Química e Instagram: como vem se formando essa mistura?

Quimica y Instagram: como se va formando esta mezcla?

Chemistry and Instagram: how has this mixture been?

Jéssyca Silva de Lima Mayra Tamires Santos Silva Marlos Gabriel da Cruz Machado Miyuki Yamashita Wilmo Ernesto Francisco Junior




Destaques


O Instagram tem sido fundamentalmente empregado na divulgação de conhecimentos químicos gerais e apoio pedagógico/acadêmico.


O foco dos posts se demonstra volátil em função da velocidade do mundo digital.


As características da rede social e das publicações precisam ser problematizadas para possibilidades educativas.


Resumo


Este trabalho investigou características da divulgação em química no Instagram apoiando-se na etnografia virtual para coleta de dados. Os resultados evidenciaram acentuado crescimento de contas (77 ao total) até 2021, bem como do número de seguidores. O perfil de administradores é de pessoas ligadas ao campo da química, especialmente professores e estudantes de diferentes níveis de ensino, atuando majoritariamente de forma individual. Foram identificadas contas de apoio pedagógico, studygram, de divulgação de conhecimentos gerais sobre química e de conhecimentos especializados sobre química. Desafios derivam da fluidez das redes sociais, que exige um olhar crítico sobre as publicações.

Resumen | Abstract


Palavras-chave

Divulgação científica. Redes sociais. Educação em ciências.


Recebido: 12.03.2023

Aceito: 27.06.2023

Publicado: 06.07.2023

DOI: https://doi.org/10.26512/lc29202347528


Introdução


À medida que o ser humano passou a se organizar em sociedade, se fez necessário desenvolver novas formas de comunicação para a socialização dos saberes, contribuindo para o contínuo amadurecimento do conhecimento. A criação da imprensa, no século XV, foi fundamental para o início de uma comunicação de massa a partir da qual o acesso ao conhecimento foi continuamente ampliado por novos meios, tal como rádio e televisão (Fosket, 1973). Todavia, nesse processo, nenhuma tecnologia foi tão seminal na modificação das formas de comunicação quanto a Internet. O compartilhamento e fluxo de notícias e conhecimento, conectando sujeitos e instituições que formam, mantêm, desfazem e reforçam interações sociais são princípios fundamentais das redes sociais (Vermelho et al., 2014), cuja mediação da Internet amplificou sobremaneira os processos, constituindo as redes sociais digitais, convencionalmente denominadas somente de redes sociais. Como consequência, o cenário virtual tem-se configurado em um vasto campo de divulgação do conhecimento, incluindo o científico. As redes sociais oferecem diferentes oportunidades para a construção de redes de cooperação, bem como novos contextos para a divulgação científica entre diferentes tipos de pessoas e instituições (Büchi, 2016; Bombaci et al., 2016, Guidry et al., 2017). Dentre suas vantagens está a facilidade de conexões entre usuários com interesses em comum e o alcance de novos públicos. As redes sociais potencializam as publicações pelos novos caminhos de distribuição, tais como ubiquidade, aceleração, instantaneidade, compartilhamentos, conexões, interatividade, podendo ser consideradas um amplo “espaço” para a divulgação.1

Tais potencialidades das redes sociais vêm fazendo com que instituições ou cientistas, individualmente, passem a usá-las para dialogar e divulgar informações sobre suas atividades. Diferentes finalidades já foram relatadas, tais como busca por colaborações científicas (Van Noorden, 2014), compartilhamento de resultados de pesquisas científicas (Caspari, 2022), divulgação científica de próprias investigações (Collins et al., 2016), compartilhamento de notícias, dados e informações (Guidry et al., 2017). Docentes de educação básica também têm utilizado redes sociais em atividades que envolvem a divulgação de conhecimento, a troca de experiência profissional, bem como questões afetivas (Carpenter et al.; 2020). No Brasil, um dos primeiros estudos sobre ciência em redes sociais foi apresentado por Vaz e Soares (2014). Os autores investigaram o Orkut, sinalizando a existência de mais de 200 comunidades de química, cujo foco central era entretenimento e interação social.

Não obstantes tais possibilidades, como destacam Alperin et al. (2019), pouco ainda é conhecido sobre como a ciência é difundida nas redes sociais, que público atinge e se esse público interage entre si. Desde esse ponto de vista, concorda-se com Siqueira (2008, p. 11): “não é concebível ignorar ou rechaçar os meios de comunicação de massa. Novas tecnologias de comunicação se apresentam e é preciso estudá-las com vistas a buscar um aproveitamento diferente do que vêm tendo até então”. É nesse espectro que o presente trabalho teve como objetivo analisar ações de divulgação da química a partir da rede social Instagram, de modo a vislumbrar correlações com a educação científica. Como objetivos específicos se intenta: i) mapear as páginas que publicam conteúdos ligados à química; ii) traçar um perfil de administradores e; iii) caracterizar o conteúdo compartilhado. Pretende-se, com isso, responder a seguinte indagação: quais as características de contas na rede social Instagram que divulgam química e possíveis caminhos para a ampliação da educação científica a partir delas? Considerando tais aspectos, entender o processo de divulgação nas redes sociais pode ser útil para potencializar seu alcance, bem como seu uso escolar, ampliando também o processo de educação para a ciência.

Divulgação da ciência e o meio digital


A comunicação é um ato que está diretamente associado à produção do conhecimento científico. Todavia, não é apenas a comunicação entre os pares que se torna relevante, mas a comunicação para um público diversificado. Em uma das primeiras tentativas de conceituar o processo no Brasil, Bueno (1985) propôs um modelo calcado na ideia de difusão da ciência dividida em dois subprocessos: disseminação e divulgação da científica (Figura 1).

Figura 1

Esquema simplificado para o processo de difusão da ciência.

Fonte: adaptado de Gonçalves (2012).

