produtos das diversas classes como sejam, costuras, trabalhos, produtos de culinária: salgados, massas, pratos excelentes e saborosos” (A violeta, 1947, p. 15).
A documentação analisada nos leva a conjecturar que os trabalhos desenvolvidos pelas alunas tinham duplo objetivo. Primeiro, como já citado, os trabalhos eram uma maneira de avaliação individual do desempenho das alunas. O segundo objetivo que podemos alcançar é que, como a escola dependia de recursos financeiros dispendidos pelo governo, por outras instituições ou de particulares, podemos pensar que os produtos confeccionados pelas estudantes poderiam ser comercializados de forma a compor um fundo financeiro para a EDDJ.
Essa nossa conjectura pode ser confirmada a partir de outra publicação, na qual encontramos que a EDDJ “[…] iniciará o serviço, sob encomendas, dos produtos das classes de costura, trabalhos manuais e culinária […]” (A violeta, 1947, p. 16). Possivelmente essa tenha sido uma das ações pensadas pelas professoras para ajudar na manutenção das atividades educativas da EDDJ.
A EDDJ, além disso, publicou em 1947 que começou a aceitar “[…] mediante contribuição mensal, alunas para corte, costura, trabalhos manuais e arte culinária, confecção de vestidos e roupas de senhoras, bordados, tricô […]” (A cruz, 1947, p. 3). Parece-nos razoável admitir que determinadas disciplinas fossem ministradas com maior carga horária também relacionada aos produtos que eram produzidos, pois a venda desses produtos poderia gerar mais recursos para a EDDJ.
No ano de 1948, identificamos que houve inúmeros anúncios na revista A Violeta informando sobre o curso doméstico e as ações que aconteciam naquela Escola Doméstica. Pensamos que isso pode ter sido devido à necessidade de cooptar mais mulheres para ali estudarem, bem como uma maneira de chamar a atenção da sociedade para que contribuíssem financeiramente com a instituição. Um exemplo desses anúncios chamava a atenção para o futuro das moças: “[…] aulas de Corte e Costura na escola doméstica Dona Júlia […] prepare seu futuro, acrescente à educação que você recebe o saber de confeccionar seus próprios vestidos e as roupinhas encantadoras de seus filhinhos” (A violeta, 1948, p. 10).
Podemos ver, na publicação, o chamado para um determinado modelo de estudante, “[…] um padrão de mulher específico, cujas características eram moldadas para formar uma moça de família, uma moça voltada para o casamento, a mulher dócil, gentil, boa mãe”. Uma mulher que seria cuidadora de sua família, responsável inclusive pela confecção das roupas (Ferreira, 2014, p. 268).
Ao longo dos anos de 1946 a 1949, muitas foram as ações desenvolvidas pelas docentes e gestoras para que a instituição pudesse continuar ofertando suas aulas. Entre essas atividades, podemos citar: a confecção de produtos para venda, propagandas sobre as atividades desenvolvidas na escola a fim de aumentar o número de alunas e recursos financeiros – estas ações se constituíram como medidas a serem adotadas para manter a instituição em funcionamento.
O desdobramento, por parte das gestoras e docentes da EDDJ, foi essencial para manter a instituição em atividade. Em resposta ao trabalho desenvolvido no âmbito da escola, no ano de 1949, a primeira turma do curso doméstico se formou. Neste mesmo ano, Maria Dimpina publicou, na revista A violeta, as notas finais, bem como, a aprovação das alunas que iniciaram o curso no ano de 1947. Dimpina, contudo, informou apenas o resultado do terceiro ano do curso e as aprovações das estudantes foram referendadas com as menções: aprovada com distinção e aprovada plenamente.
Interessante notar, a partir do exposto no quadro acima, que havia duas formas de aprovação: aprovadas com distinção, para aquelas estudantes com nota máxima, e aprovadas plenamente, para as demais moças cujas notas eram menores. Outro fato que chamou a atenção foram as diferenças entre as notas: apenas décimos entre uma e outra. Seria um rigor exacerbado ou interesse em destacar determinadas mulheres por um determinado motivo ou para incentivá-las a uma "competição" entre mulheres por algumas terem alcançado notas máximas? Outra indagação que levantamos, conforme descrito anteriormente: das trinta vagas ofertadas e todas ocupadas no início do curso, por que apenas treze moças concluíram o curso?