A difusão seria o fenômeno mais amplo para a veiculação de informações científicas, abarcando todo e qualquer processo. A disseminação pode ser entendida como um tipo de comunicação que circula entre especialistas (Bueno, 1985), envolvendo um processo de validação. Já a divulgação científica (DC) trata da comunicação de/entre diferentes profissionais (jornalistas, cientistas, professores) com o público em geral (Bueno, 1985), ocorrendo em distintos espaços e meios. É importante destacar que durante a difusão científica, como um todo, há um natural e necessário processo de transformação ou recodificação dos conhecimentos que precisa corresponder ao público ao qual se destina. No caso da divulgação científica, esta, segundo Bueno (1985, pp. 1421-1422): “[…] compreende a utilização de recursos, técnicas e processos para a veiculação de informações [...], tornando os termos acessíveis ao entendimento comum”.

Já Vogt (2012) propôs um modelo de espiral para a cultura científica formado de quatro quadrantes, a partir de um eixo vertical que considera a produção/apropriação do conhecimento e um eixo horizontal sobre o tipo de discurso (Figura 2). O primeiro quadrante representa a produção do conhecimento. Os quadrantes 2 e 3 são respectivamente relacionados ao ensino escolar da ciência e para a ciência, mediantes os quais seriam formados novos cientistas e professores. Estes, por sua vez, contribuem para que a ciência alcance outro público, como jovens em formação escolar. O último quadrante diz respeito à divulgação à sociedade. O autor assinala que o processo caminha para um alargamento do conhecimento e da compreensão pública da ciência. Ainda que a espiral represente uma retroalimentação cíclica, essa noção é caracterizada por uma certa linearidade entre os quadrantes.

Figura 2

Espiral da cultura científica.

Fonte: Vogt e Morales (2017).

Em contrapartida, o mundo digital prescinde desse caminho sequencial, formando uns nós que se interconectam. Com a Internet, a divulgação da ciência cresceu em meios, espaços e na forma em que é realizada, sendo responsável por um novo paradigma nos modos da comunicação científica (Valério & Pinheiro, 2008; Santaella, 2019). Os quadrantes se fundem e se interconectam. O ensino de ciência, por exemplo, hibridiza-se à divulgação, uma vez que os estudantes trazem alguns conteúdos da Internet para salas de aula e professores estão fazendo uso dela para aumentar a conectividade com os estudantes, para ter contato com outras experiências e compartilhar ideias (Carpenter et al., 2020).

Recursos digitais, advindos da Web 2.0, estão em constante evolução e ampliação das possibilidades de conexão, permitindo que os usuários sejam tanto consumidores quanto criadores de conteúdo. Como consequência, os compartilhamentos de conteúdos sobre ciência alcançam uma vasta quantidade de pessoas. Nesse contexto, Navas et al. (2020) expõem que o uso das redes sociais para a divulgação da produção científica permite o acesso e o diálogo entre públicos de diversas áreas do conhecimento. Bücchi (1996), baseado no pensamento de Ludwik Fleck (1896-1961), aventa que o processo de comunicação da ciência mediado pela Internet pode ocorrer em diferentes formas interconectadas e não lineares, sendo identificadas ao menos quatro perspectivas: intraespecializada, interespecializada, educativa escolar e educativa popular.

No modo intraespecializado, a recodificação da linguagem é embrionária, prevalecendo informações como as de um artigo técnico-científico, com dados empíricos, procedimentos metodológicos e resultados, sendo destinados a um grupo formado por aqueles que comungam de práticas e conhecimentos específicos de uma dada área (Fleck, 2010). A circulação interespecializada já se caracteriza por uma recodificação da linguagem em maior grau, especialmente na forma de textos técnicos que podem abranger profissionais em formação ou com interesses em comum, mas que trabalham em áreas diferentes. O processo pedagógico já tem um corpo de conhecimentos consolidados, o qual aparece, por exemplo, em livros didáticos e é objeto de estudo da educação escolar. Há uma característica de acúmulo do conhecimento e linguagem que se direciona a um público mais amplo. Na perspectiva popular, o conhecimento passou por um processo de recodificação de linguagem e está presente em diferentes formas e mídias, com o intuito de abranger toda a população. Pautado nas proposições de Fleck (2010), essa estrutura de comunicação advém de quatro tipos de ciências: dos periódicos, dos manuais técnicos, dos livros didáticos (escolar) e a ciência popular. A rigor, em todos há um movimento simplificador:

[…] seja qual for a maneira de descrever um caso, a descrição sempre acaba sendo uma simplificação, permeada por elementos apodíticos e ilustrativos. […]. Caso contrário, teríamos de acrescentar a cada palavra uma nota de rodapé com restrições e explicações, e, a rigor, a cada palavra dessas notas uma segunda pirâmide de palavras […]. (Fleck, 2010, p. 105)

De um modo geral, o que a Internet proporciona por meio da rede é que um conhecimento com características intraespecíficas, por exemplo, o resultado de um experimento ou imagens de um microscópio possam ser acessadas diretamente pelo público “popular” ou escolar. Em outras palavras, não existe linearidade no processo e o diálogo pode ser multifocal e multidirecional, com o público interagindo diretamente com cientistas e seus resultados. Ainda que Fleck tenha desenvolvido suas ideias num contexto muito diferente, tendo se apoiado em estudos ligados à medicina, suas ideias são particularmente úteis como ponto de partida para a compreensão da circulação do conhecimento na Internet.

Metodologia


A pesquisa se pautou em princípios da netnografia ou etnografia virtual, cujo interesse são práticas sociais na Internet, bem como dos sentidos e significados construídos para os participantes que a integram (Hine, 2000). A netnografia abarca aspectos fundamentais da etnografia, que inclui a alta imersão do pesquisador no campo de estudo (Hine, 2000). Assim, abordagens etnográficas estão circunscritas ao contexto da pesquisa, tornando-se também adaptáveis às circunstâncias em que se desenvolvem (Hine, 2000). A interpretação dos significados exige descrições pormenorizadas advindas da observação direta que considere o tempo e o contexto de imersão.

Particularmente, esse trabalho focou a rede social Instagram, que vem se tornando cada vez mais popular, principalmente entre jovens. O procedimento de obtenção dos dados foi dividido em duas fases: imersão inicial e acompanhamento netnográfico de imersão. A imersão inicial consistiu no levantamento preliminar das contas destinadas à divulgação de conteúdo químico. Na etapa de imersão inicial, o termo “quim” foi utilizado como buscador na ferramenta de pesquisa. A busca foi realizada sucessivas vezes em um intervalo de 13 dias. O levantamento foi realizado em dezembro de 2021 e todas as contas foram organizadas em planilha para quantificação e análise. Um exame inicial averiguou o enquadramento quanto à divulgação do conhecimento químico. Como critério de exclusão considerou-se o tempo de existência, inatividade e privacidade da conta, mantendo-se para análise somente contas abertas, com, pelo menos, seis meses de existência e que não estivesse inativa por mais de 2 meses. Com isso foi obtido um total de 77 (setenta e sete) contas, que foram mapeadas quanto à data de criação e número de seguidores. A fase de imersão configurou-se pelo acompanhamento das publicações, bem como observação de publicações realizadas até então. A imersão ocorreu entre dezembro/2021 e janeiro/2022 para o levantamento inicial e entre novembro e dezembro de 2022 para o levantamento final. Esses dois momentos objetivaram avaliar possíveis alterações na quantidade e características das contas.

A imersão possibilitou a obtenção de informações sobre o perfil, bem como sobre o foco das publicações em relação ao conteúdo químico. Para a investigação do perfil de administração considerou-se a descrição na biografia, bem como informações disponibilizadas nas publicações. Assim, foram construídas categorias sobre o modo de administração (individual, coletivo ou institucional). O perfil individual é administrado por um único usuário sem associação institucional (Ex.: grupo de pesquisa, universidade, cursos de graduação/pós ou empresas). Os perfis coletivos são aqueles administrados por mais de um usuário também sem ligação com instituições. Já os perfis institucionais são caracterizados por sua relação com grupos de pesquisa, ensino ou extensão de universidades, sociedades científicas e demais organizações que possam apresentar CNPJ (Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica). Ainda no que se refere ao perfil, foi investigada a atuação profissional dos administradores, particularmente no caso das contas individuais e coletivas, da qual resultaram as seguintes categorias: estudante, professor, cientista/pesquisador, curioso pela ciência. Os resultados foram quantificados e descritos qualitativamente.

O acompanhamento das publicações possibilitou a identificação de características sobre seu conteúdo e foco. Foi utilizado caderno de campo para registros descritivos e interpretativos típicos de estudos etnográficos. Esses registros foram lidos e analisados por, pelo menos, dois pesquisadores-autores (um mais e outro menos experiente) para a identificação de padrões descritivos, os quais foram empregados para a codificação temática com base em rótulos (trechos, palavras, ideias) em comum (Flick, 2009). Divergências foram debatidas com terceiro pesquisador-autor (mais experiente) até consenso. Registros, tais como “síntese de conceitos escolares por meio de esquemas”, “uso de imagens”, “linguagem próxima a de livros didáticos” e “dicas de estudo”, permitiram inferir sobre características didáticas das publicações e posterior categorização da conta como apoio pedagógico. Por sua vez, a partir de descrições do tipo “artigo científico especializado”, “uso de linguagem técnica”, “conhecimentos acadêmicos específicos”, foi depreendida a categoria Conhecimentos especializados em química. As demais categorias construídas foram studygram (rótulos: “cotidiano de estudo”, “dicas de estudo”, “relatos da vida estudantil”) e conhecimentos gerais sobre química (rótulos: “interrelação da ciência com cotidiano/aplicações práticas”, “recodificação de linguagem para público mais amplo”, “uso de linguagem menos técnica com explicações”, “cita fontes de informação”). As categorias foram construídas por exclusão mútua, pautando-se nas publicações acompanhadas durante o período analisado. A discussão se deu de modo interpretativo bom base nos referenciais sobre divulgação da ciência na Internet e circulação do conhecimento de Fleck (2010).

Resultados e discussão


A apresentação dos resultados dividiu-se em três partes. Na primeira o mapeamento geral sobre o quantitativo de contas e alcance de seguidores. Em seguida apresenta-se o perfil de administração das contas e, por último, a caracterização quanto ao conteúdo e foco das publicações.

Mapeamento geral


O levantamento preliminar revelou crescimento temporal com ápice no ano de 2021 (77 contas). A primeira conta surgiu no ano de 2014, quatro anos após a criação da rede social. Até 2021 verifica-se um crescimento exponencial com ligeira diminuição no ano de 2022 (66 contas). Os dados apresentam concordância com o estudo de Santos e Müller (2022) quanto aos períodos de crescimento de atividade. Entre os anos de 2016 e 2020, os autores indicam que intenso início da atividade de divulgadores em plataformas digitais, sendo o período de pandemia também marcante para o crescimento.



Figura 3

Variação temporal do número de contas.

Fonte: Dados da pesquisa (2022).

Esse crescimento apresenta uma relação com o crescimento da plataforma, assim como a intensificação do uso das redes sociais. O número de usuários no Instagram em 2013 era de 150 milhões, alcançando 2 bilhões em dezembro de 2022 (Dixon, 2022). No Brasil, em outubro de 2018 havia 61,7 milhões de usuários, número que em agosto de 2020 saltou para 88,4 milhões. Associado ao crescimento do Instagram como plataforma, a pandemia provocou aumento no uso das diferentes tecnologias da comunicação, refletindo no uso das redes sociais para fins de busca e comunicação de informações ligadas à ciência (Fontes, 2021). Como consequência, o número de seguidores também cresceu, sendo o alcance de usuários outro dado relevante. Em dezembro de 2021, as 77 contas somavam 737,6 mil, número que decresceu levemente para 723,5 mil no segundo levantamento em função da diminuição de contas. Todavia, nota-se que tal decréscimo é pouco significativo e representa, na verdade, um ligeiro aumento, de cerca 10%, na média de seguidores por conta.