Levantamos uma possível resposta para esse questionamento. Com o avanço da industrialização, emergiram novas demandas sociais, dentre elas, podemos citar: as mulheres passaram a trabalhar fora de seus lares e, no período, as indústrias e lojas de confecções de roupas estavam em avanço. Com isso, as mulheres passaram a ocupar outros espaços, em especial, as fábricas de confecções, uma vez que “[…] o têxtil foi o grande setor de emprego das mulheres, nas fábricas e nos ateliês”. Inferimos que, devido a essa expansão da industrialização, aumentou a procura por aulas de Corte e Costura e a busca pela profissionalização. Essa era também uma possibilidade de autonomia para as mulheres, já que a costura “[…] foi um imenso viveiro de empregos, de ofícios, de qualificações para mulheres, e isso durante séculos” (Perrot, 2007, p. 119).
A industrialização, assim como em outros países, avançava pelas capitais brasileiras, o que provocou mudança no mundo do trabalho, levando as mulheres a procurar outros meios de formação e profissionalização. Esses novos tempos “[…] mostravam uma mudança gradativa das mentalidades femininas. Apesar de ainda considerarem o lar como o real espaço para a mulher e o casamento sua garantia de felicidade, principiavam, gradualmente, a questionar esses valores” (Almeida, 2007, p. 113).
Podemos dizer, portanto, que mudanças nas mentalidades femininas e, por conseguinte, questionamentos relacionados ao lugar ocupado por elas, fizeram com que as mulheres buscassem ocupar outros espaços para além de seus lares e, principalmente, outros meios de formação que lhes permitissem autonomia e formas de garantia da própria subsistência.
Considerações
A educação proposta pela EDDJ, embora se voltasse para uma formação para as lides domésticas, também possibilitou às mulheres que encontrassem um espaço para se profissionalizar, a exemplo, atuando nas confecções que se espalhavam por Cuiabá.
A instituição de ensino doméstico dirigida às mulheres funcionou, em seu início, em um prédio cedido por Maria de Arruda Müller, esposa do Interventor em Mato Grosso, que também concedeu à escola, por meio da LBA, recursos financeiros suficientes para sua manutenção e funcionamento nos anos em estudo.
Justificando que funcionava como semi-internato e apenas contando com recursos externos, a EDDJ ofertou apenas 30 vagas para mulheres neste primeiro ano de curso. Como uma forma de arrecadar fundos para manter a EDDJ, os produtos confeccionados pelas moças nas aulas de Corte e Costura e Arte culinária eram expostos e depois vendidos, ou seja, a instituição escolar também se apropriou da força de trabalho das estudantes para garantir seu funcionamento.
A instituição pesquisada, assim, mostrou-se como mais uma instituição escolar que ofertou uma formação para a mulher segundo um modelo considerado ideal pela sociedade brasileira, em sua maioria cristã, católica, conservadora e tradicional. Cabia, assim, formar uma mulher, mãe e esposa que pudesse ser responsável pela organização e administração do lar ou, quando muito, formar mulheres que poderiam ser capazes de responsabilizar-se pela educação de suas filhas e filhos ou tornarem-se cuidadoras de crianças, de idosos, enfim, cuidadoras dos lares e de seus familiares.
A EDDJ, contudo, parece não ter conquistado as mulheres do período para frequentarem suas aulas, pois, das 30 mulheres matriculadas no primeiro curso ofertado em 1946, apenas treze delas concluíram o curso, ou seja, ocorreu evasão de mais de 50% dessas mulheres que não quiseram ou puderam concluir o curso.
Defendemos que não havia neutralidade no currículo adotado na EDDJ, que buscava a formação de uma mulher obediente e que seguisse certas normas sociais patriarcalistas, segundo as quais a dominação doméstica era uma forma de invisibilizar as mulheres e dificultava sua atuação nos espaços públicos do mundo do trabalho e, portanto, impedia sua autonomia e impossibilitava que elas pudessem garantir meios para custear a própria sobrevivência, o que as mantinha dependentes de suas famílias e maridos.
Identificamos, contudo, que, de certa forma, já estava em curso uma mudança de mentalidade de formação feminina. Ao confirmar que poucas se interessaram ou mesmo concluíram o curso, é possível afirmar que as mulheres já buscavam outros meios de estudo e profissionalização, avançando para a ocupação dos espaços públicos e para além dos muros de seus lares.
Resumo
Main Text
Introdução
Ensino Doméstico: escolarizar as mulheres para o “eterno feminino…”
Escola Doméstica Dona Júlia em Cuiabá-MT: “A construção de um sonho”
Modelo de Ensino Ofertado na EDDJ: “os seus serviços a favor da educação da mulher para o lar…”
Considerações