A variação do número de contas e de seguidores desvelam a fluidez da rede social, que tem sido apontada como uma característica perene da Internet no geral e, mais particularmente, do processo comunicativo instaurado a partir dela (Siqueira, 2008). Santaella (2019) discute o processo de ambivalência originado com a velocidade dos processos de comunicação mediados pelas tecnologias digitais. De um lado, tem-se os benefícios da ubiquidade e elevada circulação de notícias; de outro, a facilidade de manipulação e distorção daquilo que é publicado. O aumento de contas indica que o conhecimento químico pode circular de modo mais amplo, alcançando um público maior e variado. O aumento da atividade na Internet tem acontecido também com outras áreas do conhecimento, tais como literatura (Nunes & Geller, 2023), arqueologia (Caspari, 2022) e biologia (Bombaci et al., 2016).

Do ponto de vista escolar, professores podem fazer uso desse material e do crescimento da circulação da química para discussão em sala de aula, bem como orientar os estudantes a acompanhar determinadas publicações e seu conteúdo como maneira de reforçar ou produzir novas aprendizagens. Ao mesmo tempo, a ambivalência exige um cuidado acerca da qualidade das publicações. Primeiramente, em razão do que Fleck (2010, pp. 85-86) denominou de peregrinação:

Os pensamentos circulam de indivíduo a indivíduo, sempre com alguma modificação, pois outros indivíduos fazem outras associações. […]. Após uma série dessas peregrinações, não sobra praticamente nada do conteúdo original. De quem é o pensamento que continua circulando? Nada mais é do que é um pensamento coletivo, um pensamento que não pertence a nenhum indivíduo.

As publicações no Instagram implicam modificações constantes no pensamento que resultam em simplificações e mesmo em distorções. Além disso, há o risco de efeitos nocivos dos discursos que negam o conhecimento científico (Brotas et al., 2021). Particularmente nas contas aqui analisadas, não se verificou argumentos negacionistas, pelo contrário, as publicações tenderam a valorizar o conhecimento científico. Em parte, isso pode estar associado ao perfil de administradores, muito próxima à ciência, bem como a não abordagem de temas mais controversos como vacinação, que dominaram esse cenário pandêmico. Mas como qualquer recurso que possa ter finalidade educacional, uma análise criteriosa é pertinente.

Hottecke e Allchin (2020) discutem o processo de alfabetização científica midiática e a necessidade de compreender criticamente a ciência presente nas mídias modernas e redes sociais. Além da análise das publicações em termos do seu conteúdo, pontuam sobre aprender o funcionamento das mídias, incluindo interesses financeiros, o efeito “bolha” e “espelho” (controle daquilo que aparece ao usuário com base em seu comportamento na rede). Do ponto de vista de uma educação crítica, assentada nos desafios contemporâneos, é preciso não apenas compreender o modo de operação das redes sociais, mas se certificar de fontes, perceber os discursos implícitos e confrontar aquilo que é publicado, já que as redes sociais têm se configurado como espaço fértil para a proliferação de notícias falsas e alegações perniciosas (Santaella, 2019; Brotas et al., 2021).

Perfil de administração das contas


O perfil de administração das contas foi caracterizado quanto ao tipo da conta, individual, coletiva ou institucional, bem como em relação à atuação profissional de administradores. Os dados indicam um forte predomínio de contas individuais, com maior diferença no último levantamento realizado. Das contas individuais, no primeiro levantamento, 25 eram administradas por homens e 24 por mulheres. O levantamento final manteve a proporcionalidade da questão de gênero (22 homens e 23 mulheres).



Tabela 1

Modo de administração das contas que veiculam conteúdo químico via Instagram

Contas

Levantamento inicial / %

Levantamento final / %

Individuais

49 / 63,6

45 / 68,2

Coletivas

14 / 18,2

12 / 17,3

Institucionais

02 / 2,60

02 / 3,0

Não identificadas

10 / 15,6

07 / 10,6

Total

77

66

Fonte: dados da pesquisa (2021 e 2022).

Nunes e Geller (2023), em pesquisa que levantou páginas de Instagram sobre educação literária, também apontam que a administração individual prevaleceu em 48% das contas. Santos e Müller (2022), investigando o perfil de 179 divulgadores brasileiros em diferentes redes, revelaram que a administração de perfis de divulgação da ciência individualmente parece também prevalecer. Todavia, os dados representaram menor disparidade, sendo cerca de 46% dos divulgadores trabalhando sozinhos e 34% em grupos de duas a cinco pessoas. Tal diferença decorre provavelmente da multiplicidade de plataformas utilizadas pelos divulgadores deste estudo, algumas com maior tendência de colaboração como sites e blogs. Por sua vez, a questão de gênero não parece ser um fator determinante. Santos e Müller (2022) indicaram que a diferença de gênero foi inferior a 3%. Vale ressaltar que a questão de gênero passa a ser mais estratificada com o avanço da carreira científica. Mulheres ocupam maior número em cursos de graduação, pós-graduação e na docência da educação básica, níveis de ensino que se correlacionam ao perfil de divulgadores. Já na docência universitária, nas bolsas de produtividade e premiações (como o prêmio de teses ou Nobel) o número é menos significativo (Naideka et al., 2020).

No tocante aos desdobramentos educativos, a administração individual impinge maiores desafios em termos de tempo e preparo adequado do material. Discutir sobre as pessoas responsáveis pelas publicações é igualmente uma forma de inserir o debate acerca da produção e circulação do conhecimento científico, incluindo a questão de gênero e sua estratificação nos degraus mais elevados. A ciência é uma produção social e coletiva, cujas compreensão de suas práticas e funcionamento são tão importantes quanto de seu conteúdo. Allchin (2013, p. 3) vai além, ao argumentar que:

Para a tomada de decisões em situações da vida cotidiana, seja em âmbito pessoal ou social, um dos conhecimentos necessários é sobre como funciona a ciência. O conhecimento sobre a natureza da ciência pode ser tão importante, se não mais importante, do que o conhecimento de conteúdo.

Assim, analisar e interagir com contas administradas por cientistas, entre eles pesquisadores universitários, pesquisadores doutorandos e mestrandos, configura-se como possibilidade para a discussão sobre o trabalho científico no ensino escolar das ciências. Couto Junior e Santos (2019), investigando práticas sociais de cientistas mediadas pelo Facebook, sinalizam que as dinâmicas de interação possibilitam experiências formativas e a criação de redes de “aprenderensinar”. As redes sociais são assim espaços-tempo em potencial para que a população possa interagir diretamente com cientistas. O professor no contexto escolar poderia viabilizar tais interações, fazendo emergir práticas educativas no ciberespaço que permitam a discussão sobre como se faz, quem faz e quais as características do fazer ciência.

Quanto ao perfil da atuação profissional (Tabela 2), a grande maioria das contas é administrada por professores da educação básica, seguida de estudantes de graduação. Grupos, projetos e laboratórios de pesquisa/extensão foram identificados com a terceira maior ocorrência, enquanto professores de ensino superior representaram o quarto perfil mais presente. Estudantes de pós-graduação, entusiastas da ciência e instituições representaram conjuntamente em torno de 15%. Esse resultado indica a forte presença de professores com formação em química e alta relação com o meio acadêmico na produção de conteúdo digital.

Tabela 2

Perfil profissional de divulgadores da ciência

Perfil

Levantamento inicial

Levantamento final

Professor Educação Básica

35 / 45,5%

29 / 43,9

Estudante graduação

17 / 22,1%

13 / 19,7

Grupos/Laboratórios/Projetos de Pesquisa ou Extensão universitários

10 / 13,0%

08 / 12,1

Professor Ensino Superior

05 / 6,50%

05 / 7,60

Estudante pós-graduação

03 / 3,90%

03 / 4,50

Entusiastas da ciência

04 / 5,20%

05 / 7,60

Contas institucionais

02 / 2,60%

02 / 3,00

Não identificado

01 / 1,30%

01 / 1,50

Fonte: dados da pesquisa (2021 e 2022).

Santos e Müller (2022) também acenam a íntima relação de divulgadores de ciência em mídias digitais com o meio acadêmico, sendo que quase metade dos divulgadores são doutores, mestres ou graduandos. Os resultados de Nunes e Geller (2023) para contas que versam sobre educação literária também apontam elevada participação de professores, responsáveis por aproximadamente metade dos perfis identificados. A pesquisa de Carpenter et al. (2020) demonstra que os docentes se apoiam nas redes sociais, particularmente o Instagram, para usos diversos, incluindo se inspirar e aprender com experiências de outros educadores, construir grupos colaborativos e comunidades de suporte, compartilhar experiências e aumentar a interação com estudantes. Sendo assim, o Instagram parece se configurar como um espaço não convencional de formação docente e partilha de saberes; e isto sinaliza para um campo de exploração, que inclui tanto professores em atuação quanto em formação, já que os estudantes de graduação também representam significativa parcela daqueles que fazem uso dessa rede social para compartilhar conteúdos de química.

Por outro lado, a participação da universidade/instituições de pesquisa nas ações de divulgação da ciência química ainda se encontra aquém do necessário, seja do ponto de vista pessoal ou institucional. Ainda que grupos/projetos/laboratórios de pesquisa tenham um caráter institucional, estes representam uma ação coletiva isolada e não com suporte institucional. Verifica-se que a possibilidade de um tráfego do conhecimento mais direto entre aqueles que produzem ciência e a população é pouco explorado. A Internet também se configura um território de disputa, substancialmente influenciado por questões ideológicas (Massarani et al., 2020), que precisa ser ocupado por quem faz ciência e a conhece de dentro, ou seja, cientistas. Para Escobar (2018), a divulgação científica brasileira sempre foi deficiente, havendo um abismo entre a comunidade científica e a sociedade que precisaria ser, urgentemente, superado. Para tanto, a comunidade científica precisa assumir maior responsabilidade.

Lógicas e verdades científicas no papel não bastam. Para pressionar os políticos é preciso, primeiro, convencer a sociedade; e é aí que entra (ou deveria entrar) a divulgação científica. Para que as pessoas defendam a ciência, elas precisam, primeiro, entender porque a ciência é importante para a vida delas; e ninguém melhor para explicar isso do que os próprios cientistas. (Escobar, 2018, p. 32)

Escobar (2018) argumenta que atualmente a Internet e as redes sociais seriam um caminho para que cientistas se envolvessem com a divulgação, sendo este um desafio tanto individual quanto institucional. Conquanto se concorde que os cientistas precisam de maior engajamento nessa prática, é preciso assinalar que apenas boas intenções e interesse individual são insuficientes para a divulgação científica de qualidade. Ainda que as ações de professores, estudantes e pesquisadores possam ser louváveis, é preciso, entre outros fatores, compreender o papel das mídias, o uso dos recursos e da linguagem, bem como tempo e financiamento para a promoção de uma divulgação científica qualificada. É fundamental que programas de divulgação da ciência sejam fomentados para sua implementação e institucionalização, elevando as ações de divulgação e estimulando projetos individuais que passariam a ser igualmente mais qualificados.

Características das contas quanto ao conteúdo compartilhado


Em termos das características das contas, foram identificados quatro grupos principais, de acordo com o conteúdo das publicações (Tabela 3), destacando-se dois dados. O primeiro é o amplo predomínio de contas do tipo apoio pedagógico no levantamento inicial. O outro aspecto foi a variação abrupta deste tipo de conta, resultando em crescimento da categoria conhecimentos gerais sobre química. As contas tipo studygram também sofreram variação que pode ser vista como significativa.

Tabela 3

Categorização das contas conforme conteúdo das publicações nos levantamentos inicial e final

Tipos de contas

Levantamento inicial / %

Levantamento final / %

Apoio pedagógico

44 / 57,1

24 / 36,4

Studygram

15 / 19,5

08 / 12,1

Conhecimentos gerais sobre química

15 / 19,5

31 / 47,0

Conhecimentos especializados sobre química

03 / 3,90

03 / 4,50

Fonte: dados da pesquisa (2021 e 2022).

Essa variação parece indicar que os tipos de contas estão associados ao perfil de administração. Contas de conhecimentos gerais sobre química originadas de pesquisadores (individualmente ou a partir de grupos/projetos/laboratórios) não variaram significativamente e, inclusive, demonstraram em algumas publicações fundamentos sobre o processo de divulgação da ciência. Já as contas de apoio pedagógico e studygram são administradores que iniciam a atividade sem uma perspectiva definida, geralmente ainda como estudantes de graduação ou professores em início de carreira. Logo, as incertezas e mudanças que geralmente ocorrem nessas fases também interferem nos conteúdos publicados e tipos de conta (Santos & Müller, 2022). Além disso, com o retorno de atividades presenciais e o menor tempo de atividade na Internet, parcela das contas também modificou o foco das publicações, com algumas tornando-se inativas.

Em termos das características de publicações, as contas de apoio pedagógico direcionam-se para conteúdos escolares, fazendo forte uso de processos de recodificação de linguagem que buscam um efeito de humor, incluindo como recursos imagens, memes, síntese de informações (Figura 4A), dicas de estudo e resolução de questões/exercícios (Figura 4B). No geral, são administradas por estudantes ou professores que visam estabelecer novos espaços diálogo com um público mais amplo, incluindo estudantes.

Figura 4

Publicação em conta de apoio pedagógico apresentando síntese de informações (4A) e resolução de questão (4B)

Fonte: dados da pesquisa (4A - Mapeandoaquimica, 2021; 4B - Adrianoalves_quimica, 2021).

Notou-se também que as publicações variam com o intuito de obter um maior engajamento do público, fortemente associado à interação com o conteúdo (Costa et al., 2019). A preocupação com uma linguagem acessível a uma audiência mais ampla é a tônica. As características de comunicação transitam entre a educativa e a popular, aproximando-se do que Fleck (2010, p. 166) denominou de ciência popular, “[…] para não especialistas, ou seja, para círculos amplos de leigos adultos com formação geral”, a qual apresentaria um caráter simplificado, menos detalhada, ilustrativa e esteticamente agradável. A dimensão estética advém da plasticidade emotiva, típica em adaptações para um público mais amplo (Fleck, 2010). A plasticidade emotiva evidencia-se por recursos “para tornar significativa uma informação, que envolve, além de imagens (gráficos, desenho e fotos) o uso de metáforas tocantes” (Oliveira, 2012 p. 131). Estudos acerca das possibilidades pedagógicas do Instagram relatam que os professores postam e procuram com frequência dicas, exemplos de atividades de ensino, materiais didático-pedagógicos (Carpenter et al., 2020) e organizam atividades com os estudantes (Carpenter & Justice, 2017). As redes sociais, de modo mais genérico, também teriam a potencialidade de aproximar estudantes e docentes (Pinheiro & Santos, 2019).

Por outro lado, o uso de simplificações e retextualizações didáticas incorrem muitas vezes em simplificações conceituais. Em algumas, há o reforço de concepções alternativas ou equívocos, com a valorização de informações superficiais e de caráter animista (Figura 5).

Figura 5

Publicação em conta categorizada como de apoio pedagógico apresentando conteúdo com elemento de humor (meme)

Fonte: dados da pesquisa (Quimicaanime, 2021).

Neste caso, há um reforço de que as ligações químicas se refiram essencialmente aos elétrons, seja por meio de transferência, compartilhamento ou mobilidade, em detrimento a sua compreensão como força de atração entre os átomos que atuam na estabilização energética do sistema. De fato, essa já é uma concepção equivocada relatada na literatura deste assunto (Taber & Coll, 2002), mas que ganha novos contornos a partir das redes digitais, exigindo um olhar atento para sua problematização.

Muito comum entre estudantes são as contas do tipo studygram. De tradução literal “esquema de estudo”, são contas em geral organizadas para relatar aspectos do cotidiano de estudo, incluindo dicas, resumos e os esquemas. Segundo Costa et al. (2022), studygrams têm se constituído em espaço informal de aprendizagem de conceitos e atitudes para quem produz e acessa o conteúdo, em geral por enfocarem questões relacionados ao ensino (Figura 6). O tipo de conteúdo compartilhado varia, sendo muito comum o uso de fotografias e vídeos que socializam anotações de estudo, livros e atividades acadêmicas diversas, além de discussão de aspectos da química, os desafios e as conquistas da vida estudantil.

Tendo em vista que algumas das razões para o uso do Instagram entre docentes e estudantes é buscar não apenas conteúdos, mas experiências que possam inspirar, assim como suporte emocional e interatividade com pares (Carpenter et al., 2020), contas do tipo studygram podem funcionar não apenas para a circulação do conhecimento, mas de experiências acadêmicas. Tais resultados vão ao encontro do estudo de Vaz e Soares (2014) na rede social Orkut. Os autores indicam que o foco das comunidades de química não esteve centrado em aspectos educativos propriamente, direcionando-se ao entretenimento e interação social.

Figura 6

Publicação em conta categorizada como studygram apresentando esquema de estudo

Fonte: dados da pesquisa (Quiresumo, 2021).

Para Fleck (2010, p. 159): “A estrutura emaranhada da sociedade moderna faz com que os coletivos de pensamento se entrecruzem espacial e temporalmente”, aproximando indivíduos com perspectivas similares e constituindo redes de apoio. Vale a ressalva, no entanto, que as comunidades virtuais nem sempre são inteiramente saudáveis (Nagle, 2018). O espaço virtual, em função de uma suposta proteção pela distância, potencializa preconceitos e discriminação, podendo criar um árido terreno, embora não seja o caso de nenhuma das contas analisadas, que parecem se configurar mais como um espaço para experiências positivas.

As contas de conhecimentos gerais sobre química se caracterizam por comporem um nó entre distintos especialistas da ciência química os quais atuam em diferentes campos. Entre eles pesquisadores-docentes de ensino superior, professores da educação básica, estudantes de pós-graduação-pesquisadores. Outro fator desse perfil de contas é a linguagem empregada. Nota-se, por meio da análise das publicações, um processo de transformação da linguagem que se apresenta de modo a buscar um diálogo com um público mais amplo possível, mas mantendo aspectos técnicos (Figura 7). Há um cuidado com relação ao conteúdo mais formal, incluindo-se fontes das informações. Assim, a ciência envolvida guarda elementos técnico-científicos, mas o processo de comunicação figura de um caráter interespecializado para o educativo e o popular.

O exemplo (Figura 7) carrega as características centrais da perspectiva da divulgação científica, com uma linguagem direta e buscando diálogo com o possível interlocutor (“Fala pessoal! Quem aí já sentiu o perfume de uma dama da noite?”), uso de exemplos e situações cotidianas, termos técnicos, estruturas químicas e explicações com recodificação de linguagem.

Figura 7

Publicação em conta categorizada como “conhecimentos gerais sobre química”

Agrupar 25

Fonte: dados da pesquisa (Foto_quimica, 2022).

A categoria conhecimentos especializados sobre química foi a que apresentou o menor número de contas, fato provavelmente associado ao perfil do público ao qual se destina. As publicações abarcam a divulgação de conteúdos sobre química e áreas de interface normalmente direcionados a um público com formação acadêmica nesta área (Figura 8).

Figura 8

Publicação com caráter de conhecimento especializado em química

Fonte: dados da pesquisa (Quimicanovasbq, 2022).

Não há um cuidado particular com a recodificação da linguagem para um público mais abrangente, assemelhando-se em alguns de seus aspectos com a ideia de disseminação científica descrita por Bueno (1985). Predomina uma comunicação de caráter mais intraespecializado e a ciência dos periódicos, o que requer um conhecimento sobre o assunto abordado. Trata-se da publicação de uma revista especializada em química, com resumo gráfico e textual, em linguagem mais técnica (e estrangeira), ao mesmo tempo em que utiliza de recursos visuais e estéticos. Embora se verifique o caráter mais intraespecífico, o cenário virtual já se configura em um espaço próprio de múltiplas linguagens e transformação dos modos comunicativos. Percebe-se assim a plasticidade estética, mas diferentemente do que Fleck (2010) apontou sobre sua presença na ciência popular, aqui passam a se relacionar a uma área específica com o intuito de chamar atenção de um grupo particular de pessoas para a publicação. Tais características conferem maior sustentação a perspectiva em rede da comunicação científica. Não só os atores do processo, mas os modos e recursos empregados passam a fazer parte dos diferentes tipos de ciência no sentido fleckiano. O que antes era publicado de modo impresso e divulgado somente entre associados de dada entidade científica, tem possibilidade de ser acessado sem custo por mais pessoas.

Considerações finais


Com o objetivo de analisar as ações de divulgação da química via Instagram estabelecendo possíveis desdobramentos educativos, o presente trabalho empreendeu uma pesquisa de caráter etnográfico virtual para responder a seguinte indagação: quais as características de contas na rede social Instagram que divulgam química e possíveis caminhos para a ampliação da educação científica a partir delas? Os resultados sinalizam para um crescimento da circulação do conhecimento químico nessa rede social, caracterizado tanto pelo crescimento do número de contas como de seguidores. Ao mesmo tempo, verifica-se volatilidade na rede social, ou seja, há uma variação positiva e negativa em termos de manutenção das atividades virtuais. A avaliação pormenorizada do fenômeno precisará de acompanhamento mais longitudinal das publicações.

No tocante às características das contas, predominam aquelas administradas individualmente, bem como por professores da educação básica e estudantes de graduação, que representam a maioria das contas de apoio pedagógico e studygram. A pandemia apresenta forte correlação com estes dados, em função da necessidade de maior conectividade para os estudos, bem como intensificação das atividades na Internet. Ao mesmo tempo, indicam que a atividade de divulgação em química via Instagram ocorre de certo modo aleatoriamente e amadoramente. Isto é, os divulgadores iniciam suas atividades frequentemente sem propósitos bem estabelecidos e sem um conhecimento teórico acerca do que é e quais as características da divulgação científica. As contas de conhecimentos gerais sobre química são comumente originadas de pesquisadores (individualmente ou a partir de grupos/projetos/laboratórios) que, inclusive, demonstram em algumas publicações fundamentos sobre o processo de divulgação da ciência e preocupação com citação de fontes. Além disso, verificou-se forte migração de contas de apoio pedagógico para conhecimentos gerais, revelando maior aproximação com aspectos da divulgação da ciência.

Em termos dos desdobramentos educativos há desafios e possibilidades. Os desafios derivam da fluidez das redes sociais, que exigem conhecer suas características e um olhar crítico sobre o volume e a qualidade daquilo que é publicado. Nesse sentido, é um processo de alfabetização científica-midiática (Hottecke & Allchin, 2020), em que docentes necessitam orientar atividades com intencionalidades específicas. Ampliar a participação de cientistas nesse processo de divulgação científica é outro desafio. Já as possibilidades estariam relacionadas aos diversos tipos de conteúdo que circulam, desde aqueles mais intraespecializados (ciência dos periódicos) até os populares na visão fleckiana, sendo possível discutir o processo de produção do conhecimento, interagir com cientistas via redes sociais, além de se inspirar e acessar conteúdo químico em linguagem diversificada.

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Sobre os autores


Jéssyca Silva de Lima


Universidade Federal de Alagoas, Arapiraca, AL, Brasil

https://orcid.org/0009-0002-9473-6301


Licencianda em química pela Universidade Federal de Alagoas (UFAL), Campus Arapiraca. Estudante voluntária do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica. Membro do Grupo de Pesquisa Educação e Difusão Química e Científica (EDifQUICI). E-mail: jessyca.lima@arapiraca.ufal.br


Mayra Tamires Santos Silva


Universidade Federal de Alagoas, Arapiraca, AL, Brasil

https://orcid.org/0009-0009-5625-5030


Licencianda em química pela Universidade Federal de Alagoas (UFAL), Campus Arapiraca. Estudante voluntária do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC/UFAL) e bolsista de Apoio à Difusão do Conhecimento pelo CNPq. Membro do Grupo de Pesquisa Educação e Difusão Química e Científica (EDifQUICI). E-mail: mayra.santos@arapiraca.ufal.br


Marlos Gabriel da Cruz Machado


Universidade Federal de Alagoas, Arapiraca, AL, Brasil

https://orcid.org/0009-0007-3973-8706


Licenciando em química pela Universidade Federal de Alagoas (UFAL), Campus Arapiraca. Estudante bolsista do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC/UFAL). Membro do Grupo de Pesquisa Educação e Difusão Química e Científica (EDifQUICI). E-mail: marlos.gabrielm@gmail.com


Miyuki Yamashita


Universidade Federal de Alagoas, Arapiraca, AL, Brasil

https://orcid.org/0000-0002-5562-1619


Doutora em química pela Universidade Estadual de Campinas (2002). Professora da Universidade Federal de Alagoas, Campus Arapiraca, atuando no curso de graduação em medicina e no Programa de Pós-Graduação em Ensino e Formação de Professores (PPGEFOP). Membro do Grupo de Pesquisa Educação e Difusão Química e Científica (EDifQUICI). E-mail: miyyama@gmail.com


Wilmo Ernesto Francisco Junior


Universidade Federal de Alagoas, Arapiraca, AL, Brasil

https://orcid.org/0000-0003-4591-4490


Doutor em química pela Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP) (2011). Professor da Universidade Federal de Alagoas, Campus Arapiraca, atuando no curso de graduação em química e nos Programas de Pós-Graduação em Ensino e Formação de Professores (PPGEFOP), Educação (PPGE) e doutorado em ensino da Rede Nordeste em Ensino (RENOEN). Bolsista de Produtividade do CNPq e líder do Grupo de Pesquisa Educação e Difusão Química e Científica (EDifQUICI). E-mail: wilmojr@gmail.com


Resumen


Este trabajo investigó características de la divulgación en química desde Instagram con apoyo en la etnografía virtual para el levantamiento de datos. Los resultados mostraron un fuerte crecimiento de cuentas hasta 2021 (77 en total), así como en el número de seguidores. El perfil de los administradores és de personas vinculadas al campo de la química, como docentes y estudiantes de diferentes niveles educativos, actuando la mayoría individualmente. Fueran identificadas cuentas de apoyo pedagógico, estudigrama, de divulgación de conocimientos generales sobre química y de conocimientos especializados sobre química. Desafíos derivan de la fluidez de las redes sociales, lo que requiere una mirada crítica sobre las publicaciones.


Palabras clave: Divulgación de la ciencia. Redes sociales. Educación de ciencias.




Abstract


This work investigated characteristics of chemical popularization on Instagram employing virtual ethnography for data gathering. The outcomes demonstrated exponential raising of accounts up to 2021 (77 in total), as well as its followers. The administrators’ profile is composed of people associated with Chemistry, especially teachers and students from different teaching levels who have mostly worked individually. The accounts were characterized as: pedagogical support, studygram, communication of general knowledge about chemistry and communication of specialized chemical knowledge. Challenges may arise from fluidity of social midia, which require a critical view of the posts.


Keywords: Public communication of science. Social media. Science education.



Linhas Críticas | Periódico científico da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília, BrasilISSN eletrônico: 1981-0431 | ISSN: 1516-4896

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Referência completa (APA): Lima, J. S. de, Silva, M. T. S., Machado, M. G. da C., Yamashita, M., & Francisco Junior, W. E. (2023). Química e Instagram: como vem se formando essa mistura? Linhas Críticas, 29, e47528. https://doi.org/10.26512/lc29202347528

Referência completa (ABNT): LIMA, J. S. de; SILVA, M. T. S.; MACHADO, M. G. da C.; YAMASHITA, M.; FRANCISCO JUNIOR, W. E. Química e Instagram: como vem se formando essa mistura? Linhas Críticas, v. 29, e47528, 2023. DOI: https://doi.org/10.26512/lc29202347528

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Os autores são os detentores dos direitos autorais deste manuscrito, com o direito de primeira publicação reservado à revista Linhas Críticas, que o distribui em acesso aberto sob os termos e condições da licença Creative Commons Attribution (CC BY 4.0): https://creativecommons.org/licenses/by/4.0


1Os autores agradecem ao CNPq pelas bolsas de iniciação científica (M. G. C. Machado), produtividade de pesquisa (W. E. Francisco Junior) e à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Alagoas/FAPEAL pelo financiamento do projeto “Rede social Instagram e ciência: práticas de divulgação do conhecimento e potencialidades educativas”.

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